Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01704/14.6BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/17/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:SINDICATO DOS TRABALHADORES DA FUNÇÃO PÚBLICA DO NORTE, CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS/RELAÇÃO JURÍDICO-LABORAL SUBORDINADA
Sumário:I-O que pretende o aqui Recorrente, ou seja, a conversão de um contrato de prestação de serviços numa relação de emprego pública determinaria que o tribunal se substituísse ao legislador no exercício do poder legislativo;

I.1-a relação jurídica de emprego na Administração Pública, em qualquer das modalidades previstas na Lei, sempre teria que ser precedida de Concurso Público de seleção de pessoal como, aliás, decorre do artigo 47°/2 da CRP;

I.2-independentemente das circunstâncias em que o serviço foi prestado pela associada do Autor, não pode o tribunal emitir uma pronúncia a reconhecer que se estabeleceu uma relação de emprego público, sob pena de tornar o regime legal de constituição da relação jurídica de emprego público em causa facilmente defraudável, através do recurso à conversão judicial de situações não enquadráveis naquele regime em relação de emprego público;

I.3-a ser colhida a tese sufragada pelo Autor, estaríamos a criar uma nova forma de acesso à função pública, isto é, pela via judicial, sendo que esta repete-se, está dependente de concretização legislativa;

I.4-concluindo-se pela impossibilidade legal de conversão em contrato de trabalho por tempo indeterminado o contrato de prestação celebrado com uma pessoa colectiva de direito público, a comunicação feita pela Entidade Demandada à R.A., denunciando o contrato, com respeito de um aviso prévio de 15 dias, não consubstancia um despedimento, nem dá lugar ao pagamento de qualquer indemnização por suposto despedimento ilícito;

I.5-ademais é a própria cláusula 7, alínea a) do contrato a determinar que não é devida qualquer indemnização, desde que a denúncia opere com respeito de, pelo menos, um aviso prévio de 15 dias, o que ocorreu no caso posto.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública do Norte
Recorrido 1:Estado Português.
Recorrido 2:Instituto de Segurança Social, I.P.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO

O Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública do Norte, em representação da sua associada M., propôs contra o Estado Português e o Instituto de Segurança Social, I.P., todos melhor identificados nos autos, acção administrativa especial, formulando os seguintes pedidos:
a) “Declarar-se nulo o denominado “contrato de prestação de serviços” da RA, pelos vícios apontados;
b) Declarar-se a existência de uma relação jurídico-laboral subordinada entre o R. Instituto de Segurança Social, I.P. e a RA;
c) Condenar o R. Instituto de Segurança Social I.P., no pagamento de todos os montantes remuneratórios não pagos à RA desde 28 de Fevereiro de 1996 por força da relação jurídico-laboral existente desde então, no que se mantém relapso, designadamente todos os subsídios de férias e de natal, e
d) Declarada a conversão dos contratos por força do determinado na Directiva 1999/70/CE do Conselho, de 28/06/1999, tudo com as legais consequências, inclusive remuneratórias, tudo acrescido de juros à taxa legal até efectivo e integral pagamento,
E,
e) Caso assim não se entenda, o que por mera hipótese se admite, sejam os RR. condenados, solidariamente, a pagar à RA. uma indemnização calculada nos termos de um procedimento de despedimento ilícito imputado à entidade empregadora pública Instituto de Segurança Social, I.P.,
f) Sempre condenados os RR. nas custas integrais da lide, tudo com as legais consequências.”
Por decisão proferida pelo TAF do Porto foi julgada improcedente a acção, absolvido da instância o Réu Estado Português e absolvido de todos os pedidos o Réu Instituto de Segurança Social, I.P..
Desta vem interposto recurso.
Alegando, Aquele formulou as seguintes conclusões:
1°. Sobem os presentes autos à superior consideração de V. Exas. atenta a decisão que considerou improcedente a acção administrativa comum [Ant. NCPTA] e, em consequência absolveu o Réu dos pedidos, a qual padece de erro nos pressupostos de facto e, por consequência, aplicou inadequadamente o direito,
2°. Muito embora tenha reconhecido o Tribunal a quo que "salvo disposição legal em contrário, a legitimidade passiva cabe à pessoa colectiva pública de direito público a quem seja imputável o acto jurídico, in casu o contrato de prestação de serviços, que se pretende impugnar. É a ela, portanto, e não ao Estado Português, que a lei reconhece em primeira linha o interesse directo em contradizer o pedido formulado pelo autor."
3°. Pelo que decidiu... "Ante o exposto, é forçoso concluir que o Réu Estado Português é parte ilegítima na presente demanda, dado que a mesma pertence, em exclusivo, ao Réu Instituto de Segurança Social, com quem a representada do Autor celebrou o contrato de prestação de serviços cuja validade se encontra em discussão nos presentes autos.";
4°. Porém, mesmo aqui, se está perante uma situação que não é assim tão linear ou liquida;
5°. De facto, este não deveria ter sido o melhor desfecho a considerar no presente caso. Senão, veja-se o que nos diz a jurisprudência quanto a este respeito. Pode ler-se no âmbito do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.° 01080/15 de 19-05-2016 que: "De acordo com o critério da coincidência, para se aferir da personalidade judiciária, a resposta natural para um ato praticado por um órgão da pessoa colectiva de direito público como o Estado, seria o Estado. Ora, este artigo 10° n° 2 ao atribuir personalidade judiciária implícita aos ministérios, pelo facto de determinar que são as entidades a demandar, não está a retirar qualquer personalidade judiciária ao Estado mas apenas a retirar-lhe a legitimidade para ser demandado. Não podemos esquecer que, sendo a personalidade judiciária um atributo dos sujeitos, a implícita alusão deste preceito à personalidade judiciária é o apenas na sua extensão aos ministérios, porque não podem ser partes legítimas sem previamente lhes ser atribuída personalidade judiciária, e não na diminuição de qualidades do sujeito como a amputação da sua personalidade judiciária. Isto é, não é pelo facto de o Estado ser considerado parte ilegítima por não ser a parte passiva na demanda para este tipo de ações, que o preceito lhe está a amputar a sua personalidade judiciária. O Estado, enquanto tal, tem personalidade jurídica, e por inerência personalidade judiciária, apenas carecendo de legitimidade enquanto réu no âmbito de litígios relativos a atos ou omissões praticados pelos respectivos órgãos dos seus ministérios, isto é, face à posição que ocupa na concreta relação processual. O Estado não é um estranho na relação jurídica em causa.
Não podemos esquecer, como refere Freitas do Amaral, in "Curso de Direito Administrativo", 2ª edição, vol. 1, pág. 221, que «apesar da multiplicidade das atribuições, do pluralismo dos órgãos e serviços, e da divisão em ministérios, o Estado mantém sempre uma personalidade jurídica una. Todos os ministérios pertencem ao mesmo sujeito de direito, não são sujeitos de direito distintos: os ministérios e as direcções-gerais não têm personalidade jurídica (...) o Estado-administração é uma pessoa colectiva pública autónoma, não confundível com os governantes que o dirigem, e nem com os funcionários que o servem, nem com as outras entidades autónomas administrativas, também dotadas de distinta personalidade jurídica, tais como as regiões autónomas, as autarquias, as associações, institutos, empresas públicas, com personalidade jurídica, património, direitos, obrigações, atribuições, competências, finanças, pessoal próprios e que são terceiros em relação ao Estado (...)», Os ministérios, na organização do Estado, mais não são que meros departamentos de organização dos órgãos e serviços do seu órgão central Governo, dirigidos pelos respectivos ministros, sem qualquer tipo de personalidade jurídica ou judiciária».
No caso sub judice o Estado não ficou sem aptidão para ser titular autónomo de relações jurídicas apenas porque se estendeu a personalidade judiciária aos seus organismos em determinadas situações.
Os ministérios tornam-se assim sujeitos processuais, tornam-se entidades com personalidade judiciária, no âmbito de litígios, pelos atos ou omissões praticados pelos seus órgãos respectivos.
Trata-se da atribuição de "personalidade judiciária" a departamentos do Estado que, por carecerem de personalidade jurídica, não deteriam, ai partida, a susceptibilidade de ser parte.
A expressão a que se alude neste artigo 10 n° 2 apenas refere que, em vez de ser demandado o Estado (como deveria ser por força do princípio da coincidência), deve ser demandado o ministério.
E, face a esta expressão é que, por inerência, se pressupõe a atribuição de personalidade judiciária aos ministérios. [...] O CPTA veio com este art. 10° flexibilizar os critérios de atribuição de personalidade judiciária, possibilitando ao autor demandar quer a pessoa coletiva de direito público, quer, no caso do Estado, o Ministério, quer ainda o órgão administrativo a quem é imputável a ação ou omissão em litígio, conforme resulta do art.° 10 n° 4, ao estabelecer que no caso de erro na identificação do autor do ato se considera a ação proposta contra a pessoa colectiva de direito público ou, no caso do Estado, contra o ministério a que o órgão pertence, [...] Em suma, não está aqui em causa a susceptibilidade de o Estado poder estar presente no processo, que é uma condição para que o juiz possa decidir de mérito, compor definitivamente o litígio, sob pena de perda de qualquer utilidade, mas tão só de ser a parte que deve ser demandada como réu na relação jurídica controvertida. Pelo que, a questão que aqui se coloca é, tão só, a de suprimento da ilegitimidade do Estado para figurar como entidade demandada na relação jurídica em causa.
Em suma, no caso dos autos, entendemos não haver impedimento ao convite à correção e aperfeiçoamento da petição nos termos do art. 88° do CPTA e de acordo com o princípio in dubio pra actione expresso no artigo 7.° do CPTA donde se retira que em caso de dúvida a interpretação jurídica deve favorecer a emissão de pronúncia de mérito, em nome da tutela jurisdicional efetiva (art. 20. °, n. °s 4 e 5, da CRP). Ou seja, por força do art. 88.° do CPTA, impunha-se ao julgador, em sede do dever de conhecer obrigatoriamente de «todas as questões que obstem ao conhecimento do objeto do processo», e do princípio da cooperação processual [arts. 08.° CPTA e 265.° CPC/07 - atuais arts. 06.° e 411.° do CPC/2013], a existência dum dever de providenciar pela prévia correção dos articulados e do suprimento das exceções dilatórias. A decisão de absolvição da instância não deveria, portanto, ter tido lugar antes da decisão de convite ao aperfeiçoamento.
E conclui:
"Em face de todo o exposto acordam os juízes deste STA em: [...] determinar a baixa dos autos ao TAF, a fim de ai ser proferido despacho a convidar a ora Recorrente a aperfeiçoar a sua petição inicial no que concerne à identificação da Entidade Demandada, prosseguindo os autos em conformidade."
6°. Mas não se ficam por aqui todas as incoerências verificadas na douta decisão a quo;
7º. Precisamente, perante o caso sub judicio, como pôde o Tribunal "a quo" concluir contrariamente ao peticionado e a respeito da " Nulidade do contrato de prestação de serviços celebrado entra a representada do Autor e o Réu Instituto da Segurança Social [...] que o contrato de prestação de serviços celebrado com a representada do Autor e o
Centro Regional de Segurança Social do Norte não é nulo por duas ordens de razão.
Primo, o regime da nulidade do Artigo 35.° da Lei n.° 12-A/2008, de 27 de Fevereiro não lhe é aplicável, conforme se constatou. Secundo, o contrato celebrado reúne todas as formalidades exigidas pelo Decreto-lei n.° 141/89, de 28 de Abril, que é o regime legal concretamente aplicável aos contratos que revestem essa natureza. Termos em que, improcede o fundamento do Autor, segundo o qual o contrato de ajudante familiar celebrado com a sua representada é nulo.";
8°. Ou que, a respeito "Da conversão do contrato de prestação de serviços celebrado com a representada do Autor e o Réu Instituto de Segurança Social [...]: i) o contrato firmado pela entre a representada do Autor e o Réu não é um contrato de trabalho sem termo, mas sim um contrato de trabalho de prestação de serviços de ajudante familiar, com as especificidades decorrentes do regime que lhe é próprio, ou seja, o previsto no Decreto-lei n.° 141/89, de 28 de Abril. ii) mesmo que se considerasse que tal contrato revestia a natureza de um contrato de trabalho sem termo, o mesmo nunca se converteria num contrato de trabalho em funções públicas sem termo. Termos em que, improcedem os argumentos do Autor e, consequentemente não se converte o contrato celebrado pela sua representada e o Réu em contrato sem termo."
9°. Ao invés, a matéria de facto apurada, demonstra com relativa facilidade que a RA. teria direito, isso sim, a ser assegurada pelos RR no pagamento de todas as importâncias retributivas e demais abonos reclamadas, nomeadamente, por condenação do R. INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL, I.P. ao pagamento desses montantes por força da relação jurídico-laboral existente desde então, no que se mantém relapso, designadamente todos os subsídios de férias e de natal;
10°. Declarando-se, por isso, a conversão dos contratos por força do determinado na Directiva 1999/70/CE do Conselho, de 28.06.99, tudo com as legais consequências, inclusive remuneratórias, tudo acrescido de juros à taxa legal até efectivo e integral pagamento, ou, subsidiariamente, caso assim não se entendesse, o que por mera hipótese se admitiu;
11°. Condenados solidariamente os RR a pagar à RA. uma indemnização calculada nos termos de um procedimento de despedimento ilícito imputado à entidade empregadora pública INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL, I.P..,
12º. Lamentavelmente, nada disto se sucedeu, inviabilizando-se a possibilidade de uma decisão justa ou, pelo menos, equitativa para com os casos análogos.
13°. Posto isto, a convicção formada pelo Tribunal "a quo" precludiu pelo descrédito das evidências.
14°. Continua, por isso, sem entender a RA porque motivação não lhe foi dada razão.
15°. Estando, por aqui também, demonstrado que neste âmbito determinante a sentença errou sobre os pressupostos de facto, tendo fundamentado de forma errada a sua decisão, quer de facto, quer de direito.
16°. É evidente que o Tribunal "a quo" partiu de erradas premissas e, com base nelas, fundamentou a sua decisão.
17°. Sucede que, face a esta matéria de facto apurada, as conclusões da decisão teriam de ser em sentido diametralmente oposto às tiradas pelo Tribunal "a quo".
18º. Com efeito, aos autos foram explicados os motivos do pedido da RA, pedindo-se o reconhecimento da existência de uma relação jurídico-laboral subordinada entre o R. INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL, I.P. e a RA, e por isso a conversão do correspondente contrato que a sustenta, bem como;
19°. O respectivo ressarcimento de todos os créditos laborais decorrentes daquela relação laboral.
20°. Não se entende agora porque razão vem o Tribunal "a quo" por em causa a sua pretensão, dando como totalmente improcedente a sua pretensão, por totalmente não provada, nomeadamente, nos aspectos que de seguida se apontam.
21°. Da sentença recorrida pode ler-se o seguinte: "Da nulidade do contrato de prestação de serviços celebrado entre a representada do Autor e o Réu Instituto de Segurança Social; Alega o A. que o contrato celebrado entre a sua representada e o Centro Regional de Segurança Social do Norte é nulo, nos termos do Artigo 36. ° n. °1 da Lei n.° 12-A/2008, de 27 de Fevereiro. [...] Vejamos. Dispõe o Artigo 36.° n.°1 da Lei 12-A/2008, de 17 de Fevereiro que serão nulos os contratos de prestação de serviços, que violem o disposto nos n. 's 2 e 4 do Artigo 35. ° do mesmo diploma legal.
22°. E não obstante reconhecer o Tribunal a quo da particularidade daquela nulidade poder ser subsumível ao caso em litígio, conclui, no entanto, pelo seguinte: É certo que a Lei 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, entretanto revogada pela Lei 80/2017, de 18 de Agosto, que estabelecia o Regime de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores em funções públicas, estabelecia um regime de invalidade dos contratos de prestação de serviços. Porém, tal regime não será de aplicar ao caso dos autos, conforme pretende o Autor. Senão vejamos. Nos termos do Artigo 35.° n.°1 da Lei 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, poderão ser celebrados pelos órgãos e serviços a quem seja de aplicar o regime daquele diploma legal, contratos de prestação de serviços nas modalidades de contrato de tarefa e de avença. [...] Ora, o contrato de prestação de serviços celebrado para o exercício de actividade de ajudante familiar, não reveste a natureza de nenhum desses contratos".
E continua;
"Ao contrário do contrato de tarefa, o contrato para ajudante familiar não tem por objecto o exercício de uma actividade específica e excepcional, podendo exceder a duração prevista contratualmente, dado que resulta do Artigo 10.° n.°1 do Decreto-lei n.° 141/89, de 28 de Abril que, deverá constar do contrato escrito as condições que determinam a renovação do contrato, o que significa que o mesmo pode exceder a duração inicialmente prevista. O contrato de prestação de serviços para ajudante familiar, também não reveste a natureza de contrato de avença, uma vez que, não obstante o facto de aquele contrato não instituir uma relação de subordinação, ao contrário do alegado pelo Autor, os ajudantes familiares não são profissionais liberais. Além de que, as condições de cessação são distintas nos dois tipos de contratos [...]. "
Para finalmente concluir;
"Em razão do acabado de referir, é forçoso concluir que o contrato de prestação de serviços celebrado com a representada do Autor e o Centro Regional de Segurança Social do Norte não é nulo por duas ordens de razão. Primo, o regime da nulidade do Artigo 35.º da Lei n.° 12-A/2008, de 27 de Fevereiro não lhe é aplicável, conforme se constatou. Secundo, o contrato celebrado reúne todas as formalidades exigidas pelo Decreto-lei n.° 141/89, de 28 de Abril, que é o regime legal concretamente aplicável aos contratos que revestem essa natureza. Termos em que, improcede o fundamento do Autor, segunda o qual o contrato de ajudante familiar celebrado com a sua representada é nulo."
23°. Posto isto, é notória mas sobretudo curiosa a forma como Tribunal a quo proferiu este juízo, o qual, apesar de não vir a dar razão à RA, não poderia, no entanto, ser mais complacente com o reconhecimento da nulidade do contrato celebrado entre aquela e o 1.°R
24°. Relembra, pois, o Recorrente os factos que deram mote aos presentes autos para que possa, afinal, melhor entender-se a anterior afirmação.
25°. Conforme alegado na p.i, a Representada do Autor (RA) celebrou com o Instituto da Segurança Social, I.P. (ISS, I.P.), um contrato denominado "contrato de prestação de serviços", alegadamente celebrado ao abrigo do artigo 10° do Decreto-Lei n.° 141/89, de 28/04, com a categoria de Ajudante Familiar, cuja cópia se encontra anexa aos autos, sob o Doc. n.° 2 e aqui se dá como integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.
26°. Por via daquele contrato, celebrado em 28/02/1996, a RA, perfez, à data da denúncia do mesmo, mais de 18 (dezoito) anos de serviço efectivo, sempre, no exercício das mesmas funções, ou seja, prestava ao ISS, I.P. trabalho de forma constante e ininterrupta, em regime de subordinação jurídica, hierárquica e mediante retribuição.
27°. Designadamente, chegou a ter de fazer horário em regime de turnos, pois recebia ordens para "tapar buracos", ou seja, substituir funcionárias que faltavam ao trabalho;
28°. Recebia ordens da Sra. Directora do Serviço local de Baião da Segurança Social e/ou da Directora do Lar Residencial das Fontainhas;
29°. Usava uma farda de serviço (uma bata);
30°. Efectuava registo de entrada e saída do serviço;
31°. Utilizava os materiais de trabalho disponibilizados pelo serviço;
32°. Esteve sujeita ao poder de direcção e disciplinar do 1° R., tanto assim que quando tivesse necessidade de faltar tinha de apresentar justificação no serviço;
33°. Foi-lhe atribuído um número de funcionária do I.S.S., I.P., a saber o n° 401110;
34°. Tinha um horário rígido (quando não lhe exigiam que fizesse turnos, o que de vez em quando também acontecia) de Segunda a Sexta-feira, com entrada às 8,00 horas e saída às 16,00 horas com uma hora de intervalo entre as 13,00 horas e as 14,00 horas;
35°. Chegou a praticar um horário rígido de Segunda a Sexta-feira, com entrada às 9,00 horas e saída às 17,00 horas com uma hora de intervalo entre as 13,00 horas e as 14,00 horas;
36°. Prestava as suas funções em estabelecimentos sob protocolo com o 1° Réu (o I.S.S., I.P.), ou onde este designasse.
37°. Ou seja, tudo características que não são de todo compatíveis com um contrato de prestação de serviços, mas antes, de um contrato de trabalho, como melhor se expenderão.
38°. Durante todo o período de contratação a RA. gozou normalmente as suas férias, mas nunca recebeu a competente remuneração, bem como nunca recebeu subsídio de natal.
39°. Pese embora o facto de o 1° R. pretender a vinculação, em regime de contrato de prestação de serviços, a sua motivação foi sempre que a RA. prosseguisse a mesma actividade, com as mesmas funções, na mesma categoria, no mesmo local de trabalho, com a mesma retribuição.
40°. E que, não obstante o 1° R. ter feito operar a denúncia do denominado contrato de prestação de serviços da RA., por comunicação postal (Cfr. DOC. 3 anexo e que aqui se dá como integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos), tal actividade ainda subsiste, já que enquadrada no objecto do ISS, I.P, ou mesmo no interesse público que este prossegue, como se pode constatar no Lar Residencial das Fontainhas, nos utentes domiciliados de Baião e na Santa Casa da Misericórdia de (...) (Lar de Idosos de Santa Marinha do Zêzere).
41°. Prova evidente e irrefutável de tal facto consiste na manutenção da função para a qual a RA. foi contratada, que ainda subsiste.
42°. Com efeito, a contratação por via do contrato de prestação de serviços previsto no já referido Decreto-Lei n.° 141/89 ou mesmo que fosse a termo certo ou incerto de um trabalhador por parte de pessoa colectiva pública, no âmbito da Lei n° 23/2004, de 22/06, só pode ter lugar para o preenchimento de uma necessidade temporária do serviço.
43°. O que não é manifestamente o caso, já que a duração deste vínculo conta com mais de 18 anos, como já alegado, não seria para fazer face a necessidades temporárias ou esporádicas do 1° R.
44°. Assim, embora no âmbito de um contrato denominado de Contrato de Prestação de Serviços, consubstancia a execução de um verdadeiro contrato de trabalho a sua actividade de forma ininterrupta entre final de Fevereiro de 1996 e 30 de Abril de 2014, ao serviço do 1° R.
45°. Dai que, a conclusão da RA só poderia coadunar-se com a representação de uma verdadeira nulidade contratual.
46°. Atento ao exposto e ao que se encontra previsto na actual legislação (artigo 36° n.° 1 da Lei 12-A/2008, de 27 de Fevereiro), só poderia ter concluído a RA pela nulidade do alegado, mas falso, contrato de prestação de serviços, muito embora, sem prejuízo dos efeitos produzidos pelo mesmo.
47°. Conforme dispõe, de resto, aquela normativa, a qual diz que: "Sem prejuízo da produção plena dos seus efeitos durante o tempo em que tenham estado em execução, os contratos de prestação de serviços celebrados com violação dos requisitos previstos nos n.os 2 e 4 do artigo anterior são nulos."
48°. Sendo que, nos termos destes n.° 2 e 4 do artigo 35.° da Lei 12-A/2008 de 27 de Fevereiro se dispõe, respectivamente e na parte que importa aqui apurar, que "A celebração de contratos de tarefa e de avença apenas pode ter lugar quando, cumulativamente. - a) Se trate da execução de trabalho não subordinado, para a qual se revele inconveniente o recurso a qualquer modalidade da relação jurídica de emprego público; [...] Sem prejuízo dos requisitos referidos nas alíneas c) e d) do n.° 2, a celebração de contratos de tarefa e de avença depende de prévio parecer favorável dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública, relativamente à verificação do requisito previsto na alínea a) do n.° 2, sendo os termos e tramitação desse parecer regulados por portaria dos mesmos membros do Governo."
49°. Daí que não possa concordar a RA com a decisão do Tribunal a quo quando este vem a concluir pela improcedência da sua acção.
50°. Primeiro porque, no entender desta, aquele tribunal interpretou mal o que veio, afinal, a ser peticionado.
51°. Note-se que, ao contrário do que veio a entender o Tribunal a quo, não pretendia a RA ver reconhecida ao contrato celebrado com o 1.° R a forma jurídica de um contrato de Tarefa ou de Avença, conforme designação prevista nos termos do n.° do artigo 35.° da Lei n.° 12-A/2008, de 27 de Fevereiro.
52°. De facto, não foi esse o peticionado pela RA.
53°. Deu-se, portanto, por parte daquele tribunal um erro nos pressupostos de facto e, por consequência, de direito.
54°. Note-se, de resto, que nunca a RA tão pouco se questionou quanto à legalidade da celebração, no âmbito da Administração Pública, dos contratos de prestação de serviço.
55°. Como alegou em primeira instância, o contrato de prestação de serviços que a AR quer ver declarado nulo, foi celebrado (legalmente) de acordo com as disposições previstas no Decreto-lei n.° 141/89 de 28 de Abril.
56°. O que verdadeiramente está em causa reconhecer, e neste caso é evidente, é a violação do princípio da segurança no emprego, plasmado no Art. 53° da CRP, com a manutenção de uma relação jurídica laboral à margem da Lei.
57°. Daí que peticione, como peticionou igualmente a RA, pela nulidade da denúncia do contrato de prestação de serviços celebrado com o 1.° R.
58°. De facto, houve uma incompreensão dos pressupostos alegados pela RA levando o Tribunal a quo a afastar-se de uma decisão fundamentada nos factos trazidos a juízo, e, por isso, desprovida, ao mesmo tempo, de legalidade formal mas, sobretudo, substancial.
59°. Por isso, se pergunta a RA porque razão veio afinal o Tribunal "a quo" concluir sobretudo pelo argumento contrário ao defendido por si.
60°. Resta concluir que algo falhou na douta decisão, tudo indicando para o erro na avaliação dos pressupostos fácticos e jurídicos, repita-se.
61°. Denotando, especificamente, a presença evidente de erros graves de apreciação da prova que, por si, foram causadores de contradições insanáveis ao âmbito deste processo.
62°. Só podemos concluir que a presente decisão inferiu conclusões contraditórias, falhando no apuramento da verdade dos factos e pondo em causa os direitos da RA., tudo em prejuízo da boa decisão da causa.
63°. Daí que a conclusão que é transcrita pela decisão não tenha grande expressão quando se afirma que "Termos em que, improcede o fundamento do Autor, segundo o qual o contrato de ajudante familiar celebrado com a sua representada é nulo."
64°. Isto porque, primeiramente, e ao contrário do que foi entendido pelo Tribunal a quo, o regime da nulidade do Artigo 35.° da Lei n.° 12-A/2008, de 27 de Fevereiro deve sim ser aplicável ao contrato celebrado entre a RA e o 1.°R, por força da excepção prevista nos termos do Artigo 36.° do mesmo diploma.
65°. De facto estamos sim, conforme dita esta normativa, perante um contrato de prestação de serviços celebrados com violação dos requisitos previstos nos n.° 2 e n.°4 do artigo 35.° da Lei n.° 12-A/2008 de 27 de fevereiro, pois que;
66°. Todo e qualquer contrato, designado juridicamente por contrato de prestação de serviços, porque celebrado com os órgãos e serviços cuja Lei 12-A/2008 de 27 de Fevereiro deva ser aplicável (é o caso dos Réus) e que não respeito o disposto nos n.° 2 e n.° 4 do artigo 35.° da norma, é sim um contrato nulo, com os efeitos previstos nos termos do n.°1 do seu artigo 36.°.
67°. Assim, quando o contrato celebrado pelas partes, designado juridicamente pela entidade contratante como sendo de prestação de serviços, conforme o foi e ao abrigo do art.° 10.° do Decreto-lei 141/89 de 28 de Abril;
68°. E porque existe o inconveniente de se recorrer a qualquer modalidade da relação jurídica de emprego público;
69°. Então, só poderemos estar perante um contrato de prestação de serviços, não obstante a sua nulidade evidenciada ao abrigo do disposto no artigo 36.° da Lei 12­A/2008 de 27 de Fevereiro, ainda que não lhe dêmos o nome de contrato de tarefa ou de Avença.
70°. Em conclusão, entende a RA que a norma presente no n.°1 do artigo 36.° da Lei 12­A/2008 de 27 de Fevereiro não é uma norma de aplicação aos contrato de Tarefa ou de Avença, conforme quer querer o Tribunal a quo,
71°. Entende por isso a RA que a normativa do n.°1 do artigo 36.° da Lei 12-A/2008 de 27 de Fevereiro visa anular toda e qualquer forma contratual de prestação de serviços, que, independentemente do seu nome, envolva uma relação jurídica de emprego público, sem que a mesma esteja em total representação das condicionantes previstas nos termos dos n.° 2 e n.° 4 do art.° 35.° da Lei 12-A/2008 de 27 de Fevereiro.
72°. Nulidade igualmente, constate-se, aplicável ao contrato celebrado entre a RA e os RR.
73°. Senão veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, referente ao processo n.° 1111/13.8T4AVR.S1 de 08-10-2014 e que conclui a este propósito o seguinte: "O distinguo entre as figuras próximas do contrato de trabalho e de prestação de serviço objectiva-se na existência ou não de uma situação de subordinação jurídica, típica daquele. Daí que, não obstante a denominação formal utilizada (contrato de prestação de serviços em regime de avença), a prestação de funções - com carácter de permanência e regularidade, integradas no organismo onde se exerce a actividade contratada, em período correspondente a uma carga horária, com férias remuneradas, prévia destinação de tarefas e sujeição a instruções - subsume-se no regime do contrato de trabalho. Na sentença sub specie, [...], considerou-se, no essencial (transcrevemos): «Concluindo que foram celebrados contratos de trabalho será de ver se são devidos os créditos peticionados pelos autores tendo por base a celebração desse tipo de contratos. Sucede que, não resultando que tivessem sido observadas as condições estabelecidas no DL n.º 427/89 para preenchimento de um quadro de pessoal, não resultando que tivesse sido observado o procedimento de selecção, esses contratos são nulos, pois contrariaram o disposto em normas imperativas (no caso normas do DL n.º 427/89) - art. 294º do Código Civil -, sendo a nulidade de conhecimento oficioso (cfr. art. 286º do Código Civil)"
74°. Daí que, numa segunda ordem de ideias, volte a RA a impugnar um segundo e último argumento do Tribunal a quo recorrido para declarar, afinal, a improcedência da nulidade do contrato celebrado entre as partes, o argumento de que "o contrato celebrado reúne todas as formalidades exigidas pelo Decreto-lei n.° 141/89, de 28 de Abril, que é o regime legal concretamente aplicável aos contratos que revestem esta natureza."
75°. Quanto a este, resta apenas dizer, mais uma vez, que o que se questiona não é a legalidade da celebração do contrato outorgado pelas partes;
76°. O que verdadeiramente está em causa, repita-se, é a violação do princípio da segurança no emprego, plasmado no Art. 53° da CRP, com a manutenção de uma relação jurídica laboral à margem da Lei.
77°. De resto, remeta-se a melhor explicação deste pressuposto legal para a leitura do acórdão do Tribunal Constitucional n.° 237/01, processo n° 769/2000, de resto já citado em sede de 1.a instância, mas que não se deixa aqui de se lembrar novamente, em nome da razão jurídica que deve ser reconhecida, senão a todo o processo, pelo menos, perante os erros de interpretação do Tribunal a quo. Vejamos: "[...] a norma do n.° 2 do art.° 10° do Decreto-Lei n° 141/89 (a qual prescreve que [p]ela celebração do contrato os ajudantes familiares não adquirem a qualidade de empregado, funcionário ou agente das instituições de suporte), se interpretada no sentido de permitir a cessação, pela «instituição de suporte», daqueles contratos e em qualquer altura, (...) feria o principio da segurança no emprego consagrado no artigo 53° da Lei Fundamental"
78°. Como norma Constitucional que é, deve ser por isso superior e unanimemente interpretada, independentemente das leis que a contradigam ou da particularidade dos factos que se lhe subjazam.
79°. Ao contrário do que vem a fundamentar a decisão do tribunal a quo quando diz que "o Tribunal Constitucional pronunciou-se no sentido da inconstitucionalidade da norma vertida no Artigo 10. ° n.° 2 do Decreto-lei n.° 141/89, de 28 de Abril [...] tendo em conta a interpretação láctica que foi acolhida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, ou seja, de que se estava perante uma relação laboral [...] o que não resulta do regime jurídico sob o qual o contrato foi elaborado. Ademais que, e conforme o Acórdão menciona, "Note-se que diferente posicionamento deveria ser o seguido se porventura a «qualificação» do contrato em causa como contrato de trabalho resultava, não dos factos que foram dados como provados pelo Tribunal a quo, mas sim da própria interpretação do contrato decorrente da sua previsão legal."
80°. Não se entende, no entanto, porque razão, afinal, veio o Tribunal a quo fazer recurso a este argumento, pois que;
81°. Da leitura do acórdão e na humilde interpretação da RA, apenas é possível inferir-se a ideia de que apenas não deveria declarar-se a inconstitucionalidade da norma presente no n.° 2 do Art.° 10.° do Decreto-lei n.° 141/89, de 28 de Abril, se aquela «qualificação» do contrato em causa como contrato de trabalho" resultasse, pois, do próprio contrato.
82°. Ora se fosse este o cenário, nem precisaria a RA vir aos autos, como veio, pedir o reconhecimento da nulidade do contrato celebrado com o 1.° R. O próprio contrato reconheceria o seu estatuto de trabalhador subordinado, e aí, de facto, não estaríamos perante uma norma inconstitucional.
83°. No entanto, é conveniente continuar a ler o que vem a concluir-se afinal naquele mesmo acórdão do STJ citado pelo Tribunal a quo vejamos, então para que não restem dúvidas de interpretação da Jurisprudência assente quanto a esta matéria:
"Note-se que diferente posicionamento deveria ser o seguido se porventura a «qualificação» do contrato em causa como contrato de trabalho resultava, não dos factos que foram dados como provados pelo Tribunal a quo, mas sim da própria interpretação do contrato decorrente da sua previsão legal. É que, numa tal situação, já o Tribunal Constitucional poderia sindicar essa qualificação, para efeitos de análise da conformidade constitucional da norma previsora do contrato. Assente este circunstancionalismo, a questão a resolver não se apresenta revestida de acentuadas dificuldades.
Como se viu, a decisão ora impugnada entendeu, após ter efectuado a subsunção jurídica a que acima se fez referência, que a norma do n° 2 do art° 10° do Decreto-Lei n° 141/89 (a qual prescreve que [piela celebração do contrato os ajudantes familiares [contrato esse que deve constar de documento escrito, é assinado por ambas as partes e onde se estabelece o período previsto para a sua vigência e as condições determinantes da sua renovação e através do qual é ajustada a realização da prestação de serviços de ajuda domiciliária entre as «instituições de suporte» e os «ajudantes familiares»] não adquirem a qualidade de empregado, funcionário ou agente das instituições de suporte), se interpretada no sentido de permitir a cessação, pela «instituição de suporte», daqueles contratos e em qualquer altura, ainda que os mesmos tivessem sido alvo de renovação para além do limite legal das renovações constantes do ordenamento jurídico regulador da contratação a prazo, feria o princípio da segurança no emprego consagrado no artigo 53° da Lei Fundamental. E, por isso, recusou a sua aplicação ao caso então em apreço.
E conclui:
"Seja como for, e sem tomar posição quanto à questão que se apenas se equacionou no ponto antecedente, que é certo é que, partindo da interpretação efectuada pela decisão sub iudicio - ou seja, que se colocava no caso dos autos uma relação laboral que era regulada, por entre o mais, pela norma ora em apreço -, então ser-se-á levado a concluir que, tratando-se de formação que, regulando especificamente pelo menos um aspecto da relação laboral (aspecto esse sem dúvida essencial, já que reportado a uma forma de cessação dessa relação jurídica), haverá de ser considerada como uma estatuição que perfeitamente se inclui na matéria atinente aos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores e, consequentemente, a respectiva edição inseria-se, ao tempo em que ocorreu, na competência exclusiva da Assembleia da República, ex vi da alínea b) do n° 1 do artigo 168° da versão da Constituição decorrente da Lei de Revisão Constitucional n° 1/82, de 30 de Setembro. (cfr., sobre o que se deve incluir naquela alínea, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2ª edição, 2° volume, 199). Acontece, porém, que o Decreto-Lei n° 141/89 foi editado pelo Governo no exercício da sua competência legislativa concorrente com a Assembleia da República e sem que se mostre que o órgão parlamentar tivesse concedido àqueloutro órgão executivo autorização para o editar. Assim sendo, uma interpretação da norma ínsita no n° 2 do art° 10° do Decreto-Lei n° 141/89 da qual se extraia que da mesma resulta a possibilidade conferida às «instituições de suporte» de cessar em qualquer altura os contratos celebrados com os denominados «ajudantes familiares» - contratos esses que são qualificados como contratos de trabalho - e, por isso, não respeitando os limites e número máximo de renovações impostos pela legislação reguladora da contratação a termo pelas entidades patronais privadas, conduz a que um tal normativo enferma de inconstitucionalidade orgânica. III Em face do exposto, o Tribunal decide: - a) Julgar inconstitucional, por violação da alínea b) do n° 1 do artigo 168° da versão da Lei Fundamental decorrente da Lei de Revisão Constitucional n° 1/82, de 30 de Setembro, a norma constante do n° 2 do artº 10° do Decreto-Lei n° 141/89, de 28 de Abril, na interpretação segundo a qual dela decorre a possibilidade conferida às «instituições de suporte» de cessar em qualquer altura os contratos celebrados com os denominados «ajudantes familiares» - qualificados como contratos de trabalho - e, por isso, não respeitando os limites e número máximo de renovações impostos pela legislação reguladora da contratação a termo pelas entidades patronais privadas [...]"
84°. Esta é, de facto, a interpretação que a RA vem fazer, e sobretudo, clamar aos autos pelo seu melhor entendimento.
85°. Contrariamente ao que veio a fundamentar o Tribunal a quo para afinal negar provimento ao pedido de reconhecimento da nulidade da denúncia do Contrato de prestação de serviços celebrado entre as partes.
86°. Posto isto, e deixando para trás, mas sem deles prescindir, todos os demais argumentos a favor da declaração da nulidade do contrato de prestação de serviços celebrado entre a RA e o 1.° R, vejamos o que mais vem a concluir o Tribunal a quo a respeito, ainda, da nulidade da denúncia deste contrato.
87°. Da douta decisão pode continuar a ler-se o seguinte: "Alega o Autor que a denúncia do contrato de prestação de serviços celebrado com a sua representada e o Réu é nula, uma vez que o motivo invocado para a denúncia do contrato é inverídico, dado que a actividade que o Réu prossegue subsiste e subsistirá. [...] Ora, verifica-se que na comunicação da intenção de denunciar o contrato de ajudante familiar celebrado com a representada do Autor, não foi invocado qualquer fundamento para a denúncia do mesmo, pelo que não se percebe o que motivou o Autor a afirmar que a denúncia do contrato é nula, pelo facto de o Réu ter invocado um fundamento para a mesma que é inverídico, quando, na verdade, o Réu não alegou qualquer fundamento na referida comunicação."
88°. A respeito, e não obstante a inexistência de uma razão formal porque de uma denúncia de contrato pretendia o 1.° R que se tratasse, o que é facto é que na verdade este fundamentou mal, e por isso fundamento inveridicamente a cessação do mesmo.
89°. Porque, no entendimento da RA tudo se tratava afinal da cessação (ilegal, diga-se) de um contrato de trabalho, o fundamento utilizado pelo 1.° R para denúncia (leia-se despedimento) tornou-se inverídico, porque não correspondente com a realidade factual da observância do contrato.
90°. Com a acção intentada, quis a RA. que o Tribunal a quo aferisse da conformação legal da contratação e do termo estipulado e, posteriormente da causa invocada na comunicação da denúncia, cuja análise deveria ter sido objecto o texto contratual ­e assim a veracidade do motivo aduzido.
91°. E, ter tido presente que o R. ainda prosseguia, como prossegue, a mesma actividade.
92°. Posto isto, como disse e reitera o Recorrente, tal não foi feito, induzindo todo o processo à culminação de graves erros de interpretação e postergação dos normativos legais e jurisprudências.
93°. Na verdade, o que aqui se entende é que a decisão do Tribunal a quo ora recorrida está em manifesta contradição com a melhor interpretação da Lei e, por isso também, em contradição com o que vem sendo jurisprudencial decidir aos casos análogos.
94°. Tem, por isso, a Recorrente a segura convicção de que V. Exas., avaliando os fundamentos que supra se deixaram expendidos, não deixarão de acolher a sua pretensão, determinando a correcção da decisão nos termos aqui propugnados.
95°. Naturalmente, não obstante o enorme respeito que nos merece o douto tribunal a quo e, bem assim, o evidente cuidado havido aquando da elaboração da douta sentença recorrida.
96°. Porém, não pode a Recorrente conformar-se com a mesma, por entender que padece de vícios que a podem, inclusive, ferir de nulidade.
97°. No entanto, não faltam decisões jurisprudenciais tomadas neste sentido. Veja-se a este propósito o que diz o Acórdão do Tribunal.
98°. Por outro lado, decidiu ainda o Tribunal a quo não dar razão à RA na medida em que deveria improceder o seu pedido de condenação do Réu Instituto de Segurança Social ao pagamento do subsídio de férias e de natal desde 28 de Fevereiro de 1996.
99°. "O Autor peticiona [argumenta o Tribunal a qual que sejam pagos à sua representada os subsídios de férias e de natal, desde 28 de Fevereiro de 1996, ou seja, desde a data de celebração do contrato de prestação de Serviços com o Réu. Fá-lo, partindo do pressuposto que se firmou entre a sua representada e o Réu se estabeleceu uma relação jurídico-laboral. Porém, conforme decorre da fundamentação de direito expendida até então, tal não se verifica, razão pela qual não tem a sua representada direito ao pagamento de tais créditos laborais."
100°. Ora, curiosamente, este ponto 4 a que se refere o Tribunal a quo nada mais contém do que alguns dos factos controvertidos e objecto da sua acção intentada pela RA.
101°. Os quais, de resto, desde o início deram mote à pretensão da mesma e fundamentaram o seu pedido de condenação dos RR, por se encontrarem inquinados de ilegalidades avulsas: tanto por violação de lei de forma, como por ofensa a lei de fundo.
102º. Daí que venha a RA, sim, a "partir do pressuposto" da existência de uma relação jurídico-laboral com o 1.° R, como refere o Tribunal a quo, pois atrás de tal pressuposto existe, na verdade, toda uma realidade factual que o sustenta e que, por isso, faz prova de facto e de direito do alegado em juízo pela RA.
103°. E continua: "Tanto mais o contrato celebrado, apenas prevê o pagamento da retribuição devida pela prestação do serviço em questão, do subsídio de refeição e, bem assim, das despesas em que a mesma possa incorrer no exercício da actividade [...]."
104°. Quanto a este pressuposto, e para o seu melhor entendimento, note-se o que não pode a RA deixar de vir mais uma vez aos autos retomar e que se prende com a razão do seu pedido.
105°. Lembra a RA que todo o objecto da sua acção não se coaduna tanto com a legalidade e condições formais da celebração do contrato de prestação de serviços que lhe garantiu o acesso à profissão de ajudante familiar.
106º. Não, de facto o que a motivou foi muito mais o reconhecimento das condições ilegais sobre as quais decorria o vínculo contratual (leia-se laboral), criado entre as partes, pugnando principalmente pelo total desfasamento daquelas condições contratadas.
107°. De resto, o que não ficou provado também em juízo, (mas que o Tribunal a quo insiste em que se tome por provada) tal como qualquer outro facto em toda a douta decisão, curiosamente, foi a questão do momento da exigência da RA sobre o 1.° R do direito aos subsídios de férias e de natal.
108°. Não se percebe, afinal, porque razão vem o Tribunal a quo argumentar sem fundamento fáctico "[...] que, a representada do Autor apenas pretendeu fazer vingar a tese de que, na verdade, a relação jurídica que se estabeleceu entre si e o Réu, por força do contrato, era uma relação jurídica de natureza laboral, quando aquele manifestou a sua intenção de denunciar o contrato. Pois que durante os dezoito anos em que prestou a actividade de ajudante familiar, M. nunca exigiu o pagamento de subsídios de férias ou de natal, ou sequer se arrogou de quaisquer tipo de direitos que advém da natureza daquele tipo de relação jurídica."
109°. Quanto a este ponto, acrescenta a RA, sempre a mesma procurou fazer valer tal direito junto da primeira Ré, como, de resto, todo o restante peticionado, não obstante o descrédito desta.
110°. Contrariamente, não pode agora a RA ficar satisfeita quanto ao conteúdo destas conclusões infundadas e por isso desproporcionais ao direito reclamado.
111°. No entanto, não faltam no nosso ordenamento jurídico posições que se pronunciam contra decisões semelhantes às proferidas pelo tribunal a quo. Veja-se a este propósito o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferida no âmbito do processo n.° 106/14.9TTSTR.S1 de 12-05-2006, o qual vem afinal confirmar a imaculada pretensão da RA. Como é dito: "os artigos 36.°, n.° 1, e 94°, n.° 2, da Lei n.° 12-A/2008 cominaram com a nulidade os contratos de prestação de serviço celebrados com violação dos requisitos legais. Mas ressalvaram a produção plena dos seus efeitos durante o tempo em que tenham estado em execução, o que igualmente remete para os arts. 83. °, 84.°, n.° 1, da Lei 59/2008, de 11/9. E, mais recentemente, para a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.° 35/2014, de 20/6, que veio dispor no mesmo sentido. 4.3. Contudo, em tais circunstâncias, e conforme já se deixou antever, a nulidade dos contratos de trabalho por violação das citadas normas imperativas não impede que os mesmos produzam efeitos, como se fossem válidos, durante o período de tempo em que estiveram a ser executados, aplicando-se ao facto extintivo ocorrido antes da declaração de nulidade ou anulação as normas sobre a cessação do contrato. É este o regime que resulta das disposições conjugadas dos arts. 15.°, da LCT, 114°, 115.° e 116.°, n.° 1, do Código do Trabalho de 2003, e 121°, 122.° e 123°, n.° 1, do Código do Trabalho de 2009. Solução que, como refere Monteiro Fernandes [161, «(...) consiste, afinal, em se fazer funcionar a invalidade somente para futuro deixando, portanto, incólumes os efeitos que o contrato tenha produzido até à correspondente declaração».[...] Concretizando, no que aqui importa, diremos que, se para a afirmação de créditos reclamados, decorrentes da execução do contrato de trabalho declarado nulo, se tem de atender à verificação dos pressupostos da sua existência, medida e forma de cálculo (com abstracção do vício de que padece, ou seja, como se fosse o contrato sempre válido), igual raciocínio há-de impor-se relativamente às condicionantes e prazos legalmente estabelecidos para o seu exercício."
112°. Do acabado de expor, compreende-se perfeitamente porque motivações se pauta a RA. para afiançar a sua posição contra a decisão do Tribunal a quo quando o mesmo conclui: "Termos em que, não tem a representada do Autor direito ao pagamento de subsídios de férias ou de natal."
113°. Por conclusão também, decidiu o Tribunal a quo que deveria improceder o pedido de condenação do Réu Instituto de Segurança Social a pagar à representada do Autor compensação por despedimento ilícito. "Assim sendo, [entendeu-se] prevendo o contrato e a lei a possibilidade de denúncia a todo o tempo, sem indemnização, desde que cumprido o prazo de pré-aviso - que como se verificou foi cumprido - o Réu não agiu de forma ilícita, nem a representada do Autor foi despedida de forma ilícita. Razão pela qual, não tem direito a qualquer indemnização ou compensação."
114°. Tal pedido deveu-se tão simplesmente à obrigatoriedade legal de reconhecimento à RA de uma relação jurídica laboral por tempo indeterminado nos termos do Art.º 14.° da Lei 59/2008 de 11 de Setembro, arguida em sede de 1.ª instância e de recurso.
115°. No entanto, em nada desta defesa teve em conta a decisão do Tribunal a quo, ignorando todo o alegado a este respeito e remetendo, mais uma vez, as suas conclusões para a exclusividade das condições contratadas e da sua correspondência com o regime jurídico vigente à data da celebração do contrato de prestação de serviços.
116°. Desconsiderando veemente a materialidade normativa e os pressupostos jurisprudências que garantiriam, numa diferente decisão, o reconhecimento da existência de um contrato nulo, e por isso, passível a todo o tempo de se declarar como tal.
117°. Como argumentou anteriormente a RA em sede de primeira instância e repete agora em fase de recurso, não obstante ser o concurso o regime regra do recrutamento e selecção de pessoal para a Administração Pública cfr. art. 47, n°2 da CRP e no seu desenvolvimento como o dispunha o Art. 1° do Decreto Lei n.° 204/98, de 11 de Julho;
118°. E independentemente de se conceber ou não que a Administração Pública possa proceder ao recrutamento e selecção de pessoal através de contrato individual de trabalho, ao tempo regulado pelos diplomas supra referidos;
119°. Atendendo, contudo, ao circunstancialismo da situação da RA., designadamente o vínculo já existente entre esta e os RR., o tipo de contrato a celebrar seria sempre um contrato sem termo;
120°. Atentas as necessidades duradouras e permanentes do 1° R., que não justificavam nunca a utilização de inúmeras renovações do contrato, numa relação com mais de 18 (dezoito) anos de antiguidade.
121°. O alegado contrato de prestação de serviços, o uso abusivo da "estipulação de termo" e bem assim a comunicação da denúncia verificados no caso sub judicio violaram, como se disse, expressamente o art. 53º da CRP, por configurarem um atentado ao Princípio e ao direito à segurança no emprego.
122°. Eram e são, portanto, legítimas as expectativas da RA., em pensar que seria sempre necessária para fazer face a necessidades permanentes do 1° R. tanto mais que decorrendo a sua contratação há mais de 12 anos à data da entrada em vigor da lei 59/2008, de 11 de Setembro, deveria o R. ter criado o lugar para o seu efectivo preenchimento.
123°. Isto se não existissem vagas, pois que nesse caso seriam as mesmas aditadas ao mapa de pessoal, na medida do preenchimento dos respectivos lugares - cfr. n° 4 do art° 14° da Lei 59/2008.
124°. À luz do quadro legal vigente, concretamente as Leis n° 59/2008, de 11 de Setembro, que aprovou o regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, e Lei n° 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, que estabelece os regimes de vinculação, carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas, de resto já referido, impunha-se ao 1° R. a tomada de posição relativa ao vínculo da RA.
125°. O posto de trabalho e as funções que a RA. sempre ocupou é, nada mais nada menos, do que o lugar e funções necessários ao normal exercício da actividade do 1° R. tanto mais que quer o posto de trabalho, quer as funções e actividade não se extinguiram.
126°. Assim, quer à luz da Lei n° 23/2004, quer do Código do Trabalho, quer também do RCTFP, sempre a contratação da RA. deveria ser aferida e tida como sem prazo, ou, na pior das hipóteses, convertido em sem prazo como de direito.
127°. Desta sorte, a RA. nunca deveria ter visto o seu vinculo laboral cessar, por, simplesmente, se verificarem os pressupostos legais para a continuidade da relação jurídico-laboral entre a RA. e o 1° R., constituindo o mais relevante, a prossecução da actividade para a qual a RA. foi contratada.
128°. De salientar que o 1° R. não pagou à RA qualquer compensação pela denúncia contratual que efectuou, apesar de ter beneficiado do seu trabalho durante mais de 18 (dezoito) anos.
129°. Daí a necessidade da condenação do 1.° R pedida pela RA para a compensação respectiva do seu despedimento ilícito, não obstante transmutado na denúncia (ilegal) do contrato celebrado e completamente desconsiderada pelo Tribunal a quo.
130°. Daí a necessidade de se ver, não só, reconhecida a existência de um despedimento ilícito no caso em concreto, como também, a constituição de uma relação jurídica de emprego público por tempo determinado, criada e decorrente da relação jurídica estabelecida ao abrigo daquele contrato de prestação de serviços.
131°. Daí o igual pedido negado pelo Tribunal a quo para a conversão do contrato de prestação de serviços celebrado com RA e o 1.°R.
132°. Em conclusão, declarou: "O entendimento jurídico manifestado pelo Autor, no que respeita à conversão do contrato em questão nos autos num contrato de trabalho em funções públicas, parte do pressuposto de que o contrato firmado entre a sua representada e o Réu é, na verdade, um contrato de trabalho a termo que se foi renovando de forma repetida e sucessiva no tempo. Porém, não lhe assiste razão, dado o contrato celebrado não é, conforme assevera o Autor, um alegado contrato de prestação de serviços, mas sim um verdadeiro contrato de prestação de serviços com as características próprias que o legislador lhe conferiu mediante a criação do regime legal constante do Decreto-lei n.° 141/89 de 28 de Abril. [e continua] Portanto, atendendo às funções que são desempenhadas pelos ajudantes familiares [...], nenhuma disposição constitucional dispõe que é inadmissível que o legislador ordinário, no uso das suas competências legislativas, estabeleça um regime especificamente direccionado para a actividade em questão, afastando-a da regulação nos termos gerais de um contrato individual de trabalho [...]."
133°. A Directiva 1999/70/CE do Conselho, de 28.06.99, ao "Estabelecer um quadro para evitar os abusos decorrentes da utilização de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo" tem como propósito evitar a repetição de abusos como os vividos pela RA.
134°. Directiva, de resto, transposta para o direito interno, como se disse, carecendo o Estado português não só da sua aplicação, como ainda da interpretação do direito interno à luz ou em conformidade com o direito comunitário.
135°. No que tange ao direito interno, e como forma de se abster de interpretação diversa, à situação interna no âmbito da Administração Pública, pelo menos, deveria o 1° R. aplicar ao caso concreto o Art. 14° do diploma preambular, do RCTFP, relativa à situação jurídico laboral concreta. Ora,
136°. No caso concreto da RA., à data da entrada em vigor da lei 59/2008 já contava a mesma com mais de doze anos de duração do vínculo, como se disse, pelo que teria de haver o reconhecimento pela entidade empregadora pública da necessidade de ocupação de um posto de trabalho com recurso à constituição de uma relação jurídica de emprego público por tempo determinado.
137°. Temos assim que o R. deveria, no mínimo, ter cumprido escrupulosamente com o disposto no art. 14° do Preâmbulo à Lei n° 59/2008, de 11 de Setembro.
138°. Atitude esta que não está de todo a coberto de qualquer Lei, e que por isso se impugnou, muito embora assim não tenha entendido o Tribunal a quo, pugnando-se, novamente, pela ilegalidade da não aplicação directa do referido Art. 14° da lei Preambular ao Regime Jurídico da Lei 59/2008, de 11 de Setembro. E, de igual sorte da Directiva 1999/70/CE do Conselho, de 28.06.99, pois que assim o vem determinando a jurisprudência nacional Acórdão de 16/03/2009 do TRP e internacional Acórdão de 4/7/2006 Processo C-212/04, in Jornal Oficial da União Europeia, de 2/09/2006, a fls C 212/2..
139°. Bem como o princípio da segurança no emprego, plasmado no Art. 53° da CRP, com a manutenção de uma relação jurídica laboral à margem da Lei.
140°. Tudo em respeito, também ainda, pelo disposto no Art. 47°, n.° 2 da Constituição, que consagra o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, por via de concurso. E,
141°. Mesmo tendo em conta que o concurso é a regra, existindo outras vias de ingresso na Função Pública, como sejam - o contrato - citando Gomes Canotilho e Vital Moreira, in, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª Edição, 264, que na anotação a esta norma levantam a problemática do conceito de função pública e o concurso como o meio de acesso regra àquela, sempre se dirá o seguinte e em coerência com o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto tirado, no proc° n.° 375/2008.3TTGDM.P1, a pags. 18:
"Depois, e seja como for, se se admitir que naquele conceito de função pública cabe o exercício de qualquer actividade ao serviço de uma pessoa colectiva pública qualquer que seja o regime jurídico da relação de emprego e independentemente do seu carácter provisório ou definitivo, permanente ou transitório..., então há que reconhecer que se postergou o concurso como meio de recrutamento e selecção de pessoal..." Acórdão anexo por inédito.
142°. No entanto, não enveredou o Tribunal a quo pelo presente argumento, decidindo em contrário à perspectiva defendida no aludido Acórdão que se baseia numa manifesta supremacia ou preferência pelo Princípio plasmado no Art. 53° da CRP (Principio da segurança no Emprego), em detrimento do consagrado no Art. 47°, n.° 2 (Direito de acesso à função pública, em regra por via do concurso); Está por isso, indubitavelmente, posta em causa tal garantia assegurada pelo aludido Art. 53° da Constituição.
143°. É de salientar também e já que relacionada com a temática dos contratos de prestação de serviços - a Directiva 1999/70/CE, do Conselho, de 28 de Junho de 1999, invocada no referido Acórdão, e, no que ao caso concreto respeita, pugna-se pela declaração de inconstitucionalidade de normas que a contrariem, pois ofendem também o Art. 53° da Constituição.
144°. Aliás, refere mesmo que a norma da Lei 23/2004, de 22 de Junho, ao proibir a conversão do contrato de trabalho a termo celebrado com pessoas colectivas públicas, em contrato por tempo indeterminado são inconstitucionais, por ausência de fundamento material, por violarem o disposto no Art. 53° da CRP. Cfr. Paulo Veiga e Moura, in A Privatização da Função Pública, pags 242 - 257 E,
145°. Ainda na senda do citado Acórdão, mesmo que não se enverede pela inconstitucionalidade da aludida norma, conforme pareceu enveredar o Tribunal a quo, deveria prevalecer o primado do regime jurídico europeu, incluindo Directivas, sobre o estatuído em normas de direito internas, incluindo normas constitucionais...
146°. Neste sentido, a partir da data em que uma directiva entra em vigor, os Tribunais dos Estados-membros devem abster-se, na medida do possível, de interpretar o direito interno de modo susceptível de comprometer seriamente, depois do termo do prazo de transposição, o objectivo prosseguido por essa directiva. Cfr. Susana Sousa Machado, in, Contrato de Trabalho a Termo, pags 309 e ss.
147°. Assim sendo, parece não restarem dúvidas que o acto impugnado é ilegal, por violação de lei, designadamente por não estar conforme com a Directiva 1999/70/CE do Conselho, de 28.06.99, por se encontrar tirado em manifesta violação do direito interno no que tange à conversão dos contratos, por violar o art. 53° da CRP.
148°. O que para além do mais o torna num acto injusto, por ilegal, tirado assim em manifesta violação daqueles dois princípios da actividade administrativa - Princípio da Legalidade e da Justiça.
149°. Do que respiga, também por esta linha argumentativa, que o Instituto de Segurança Social, I.P., agiu em ofensa à lei ordinária e à Constituição da República Portuguesa.

Termos em que, nos melhores de Direito que suprirão, deve o presente recurso merecer total provimento e, consequentemente, ser revogada a sentença recorrida, condenando-se o Réu Instituto da Segurança Social, I.P. nos pedidos, tudo com as legais consequências, como é de inteira e sã JUSTIÇA!




O Réu Estado Português, representado pelo MP, contra-alegou, concluindo:
1º- O Instituto de Segurança Social, de acordo com o artº 1º nº 1 do DL 83/2012 de 30/3 é um Instituto Público, integrado na administração indirecta do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio. Atenta a natureza jurídica do ISS, é dotado de personalidade jurídica, logo de personalidade judiciária, nos termos do nº 2 do artº 8-A do CPTA.
2º- O nº 2 do artº 10 do CPTA refere expressamente que - Nos processos intentados contra entidades públicas, parte demandada é a pessoa coletiva de direito público, salvo nos processos contra o Estado ou as Regiões Autónomas que se reportem à ação ou omissão de órgãos integrados nos respetivos ministérios ou secretarias regionais, em que parte demandada é o ministério ou ministérios, ou a secretaria ou secretarias regionais, a cujos órgãos sejam imputáveis os atos praticados ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os atos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos.
3º - Resulta do nº 2 do artº 10º do CPTA que a regra é que nos processos intentados contra entidades públicas, parte demandada é a pessoa coletiva de direito público.
4º - Uma vez que a relação jurídica contratual agora em discussão somente foi estabelecida entre o A. e o Instituto de Segurança Social, o peticionado no pedido, só podem ter como destinatário único esse Instituto.
5º - Assim, bem decidiu o Sr. Juiz no despacho saneador-sentença recorrido, ao absolver da instância o Réu Estado Português, por ilegitimidade passiva.
Pelo exposto, mantendo a decisão recorrida, ora posta em crise pelo recorrente, negando provimento total ao recurso farão
JUSTIÇA
O Réu Instituto de Segurança Social, I.P também juntou contra-alegações, concluindo:
A. A sentença recorrida garantiu a segurança jurídica e não está eivada dos vícios que o Recorrente lhe imputa, mormente erro nos pressupostos de facto e de direito.
B. O Recorrente não impugna a matéria de facto dada por assente no ponto V. da sentença recorrida, encaminhando, ao invés, a sua ilustre defesa no sentido da suposta e incorreta aplicação do direito aos factos firmados, assim como, a incorreta interpretação dos pedidos formulados
C. Todavia, a sentença recorrida pronunciou-se convenientemente sobre os pedidos formulados em função da causa de pedir e pressupostos de direito formulados pelo então Autor, ora Recorrente, concluindo no sentido da improcedência dos pedidos
D. Nesta veneranda sede, o ora Recorrente teima em advogar que o contrato de prestação de serviços celebrado entre a R.A e a Entidade Demandada, ora Recorrido, reveste características de um verdadeiro contrato de trabalho subordinado, porquanto todos os elementos típicos deste tipo contratual se encontram presentes, designadamente a subordinação hierárquica e jurídica, a existência de horário de trabalho, o pagamento de remuneração, o gozo de férias, a prestação da atividade exclusivamente com o equipamento e fardamento do ISS, IP, a inexistência de autonomia técnica, por receber ordens, a sujeição ao poder disciplinar do ISS,IP por ter de justificar as faltas e a atribuição de n.º de funcionário do ISS, IP
E. Nessa conformidade, ao abrigo do artigo 36.º, n.º 1, da então Lei n.º 12-A/2008, o Recorrente advoga que o contrato de prestação de serviços da R.A. é nulo, tendo o douto Tribunal incorrido em erro dos pressupostos de facto e de direito ao julgar improcedente a acção. Contudo, tal não corresponde à verdade.
F. Na realidade, a R.A. celebrou com o ISS, IP. um contrato de prestação de serviços, dado por assente na alínea a) do ponto V da sentença recorrida e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
G. Tal contrato de prestação de serviços foi celebrado ao abrigo do disposto no DL nº 141/89 de 28 de abril, normativo este especial, aprovado e emitido pelo órgão legislativo competente e que, por se tratar de ato legislativo de igual valor (art. 112º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa) não permite que se recorra ao Código do Trabalho para nele tentar enquadrar o contrato celebrado entre a R.A. e o ISS.,IP, mesmo que se verificassem (e não se verificam) todos os elementos típicos do contrato de trabalho.
H. Foi o próprio legislador, quem previu e admitiu a celebração de contratos de prestação de serviços entre o ISS. IP. e os particulares, proibindo até a celebração de outro tipo de contrato, quando nos Serviços não existissem funcionários ou agentes com as qualificações adequadas ao exercício de determinadas funções necessárias, ou quando inexistisse um número insuficiente de trabalhadores para as exercer.
I. Acresce a tudo isto que, nunca o contrato de prestação de serviços celebrado entre a R.A. e o ISS, IP. poderia configurar um contrato de trabalho, já que, nos termos do art. 11º do CT, “contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade e destas.”
J. De facto, a R.A., ao longo de todos estes anos, nunca esteva sujeita à fiscalização do ISS. IP., nunca esteve sujeita ao poder disciplinar do ISS. IP. (até porque não se encontra subordinada a nenhum superior hierárquico), não faz parte do mapa de pessoal do ISS. IP, e nem detém nenhuma categoria nele existente e não se encontra sujeita ao regime de exclusividade, característica dos contratos de trabalho em funções públicas.
K. É certo que pode ter tido horas previamente definidas pela Santa Casa da Misericórdia de (...) para prestar a sua atividade, mas como é evidente, não poderia ser de outro modo, já que as suas funções enquanto ajudante familiar, se dirigem exclusivamente ao contacto com as pessoas mais necessitadas, que carecem de apoio para as suas atividades normais do dia a dia, não fazendo qualquer sentido que a R.A. se encontrasse a prestar as suas funções num horário desfasado das necessidades destas pessoas, nomeadamente (e a título de exemplo), à noite, quando estas se encontram a dormir e não necessitam de apoio.
L. Cabe referir que este controlo é indispensável e necessário, uma vez que é preciso assegurar que a R.A. cumpre as horas por si acordadas e que presta a sua atividade de forma cabal e efetiva.
M. Mas o seu campo de ação termina neste mesmo ponto, na medida em que os mapas de assiduidade não eram remetidos para o RH.
N. É verdade que recebia uma remuneração mensal, a título de pagamento de honorários, mas tal facto, não é de todo alheio aos contratos de prestação de serviços, que podem ser objeto de remuneração certa e mensal, tal como acontece na avença, que é uma modalidade de prestação de serviços (art. 17º, nº 4 do DL nº41/84 de 3 de fevereiro: “(…) os serviços prestados em regime de contrato de avença são objeto de remuneração certa mensal (…)”).
O. Além do mais, “(…) A retribuição é um indício sem grande valor para diferenciar o contrato de trabalho do contrato de prestação de serviços, uma vez que pode existir contrato de trabalho sem retribuição regular ou de montante variável e, por outro lado, é frequente a remuneração regular, periódica e fixa em contratos de prestação de serviços, nomeadamente nos contratos de avença com profissionais liberais” (Ac. do STJ de 7.10.98, proc. nº 98S026, in www.dgsi.pt. No mesmo sentido, “(…) Não são suficientes para determinar a existência da subordinação jurídica… relativamente à ré (entidade empregadora daquela), quer a fixação da remuneração com base no número de horas de aulas dadas, quer o facto de o local de trabalho se situar nas instalações da ré, quer o facto de ser esta a fornecer os instrumentos de trabalho que a autora necessitava para desempenhar as suas funções, já que estas situações são compatíveis com outro tipo de contratos, afins do contrato de trabalho, como é o contrato de prestação de serviços.” (Ac. do STJ de 21.03.2001, proc. nº 00S3918, in www.dgsi.pt).
P. No que diz respeito aos instrumentos de trabalho facultados pela Entidade Demandada cumpre referir que tal é alegação é falsa, uma vez que, quanto muito, os instrumentos de trabalho utilizados pela R.A. seriam-lhe fornecidos pela Santa Casa da Misericórdia de (...).
Q. Em todo caso, o facto de um profissional liberal ter à sua disposição todos os instrumentos, meios materiais, de trabalho de que necessita para o exercício das suas funções, sem que com isso tenha preocupações com despesas, configura para o trabalhador independente uma mais valia.
R. Além do mais, entende-se, e é doutrinariamente aceite, que “(…) o facto de o trabalhador usar meios materiais e seguir o figurino disposto pela entidade patronal, conquanto fundados no contrato convencionado e não na autoridade diretiva do empregador, não constitui índice forçoso da existência de subordinação jurídica (…)” (in Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 8ª ed. Almedina, Coimbra, 1992, a páginas 114).
S. De outra, parte a R.A. não estava obrigada a utilizar qualquer farda de serviço, uma vez que o seu uso não estava instituído.
T. Acresce ainda, que é o próprio DL nº 141/89 na alínea b) do seu art. 12º, que definiu que, cabe às instituições de suporte, “(…) prestar apoio técnico regular aos ajudantes familiares, por forma a garantir a eficácia da sua atuação, incluindo, quando necessário, os meios materiais indispensáveis ao bom exercício da atividade (…)”. (nosso sublinhado).
U. No que concerne aos períodos de interrupção da prestação de serviço, para efeitos de repouso, cumpre apenas salientar que os mesmos estavam contemplados no contrato de prestação de serviços, designadamente na cláusula segunda, ponto b).
V. De outra parte, não existe qualquer subordinação jurídica ou hierárquica entre a R.A. e a Entidade Demandada.
W. Efetivamente, a R.A. realizava a sua atividade de forma autónoma e independente, sem qualquer relação de dependência, nem interferência do ISS, IP ou da Santa Casa da Misericórdia de (...), não existindo, igualmente, qualquer poder de direção sobre ela, apenas lhe interessando que execute a tarefa inerente à sua profissão, com profissionalismo, cabendo à A. decidir a melhor forma de o fazer.
X. Cabe, também, reafirmar que as orientações, indicações e procedimentos dados pela representante da Santa Casa da Misericórdia de (...) à R.A., eram apenas sobre a organização do serviço e não sobre o modo como a prestação de serviço deveria em concreto ser realizada.
Y. De facto, as ações de orientação não consubstanciam subordinação jurídica, já que “(…) a autonomia do trabalho, não é incompatível com a execução de certas diretivas da pessoa servida e de algum controlo desta sobre o modo como o serviço é prestado (…)” (in ac. STJ de 13.10.2001, disponível em www.dgsi.pt), ou seja, “(…) sem prejuízo de poder haver ordens e instruções, as quais se dirigem ao objeto do resultado e não à forma de o conseguir (…)” (ac. STJ de 17.01.1990, disponível em www.dgsi.pt). No mesmo sentido, “(…) Não são suficientes para determinar a existência da subordinação jurídica… relativamente à ré (entidade empregadora daquela), quer a fixação da remuneração com base no número de horas de aulas dadas, quer o facto de o local de trabalho se situar nas instalações da ré, quer o facto de ser esta a fornecer os
instrumentos de trabalho que a autora necessitava para desempenhar as suas funções, já que estas situações são compatíveis com outro tipo de contratos, afins do contrato de trabalho, como é o contrato de prestação de serviços.” (Ac. do STJ de 21.03.2001, proc. nº 00S3918, in www.dgsi.pt).
Z. Acresce que é o próprio DL nº 141/89, na alínea b) do seu art. 12º, que impõe como obrigação ao Réu, prestar “(…) apoio técnico regular aos ajudantes familiares, por forma a garantir a eficácia da sua atuação (…)”.
AA. É pois falso que a que a R.A. exerça as suas funções em regime de subordinação jurídica. Assim, a R.A. não se encontra subordinada hierarquicamente, não tendo, como tal, o dever de obediência e não podendo ser, como nunca foi, objeto de processo disciplinar por parte da Entidade Demandada.
BB. Até por que as invocadas justificações efetuadas pela R.A., quando faltava, eram apenas feitas junto da representante da Santa Casa da Misericórdia de (...) de forma verbal, nunca tendo apresentando qualquer documento justificativo para o efeito;
CC. Nessa conformidade, inexiste qualquer nulidade do contrato de prestação nos termos que o Autor invoca, tanto mais que o regime aplicável ao caso sub judice é o constante no DL nº 141/89, que afasta o regime jurídico geral contido no artigo 35.º previsto no DL 12-A/2008, de 27 de fevereiro.
DD. Pelo que, bem decidiu o douto Tribunal a quo ao concluir que “Como resultou provado nos presentes autos, a representada do Autor e o Centro Regional de Segurança Social do Norte, celebraram um contrato de prestação de serviços [cfr. item A) do probatório]. Ao abrigo este contrato, M. – representada do Autor – prestaria serviços de ajuda domiciliária a indivíduos ou famílias que fossem seleccionadas pelo Centro Regional de Segurança Social do Norte, recebendo pela prestação de tais serviços, a respectiva remuneração que à data da denúncia do contrato ascendia a 548, 67 euros [cfr. Item A), B) e C) do probatório. Face à factualidade supra descrita, e que se provou, verifica-se que o contrato de prestação de serviços foi celebrado de acordo com as formalidades legais previstas para o Decreto- Lei n.º 141/89, de 28 de Abril, que estipula as formalidades às quais o mesmo deve obedecer “É certo que a Lei n.º 12.A/2008, de 27 de Fevereiro, entretanto revogada pela Lei n.º 80/2017, de 18 de Agosto, que estabelecia o Regime de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores em funções públicas, estabelecia um regime de invalidade dos contratos de prestação de serviços. Porém, tal regime não será de aplicar ao caso dos autos”
EE. Quanto à suposta nulidade da denúncia do contrato de prestação de serviços baseada no pressuposto que atividade para a qual a R.A. foi contratada subsiste no seio da Entidade Demandada e é necessária para a prossecução da sua actividade, cumpre apenas reiterar que a alegação em apreço não corresponde à verdade.
FF. De facto, a este propósito, parece-nos pertinente apelar à cláusula sétima, ponto a) do contrato de prestação de serviços junto pelo Autor como doc. 2 na p.i., no qual se estipula que: “Este contrato pode ser livremente denunciado, por qualquer das partes, com aviso prévio de quinze dias do respectivo termo ou qualquer das suas prorrogações, sem que seja devida indemnização.”
GG. Como se infere do clausulado invocado, o contrato da R.A. podia ser denunciado a todo tempo, sem que fosse devida qualquer indemnização, estando apenas condicionado a um aviso, prévio de, pelo menos, 15 dias.
HH. O que no caso em apreço se verificou, uma vez que a denúncia do contrato foi comunicada à R.A. em 26 fevereiro de 2014, através da comunicação junta pelo Autor como doc. 3, com efeitos reportados a 30 de abril de 2014, ou seja o aviso prévio concedido pela Entidade Demandada foi superior ao limite mínimo de 15 dias contratualmente fixado.
II. Não era exigido qualquer outro formalismo para a denúncia do contrato, pelo que a tese sufragada pelo Autor não tem qualquer fundamento.
JJ. Não obstante a R.A. não ter desempenhado funções no Lar das Fontainhas, parece-nos pertinente reiterar nesta sede, em todo caso, que o desenvolvimento das respostas sociais afetas aquele Lar passaram, por força do contrato de gestão celebrado com a Santa Casa de Misericórdia do (...), a ser prosseguidas por aquela entidade privada de utilidade pública. (cfr Cláusula Primeira, n.º 1 e Sétima, n.º 1 do citado contrato de gestão junto como doc. 1. À contestação).
KK. Sendo que, por força da cláusula sexta, alínea h) do contrato de gestão celebrado entre o ISS,IP e a Santa Casa da Misericórdia do (...), passou a incumbir àquela instituição coletiva privada de interesse público “Assegurar a existência de recursos humanos adequados ao bom funcionamento do estabelecimento”,
LL. Pelo que é sem sentido a alegação da prossecução da actividade pelo ISS, IP
MM. Quanto à suposta nulidade da denuncia operada por força do acórdão do tribunal Constitucional n.º 237/01 que declarou inconstitucional o artigo 10 n.º 2 do Decreto-Lei n.º 141/89, quanto interpretado no sentido de permitir a cessação, pela instituição de suporte, destes contratos e em qualquer altura, por violação do artigo 53.º da CRP cumpre frisar que o acórdão citado não é aplicável caso sub judice, nos termos constantes na douta sentença recorrida a fls 15 e 16, cujo entendimento é isento de censura
NN. Quanto à conversão do contrato de prestação de serviços, cumpre enunciar, como bem decidiu o Tribunal a quo, não pode ser convertido, nos termos propugnados pelo Autor, ora Recorrente, como se encontra, alias, assente jurisprudencialmente, no âmbito da jurisprudência administrativa e civil.
OO. Efetivamente, o contrato de prestação de serviços da R.A. foi celebrado ao abrigo do disposto no DL nº 141/89 de 28 de abril, normativo este especial, aprovado e emitido pelo órgão legislativo competente e que, por se tratar de ato legislativo de igual valor (art. 112º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa) não permite que se recorra ao Código do Trabalho para nele tentar enquadrar o contrato celebrado entre a R:A. e o ISS,IP; mesmo que se verificassem (e não se verificam) todos os elementos típicos do contrato de trabalho.
PP. Foi o próprio legislador, quem previu e admitiu a celebração de contratos de prestação de serviços entre o ISS. IP. e os particulares, proibindo até a celebração de outro tipo de contrato, quando nos Serviços não existissem funcionários ou agentes com as qualificações adequadas ao exercício de determinadas funções necessárias, ou quando inexistisse um número insuficiente de trabalhadores para as exercer.
QQ. Reconhecer, como pretende o A., ora Recorrente, que a R.A detém uma relação jurídico-laboral por tempo indeterminado com o ISS, IP, seria reconhecer uma situação que é vedada pela própria lei e, como tal, ilegal, como a seguir se demonstrará.
RR. Como decidiu o Tribunal Constitucional no ac. nº 368/2000 – Proc. Nº 243/00, in DR nº 277 de 30 de novembro, Iª Série, (que declarou inconstitucional, com força obrigatória geral o artigo 14.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de dezembro, na interpretação segundo a qual os contratos de trabalho a termo celebrados pelo Estado se convertem em contratos de trabalho sem termo, uma vez ultrapassado o limite máximo de duração total fixado na lei geral sobre contratos de trabalho a termo) não é possível aceitar a interpretação, por ser a mesma inconstitucional, que os contratos a termo certo, e por maioria de razão os contratos de prestação de serviços, se possam converter em contratos individuais de trabalho por tempo indeterminado.
SS. Pois, caso tal fosse possível, ou se pudesse admitir que o Tribunal teria a possibilidade de proceder a tal conversão, então esta seria uma forma de, em violação dos princípios da igualdade dos atos normativos e do respeito pela igualdade no acesso à função pública, o estabelecimento de exceções à regra do concurso.
TT. Sendo, por conseguinte, tal interpretação inconstitucional, por violação do disposto no nº 2 do art. 47º e 112º, nº 2 da CRP,
UU. Especificando, o contrato celebrado entre a R.A. e o ISS em 1996, foi, como qualquer outro, outorgado no âmbito da liberdade contratual prevista no art. 405º do nosso Código Civil, nos termos do qual “dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver”.
VV. No âmbito dessa liberdade contratual, e porque o ISS, IP. é um organismo do Estado, encontra-se sujeito ao estrito cumprimento da legislação em vigor, nomeadamente no que à contratação de trabalhadores diz respeito, matéria na qual se encontra sujeito a apertados limites.
WW. E foi, em respeito desses mesmos limites (nomeadamente os consagrados no art. 10º nº 2 do DL nº 141/89 de 28 de abril), que expressamente se consagrou na cláusula 5ª do contrato de prestação de serviços aceite e assinado pela R.A., que o mesmo não lhe conferiria a qualidade de agente, inerente a todos os trabalhadores da administração pública.
XX. Assim, a R.A., no âmbito da liberdade contratual, celebrou com o ISS, IP, de forma esclarecida e livre, o aludido contrato de prestação de serviços, consciente de que, com ele, não passava a ser trabalhadora do ISS, vinculada por contrato de trabalho ou de provimento, revelando nítida má-fé processual vir agora deduzir pretensão que, bem sabe, carece de fundamento,
YY. Bem como revela má-fé substantiva ou contratual, aceitar livremente os termos de um contrato e celebrá-lo e vir depois tentar convertê-lo noutro tipo de contrato, não querido pelas partes e, legalmente, vedado ao ISS, IP.
ZZ. A R.A. não se encontrava numa relação jurídica de emprego público, porquanto “(…) a relação jurídica de emprego na função pública apenas se pode constituir por nomeação e contrato de pessoal, podendo este revestir as formas de contrato administrativo de provimento e de contrato de trabalho a termo certo (…)” (in ac. STJ de 19.11.1997, disponível em www.dgsi.pt).
AAA. Ademais, não podemos deixar de referir que é notório que a R.A., além de saber que a hipótese de considerar a sua prestação de serviço como um contrato de trabalho é inadmissível, também nunca verdadeiramente o considerou como tal, já que, durante tantos anos de vigência do seu contrato, nunca exigiu a conversão contratual a que agora se arroga (Cfr. neste sentido o Ac. do STJ de 28.06.2006, proc. nº 06S900, in www.dgsi.pt).
BBB. Por outro lado, não só não é defensável que o contrato de prestação de serviços é um contrato de trabalho, como também não é defensável a possibilidade da conversão do presente contrato em contrato l de trabalho, porquanto, se nos termos do nº 2 do art. 10º do então em vigor Lei n.º 23/2004, de 11 de 2004, o contrato de trabalho a termo certo “(…) não se converte, em caso algum, em contrato sem termo (…)”, então, por maioria de razão, também o contrato de prestação de serviços, contrato que se enquadra numa relação jurídica de trabalho autónomo, jamais se converteria em contrato sem termo, ou, simplesmente, num contrato de trabalho.
CCC. Assim sendo, a admitir a conversão do contrato de prestação de serviços, que na prática e por via sucedânea redundasse na manutenção de um vínculo por tempo indeterminado (contrato individual de trabalho sem termo), violaria o disposto no DL. nº 141/89 de 28 de abril e legislação posterior sobre o regime de admissão de pessoal na administração, permitindo-lhe o acesso ao mapa (específico) de pessoal, por um meio ilegal e a que os demais cidadãos não têm acesso.
DDD. E, deste modo, revelar-se-ia também violador do princípio da igualdade e liberdade de acesso à função pública que assiste aos cidadãos, nos termos do art. 47º, nº 2 da CRP.
EEE. De facto, o acesso ao atual mapa específico de pessoal do ISS.IP. (como de resto acontece em toda a Administração Pública em geral) está sujeito à cabimentação orçamental, a um limitado número de vagas, e pressupõe a sujeição a um apertado critério de seleção e recrutamento e a um período experimental com uma adequada avaliação de desempenho no fim da qual se decidirá pela continuidade, ou não, desse vínculo.
FFF. A aceitar a tese defendida pelo Recorrente e a proceder a sua pretensão, este processo determinaria uma outra via de ingresso nos mapas da Administração Pública, sem sujeição às regras e procedimentos rigorosos e criteriosos legalmente estabelecidos, designadamente, sem sujeição a processo de seleção juntamente com outros candidatos, e em violação do princípio da igualdade de acesso à função pública e das normas que regem a contratação de inquestionável natureza imperativa.
GGG. O que é, não só absurdo, como legal e constitucionalmente vedado, nos termos atrás expostos.
HHH. Na verdade, não há qualquer irregularidade no presente contrato de prestação de serviços e não há lugar à conversão do presente contrato em contrato individual de trabalho, na medida em que não estão reunidos os requisitos legalmente estabelecidos para que se considere existir contrato de trabalho e, ainda que existisse, tal conversão não seria admissível por violação da CRP.
III. Ainda pertinente, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, P.º 2079/09.0TTPNF.P1 de 11/07/2012: (in www.dgsi.pt): III – A interpretação da Directiva 1999/70/CE do Conselho, de 28.06.99, respeitante ao Acordo-Quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo, no sentido de que, no caso dos autos, imporia a conversão do contrato a termo em contrato sem termo seria inconstitucional por violação do disposto no art. 47º, nº 2, da Constituição.”
JJJ. Em todo caso, e quanto à invocada violação do artigo 53.º da nossa Lei Fundamental e da Diretiva 1999/70/CE pelos R.A., com vista a sustentar a conversão do seu contrato de prestação de serviços em contratos de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado à revelia do preceituado na lei ordinária, cumpre apelar ao decidido no Acórdão do TCA Norte, Proc 02637/09.3BEPRT, de 02-03-2012 (in www.dgsi.pt) cujo sumário se transcreve: “I – A lei continua a distinguir claramente a possibilidade de acesso ao trabalho por tempo indeterminado em entidade pública da possibilidade da contratação que seja (apenas) a termo, e por isso, justificadamente (e sem violar preceitos constitucionais) impede a conversão (artigo 10 n.º 2 da lei 23/2004). II – Assim, a não conversão de um contrato a termo, celebrado por um trabalhador e uma pessoa colectiva pública, num contrato por tempo indeterminado não viola o direito comunitário (concretamente a Directiva 1999/70/CE) nem a Constituição (concretamente o princípio contido no seu artigo 53.º) e corresponde à vontade lei”.
KKK. Ainda, nesse sentido, veja-se, entre outros, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, P.º 207/09.5TTCVL.C1, de 20/01/2011 (in www.dgsi.pt): “II – Ainda que assim se não entenda, a Directiva 1999/70/CE não permite a invocação do seu efeito directo e, igualmente, nem impõe a necessidade da sua harmonização com o direito nacional. III – O artº 10º, nº 2, da Lei nº 23/2004 não é inconstitucional, pois não contraria o artº 53º da Constituição. IV – Concluindo-se pela impossibilidade legal de conversão em contrato de trabalho por tempo indeterminado o contrato de trabalho a termo celebrado com uma pessoa colectiva de direito público, a comunicação feita por esta ao trabalhador, anunciando a caducidade da relação contratual, não consubstancia um despedimento.”
LLL. Assim sendo, a admitir a conversão do contrato de prestação de serviços, que na prática e por via sucedânea redundasse na manutenção de um vínculo por tempo indeterminado (contrato individual de trabalho sem termo), violaria o disposto no DL. nº 141/89 de 28 de abril e legislação posterior sobre o regime de admissão de pessoal na administração, permitindo-lhe o acesso ao mapa (específico) de pessoal, por um meio ilegal e a que os demais cidadãos não têm acesso.
MMM. Assim, concluindo-se pela impossibilidade legal de conversão em contrato de trabalho por tempo indeterminado o contrato de prestação celebrado com uma pessoa colectiva de direito público, a comunicação feita pela Entidade Demandada à R.A., denunciando o contrato, com respeito de um aviso prévio de 15 dias, não consubstancia um despedimento, nem dá lugar ao pagamento de qualquer indemnização por suposto despedimento ilícito.
NNN. Ademais, é a própria cláusula 7, alínea a) do contrato a determinar que não é devida qualquer indemnização, desde que a denúncia opere com respeito de, pelo menos, um aviso prévio de 15 dias, o que ocorreu no caso em apreço.
OOO. Não sendo, portanto, devido qualquer compensação à R.A. pela denúncia do contrato, como bem concluiu o douto Tribunal a quo a fls. 22 e 23 da sentença recorrida: Conforme o sobredito, o contrato celebrado entre o Réu e a representada do Autor é um contrato de prestação de serviço para a actividade de ajudante familiar, celebrada ao abrigo de um regime específico que o legislador decidiu prever, para colmatar as necessidades que se fazem sentir nos serviços de acção social. É certo que o contrato, cuja duração inicial era de seis meses, se renovou várias vezes e de forma sucessiva perfazendo o total de 18 anos. Porém, no regime legal em questão não está previsto qualquer limite para as renovações deste tipo de contrato. Assim sendo, prevendo o contrato e a lei a possibilidade de denúncia a todo tempo, sem indemnização, desde que cumprido o prazo de pré-aviso – que como ser verificou foi cumprido – o Réu não agiu de forma ilícita, nem a representada do Autor foi despedida de forma ilícita. Razão pela qual, não tem direito a qualquer indemnização.”
Termos em que, com o suprimento, deverá ser mantida a sentença ora recorrida, negando-se provimento ao presente recurso jurisdicional.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
A) Em 28/02/1996 foi celebrado contrato entre M. e o Centro Regional de Segurança Social do Norte, que as partes designaram de “Contrato de Prestação de Serviços”, do qual se destacam as seguintes cláusulas: (vide fls. 19 a 22 dos autos; e fls. 18 a 21 de págs. 1 do SITAF)
“-Primeira-
Objecto do Contrato
O objecto do presente contrato é a prestação de serviços de, ajuda domiciliária a pessoas e famílias seleccionadas pelo Primeiro Outorgante, de acordo com os programas por este organizados.
-Segunda-
Duração do Contrato
a) O contrato tem a duração de seis (6) meses, considerando-se automaticamente renovado por iguais e sucessivos períodos, se não for denunciado, por qualquer das partes, nos termos do nº 1 da cláusula sétima.
b) - A interrupção da prestação de serviços pelo Segundo Outorgante. para efeitos de repouso, não prejudica a renovação deste contrato, desde que o período ou períodos de interrupção não excedam vinte e dois (22) dias úteis, por cada ano de duração do contrato e seja previamente acordada com o Primeiro Outorgante.
-TERCEIRA-
Remuneração
a) - A remuneração acordada é de. Esc.; 69.100$00 – sessenta mil e cem escudos mensais, proporcional e automaticamente actualizada segundo a percentagem que anualmente for estabelecida para os funcionários e agentes da Administração Pública.
b) - Poderá ainda haver lugar ao pagamento de despesas de deslocação, desde que previamente autorizadas e fundamentadas segundo os critérios estabelecidos para a Função Pública, considerando - se, para esse efeito, o Índice 120 da escala indiciária da tabela geral de remunerações do funcionalismo público.
c) - Haverá lugar ao abono de Subsidio de Refeição em igualdade de condições com os funcionários e agentes da Administração Pública, nos termos do Decreto-Lei n.º 57-B/84 de 20 de Fevereiro. (…)
-Quinta-
Estatuto Jurídico da Segunda Outorgante
O presente contrato não confere ao Segundo Outorgante â qualidade de funcionário ou agente do Estado, não cria qualquer vínculo, sendo' regulado nas partes omissas pelas disposições aplicáveis do Código Civil. (…)
-Sétima-
Cessação do Contrato
a)Este contrato pode ser livremente denunciado, por qualquer das partes, com aviso prévio de quinze (IS) dias do respectivo termo ou de qualquer das prorrogações, sem que seja devida indemnização.
b) A parte que revogar o contrato sem prévio aviso, ou com aviso inferior ao estabelecido ao número precedente, deve indemnizar a outra dos prejuízos que esta sofrer. (…)”
B) Mediante o contrato identificado em A) M. exerceria a actividade de ajudante domiciliária (vide cláusula primeira do contrato).
C) Pelo exercício da actividade identificada em B) M. auferia a respectivo remuneração que em 21/01/2014 cifrava em 548,67 euros [vide recibos de vencimento a fls. 124 a 142 dos autos, págs. 134 do SITAF e alínea a) da cláusula terceira do contrato].
D) Mediante ofício com a referência DRH/UDARH/NCO, datado de 26/02/2014, foi comunicada à representada do Autor a decisão do Conselho Directivo do Réu, que aquela recebeu em 03/03/2014, com o seguinte teor:
“Assunto: Denúncia de contrato de prestação de serviços de ajudante familiar com aviso prévio
O Instituto de Segurança Social, I.P., contribuinte n.º (…) com sede na Rua (…), (…), vem, pela presente, comunicar que é intenção deste Instituto denunciar o contrato de prestação de serviços de ajudante familiar celebrado com V. Exa., com efeitos a 30 de Abril de 2014”.
(Vide doc. 3 da petição inicial a fls. 23 dos autos e fls. 22 de págs. 1 do SITAF e aviso de receção a fls. 4 do PA)

O Tribunal consignou: Não se provaram outros factos com relevo para a boa decisão da causa.
E no que concerne à motivação da matéria de facto esclareceu que a sua convicção resultou da apreciação crítica e conjugada de todos os meios de prova produzidos, nomeadamente, do teor dos documentos juntos aos autos, que submetidos a apreciação resultaram no acervo probatório documental que se encontra especificado nos vários pontos da matéria de facto provada.
X
DE DIREITO
Atente-se no discurso fundamentador do saneador sentença:
(…)
1 – Da Ilegitimidade Passiva Do Réu Estado Português
Alega o Réu Estado Português que é parte ilegítima na presente demanda, dado que atenta a forma como o Autor configurou a presente acção, peticionando a nulidade do contrato firmado entre a sua representada e o Instituto de Segurança Social, o reconhecimento de uma relação jurídico-laboral entre aquela e este Instituto, convertendo tal contrato num contrato de trabalho em funções públicas sem termo e, bem assim, a condenação do Réu Instituto de Segurança Social a pagar à sua representada os subsídios de férias e de natal desde Fevereiro de 1996, não imputando qualquer conduta ao Réu Estado Português susceptível de ter causado danos à sua representada, terá de se concluir pela ilegitimidade do Réu.
Vejamos.
A legitimidade processual afere-se, nos termos do Artigo 10.º n.º1 do CPTA, na redacção anterior ao Decreto-lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro e do Artigo 30.º n.º1 e 3.º do CPC, de acordo com a relação material controvertida tal-qual esta é configurada pelo Autor na Petição Inicial, sendo nestes termos que deverá ser apreciada pelo Tribunal.
O Autor pretende com a presente demanda que, o contrato de prestação de serviços celebrado entre a sua representada e o Réu Instituto de Segurança Social, seja declarado nulo e, consequentemente seja convertido num contrato de trabalho em funções públicas sem termo.
Ora, o contrato celebrado em 28 de Fevereiro de 1996, ao abrigo do Decreto-lei n.º 141/89, de 28 de Abril, foi celebrado com o Centro Regional de Segurança Social do Norte [cfr. documento 2 da petição inicial a fls. 19 dos autos]. O Autor alega na petição inicial que durante 18 anos, ao abrigo daquele contrato, a sua representada exerceu funções no âmbito de uma relação jurídico-laboral de subordinação.
Alega claramente no Item 10 da petição inicial que “prestava ao ISS, I.P. trabalho de forma constante e ininterrupta, em regime de subordinação jurídica, hierárquica e mediante retribuição”. Ou seja, não imputa, em concreto ao Estado Português, a prática de qualquer acto jurídico, como seja a denúncia do contrato cuja nulidade pretende, que foi emitida pelo Conselho Directo do Instituto de Segurança Social, assim como, não alega que tenha sido com o Estado Português, ou alguma entidade pública, órgão ou serviço que esteja numa relação de hierarquia face à pessoa colectiva Estado. Não se olvidando que, mesmo em determinados casos, tratando-se de uma entidade pública que integre a administração directa do Estado, desde que possua legitimidade e capacidade judiciária, o Estado poderá não ser a pessoa colectividade de direito público com legitimidade para intervir na demanda do lado passivo.
Ora, no caso dos autos a pessoa colectiva com quem o Autor alega que a sua representada manteve uma relação jurídico-laboral duradoura, e de quem demanda o pagamento de determinados créditos laborais, é o Réu Instituto de Segurança Social e não Réu Estado Português. Como o próprio nome denuncia, aquele Réu é um Instituto e integra a administração indirecta do Estado – dotado de autonomia administrativa – o que significa que não está numa relação de hierarquia face à pessoa colectiva Estado.
É o que resulta do Artigo 2.º da Lei nº 3/2004, de 15 de Janeiro, segundo o qual os institutos púbicos integram a administração indirecta do Estado e das Regiões Autónomas, sendo considerados como tal, independentemente da sua designação, os serviços e fundos das entidades referidas no Artigo 2.º, quando dotados de personalidade jurídica, nos termos do Artigo 3.º n.º 1 do referido diploma legal, constituindo pessoas colectivas de direito público, dotadas de órgãos e património próprio, nos termos do Artigo 4.º n.º 1 da Lei n.º 3/2004, de 15 de Janeiro.
Resulta ainda do Artigo 21.º n.º 3 da Lei nº 3/2004, que os institutos públicos são representados, designadamente, em juízo ou na prática de actos jurídicos, pelo presidente do conselho directivo, por dois dos seus membros, ou por mandatários especialmente designados.
Por seu turno, de acordo com o disposto no Artigo 1.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 83/2012 de 30 de Março, o Instituto de Segurança Social, é um instituto público integrado na administração indirecta do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio, prosseguindo as atribuições do Ministério da Solidariedade e da Segurança Social numa relação de superintendência.
Ora, salvo disposição legal em contrário, a legitimidade passiva cabe à pessoa colectiva pública de direito público a quem seja imputável o acto jurídico, in casu o contrato de prestação de serviços, que se pretende impugnar. É a ela, portanto, e não ao Estado Português, que a lei reconhece em primeira linha o interesse directo em contradizer o pedido formulado pelo autor. É este o regime da legitimidade passiva resultante dos nºs 1 e 2 do artigo 10º do CPTA, na redacção anterior ao Decreto-lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro e do Artigo 30.º n.º 1 e 3.º do CPC.
Ante o exposto, é forçoso concluir que o Réu Estado Português é parte ilegítima na presente demandada, dado que a mesma pertence, em exclusivo, ao Réu Instituto de Segurança Social, com quem a representada do Autor celebrou o contrato de prestação de serviços cuja validade se encontra em discussão nos presentes autos.
*
Termos em que, procede a excepção dilatória de ilegitimidade passiva do Réu Estado Português e, consequentemente absolve-se o mesmo da instância.
Face à procedência da excepção de ilegitimidade passiva invocada, fica prejudicado o conhecimento das restantes excepções invocadas pelo Estado Português, nos termos do Artigo 95.º n.º 1 do CPTA, na redacção anterior ao Decreto-lei n.º 214- G/2015, de 2 de Outubro.
(…)
Alega o Autor que o contrato celebrado entre a sua representada e o Centro Regional de Segurança Social do Norte é nulo, nos termos do Artigo 36.º n.º 1 da Lei n.º12-A/2008, de 27 de Fevereiro.
Segundo o Autor a sua representada exerceu a mesma actividade de forma ininterrupta durante dezoito anos, ao serviço do Réu, cumprindo um horário de trabalho fixo, gozando férias, estava sujeita a regras e instruções dadas pelo Réu, assim como, utilizava espaços e bens materiais que eram propriedade do mesmo. No fundo, o Autor entende que até ao termo do contrato que a sua representada firmou com o Réu, manteve uma relação jurídica com carácter de subordinação e, como tal, uma relação jurídico-laboral.
Por seu turno, o Réu considera que a representada do Autor não estava sujeita a qualquer horário de trabalho, procedendo simplesmente ao registo da sua presença. Ademais que, o horário que fazia, bem como o local em que a representada da Autor prestava os seus serviços, era organizado pela Santa Casa da Misericórdia em função dos utentes relativamente aos quais era necessário prestar apoio.
Assevera que, ao contrário do alegado pelo Autor, o contrato celebrado entre a sua representada e o Centro Regional Norte da Segurança Social não é nulo por violação do Artigo 36º n.º 1 da Lei 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, uma vez que o mesmo reveste a natureza de contrato de prestação de serviços celebrado ao abrigo do regime legal específico previsto no Decreto-lei n.º 141/89, de 28 de Abril, e não um contrato de trabalho como o Autor pretende fazer crer.
Vejamos.
Dispõe o Artigo 36.º n.º 1 da Lei 12-A/2008, de 17 de Fevereiro que serão nulos os contratos de prestação de serviços, que violem o disposto nos nºs 2 e 4 do Artigo 35.º do mesmo diploma legal.
Por seu turno, o Decreto-lei n.º 141/89, de 28 de Abril institui o regime da actividade desenvolvida pelos ajudantes familiares, cuja função consiste na prestação de serviços domiciliários imprescindíveis à normalidade da vida de uma família, nos casos em que os mesmos não possam ser prestados por quaisquer membros do agregado familiar, ou outro [cfr. Artigo 2.º daquele diploma legal].
Este regime legal foi criado e aprovado, com o intuito de prestar apoio a indivíduos que se encontrem em situação de maior isolamento, dependência ou marginalização social, designadamente a idosos e pessoas portadoras de deficiência [cfr. preambulo do diploma]. Nesse sentido, os ajudantes familiares, no âmbito das suas funções, e em articulação com as entidades de suporte, ajudam pessoas integradas numa família, que por múltiplas razões, não conseguem prestar auxílio no que diz respeito à realização da sua higiene, à sua mobilidade, à sua alimentação, entre outras necessidades básicas.
Tendo em conta a necessidade crescente deste tipo de serviços, e da falta de resposta que a acção social, por si só, não conseguia assegurar, este diploma legal teve por objectivo a criação de um quadro-legal que visa regular a forma como este tipo de actividade é desenvolvida e, bem assim, a relação jurídica que se formará e manterá, mediante a celebração deste tipo de contrato, entre o ajudante familiar e a instituição responsável pela resposta social, as quais correspondem às instituições previstas no Artigo 3.º do Decreto-lei n.º 141/89, de 28 de Abril.
Segundo o regime constante daquele diploma legal, após o decurso do período de formação, o qual visa dotar os ajudantes familiares das valências necessárias ao exercício daquela actividade, é celebrado entre o ajudante familiar e a instituição de suporte competente para a acção social, um contrato de prestação de serviços, no qual deverá constar o seu período de duração e as condições que determinam as suas renovações, conforme resulta do Artigo 10.º n.º 1 do Decreto-lei n.º 141/89, de 28 de Abril, ressalvando o n.º 2 daquela disposição legal que os ajudantes familiares não adquirem a qualidade de empregado, funcionário ou agente das instituições de suporte.
Com a celebração do contrato em questão, é imposto aos ajudantes familiares, entre outros, o desempenho das tarefas inerentes à actividade que passam a assumir, de acordo com as orientações técnicas acordadas [cfr. Artigo 11.º n.º 1 alínea a) do Decreto-lei n.º 141/89, de 28 de Abril], sendo que impende sobre as entidades de suporte a obrigação de prestar o apoio técnico necessário e com carácter de regularidade, por forma a garantir a boa prestação do serviço, fornecendo aos ajudantes familiares os meios materiais necessários e que reputem como imprescindíveis ao bom exercício da actividade dos ajudantes [cfr. alínea b) do Artigo 12.º do Decreto-lei n.º 141/89, de 28 de Abril].
Ainda por força do contrato firmando, as entidades de suporte ficam obrigadas a assegurar que a remuneração devida aos ajudantes familiares pela prestação dos seus serviços lhes é efectivamente paga [cfr. alínea d) do Artigo 12.º do Decreto-lei n.º 141/89, de 28 de Abril].
Ora, conforme resultou provado nos presentes autos, a representada do Autor e o Centro Regional de Segurança Social do Norte, celebraram um contrato de prestação de serviços [cfr. Item A) do probatório]. Ao abrigo este contrato, M. – representada do Autor – prestaria serviços de ajuda domiciliária a indivíduos ou famílias que fossem seleccionados pelo Centro Regional de Segurança Social do Norte, recebendo pela prestação de tais serviços, a respectiva remuneração que à data da denúncia do contrato ascendia a 548,67 euros [cfr. Item A), B) e C) do probatório].
Face à factualidade supra descrita, e que se provou, verifica-se que o contrato de prestação de serviços cuja declaração e nulidade o Autor pretende, foi celebrado de acordo com as formalidades legais previstas para no Decreto-lei n.º 141/89, de 28 de Abril, que estipula as formalidades às quais o mesmo deve obedecer.
É certo que a Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, entretanto revogada pela Lei n.º 80/2017, de 18 de Agosto, que estabelecia o Regime de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores em funções públicas, estabelecia um regime de invalidade dos contratos de prestação de serviços. Porém, tal regime não será de aplicar ao caso dos autos, conforme pretende o Autor.
Senão vejamos.
Nos termos do Artigo 35.º n.º 1 da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, poderão ser celebrados pelos órgãos e serviços a quem seja de aplicar o regime daquele diploma legal, contratos de prestação de serviços nas modalidades de contratos de tarefa e de avença. Ora, nos termos do n.º 6 daquela disposição legal, constituem contratos de tarefa aqueles que tenham por objecto a execução de tarefas específicas, de natureza excepcional, não podendo exceder o termo do prazo contratual estipulado aquando da sua celebração. Por sua vez, o contrato de avença, conforme resulta do n.º 7 da mesma disposição, tem por objecto prestações sucessivas no exercício de uma profissão liberal, mediante o pagamento de retribuição mensal certa. Este contrato pode-se fazer cessar a todo tempo e por qualquer das partes, mediante aviso prévio de 60 dias.
Conforme se constata pelos comandos legais conjurados, apenas estão sujeito ao regime de nulidade do Artigo 35.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, os contratos de prestação de serviços nas modalidades previstas no n.º 1 do Artigo 35.º, ou seja, os contratos de tarefa e os contratos de avença. Ora, o contrato de prestação de serviços celebrado para o exercício de actividade de ajudante familiar, não reveste a natureza de nenhum desses contratos.
Ao contrário do contrato de tarefa, o contrato para ajudante familiar não tem por objecto o exercício de uma actividade específica e excepcional, podendo exceder a duração prevista contratualmente, dado que resulta do Artigo 10.º n.º 1 do Decreto-lei n.º 141/89, de 28 de Abril que, deverá constar do contrato escrito as condições que determinam a renovação do contrato, o que significa que o mesmo pode exceder a duração inicialmente prevista.
O contrato de prestação de serviços para ajudante familiar, também não reveste a natureza de contrato de avença, uma vez que, não obstante o facto de aquele contrato não instituir uma relação de subordinação, ao contrário do alegado pelo Autor, os ajudantes familiares não são profissionais liberais. Além de que, as condições de cessação são distintas nos dois tipos de contratos [cfr. Artigo 15.º do Decreto-lei n.º 141/89, de 28 de Abril e Artigo 35.º n.º 7 da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro].
Em razão do acabado de referir, é forçoso concluir que o contrato de prestação de serviços celebrado com a representada do Autor e o Centro Regional de Segurança Social do Norte não é nulo por duas ordens de razão.
Primo, o regime da nulidade do Artigo 35.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro não lhe é aplicável, conforme se constatou.
Secundo, o contrato celebrado reúne todas as formalidades exigidas pelo Decreto-lei n.º 141/89, de 28 de Abril, que é o regime legal concretamente aplicável aos contratos que revestem esta natureza.
Termos em que, improcede o fundamento do Autor, segundo o qual o contrato de ajudante familiar celebrado com a sua representada é nulo.
*
2. Da nulidade da denúncia do contrato de prestação de serviços celebrado entre a representada do Autor e o Réu Instituto de Segurança Social;
Alega o Autor que a denúncia do contrato de prestação de serviços celebrado com a sua representada e o Réu é nula, uma vez que o motivo invocado para a denúncia do contrato é inverídico, dado que a actividade que o Réu prossegue subsiste e subsistirá.
Considera o Autor que a denúncia é nula, uma vez que o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 237/01 declarou inconstitucional o Artigo 10.º n.º 2 do Decreto-lei n.º 141/89, se interpretado no sentido de permitir a cessação, pela instituição de suporte, destes contratos e em qualquer altura, por violação do Artigo 53.º da CRP.
Por fim, considera o Autor que a denúncia do contrato padece de nulidade, dado que foi, igualmente, violado o aviso prévio previsto na cláusula sétima do contrato.
Por seu turno, o Réu alega que de acordo com a cláusula sétima do contrato firmando, este poderia ser denunciado o contrato a todo o tempo mediante aviso prévio à outra parte correspondente a quinze dias.
Vejamos.
Conforme resulta do teor da comunicação da denúncia:
“O Instituto de Segurança Social, I.P., contribuinte n.º (…) com sede na Rua (…), (…), vem, pela presente, comunicar que é intenção deste Instituto denunciar o contrato de prestação de serviços de ajudante familiar celebrado com V. Exa., com efeitos a 30 de Abril de 2014”
Ora, verifica-se que na comunicação da intenção de denunciar o contrato de ajudante familiar celebrado com a representada do Autor, não foi invocado qualquer fundamento para a denúncia do mesmo, pelo que não se percebe o que motivou o Autor a afirmar que a denúncia do contrato é nula, pelo facto de o Réu ter invocado um fundamento para a mesma que é inverídico, quando, na verdade, o Réu não alegou qualquer fundamento na referida comunicação.
Quanto ao Acórdão do Tribunal Constitucional a que o Autor faz referência na petição inicial, designadamente o Acórdão n.º 237/01, diga-se que é o próprio Acórdão que faz a seguinte ressalva:
“Convém, preliminarmente, deixar acentuado que no vertente recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade o Tribunal Constitucional terá de atender à subsunção jurídica dos factos havidos como provados, levada a efeito pelo Tribunal a quo, subsunção essa de harmonia com a qual a relação negocial que foi efectuada entre a recorrida I... e a recorrente Casa do Povo..., em face dos elementos demonstrados quanto a tal relação, era de perspectivar como uma relação laboral ou, se se quiser, sujeita uma relação que haveria de ser regida pelo ordenamento jurídico-laboral. Assim sendo, e independentemente do acerto de uma tal posição - acerca da qual legitimamente se poderão levantar dúvidas (cfr. artigos 1º a 4º, 9º a 11º e 13º a 16º do Decreto-Lei nº 141/89, de 28 de Abril) - terá o Tribunal, no presente aresto, de partir do um posicionamento interpretativo seguido pelo Tribunal da Relação de Lisboa e de acordo com o qual não só a relação jurídica firmada entre a recorrente e a recorrida se trata de uma relação laboral” [Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 237/01, processo n.º 769/2000, disponível em www.pgdlisboa.pt]. (sublinhado nosso).
Ora, o Tribunal Constitucional pronunciou-se no sentido da inconstitucionalidade da norma vertida no Artigo 10.º n.º 2 do Decreto-lei n.º 141/89, de 28 de Abril, se interpretado no sentido de permitir a cessação, pela instituição de suporte, destes contratos e em qualquer altura, por violação do Artigo 53.º da CRP, tendo em conta a interpretação fáctica que foi acolhida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, ou seja, de que se estava perante uma relação laboral, ressalvando expressamente que tal interpretação não é isenta de dúvidas face ao regime do próprio Decreto-lei n.º 141/89, de 28 de Abril.
Portanto, tal juízo de inconstitucionalidade, além de se tratar de uma fiscalização de carácter concreto, pressupõe que se esteja perante uma relação de carácter laboral, o que não resulta do regime jurídico sob o qual o contrato foi celebrado. Ademais que, e conforme o Acórdão menciona, “Note-se que diferente posicionamento deveria ser o seguido se porventura a «qualificação» do contrato em causa como contrato de trabalho resultava, não dos factos que foram dados como provados pelo Tribunal a quo, mas sim da própria interpretação do contrato decorrente da sua previsão legal.”.
Relativamente ao cumprimento do aviso prévio previsto na cláusula sétima do contrato, em consonância com o disposto no Artigo 15.º do Decreto-lei n.º 141/89, de 28 de Abril, qualquer das partes poderia a todo o tempo o denunciar contrato em causa, mediante pré-aviso de 15 dias. Ou seja, a parte que pretendesse colocar um fim à relação contratual estabelecida, estava obrigada a comunicar tal facto à outra parte quinze dias antes da data em que tal comunicação produziria os seus efeitos.
Ora, conforme ficou provado nos presentes autos a comunicação do Réu da qual constava a sua intenção de denunciar o contrato de prestação de serviços celebrado com a representada do Autor, a produzir efeitos no dia 30 de Abril de 2014, foi recebida por M. no dia 03/03/2014 [cfr. alínea D) do probatório], ou seja, mais de trinta dias antes da data prevista para a produção de efeitos da denúncia do contrato.
Ante o exposto, verifica-se que o Réu deu cumprimento ao prazo de pré-aviso, acordo com o estipulado na cláusula sétima do contrato e, bem assim, nos termos do Artigo 15.º do Decreto-lei n.º 141/89, de 28 de Abril.
Termos em que, improcede o fundamento do Autor, segundo o qual é nula a denúncia do contrato de ajudante familiar celebrado com a sua representada.
*
3. Da conversão do contrato de prestação de serviços celebrado com a representada do Autor e o Réu Instituto de Segurança Social;
Argumenta o Autor que o alegado contrato de prestação de serviços celebrado com o Réu, o uso abusivo da “estipulação de termo” e, bem assim, da denúncia do contrato violam o Artigo 53.º da CRP, porquanto configuraram um verdadeiro atentado ao princípio e ao direito à segurança no emprego.
Considera ainda o Autor que a sua representada sempre teve expectativa de continuar a exercer a sua actividade, pelo que quando entrou em vigor a Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, o Réu deveria ter criado o lugar para o seu efectivo preenchimento. Ao não ter convertido o contrato da representada do Autor em contrato sem termo, segundo assevera este, o Réu violou o disposto nos regimes constantes da Lei n.º 23/2004, do Código de Trabalho, quer do agora Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, assim como, a Directiva 1999/70/CE do Conselho de 28/06/99 que estabelece um regime legal, que pretende evitar as repetidas e sucessivas renovações de relações laborais a termo.
Por sua banda o Réu considera que ao contrário da tese propugnada pelo Autor, o contrato celebrado com a sua representada, nunca poderia ser convertido num contrato de trabalho em funções públicas, pelo simples facto de os regimes que a mesma invoca não lhe serem aplicáveis. Assevera o Réu, que o contrato de prestação de serviços para a actividade de ajudante familiar foi celebrado ao abrigo de um regime legal específico, emitido pelo órgão legislativo competente que previu e admitiu a celebração deste tipo de contrato e nas condições previstas no diploma legal em questão.
Permitir a conversão de um contrato de prestação de serviços, num contrato de trabalho em funções públicas sem termo é, segundo o Réu, inconstitucional por violação do disposto no n.º 2 do Artigo 47.º e 112.º n.º 2 da CRP.
Vejamos.
O entendimento jurídico manifestado pelo Autor, no que respeita à conversão do contrato em questão nos autos num contrato de trabalho em funções públicas, parte do pressuposto de que o contrato firmado entre a sua representada e o Réu é, na verdade, um contrato de trabalho a termo que se foi renovando de forma repetida e sucessiva no tempo.
Porém, não lhe assiste razão, dado o contrato celebrado não é, conforme assevera o Autor, um alegado contrato de prestação de serviços, mas sim um verdadeiro contrato de prestação de serviços com as características próprias que o legislador lhe conferiu mediante a criação do regime legal constante do Decreto-lei n.º 141/89, de 28 de Abril. O legislador pretendeu, como aliás resulta do preâmbulo do diploma legal em questão – lapidar quanto à manifestação da vontade do legislador – que a relação negocial em causa nos autos reveste um carácter específico, desde logo pelo tipo de funções que são exercidas e, bem assim, pelo facto de se tratar de uma actividade de apoio aos serviços de acção socia e em coordenação com as entidades encarregues de a promover.
Portanto, atendendo às funções que são desempenhadas pelos ajudantes familiares, já mencionadas supra, nenhuma disposição constitucional dispõe que é inadmissível que o legislador ordinário, no uso das suas competências legislativas, estabeleça um regime especificamente direccionado para a actividade em questão, afastando-a da regulação nos termos gerais de um contrato individual de trabalho, estabelecendo, estabelecendo, por conseguinte, normas distintas quanto à duração da relação contratual, e respectivas condições de renovação, sem impor um limite às mesmas, nem a previsão da imposição da conversão de tais contratos, em contratos de trabalho sem termo.
Nada na Lei Fundamental sustenta a exclusão, sem mais, que a especificidade da actividade que é prosseguida pelos ajudantes familiares e, bem assim, que natureza jurídica da relação a estabelecer entre as entidades de suporte e os ajudantes familiares, determine a necessidade da criação de um regime contratual específico, afastando e derrogando determinados traços do regime geral.
Ademais que, o regime dos ajudantes familiares não é o único a afastar-se da regulamentação geral das relações laborais, derrogando determinados traços do seu regime, assim como, não é o único que estipula que o facto de se ter firmado uma relação contratual com uma entidade pública, não significa que se tenha estabelecido uma relação jurídico-laboral de direito público, ou seja, que se tenha criado com determinada entidade, por força do contrato, um vínculo de emprego público.
Não será de somenos importante ressaltar também que, ainda que se considerasse, o que não é o caso, que o contrato celebrado com a representada do Autor constitui, na verdade, um contrato de trabalho a termo, este não se converteria num contrato de trabalho em funções públicas sem termo.
Conforme resultava do Artigo 2.º n.º 2 da Lei n.º 23/2004, o contrato individual de trabalho celebrado com pessoas colectivas de direito público, não confere, a quem o tenha celebrado com aquelas, a qualidade de funcionário público ou agente administrativo. Posteriormente, na vigência da Lei n.º 59/2008, que aprovou o regime do contrato de trabalho em funções públicas, resulta do Artigo 92.º n.º 2 que “o contrato a termo resolutivo não se converte, em caso algum, em contrato por tempo indeterminado (…)”.
Permitir que um contrato de trabalho sem termo, se transmutasse num contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado constituiria uma violação do Artigo 47.º n.º 2 da CRP, porquanto nos termos de tal disposição constitucional “Todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso”. (sublinhado nosso).
Além de que, ao contrário do que alega o Autor, o Artigo 53.º da CRP não se sobrepõe ao Artigo 47.º n.º 2 da CRP, uma vez que o facto de se permitir que um contrato de trabalho sem termo se converta num contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, não dá a garantia de que a relação de emprego público que nasceria por via da transmutação do vínculo se perpetuasse no tempo ou que fosse inquebrável, dado que tal disposição constitucional têm por escopo garantir que um trabalhador não seja despedido sem justa causa, conferindo-lhe, dessa forma, segurança no exercício da sua profissão, ou seja, a garantia de que não seja privado do seu emprego, sem qualquer justificação.
Por outras, palavras a transmutação do vínculo não é condição ipso facto da sua manutenção. [Nesse sentido veja-se na Jurisprudência, entre outros, Acórdão do STJ de 14/11/2007, p. 08S2451, de 18/06/08, p. 06S2445, de 01/10/08, p. 08S2636, disponíveis em www.dgsi.pt].
Tal entendimento não viola, ao contrário do defendido pelo Autor, o Direito da União Europeia, mormente a Directiva 1999/70/CE. Antes de demais, o Autor assevera que a celebração do contrato entre o Réu e a sua representada por ter sido sujeito a repetidas e sucessivas renovações, constitui uma afronta á Directiva, porém não específica qual a concreta disposição legal da mesma que tenha sido violada e em que termos.
Além de que, para invocar uma Directiva, fazendo valer os efeitos jurídicos que da mesma decorres perante uma entidade pública, o Autor teria de ter alegado e provado que a Directiva em causa não tinha sido transposta para o ordenamento jurídico português no prazo estabelecido para tal ou, tendo-o sido, foi mal transporta, o que comportava uma violação do Direito da União Europeia e legitimava o Autor a invocar o princípio do efeito directo das Directivas no âmbito relações verticais entre o cidadão e as entidades públicas. Porém, não fez.
No entanto, sempre e dirá que não resulta de qualquer disposição da referida Directiva que as repetidas e sucessivas renovações de contratos a termo, conduzem à conversão do mesmo num contrato de trabalho em funções públicos por tempo indeterminado, antes estabelecendo medidas, nos termos do seu Artigo 5.º, para evitar abusos, mormente “a) Razões objectivas que justifiquem a renovação dos supramencionados contratos ou relações laborais; b) Duração máxima total dos sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo; c) Número máximo de renovações dos contratos ou relações laborais a termo.”. Ressaltando-se o facto de que, em caso de incumprimento das disposições do Direito da União, os Estados-Membros estarão sujeitos à aplicação de sanções, constituindo tal medida uma forma de garantia de cumprimento do que for estabelecido não só nas Directivas, mas também noutros diplomas legais do Direito da União Europeia que vinculem os Estados-Membros.
Por outro lado, não será de somenos importante referir, que a lei estabelece quais são os critérios para o acesso ao vínculo de emprego público (por regra, por via de concurso), garantido, desta forma, o acesso a todos em condições de igualdade, sob pena de subverter o regime jurídico acolhido no ordenamento jurídico português no que respeita às vias de acesso à Administração Pública. Razão pela qual, além de os regimes legais que permitem o estabelecimento de relações laborais com entidades públicas estabelecerem expressamente que, por via de tais contratos, quem os celebra não passa a integrar a Administração Pública [cfr. resulta do próprio regime da actividade de ajudante familiar], os regimes gerais do trabalho em funções públicas, mormente a Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho e a Lei n.º 58/2008, de 11 de Setembro (que são os regimes invocados pelo Autor) estabelecem expressamente que os contratos a termo não se convertem em contratos sem termo. [Nesse sentido vejam-se os Acórdãos do TCAN de 03/03/2012, p. 02637/09.3BEPRT e de 29/05/2014, p. 03260/10.5BEPRT, disponíveis em www.dgsi.pt].
Ante o exposto, retiram-se as seguintes ilações: i) o contrato firmado pela entre a representada do Autor e o Réu não é um contrato de trabalho sem termo, mas sim um contrato de trabalho de prestação de serviços de ajudante familiar, com as especificidades decorrentes do regime que lhe é próprio, ou seja, o previsto no Decreto-lei n.º 141/89, de 28 de Abril; ii) mesmo que se considerasse que tal contrato revestia a natureza de um contrato de trabalho sem termo, o mesmo nunca se converteria num contrato de trabalho em funções públicas sem termo.
Termos em que, improcedem os argumentos do Autor e, consequentemente não se converte o contrato celebrado pela sua representada e o Réu em contrato sem termo.
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4. Da condenação do Réu Instituto de Segurança Social a pagar à representada do Réu subsídio de férias e de natal desde 28 de Fevereiro de 1996.
O Autor peticiona que sejam pagos à sua representada os subsídios de férias e de natal, desde 28 de Fevereiro de 1996, ou seja, desde data de celebração do contrato de prestação de serviços com o Réu. Fá-lo, partindo do pressuposto que se firmou entre a sua representada e o Réu se estabeleceu uma relação jurídico-laboral.
Porém, conforme decorre da fundamentação de direito expendida até então, tal não se verifica, razão pela qual não tem a sua representada direito ao pagamento de tais créditos laborais. Tanto mais o contrato celebrado, apenas prevê o pagamento da retribuição devida pela prestação do serviço em questão, do subsídio de refeição e, bem assim, das despesas em que a mesma possa incorrer no exercício da sua actividade [cfr. Cláusula Terceira do contrato].
Ademais que, a representada do Autor apenas pretendeu fazer vingar a tese de que, na verdade, a relação jurídica que se estabeleceu entre si e o Réu, por força do contrato, era uma relação jurídica de natureza laboral, quando aquele manifestou a sua intenção de denunciar o contrato. Pois que durante os dezoito anos em que prestou a actividade de ajudante familiar, M. nunca exigiu o pagamento de subsídio de férias ou de natal, ou sequer se arrogou de quaisquer tipo de direitos que advém da natureza daquele tipo de relação jurídica.
Termos em que, não tem a representada do Autor direito ao pagamento de subsídio de férias ou de natal.
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5. Da condenação do Réu Instituto de Segurança Social a pagar à representada do Autor compensação por despedimento ilícito;
Conforme o sobredito, o contrato celebrado entre o Réu e a representada do Autor é um contrato de prestação de serviços para a actividade de ajudante familiar, celebrado ao abrigo de um regime específico que o legislador decidiu prever, para colmatar as necessidades que se fazem sentir nos serviços de acção social.
É certo que o contrato, cuja duração inicial era de seis meses, se renovou várias vezes e de forma sucessiva perfazendo o total de 18 anos. Porém, no regime legal em questão não está previsto qualquer limite para as renovações deste tipo de contrato.
Assim sendo, prevendo o contrato e a lei a possibilidade de denúncia a todo o tempo, sem indemnização, desde que cumprido o prazo de pré-aviso – que como se verificou foi cumprido – o Réu não agiu de forma ilícita, nem a representada do Autor foi despedida de forma ilícita. Razão pela qual, não tem direito a qualquer indemnização ou compensação.
Termos em que, não tem a representada do Autor direito a qualquer indemnização ou compensação por despedimento ilícito.

X
Vejamos:
Da (i)legitimidade do Réu Estado Português -
O Tribunal a quo, no despacho recorrido considerou, e bem: a legitimidade processual afere-se nos termos do artº 10º nº 1 do CPTA, na redacção anterior ao DL nº 214-G/2015 de 2/10, e do artº 30º nº 1 e 3 do CPC, de acordo com a relação material controvertida tal qual esta é configurada pelo Autor na Petição Inicial, sendo nestes termos que deverá ser apreciada pelo Tribunal.
Mais considerou que: o Autor pretende com a presente demanda que, o contrato de prestação de serviços celebrado entre a sua representada e o réu Instituto de Segurança Social, seja declarado nulo e, consequentemente seja convertido num contrato de trabalho em funções públicas sem termo, e que o contrato celebrado em 28/2/1996, ao abrigo do DL nº 141/89 de 28/4, foi celebrado com o Centro Regional de Segurança Social do Norte, e que prestava ao ISS,I.P. trabalho de forma constante e ininterrupta em regime de subordinação jurídica, hierárquica e mediante retribuição. Ou seja não imputa em concreto ao Estado Português, a prática de qualquer ato jurídico, como seja a denúncia do contrato cuja nulidade pretende, que foi emitido pelo Conselho Diretivo do Instituto de Segurança Social, assim como não alega que tenha sido com o Estado Português ou alguma entidade pública, órgão ou serviço que esteja numa relação de hierarquia face à pessoa colectiva Estado.
E concluiu: no caso dos autos, a pessoa colectiva com quem o Autor alega que a sua representada manteve uma relação jurídico laboral duradora, e de quem demanda o pagamento de determinados créditos laborais, é o Réu Instituto de Segurança Social e não o Réu Estado Português.
Como o próprio nome denuncia, aquele Réu é um Instituto e integra a administração indireta do estado, dotado de autonomia administrativa, o que significa que não está numa relação de hierarquia, face à pessoa colectiva Estado.
E, na verdade, assim é.
Das considerações jurídicas que teceu sobre os artigos 2º, 3º, 4º e 21º nº 3 da Lei 3/2004 de 15/01, relativamente à integração dos institutos públicos na administração indirecta do Estado, à consequente dotação de personalidade jurídica, constituindo por isso pessoas colectivas de direito pública, dotadas de órgãos e património próprio, e à sua representação em juízo ou na prática de atos jurídicos, pelo presidente do conselho diretivo, por dois dos seus membros ou por mandatários especialmente designados, extrai-se que de acordo com o disposto no artigo 1º/1 do DL 83/2012 de 30/03, o ISS é um instituto público integrado na administração indirecta do Estado, dotado de autonomia administrativa, financeira e património próprio, prosseguindo as atribuições do Ministério da Solidariedade e da Segurança Social, numa relação de superintendência.
Ora salvo disposição legal em contrário, a legitimidade passiva cabe à pessoa colectiva pública de direito público a quem seja imputável ato jurídico, in casu, o contrato de prestação de serviços que se pretende impugnar. É a ela, portanto, e não ao Estado Português, que a lei reconhece em primeira linha, o interesse direto em contradizer o pedido formulado pelo Autor.
Assim, decidiu bem o Senhor Juiz ao considerar verificada a exceção dilatória de ilegitimidade passiva do Réu Estado Português e consequentemente ao absolvê-lo da instância.
Como sentenciado: o Instituto de Segurança Social, de acordo com o artº 1º nº 1 do DL 83/2012 de 30/3, é um Instituto Público, integrado na administração indirecta do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio.
Atenta a sua natureza jurídica, o Instituto de Segurança Social, é dotado de personalidade jurídica, logo de personalidade judiciária, nos termos do nº 2 do artigo 8º-A do CPTA.
Não é pelo facto de o Estado, enquanto administração central, deter a tutela sobre Administração Indireta do Estado, que desconfigura a situação jurídica em apreço nos autos, uma vez que a tutela tem somente a faculdade de poder dar orientações genéricas ou de realizar inspeções aos diversos organismos tutelados.
O artigo 10.º do CPTA, que tem por epígrafe “legitimidade passiva”, dispõe mormente:
“1 - Cada ação deve ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida e, quando for caso disso, contra as pessoas ou entidades titulares de interesses contrapostos aos do autor.
O nº 2 refere expressamente que - Nos processos intentados contra entidades públicas, parte demandada é a pessoa coletiva de direito público, salvo nos processos contra o Estado ou as Regiões Autónomas que se reportem à ação ou omissão de órgãos integrados nos respetivos ministérios ou secretarias regionais, em que parte demandada é o ministério ou ministérios, ou a secretaria ou secretarias regionais, a cujos órgãos sejam imputáveis os atos praticados ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os atos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos.
Logo, decorre, desde logo, do nº 2 do artº 10º do CPTA, que a regra é que nos processos intentados contra entidades públicas, a parte demandada é a pessoa coletiva de direito público.
Assim, quando não está em causa a prática de um ato administrativo ou a observação de um comportamento pretendido pelo interessado, por parte de algum órgão do ministério demandado é que a parte demandada deverá ser o Estado, representado pelo Ministério Público (artigos 51.º e 52.º do ETAF).
Estamos, assim, perante um regime especial, em que é atribuída personalidade judiciária aos ministérios (v. artºs 8º-A, nºs 2 e 3, e 10º, nº 2, do CPTA).
E este regime especial, “não está a retirar qualquer personalidade judiciária ao Estado mas apenas a retirar-lhe a legitimidade para ser demandado”, tendo o “Estado, enquanto tal, (…) personalidade jurídica, e por inerência personalidade judiciária, pois apenas carece de legitimidade enquanto réu no âmbito de litígios relativos a atos ou omissões praticados pelos respectivos órgãos dos seus ministérios, isto é, face à posição que ocupa na concreta relação processual”.
Assim, a acção tem de ser “intentada contra a entidade a quem incumbe o reconhecimento do direito que o autor pretende fazer valer, sendo esta detentora de legitimidade passiva para ser demandada;
Aliás, a exceção prevista no nº 2 do artº 10º do CPTA, relativamente ao Estado e às Regiões Autónomas deve ser interpretada como pretendendo abranger as ações de impugnação e de condenação à prática de atos jurídicos ou operações materiais específicos pelos órgãos em causa. Deve, por isso, entender-se que ela não abrange, mesmo para o Estado e as Regiões Autónomas, as ações de responsabilidade civil extracontratual, bem como as ações sobre contratos, a que aludem as alíneas k) e l) do n.º 1 do artigo 37º, que não têm tal objeto.
Uma vez que a relação jurídica contratual agora em discussão somente foi estabelecida entre a representada do Autor e o Instituto de Segurança Social, o peticionado só pode ter como destinatário único o Instituto de Segurança Social.
Pelo exposto, repete-se, bem andou o Senhor Juiz no saneador-sentença recorrido, ao absolver da instância o Réu Estado Português, por ilegitimidade passiva.
Termos em que se desatende este segmento recursivo.
Do mérito/fundo do recurso -
Está em causa a total improcedência dos pedidos formulados pelo ora Recorrente na p.i., mormente:
-A declaração da nulidade do contrato de prestação de serviços da R.A;
-A declaração da existência de uma relação jurídico-laboral subordinada entre o ISS, IP e a R.A;
-A condenação do Réu no pagamento de todos os montantes remuneratórios não pagos à R.A. desde 28 de fevereiro de 1996 por força da relação jurídico-laboral existente desde então, no que se mantém em relapso, designadamente todos os subsídios de férias e de natal;
-A Declaração da conversão do contrato por força do determinado na Diretiva 1999/70/CE do Conselho, de 28/06/99, com as legais consequências, inclusive remuneratórias, tudo acrescido de juros à taxa legal até efectivo e integral cumprimento;
-Assim como e em alternativa aos pedidos antecedentes, a condenação do Recorrido no pagamento à R.A. de uma indemnização por despedimento ilícito.
Já se viu que, ao contrário do que foi entendido pelo Tribunal a quo, o Autor sustenta que o contrato de prestação de serviços que a sua representada detinha com o aqui Recorrido é nulo.
Nessa perspetiva, advoga que a decisão recorrida padece de erro nos pressupostos de facto e de direito.
Contudo, a transcrição que dela fizemos atesta que a mesma não enferma dos apontados vícios.
Preliminarmente, esclarece-se que o Recorrente não impugna a matéria de facto dada por assente na decisão recorrida, encaminhando, ao invés, a sua defesa no sentido da incorreta aplicação do direito aos factos firmados, assim como, à incorreta interpretação dos preceitos visados.
Sucede que não assiste razão ao Recorrente, dado que a sentença recorrida se pronunciou convenientemente sobre os pedidos formulados em função da causa de pedir e pressupostos de direito formulados pelo Autor/ Recorrente, concluindo no sentido da improcedência dos mesmos.
Nesta sede, o Autor aduz, mais uma vez, que o contrato de prestação de serviços celebrado entre a R.A e a Entidade Demandada, ora Recorrido, reveste características de um verdadeiro contrato de trabalho subordinado, porquanto todos os elementos típicos deste tipo contratual se encontram presentes, designadamente a subordinação hierárquica e jurídica, a existência de horário de trabalho, o pagamento de remuneração, o gozo de férias, a prestação da atividade exclusivamente com o equipamento e fardamento do ISS, IP, a inexistência de autonomia técnica, por receber ordens, a sujeição ao poder disciplinar do ISS,IP por ter de justificar as faltas e a atribuição de n.º de funcionário do ISS, IP.
Nessa conformidade, ao abrigo do artigo 36.º, n.º 1, da então Lei n.º 12-A/2008, o Recorrente alega que o contrato de prestação de serviços da R.A. é nulo, tendo o Tribunal incorrido em erro nos pressupostos de facto e de direito ao julgar improcedente a acção.
Contudo, tal não corresponde à verdade.
Na realidade, a R.A. celebrou com o ISS, I.P. um contrato de prestação de serviços, dado por assente na alínea a) do probatório e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
Tal contrato de prestação de serviços foi celebrado ao abrigo do disposto no DL nº 141/89 de 28 de abril, normativo este especial, aprovado e emitido pelo órgão legislativo competente e que, por se tratar de ato legislativo de igual valor (artº 112º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa) não permite que se recorra ao Código do Trabalho para nele tentar enquadrar o contrato celebrado entre a R.A. e o ISS.,IP, mesmo que se verificassem (e não se verificam) todos os elementos típicos do contrato de trabalho.
Foi o próprio legislador, quem previu e admitiu a celebração de contratos de prestação de serviços entre o ISS. IP e os particulares, proibindo até a celebração de outro tipo de contrato, quando nos Serviços não existissem funcionários ou agentes com as qualificações adequadas ao exercício de determinadas funções necessárias, ou quando inexistisse um número insuficiente de trabalhadores para as exercer.
Acresce que, nunca o contrato de prestação de serviços celebrado entre a R.A. e o ISS, IP poderia configurar um contrato de trabalho, já que, nos termos do artº 11º do CT, “contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade e destas.”
De facto, a R.A., ao longo de todos estes anos, nunca esteve sujeita à fiscalização do ISS. IP., nunca esteve sujeita ao poder disciplinar do ISS. IP. (até porque não se encontra subordinada a nenhum superior hierárquico), não faz parte do mapa de pessoal do ISS. IP, e nem detém nenhuma categoria nele existente e não se encontra sujeita ao regime de exclusividade, característica dos contratos de trabalho em funções públicas.
É certo que pode ter tido horas previamente definidas pela Santa Casa da Misericórdia de (...) para prestar a sua atividade, mas como é evidente, não poderia ser de outro modo, já que as suas funções enquanto ajudante familiar, se dirigem exclusivamente ao contacto com as pessoas mais necessitadas, que carecem de apoio para as suas atividades normais do dia a dia, não fazendo qualquer sentido que a R.A. se encontrasse a prestar as suas funções num horário desfasado das necessidades destas pessoas, nomeadamente (e a título de exemplo), à noite, quando estas se encontram a dormir e não necessitam de apoio.
Cabe referir que este controlo é indispensável e necessário, uma vez que é preciso assegurar que a R.A. cumpre as horas por si acordadas e que presta a sua atividade de forma cabal e efetiva.
Mas o seu campo de ação termina neste mesmo ponto, na medida em que os mapas de assiduidade não eram remetidos para os RH.
É verdade que recebia uma remuneração mensal, a título de pagamento de honorários, mas tal facto, não é de todo alheio aos contratos de prestação de serviços, que podem ser objeto de remuneração certa e mensal, tal como acontece na avença, que é uma modalidade de prestação de serviços (artº 17º, nº 4 do DL nº 41/84 de 3 de fevereiro : “(…) os serviços prestados em regime de contrato de avença são objeto de remuneração certa mensal (…)”).
Ademais “(…) A retribuição é um indício sem grande valor para diferenciar o contrato de trabalho do contrato de prestação de serviços, uma vez que pode existir contrato de trabalho sem retribuição regular ou de montante variável e, por outro lado, é frequente a remuneração regular, periódica e fixa em contratos de prestação de serviços, nomeadamente nos contratos de avença com profissionais liberais” (Ac. do STJ de 7.10.98, proc. nº 98S026) Sumário
I - A retribuição é um indício sem grande valor para diferenciar o contrato de trabalho do contrato de prestação de serviços, uma vez que pode existir contrato de trabalho sem retribuição regular ou de montante variável e, por outro lado, é frequente a remuneração regular, periódica e fixa em contratos de prestação de serviços, nomeadamente nos contratos de avença com profissionais liberais.
II - A subordinação jurídica é o elemento fundamental e verdadeiramente diferenciador para distinguir o contrato de trabalho do contrato de prestação de serviços, já que não há contrato de trabalho sem subordinação jurídica e no contrato de prestação de serviços, o prestador exerce a sua actividade com autonomia.
A subordinação jurídica é inerente ao próprio contrato de trabalho e resulta directamente da lei, mais precisamente, da expressão - "sob autoridade e direcção" constante dos artigos 1152 do C.Civil e 1. da Lei do Contrato de Trabalho. Mas, nem sempre é fácil, em concreto, concluir pela sua existência, sobretudo quando o grau de tecnicidade ou especialização exigem um grande espaço de autonomia - a autonomia técnica.
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No mesmo sentido, “(…) Não são suficientes para determinar a existência da subordinação jurídica… relativamente à ré (entidade empregadora daquela), quer a fixação da remuneração com base no número de horas de aulas dadas, quer o facto de o local de trabalho se situar nas instalações da ré, quer o facto de ser esta a fornecer os instrumentos de trabalho que a autora necessitava para desempenhar as suas funções, já que estas situações são compatíveis com outro tipo de contratos, afins do contrato de trabalho, como é o contrato de prestação de serviços.” (Ac. do STJ de 21.03.2001, proc. nº 00S3918).
No que diz respeito aos instrumentos de trabalho facultados pela Entidade Demandada cumpre referir que, quanto muito, os instrumentos de trabalho utilizados pela R.A. ser-lhe-iam fornecidos pela Santa Casa da Misericórdia de (...). Em todo caso, o facto de um profissional liberal ter à sua disposição todos os instrumentos, meios materiais, de trabalho de que necessita para o exercício das suas funções, sem que com isso tenha preocupações com despesas, (apenas) configura para o trabalhador independente uma mais valia.
Além do mais, entende-se, e é doutrinariamente aceite, que “(…) o facto de o trabalhador usar meios materiais e seguir o figurino disposto pela entidade patronal, conquanto fundados no contrato convencionado e não na autoridade diretiva do empregador, não constitui índice forçoso da existência de subordinação jurídica (…)” (in Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 8ª ed. Almedina, Coimbra, 1992, pág. 114).
De outra, parte a R.A. não estava obrigada a utilizar qualquer farda de serviço, uma vez que o seu uso não estava instituído.
Acresce ainda, que é o próprio DL 141/89, na alínea b) do seu artº 12º, que definiu que, cabe às instituições de suporte, “(…) prestar apoio técnico regular aos ajudantes familiares, por forma a garantir a eficácia da sua atuação, incluindo, quando necessário, os meios materiais indispensáveis ao bom exercício da atividade (…)”.
No que concerne aos períodos de interrupção da prestação de serviço, para efeitos de repouso, cumpre apenas salientar que os mesmos estavam contemplados no contrato de prestação de serviços, designadamente na cláusula segunda, ponto b).
Por outro lado, não existe qualquer subordinação jurídica ou hierárquica entre a R.A. e a Entidade Demandada.
Efetivamente, a R.A. realizava a sua atividade de forma autónoma e independente, sem qualquer relação de dependência, nem interferência do ISS, IP ou da Santa Casa da Misericórdia de (...), não existindo, igualmente, qualquer poder de direção sobre ela, apenas lhe interessando que execute a tarefa inerente à sua profissão, com profissionalismo, cabendo à R.A. decidir a melhor forma de o fazer.
Aliás, as orientações, indicações e procedimentos dados pela representante da Santa Casa da Misericórdia de (...) à R.A., eram apenas sobre a organização do serviço e não sobre o modo como a prestação de serviço deveria em concreto ser realizada.
De facto, as ações de orientação não consubstanciam subordinação jurídica, já que a autonomia do trabalho, não é incompatível com a execução de certas diretivas da pessoa servida e de algum controlo desta sobre o modo como o serviço é prestado, sem prejuízo de poder haver ordens e
instruções, as quais se dirigem ao objeto do resultado e não à forma de o conseguir.
Neste sentido, “(…) Não são suficientes para determinar a existência da subordinação jurídica… relativamente à ré (entidade empregadora daquela), quer a fixação da remuneração com base no número de horas de aulas dadas, quer o facto de o local de trabalho se situar nas instalações da ré, quer o facto de ser esta a fornecer os instrumentos de trabalho que a autora necessitava para desempenhar as suas funções, já que estas situações são compatíveis com outro tipo de contratos, afins do contrato de trabalho, como é o contrato de prestação de serviços.” (Ac. do STJ de 21.03.2001, proc. nº 00S3918).
É o próprio DL 141/89, na alínea b) do seu artº 12º, que impõe como obrigação ao Réu, prestar “(…) apoio técnico regular aos ajudantes familiares, por forma a garantir a eficácia da sua atuação (…)”.
Daí não advém, pois, que a R.A. exerça as suas funções em regime de subordinação jurídica. Assim, a R.A. não se encontra subordinada hierarquicamente, não tendo, como tal, o dever de obediência e não podendo ser, como nunca foi, objeto de processo disciplinar por parte da Entidade Demandada. Até porque as invocadas justificações efetuadas pela R.A., quando faltava, eram apenas feitas junto da representante da Santa Casa da Misericórdia de (...) de forma verbal, nunca tendo apresentando qualquer documento justificativo para o efeito; nessa conformidade, inexiste qualquer nulidade do contrato de prestação nos termos em que o Autor invoca, não incorrendo a decisão recorrida dos vícios que o Recorrente lhe imputa.
Em todo caso o regime aplicável ao caso sub judice é o constante do DL 141/89, que afasta o regime jurídico geral contido no artigo 35.º previsto no DL 12-A/2008, de 27 de fevereiro, pelo que, bem decidiu o Tribunal a quo ao concluir que “Como resultou provado nos presentes autos, a representada do Autor e o Centro Regional de Segurança Social do Norte, celebraram um contrato de prestação de serviços [cfr. item A) do probatório]. Ao abrigo deste contrato, M. - representada do Autor - prestaria serviços de ajuda domiciliária a indivíduos ou famílias que fossem seleccionadas pelo Centro Regional de Segurança Social do Norte, recebendo pela prestação de tais serviços, a respectiva remuneração que à data da denúncia do contrato ascendia a 548, 67 euros [cfr. Item A), B) e C) do probatório.
Face à factualidade supra descrita, e que se provou, verifica-se que o contrato de prestação de serviços foi celebrado de acordo com as exigências legais previstas no DL 141/89, de 28 de abril, que estipula as formalidades às quais o mesmo deve obedecer.
“É certo que a Lei n.º 12.A/2008, de 27 de fevereiro, entretanto revogada pela Lei n.º 80/2017, de 18 de agosto, que estabelecia o Regime de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores em funções públicas, estabelecia um regime de invalidade dos contratos de prestação de serviços. Porém, tal regime não será de aplicar ao caso dos autos”.
Quanto à suposta nulidade da denúncia do contrato de prestação de serviços baseada no pressuposto que atividade para a qual a R.A. foi contratada subsiste no seio da Entidade Demandada e é necessária para a prossecução da sua actividade, cumpre apenas reiterar que a alegação em causa não corresponde à verdade.
De facto, a este propósito, apela-se à cláusula sétima, ponto a) do contrato de prestação de serviços junto como doc. 2 à p.i. pelo então Autor, no qual se estipula que: “Este contrato pode ser livremente denunciado, por qualquer das partes, com aviso prévio de quinze dias do respectivo termo ou qualquer das suas prorrogações, sem que seja devida indemnização.”
Como se infere do clausulado invocado, o contrato da R.A. podia ser denunciado a todo tempo, sem que fosse devida qualquer indemnização, estando apenas condicionado a um aviso, prévio de, pelo menos, 15 dias, o que no caso em apreço se verificou, uma vez que a denúncia do contrato foi comunicada à R.A. em 26 fevereiro de 2014, através da comunicação junta à p.i. pelo Autor como doc. 3, com efeitos reportados a 30 de abril de 2014, ou seja, o aviso prévio concedido pela Entidade Demandada foi superior ao limite mínimo de 15 dias contratualmente fixado.
Não era exigido qualquer outro formalismo para a denúncia do contrato, pelo que a tese sufragada pelo Autor, ora Recorrente, não tem qualquer fundamento.
Não obstante a R.A. não ter desempenhado funções no Lar das Fontainhas, parece-nos pertinente reiterar nesta sede, em todo caso, que o desenvolvimento das respostas sociais afetas àquele Lar passaram, por força do contrato de gestão celebrado com a Santa Casa de Misericórdia do (...), a ser prosseguidas por aquela entidade privada de utilidade pública. (cfr Cláusula Primeira, n.º 1 e Sétima, n.º 1 do citado contrato de gestão junto com a contestação como doc. 1.), sendo que, por força da cláusula sexta, alínea h) do contrato de gestão celebrado entre o ISS,IP e a Santa Casa da Misericórdia do (...), passou a incumbir àquela instituição coletiva privada de interesse público “Assegurar a existência de recursos humanos adequados ao bom funcionamento do estabelecimento”, pelo que é sem sentido a alegação da prossecução da actividade pelo ISS, IP - lê-se nas contra-alegações desta Entidade e aqui corrobora-se.
Quanto à suposta nulidade da denuncia operada por força do acórdão do tribunal Constitucional n.º 237/01 que declarou inconstitucional o artigo 10º n.º 2 do DL 141/89, quanto interpretado no sentido de permitir a cessação, pela instituição de suporte, destes contratos e em qualquer altura, por violação do artigo 53.º da CRP cumpre frisar que o acórdão citado não é aplicável caso concreto, conforme se evidencia na decisão recorrida.
Já quanto à conversão do contrato de prestação de serviços, cumpre enunciar, como bem decidiu o Tribunal a quo, que o referido contrato não pode ser convertido, nos termos propostos pelo Autor, ora Recorrente.
Com efeito, como já se disse, o contrato de prestação de serviços da R.A. foi celebrado ao abrigo do disposto no DL 141/89, de 28 de abril, normativo este especial, aprovado e emitido pelo órgão legislativo competente e que, por se tratar de ato legislativo de igual valor (artº 112º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa) não permite que se recorra ao Código do Trabalho para nele tentar enquadrar o contrato celebrado entre a R.A. e o ISS,IP; mesmo que se verificassem (e não se verificam) todos os elementos típicos do contrato de trabalho.
Foi o próprio legislador, quem previu e admitiu a celebração de contratos de prestação de serviços entre o ISS. IP e os particulares, proibindo até a celebração de outro tipo de contrato, quando nos Serviços não existissem funcionários ou agentes com as qualificações adequadas ao exercício de determinadas funções necessárias, ou quando inexistisse um número insuficiente de trabalhadores para as exercer.
Reconhecer, como pretende o Autor, ora Recorrente, que a R.A. detém uma relação jurídico-laboral por tempo indeterminado com o ISS, IP, seria reconhecer uma situação que é vedada pela própria lei e, como tal, ilegal, como a seguir se demonstrará.
Como decidiu o Tribunal Constitucional no Acórdão nº 368/2000, Proc. nº 243/00, in DR nº 277 de 30 de novembro, Iª Série, (que declarou inconstitucional, com força obrigatória geral o artigo 14.º, n.º 3, do DL 427/89, de 7 de dezembro, na interpretação segundo a qual os contratos de trabalho a termo celebrados pelo Estado se convertem em contratos de trabalho sem termo, uma vez ultrapassado o limite máximo de duração total fixado na lei geral sobre contratos de trabalho a termo) não é possível aceitar a interpretação, por ser a mesma inconstitucional, que os contratos a termo certo, e por maioria de razão os contratos de prestação de serviços, se possam converter em contratos individuais de trabalho por tempo indeterminado, pois, caso tal fosse possível, ou se pudesse admitir que o Tribunal teria a possibilidade de proceder a tal conversão, então esta seria uma forma de, em violação dos princípios da igualdade dos atos normativos e do respeito pela igualdade no acesso à função pública, o estabelecimento de exceções à regra do concurso, sendo, por conseguinte, tal interpretação inconstitucional, por violação do disposto no nº 2 do artº 47º e artº 112º, nº 2 da CRP.
Repete-se, o contrato celebrado entre a R.A. e o ISS, IP em 1996, foi, como qualquer outro, outorgado no âmbito da liberdade contratual prevista no artigo 405º do Código Civil, nos termos do qual “dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver”.
No âmbito dessa liberdade contratual, e porque o ISS, IP é um organismo do Estado, encontra-se sujeito ao estrito cumprimento da legislação em vigor, nomeadamente no que à contratação de trabalhadores diz respeito, matéria na qual se encontra sujeito a apertados limites.
E foi, em respeito desses mesmos limites (nomeadamente os consagrados no artº 10º nº 2 do DL 141/89, de 28 de abril), que expressamente se consagrou na cláusula 5ª do contrato de prestação de serviços aceite e assinado pela R.A., que o mesmo não lhe conferiria a qualidade de agente, inerente a todos os trabalhadores da administração pública.
Assim, a R.A., no âmbito da liberdade contratual, celebrou com o ISS, IP, de forma esclarecida e livre, o aludido contrato de prestação de serviços, consciente de que, com ele, não passava a ser trabalhadora do ISS, vinculada por contrato de trabalho ou de provimento.
A R.A. não se encontrava numa relação jurídica de emprego público, porquanto a relação jurídica de emprego na função pública apenas se pode constituir por nomeação e contrato de pessoal, podendo este revestir as formas de contrato administrativo de provimento e de contrato de trabalho a termo certo.
Ademais, não podemos deixar de referir que é notório que a R.A., além de saber que a hipótese de considerar a sua prestação de serviço como um contrato de trabalho é inadmissível, também nunca verdadeiramente o considerou como tal, já que, durante tantos anos de vigência do seu contrato, nunca exigiu a conversão contratual a que agora se arroga (cfr. neste sentido, o Ac. do STJ de 28.06.2006, proc. nº 06S900).
Por outro lado, não só não é defensável que o contrato de prestação de serviços é um contrato de trabalho, como também não é defensável a possibilidade da conversão do presente contrato em contrato de trabalho, porquanto, se nos termos do nº 2 do artigo 10º da então em vigor Lei 23/2004, de 22 de junho, o contrato de trabalho a termo certo “(…) não se converte, em caso algum, em contrato sem termo (…)”, então, por maioria de razão, também o contrato de prestação de serviços, contrato que se enquadra numa relação jurídica de trabalho autónomo, jamais se converteria em contrato sem termo, ou, simplesmente, num contrato de trabalho.
Assim sendo, a admitir-se a conversão do contrato de prestação de serviços, que na prática e por via sucedânea redundasse na manutenção de um vínculo por tempo indeterminado (contrato individual de trabalho sem termo), estar-se-ia a violar o disposto no DL 141/89, de 28 de abril e legislação posterior sobre o regime de admissão de pessoal na administração, permitindo-lhe o acesso ao mapa (específico) de pessoal, por um meio ilegal e a que os demais cidadãos não têm acesso.
E, deste modo, revelar-se-ia também violador do princípio da igualdade e liberdade de acesso à função pública que assiste aos cidadãos, nos termos do artigo 47º/2 da CRP.
De facto, o acesso ao atual mapa específico de pessoal do ISS.IP (como de resto acontece na Administração Pública em geral) está sujeito à cabimentação orçamental, ao número de vagas, e pressupõe a sujeição a um critério de seleção e recrutamento e a um período experimental com avaliação de desempenho no fim da qual se decidirá pela continuidade, ou não, desse vínculo.
A aceitar-se a tese defendida pelo Autor, ora Recorrente, e a proceder a sua pretensão, este processo determinaria uma outra via de ingresso nos mapas da Administração Pública, sem sujeição às regras e procedimentos legalmente estabelecidos, designadamente, sem sujeição a processo de seleção juntamente com outros candidatos, e em violação do princípio da igualdade de acesso à função pública e das normas que regem a contratação de inquestionável natureza imperativa.
O que, reitera-se é constitucionalmente vedado.
Em suma:
-não há qualquer irregularidade no presente contrato de prestação de serviços e não há lugar à conversão do presente contrato em contrato individual de trabalho, na medida em que não estão reunidos os requisitos legalmente estabelecidos para que se considere existir contrato de trabalho e, ainda que existisse, tal conversão não seria admissível por violação da CRP - vide o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, no proc. 2079/09.0TTPNF.P1 de 11/07/2012: III - A interpretação da Directiva 1999/70/CE do Conselho, de 28.06.99, respeitante ao Acordo-Quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo, no sentido de que, no caso dos autos, imporia a conversão do contrato a termo em contrato sem termo seria inconstitucional por violação do disposto no artº 47º, nº 2, da Constituição;
-em todo caso, e quanto à invocada violação do artigo 53.º da nossa Lei Fundamental e da Diretiva 1999/70/CE pela R.A., com vista a sustentar a conversão do seu contrato de prestação de serviços em contratos de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado à revelia do preceituado na lei ordinária, cfr. o Acórdão deste TCA Norte, no proc. 02637/09.3BEPRT, de 02/03/2012, cujo sumário se transcreve: “I – A lei continua a distinguir claramente a possibilidade de acesso ao trabalho por tempo indeterminado em entidade pública da possibilidade da contratação que seja (apenas) a termo, e por isso, justificadamente (e sem violar preceitos constitucionais) impede a conversão (artigo 10 n.º 2 da lei 23/2004). II – Assim, a não conversão de um contrato a termo, celebrado por um trabalhador e uma pessoa colectiva pública, num contrato por tempo indeterminado não viola o direito comunitário (concretamente a Directiva 1999/70/CE) nem a Constituição (concretamente o princípio contido no seu artigo 53.º) e corresponde à vontade lei”;
-ainda que assim se não entenda, a Directiva 1999/70/CE não permite a invocação do seu efeito directo e, igualmente, não impõe a necessidade da sua harmonização com o direito nacional;
-o artigo 10º, nº 2, da Lei 23/2004 não é inconstitucional, pois não contraria o artº 53º da Constituição;
-concluindo-se pela impossibilidade legal de conversão em contrato de trabalho por tempo indeterminado o contrato de trabalho a termo celebrado com uma pessoa colectiva de direito público, a comunicação feita por esta ao trabalhador, anunciando a caducidade da relação contratual, não consubstancia um despedimento;
-assim sendo, a admitir a conversão do contrato de prestação de serviços, que na prática e por via sucedânea redundasse na manutenção de um vínculo por tempo indeterminado (contrato individual de trabalho sem termo), violaria o disposto no DL 141/89, de 28 de abril e legislação posterior sobre o regime de admissão de pessoal na administração, permitindo-lhe o acesso ao mapa (específico) de pessoal, por um meio ilegal e a que os demais cidadãos não têm acesso;
-assim decidimos em 30/8/2019, no âmbito do proc. 259/19.0BEBRG, onde sumariámos:
I-O que pretende o aqui Recorrente, ou seja, a conversão de um contrato de prestação de serviços numa relação de emprego pública determinaria que o tribunal se substituísse ao legislador no exercício do poder legislativo;
I.1-a relação jurídica de emprego na Administração Pública, em qualquer das modalidades previstas na Lei, sempre teria que ser precedida de Concurso Público de selecção de pessoal como, aliás, decorre do artigo 47°/2 da CRP;
I.2-independentemente das circunstâncias em que o serviço foi prestado pelo Autor, não pode o tribunal emitir uma pronúncia a reconhecer que se estabeleceu uma relação de emprego público, sob pena de tornar o regime legal de constituição da relação jurídica de emprego público em causa facilmente defraudável, através do recurso à conversão judicial de situações não enquadráveis naquele regime em relação de emprego público;
I.3-a ser colhida a tese sufragada pelo Autor, estaríamos a criar uma nova forma de acesso à função pública, isto é, pela via judicial, sendo que esta repete-se, está dependente de concretização legislativa
-concluindo-se pela impossibilidade legal de conversão em contrato de trabalho por tempo indeterminado o contrato de prestação celebrado com uma pessoa colectiva de direito público, a comunicação feita pela Entidade Demandada à R.A., denunciando o contrato, com respeito de um aviso prévio de 15 dias, não consubstancia um despedimento, nem dá lugar ao pagamento de qualquer indemnização por suposto despedimento ilícito;
-ademais é a própria cláusula 7, alínea a) do contrato a determinar que não é devida qualquer indemnização, desde que a denúncia opere com respeito de, pelo menos, um aviso prévio de 15 dias, o que ocorreu no caso posto;
-não sendo, portanto, devida qualquer compensação à R.A. pela denúncia do contrato, como bem concluiu o Tribunal a quo: Conforme o sobredito, o contrato celebrado entre o Réu e a representada do Autor é um contrato de prestação de serviço para a actividade de ajudante familiar, celebrado ao abrigo de um regime específico que o legislador decidiu prever, para colmatar as necessidades que se fazem sentir nos serviços de acção social.
É certo que o contrato, cuja duração inicial era de seis meses, se renovou várias vezes e de forma sucessiva perfazendo o total de 18 anos. Porém, no regime legal em questão não está previsto qualquer limite para as renovações deste tipo de contrato.
Assim sendo, prevendo o contrato e a lei a possibilidade de denúncia a todo tempo, sem indemnização, desde que cumprido o prazo de pré-aviso - que como ser verificou foi cumprido - o Réu não agiu de forma ilícita, nem a representada do Autor foi despedida de forma ilícita. Razão pela qual, não tem direito a qualquer indemnização.
Improcedem, pois, as conclusões da alegação.
DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Sem custas - artigo 4º/1/al. f) do RCP.
Notifique e DN.


Porto, 17/04/2020


Fernanda Brandão
Hélder Vieira
Helena Canelas