Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02778/12.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/03/2019
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Helena Canelas
Descritores:AÇÃO ADMINISTRATIVA COMUM; PROPRIEDADE DO MEIO PROCESSUAL; PEDIDO INDEMNIZATÓRIO; RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL; CONHECIMENTO INCIDENTAL DA ILEGALIDADE DO ATO
Sumário:
I – O CPTA na sua versão original (anterior às alterações que lhe foram introduzidas pelo DL. n.º 214-G/2015), assumia uma matriz essencialmente dualista das formas de processo, estabelecendo duas formas de processos principais não urgentes, a ação administrativa comum e a ação administrativa especial, sendo que a distinção entre os campos de aplicação destas duas formas processuais devia fazer-se da seguinte forma: se a pretensão do particular se dirigia contra um ato administrativo de efeitos positivos ou uma norma administrativa, ou se visava a prática de um ato administrativo devido ou a edição de uma norma ilegalmente omitida, a forma processual própria era a da ação administrativa especial; se a pretensão do particular apresentava qualquer outra configuração, o processo seguiria, em princípio, a via da ação administrativa comum (isto sem prejuízo das formas de processo especiais urgentes previstas no Código).
II - Das disposições conjugadas dos nºs 1 e 2 do artigo 38º do CPTA (versão original) resultava ser permitida a apreciação incidental da ilegalidade de um ato administrativo no âmbito de uma ação administrativa comum, mas proibido que este tipo de ação pudesse ser utilizada para obter o efeito típico resultante da anulação de um ato administrativo entretanto já inimpugnável pelo decurso do tempo, isto é, que pudesse essa ação ser usada para tornear a falta de oportuna impugnação desse ato, com eventual ofensa do caso decidido e resolvido administrativo.
III – O artigo 38º nº 1 do CPTA (versão original) consente que nos casos em que a lei substantiva o admita, designadamente no domínio da responsabilidade civil da Administração por atos administrativos ilegais, o tribunal possa conhecer no âmbito da ação administrativa comum, a título incidental, da ilegalidade de um ato administrativo que já não possa ser impugnado. O conhecimento incidental da ilegalidade do ato, surge aí, no âmbito da ação destinada a efetivar a responsabilidade da pessoa coletiva de direito público por danos decorrentes do exercício da função administrativa, como apreciação da ilicitude enquanto fundamento jurídico do pedido indemnizatório, à luz do artigo 7º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Pessoas Coletivas de Direito Público, aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31 de dezembro, como também já sucedia no âmbito do anterior regime constante do DL. nº 48051, de 21 de Novembro de 1967 (cfr. artigo 7º).
IV - Se o uso da ação administrativa comum é admissível, sendo aliás o meio o próprio, para a dedução de pedidos indemnizatórios, designadamente com fundamento na responsabilidade civil extracontratual por ato ilegal, e tendo a autora formulado na ação tais pedidos, devia a mesma ter prosseguido para o seu conhecimento, com a consequente apreciação incidental da ilegalidade do ato, no âmbito do conhecimento dos pressupostos da responsabilidade civil.
V – A circunstância e o pedido indemnizatório pelos alegados danos patrimoniais corresponder ao valor das prestações sociais, reputadas como devidas pela recorrente e ilegalmente recusadas, não é impeditiva da formulação de tal pedido no âmbito de uma ação administrativa comum destinada à efetivação de responsabilidade civil extracontratual.
VI - Isto seja porque o fundamento da ilicitude, enquanto pressuposto da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito e culposo, não tem uma correspondência exata com a noção de ilegalidade; seja porque, a par do pressuposto da ilicitude, o instituto da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos e culposos convoca outros pressupostos, de verificação cumulativa, entre os quais os da culpa, do dano e do nexo de causalidade entre uns e outro, sem cuja verificação conjunta não existe obrigação de indemnizar. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:MFFSL
Recorrido 1:INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL, ip
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Sumária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Conceder parcial provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido do recurso não dever merecer provimento
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RELATÓRIO
MFFSL (devidamente identificada nos autos) autora na ação administrativa comum que instaurou em 30/10/2012 no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto contra o INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL, ip (igualmente identificado nos autos)na qual peticionou a condenação desde a reconhecer o direito da autora a baixa médica e a pagar-lhe subsídio por doença desde Maio de 2011, bem como a pagar-lhe uma indemnização no valor de 8.245,00 € a título de danos patrimoniais, correspondentes aos meses de Maio de 2001 a Outubro de 2012, e bem assim ao pagamento das prestações devidas a título de subsídio de doença a vencerem-se a partir de Novembro de 2012 até à prolação de sentença e ainda no pagamento de uma indemnização no valor de 5.000,00 € a título de danos não patrimoniais – inconformada com a decisão de absolvição do réu da instância, com fundamento na verificação da exceção dilatória de impropriedade do meio processual, proferida pela Mmª Juíza do Tribunal a quo no despacho-saneador datado de 10/09/2015, dela interpôs o presente recurso de apelação, pugnando pela sua revogação, com prosseguimento dos autos, formulando as seguintes conclusões, nos seguintes termos:
1. Por despacho saneador/ sentença de 10.09.2015, foi julgada procedente a excepção dilatória inominada da impropriedade do meio processual, e em consequência absolvido o Réu da instância, a Autora não concorda com esta decisão, entendendo que o meio adequado para fazer valer os seus direitos é a acção administrativa comum.
2. Conforme se pode comprovar pela análise dos factos considerados provados pelo "Tribunal a quo", desde que foi notificada da decisão do Réu de suspensão do subsídio de doença, a Autora nunca deixou de questionar e requerer ao Réu que lhe fosse reconhecido o seu estado de saúde e consequentemente o direito a receber subsídio de doença.
3. Logo em 05.04.2011, quando foi notificada da referida decisão de suspensão do subsídio de férias, requereu a intervenção da Comissão de Reavaliação de Incapacidade Temporária, a qual se realizou em 13.05.2011.
4. A referida Comissão de Reavaliação de Incapacidade Temporária, manteve a decisão de suspensão do subsídio de doença, tendo o marido da Autora, em sua representação, requerido em 18.05.2011, nova reavaliação da situação da Autora.
5. Tal reavaliação foi recusada, sendo a Autora informada, em 20.05.2011, de que tal decisão não admitia recurso.
6. Mal andou o Réu ao não informar a Autora dos meios de que dispunha para reagir da decisão, violando assim o princípio da colaboração com os particulares, previsto no artigo 11º/CPA e bem assim o princípio da boa-fé e da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos, previstos respectivamente nos artigos 10º e 4º/CPA.
7. Tal comportamento configura uma violação de princípios fundamentais, que têm de ser respeitados pelo Réu, no exercício das suas funções, visto tratar-se de uma pessoa colectiva pública.
8. Ainda assim, o marido da Autora apresentou mais duas Reclamações no Livro de Reclamações do Réu, em 27.05.2011 e em 24.01.2012.
9. A Autora apenas obteve resposta em 21.02.2012, sendo notificada da manutenção da decisão de suspensão do subsídio de doença.
10. Pelo que, desde que foi notificada da decisão de suspensão do subsídio por doença, sempre a Autora procurou junto do Réu resolver a questão, demonstrando-lhe a situação em que se encontrava e pugnando pelo reconhecimento do seu direito.
11. A Autora encontrava-se de baixa médica desde Agosto/2009, porque estava doente, tendo-lhe sido diagnosticada uma doença denominada de - Doença Depressiva Major -, continuando doente até hoje.
12. A Autora pode comprovar a sua doença e a consequente incapacidade para regressar ao trabalho, pelos vários Relatórios Médicos juntos aos autos e através do testemunho dos Médicos que acompanham a Autora, nas várias especialidades.
13. Na verdade, mesmo após ter sido decidido dar alta médica à Autora e suspenso o subsídio de doença, o mesmo continuava a ser deferido, conforme se pede constatar, através da análise do processo de "Prestações de Doença" da aqui Autora (processo nº 200901016716), cfr. doc. 17 junto à Petição Inicial.
14. Assim, o que a Autora pretende e sempre pretendeu do Réu foi o reconhecimento de que a baixa médica se deve manter porque está doente e consequentemente lhe seja reconhecido o direito ao subsídio de doença.
15. Acresce que, do não reconhecimento do direito ao subsídio por doença, por parte do Réu resultaram graves e prejuízos para a esfera jurídica da Autora, os quais devem ser ressarcidos.
16. Nos artigos 63°/3 e 64º, ambos da Constituição da República Portuguesa, estão previstos respectivamente, o direito à protecção dos cidadãos na doença e o direito à saúde.
17. Nessa medida, o não reconhecimento da doença da Autora e consequentemente a suspensão do subsídio por doença, traduz-se numa violação de direitos fundamentais.
18. Tais direitos, não podem ser negados a nenhum cidadão, consagrando a própria Constituição da República Portuguesa, mecanismos de defesa face à violação desses mesmos direitos
19. Pelo que, ao abrigo dos artigos 20º/1/Constituição da República Portuguesa e 268º/4/Constituição da República Portuguesa, a Autora tem todo o direito de recorrer aos meios jurisdicionais ao seu dispor, para defender os direitas fundamentais, direitos esses que entende terem sido violados pelo comportamento adoptado pelo Réu.
20. Na verdade, tratando-se o Réu de uma pessoa colectiva de direito público, terá de respeitar o preceituado no artigo 266º/1/Constituição da República Portuguesa, de acordo com o qual:
A Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos”.
21. Nessa medida, nunca poderá o Réu actuar, violando os interesses dos cidadãos, essencialmente os seus direitos fundamentais,
22. No caso em apreço nos autos; o Réu desconsiderou todos os elementos carreados pela Autora para o processo administrativo e para a presente acção, não protegendo o seu direito fundamental à saúde e retirando-lhe o único meio de subsistência.
23. Tratando-se da violação de direitos fundamentais, poderá a Autora lançar mão de diversos mecanismos de defesa, nomeadamente o acesso ao tribunal e aos meios de tutela jurisdicionais, devendo escolher o meio judicial que melhor defenda os seus interesses.
24. No presente caso, a Autora nunca pretendeu atacar a validade do acto praticado pelo Réu em 05/04/2011, mas antes pretendeu que lhe fosse reconhecido o seu direito a receber o subsídio de doença, na medida em que a mesma se encontrava efectivamente doente e sempre, durante mais de 20 anos, procedeu aos descontos legais para a Segurança Social.
25. Pelo que, com o devido respeito, nunca seria de aplicar o preceituado no artigo 38º/2/CPTA, na medida em que o pedido efectuado pela Autora é diferente daquele que seria formulado numa acção administrativa comum,
26. Assim, nunca poderia ser o Réu absolvido da instância por impropriedade do meio processual, pois o meio processual utilizado pela Autora é o meio adequado para a obtenção do pedido formulado.
27. Nessa medida, deverá ser revogado o despacho saneador/sentença proferido pelo Tribunal "a quo, devendo em consequência o processo seguir para julgamento.
28. Contudo, ainda que o Tribunal "a quo" entenda que o meio adequado para a Autora obter o reconhecimento do direito ao subsídio por doença deveria ser a acção administrativa especial e não a comum, sempre deveria o processo prosseguir para julgamento, no sentido de apurar a responsabilidade civil do Réu.
29. Na verdade, toda a actuação do Réu configura uma grave violação dos direitos fundamentais da Autora - direito à saúde e direito à protecção do cidadão na doença - logo estamos perante um acto ilegal.
30. Da prática desse acto ilegal pelo Réu, resultaram graves prejuízos para a esfera jurídica da Autora, tendo a mesma direito a ser ressarcida,
31. Pelo que, ainda que fosse apenas para aferir sobre a existência ou não de responsabilidade civil do Réu, sempre deveria o presente processo prosseguir para julgamento.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Remetidos os autos a este Tribunal em recurso, neste notificado, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º do CPTA, a Digna Magistrada do Ministério Público emitiu Parecer (a fls. 294 ss. – SITAF), no qual entendendo ter sido omitido, pela Mmª Juíza a quo, o despacho previsto no artigo 641º do CPC novo, propugnou dever ser ordenada a baixa dos autos à 1ª instância com vista à sua prolação. O que foi determinado por despacho de 24/02/2017 (de fls. 298 – SITAF) do Venerando Juiz Desembargador então titular dos presentes autos de recurso. Na sequência do que foi proferido pela Mmª Juíza a quo tal despacho em 08/03/2017 (fls. 305 – SITAF), e remetidos novamente os autos em recurso a este Tribunal Central Administrativo. Tendo então, notificada para o efeito, a Digna Magistrada do Ministério Público emitido Parecer (a fls. 306 ss. – SITAF) no sentido do recurso não dever merecer provimento, pelos seguintes fundamentos:
«(…)
II. 1. No que concerne ao erro de julgamento quanto à forma do processo, cumpre-nos chamar aqui à colação o ensinamento qualificado de ALBERTO DOS REIS segundo o qual, com vista a determinar a forma de processo a utilizar, em cada caso concreto, «o intérprete tem de examinar com atenção o texto legal que cria determinado processo especial e marca a sua esfera de aplicação; por esse texto determinará o caso ou casos a que esse processo convém ou se ajusta, o caso ou casos para os quais deve ser utilizado. (…) Quando a lei define o campo de aplicação do processo especial respetivo pela simples indicação do fim a que o processo se destina, a solução do problema da determinação dos casos a que o processo é aplicável, está á vista: o processo aplicar-se-á corretamente quando se use dele para o fim designado na lei. E como o fim para que, em cada caso concreto, se faz uso do processo se conhece através da petição inicial, pois que nesta é que o autor formula o seu pedido e o pedido enunciado pelo autor é que designa o fim a que o processo se destina, chega-se à conclusão seguinte: a questão da propriedade ou impropriedade do processo especial é uma questão, pura e simples, do ajustamento da ação à finalidade para a qual a lei criou o respetivo processo especial. (...) Vê-se, por um lado, para que fim criou a lei o processo especial; verifica-se, por outro, para que fim o utilizou o autor. Há coincidência entre os dois fins? O processo especial está bem empregado. Há discordância entre os dois fins? Houve erro na aplicação do processo especial» (ALBERTO DOS REIS, in «Código de Processo Civil Anotado», Volume II, 3.ª Edição 1948 (reimpressão, 2005) Coimbra Editora, págs. 285 a 289).
Ora, o artigo 35.° do CPTA de 2002 prevê quais as formas de processo correspondentes às variadas pretensões deduzidas perante a jurisdição administrativa, a saber, a ação administrativa comum, a ação administrativa especial e os processos urgentes, regulados respetivamente, nos Títulos II, III e IV do CPTA.
Por sua vez, consagra o artigo 46.º do CPTA, no seu n.º 1, que seguem a forma da ação administrativa especial os processos cujo objeto sejam pretensões emergentes da prática ou omissão ilegal de atos administrativos.
Por fim, prescreve o n.º 1 do artigo 37.º do CPTA que seguem a forma da ação administrativa comum os processos que tenham por objeto litígios cuja apreciação se inscreva no âmbito da jurisdição administrativa e que, nem neste Código nem em legislação avulsa, sejam objeto de regulação especial.
Assim sendo, da conjugação dos supracitados preceitos, resulta que a ação administrativa comum foi gizada pelo legislador como sendo a forma processual residual.
Em abono desta posição, poderemos invocar o douto Acórdão deste TCA Norte, de 08/04/2011, tirado no Processo n.º 01070/09.1BEBRG, em cujo sumário se firmou a seguinte doutrina: “I. Por princípio, a ação administrativa comum é a forma processual na qual são dirimidos os litígios da competência dos tribunais administrativos. II. A ação administrativa especial constitui o meio próprio tipo e legalmente imposto para dirimir os litígios em que a Administração se mostra investida dos seus poderes de autoridade (através da prática de atos administrativos ou edição de normas), sendo a forma processual adequada na qual se apreciam e julgam apenas os litígios que se prendam com impugnação de atos administrativos/regulamentos ou normas administrativas, pedidos de condenação à prática de atos devidos e de declaração de ilegalidade por omissão de normas administrativas [cfr. arts. 37.º e 46.º do CPTA].(disponível in www.dgsi.pt, tal como os demais a citar, de futuro, sem que lhe seja aditada a menção da respetiva proveniência).
II. 2. Ora, atentos os contornos da presente ação, analisada a causa de pedir e, bem assim, os pedidos deduzidos no âmbito da petição inicial, dúvidas não subsistirão de que a A. MFFSL, com a sua instauração, visou, afinal, obter a condenação judicial da entidade demandada à prática do ato administrativo que considera devido, consubstanciado no reconhecimento do seu direito à atribuição e ao consequente pagamento do subsídio de doença, que lhe tinha sido concedido mas entretanto cessara, por força da deliberação da Comissão de Reavaliação de Incapacidade Temporária, que decidiu pela não subsistência da incapacidade temporária para o trabalho da Autora, nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 28/2004, de 04 de fevereiro.
Daí que o meio próprio, para a A. lograr obter a apreciação e decisão judicial dos pedidos concretamente formulados, é a ação administrativa especial e não, ao invés, a ação administrativa comum por si interposta.
Na verdade, prescreve o artigo 66.º, n.º 1, do CPTA que A ação administrativa especial pode ser utilizada para obter a condenação da entidade competente à prática, dentro de determinado prazo, de um ato administrativo ilegalmente omitido ou recusado.
Por sua vez, estabelece o seu n.º 2 que Ainda que a prática do ato devido tenha sido expressamente recusada, o objeto do processo é a pretensão do interessado e não o ato de indeferimento, cuja eliminação da ordem jurídica resulta diretamente da pronúncia condenatória.
Acresce que os requisitos, de que depende a admissibilidade da ação de condenação à prática de ato devido, se encontram fixados no art.º 67.º do CPTA, sendo que daí resulta que, em regra, a sua instauração depende da prévia apresentação de um requerimento que tenha constituído a Administração no dever de decidir, mas em relação ao qual a mesma se tenha recusado a decidir, tenha indeferido a pretensão do interessado, ou se tenha remetido ao silêncio.
Sucede que, sobre esta temática, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO F. CADILHA, referem, em elucidativo comentário, que, nas ações administrativas especiais de condenação à prática de ato devido, “(...) deve entender-se que o processo se dirige não à anulação contenciosa desse ato, mas à condenação da Administração na prática de um ato que, em substituição daquele, se pronuncie sobre o caso concreto ou, desde logo, dê satisfação ao interesse pretensivo do autor. Conforme expressamente decorre do segmento final deste n.º 2, a eliminação da ordem jurídica do ato de indeferimento resulta diretamente da pronúncia condenatória, não se tornando, por isso, necessário que o autor formule um concreto pedido de anulação do ato de indeferimento ou que o juiz anule ou declare nulo ou inexistente esse ato” (v. «Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos», pág. 439).
II. 3. Por outro lado, retomando o sumário do douto Acórdão deste TCAN, de 08/04/2011, tirado no Processo n.º 01070/09.1BEBRG, “(...) O art. 38.º, n.º 1 do CPTA permite que a ilegalidade de ato administrativo que já não possa ser impugnado por consolidado na ordem jurídica possa ser aferida ou apreciada, a título incidental, em ação administrativa comum cuja pretensão não seja dirigida em termos finais à impugnação daquele ato. IV. Tal conhecimento incidental da ilegalidade naquela ação administrativa só pode ocorrer se com a pretensão nela deduzida se visem obter efeitos jurídicos diversos, ou não coincidentes, dos que derivariam da instauração da ação administrativa especial de impugnação. V. Esta possibilidade de apreciação incidental está ainda condicionada àquelas situações em que a lei substantiva o admite mediante o reconhecimento de relevância jurídica conferido àquela apreciação, prevendo-se, desde logo, a título meramente exemplificativo, aquela possibilidade e relevância nas situações em que se visa efetivar a responsabilidade civil extracontratual da Administração pela alegada prática de atos administrativos ilegais [cfr. arts. 22.º da CRP, 07.º, 08.º, 09.º e 10.º, n.º 2 do RRCEE]. (...)”.
Idêntica doutrina flui, v. g., do douto Acórdão deste TCAN, de 22/05/2015, no Processo n.º 00938/13.5BEAVR, onde se consagrou que “(…) Se o conhecimento incidental da ilegalidade de um ato administrativo inimpugnável (com exceção, portanto dos atos nulos) é admissível nos casos em que a lei substantiva o admita, designadamente no domínio da responsabilidade civil da Administração por atos administrativos ilegais, também é certo, por imposição legal — nº 2 do artigo 38º do CPTA — que a ação administrativa comum não pode ser utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação do ato inimpugnável”.
Por último, citamos o douto Acórdão do TCAN, de 21/04/2016, no Processo n.º 00432/15.0BEVIS, que firmou a seguinte doutrina: “I) - Por força do art.º 38º, nº 2, do CPTA, «Nos casos em que a regulação de uma situação jurídica foi efetuada por ato administrativo inimpugnável, não é viável que, através de ação comum, sejam obtidos os efeitos que poderiam advir da sua anulação, com consequente reconstituição da situação que existiria se eles não tivessem sido praticados, nos termos do art. 173.º do CPTA.» (Ac. do STA, de 22-11-2011, proc. nº 0547/11). // II) – Esta inidoneidade processual resulta em absolvição da instância, insuprível”.
II. 4. Sucede que se nos antolha pertinente e acertada a interpretação e aplicação efetuadas pelo tribunal a quo, quanto à verificação do condicionalismo a que alude o n.º 2 do artigo 38.º do CPTA, que prescreve que “Sem prejuízo do disposto no número anterior, a ação administrativa comum não pode ser utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação do ato inimpugnável”.
Assim, de acordo com este preceito legal, a requerida convolação já não poderá ser determinada, no caso vertente.
Na verdade, o efeito que a A. MFFSL pretende retirar da presente ação é o mesmo que retiraria da anulação do ato negativo e/ou da condenação na prática do ato devido, a saber, o reconhecimento do seu direito à atribuição e ao pagamento do subsídio de doença.
Acresce que in casu se mostra verificada a caducidade do direito de ação, conforme emerge do processado e é claramente explicitado pela Mma Juíza de Direito do TAF a quo (cfr. fls. 200 verso e 201 do p. f.)
E tanto basta para arredar, in casu, a requerida convolação da ação administrativa comum intentada pela A./Recorrente, para a competente ação administrativa especial.
Assim sendo, imperativo se torna concluir que não merece censura o douto despacho saneador recorrido, quer quando julga verificada in casu a exceção dilatória inominada da impropriedade do meio processual, quer, ainda, quando decide pela não convolação da forma processual erroneamente utilizada pela legalmente aplicável.
Assim sendo, sem necessidade de ulteriores considerandos, por supérfluos, deverá improceder, em consequência, também aqui, o presente recurso jurisdicional
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Dele notificadas as partes, não foi apresentada resposta.
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Após redistribuição (cfr. Despacho nº 1/2019 de 04/01/2019 do Exmo. Senhor Juiz Desembargador Presidente deste TCA Norte) foram os autos submetidos à Conferência para julgamento, com dispensa de vistos.
II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/das questões a decidir
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (Lei n.º 41/2013) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas pela recorrente as conclusões de recurso, a questão essencial a decidir é a de saber se o Tribunal a quo ao absolver o réu da instância com fundamento na verificação da exceção dilatória de impropriedade do meio processual incorreu em erro de julgamento, devendo a mesma ser revogada com prosseguimento dos autos para conhecimento do mérito da ação.
III. FUNDAMENTAÇÃO
A – De facto
A Mmª Juíza do Tribunal a quo fixou, no despacho-saneador objeto do presente recurso, a factualidade relevante para o conhecimento da exceção, nos seguintes termos, ipsis verbis:
A. Em Agosto de 2009, a Autora, ficou de baixa médica (admitido por acordo e cfr.
doc. n.º 1 junto com a Petição Inicial);
B. Em 01/04/2011, a Autora, foi presente a Comissão de Verificação de Incapacidade Temporária, que concluiu não subsistir incapacidade temporária para o trabalho a partir de 01/04/2011 (cfr. doc. de fls. 1 a 3 do Processo Administrativo apenso aos presentes autos, e cujo teor se considera como inteiramente vertido nesta);
C. Em 01/04/2011, a Autora foi notificada da Deliberação da Comissão de Verificação de Incapacidade Temporária, com o seguinte teor: “Não subsiste a incapacidade temporária para o trabalho do beneficiário acima indicado a partir de 2011-04-01 (…) [n]otifica-se V.Ex.ª de que a não subsistência da incapacidade temporária para o trabalho determina a suspensão do subsídio de doença em curso, o qual cessará, nomeadamente, se não for requerida a intervenção da Comissão de Reavaliação (alínea d) do n.º 2 do art.º 24.º e alínea d) do art.º 41.º do Decreto-Lei n.º 28/2004, de 04 de Fevereiro” (cfr. doc. de fls. 13 do Processo Administrativo e cujo teor se considera como inteiramente vertido nesta);
D. Por ofício datado de 05/04/2011, remetido pelo Réu, a Autora foi notificada, além do mais, do seguinte: “Informa-se V.Ex.ª de que haverá lugar à suspensão do subsidio de doença se no prazo de 10 dias úteis a contar da recepção deste oficio, não der entrada nestes serviços, resposta por escrito, da qual constem elementos que possam obstar à referida suspensão, juntando meios de prova se for caso disso. Os fundamentos para a suspensão, previstos no Decreto-Lei acima citado, são os a seguir indicados: Ter sido declarada a não subsistência da incapacidade temporária para o trabalho pela (alínea d) do art. 41) Comissão de Verificação de Incapacidades” (cfr. doc. n.º 3 junto com a Petição Inicial, cujo teor se entende aqui como integralmente reproduzido);
E. Em 05/04/2011, a Autora requereu intervenção da Comissão de Reavaliação de Incapacidade Temporária (cfr. fls. 14 a 15 do Processo Administrativo apenso aos presentes autos e cujo teor se entende como inteiramente reproduzido nesta sede);
F. Em 13/05/2011, a Autora, foi presente a Comissão de Reavaliação de Incapacidade Temporária, que concluiu não subsistir incapacidade temporária para o trabalho desde 01/04/2011 (cfr. doc. a fls. 25 e 26 do Processo Administrativo apenso aos presentes autos e cujo teor se entende como inteiramente reproduzido nesta sede);
G. Em 13/05/2011, a Autora foi notificada da Deliberação da Comissão de Reavaliação de Incapacidade Temporária, da qual se extrai o seguinte: “x Não subsiste a incapacidade temporária para o trabalho do beneficiário acima indicado a partir de 2011-04-01” (admitido por acordo e cfr. doc. de fls. 27 do Processo Administrativo apenso aos presentes autos e doc. n.º 7 junto com a Petição Inicial, cujo teor se entende como inteiramente reproduzido nesta sede);
H. Em 18/05/2011, a Autora requereu nova intervenção da Comissão de Reavaliação de Incapacidade Temporária (cfr. fls. 28 a 30 do Processo Administrativo apenso aos presentes autos e cujo teor se entende como inteiramente reproduzido nesta sede);
I. Em resposta ao requerido pela Autora no requerimento descrito no ponto anterior, o Réu, remeteu à Autora ofício datado de 20/05/2011, do qual se extrai, além do mais, o seguinte: “informa-se Vossa Ex.ª do seguinte: 1. Nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 360/97 de 17/12, diploma que regula o sistema de verificação de incapacidades (SVI), em articulação com o Decreto-Lei n.º 28/2004 de 04/02, diploma da protecção na eventualidade doença, a deliberação de não subsistência de incapacidade por parte do SVI determina a cessação do direito ao subsídio de doença. (…) 4.Mais se esclarece que o último exame efectuado em 13-05-2011, foi já uma reavaliação da situação avaliada pela Comissão de Verificação de Incapacidade Temporária de 01-04-2011. Assim, deste exame não cabe recurso.” (cfr. fls. 31 do Processo Administrativo apenso aos presentes autos e cujo teor se considera como inteiramente reproduzido nesta sede);
J. Na sequência da notificação da informação descrita no ponto que antecede, a Autora, representada por seu marido Raul Leite Armada da Silva, apresentou em 27/05/2011, requerimento dirigido ao “Senhor Presidente SVIT”, onde descreve a situação de saúde da Autora e solicita que seja reconsiderado o recurso apresentado (cfr. doc. n.º 9 junto com a Petição Inicial e fls. 46 do Processo Administrativo apenso aos presentes autos e cujo teor se considera como inteiramente reproduzido nesta sede);
K. Em 24/01/2012, a Autora, sob a epígrafe “falta de resposta a uma reclamação apresentada em 27/05/2011”, apresentou exposição no Livro de Reclamações do Núcleo do Serviço de Incapacidades do Porto (cfr. doc. n.º 12 junto com a Petição Inicial e cujo teor se considera como inteiramente reproduzido nesta sede);
L. Em 21/02/2012, a Autora foi notificada por ofício remetido pelo Réu, do qual se extrai, além do mais, o seguinte: “a concessão do Subsidio de Doença que se encontrava suspensa, desde 02/04/2011, dependente do resultado da Reavaliação, a que foi submetida, em 13/05/2011 (…) foi cessado, face à deliberação dos Peritos Médicos manterem a deliberação proferida, em 01/04/2011” (cfr. doc. n.º 13 junto com a Petição Inicial e cujo teor se considera como inteiramente reproduzido nesta sede);
M. A presente acção foi proposta em 30/10/2012.
*
B – De direito
1. Da decisão recorrida
O Tribunal a quo, julgando verificada, em sede de despacho-saneador, a exceção dilatória que nominou de impropriedade do meio processual, absolveu o réu da instância.
Decisão que tendo por base a factualidade que ali foi considerada, assentou na seguinte fundamentação, que se passa a transcrever:
«(…)
Conforme decorre da petição inicial, vem a Autora a juízo reclamar a tutela do direito à incapacidade temporária para o trabalho, comummente denominada de baixa médica, bem como o consequente direito ao subsídio de doença cujo pagamento cessou desde a data da decisão de confirmação da não subsistência da incapacidade temporária para o trabalho ocorrida em 13/05/2011, proferida pela Comissão de Reavaliação de Incapacidade Temporária para o Trabalho, com efeitos reportados a 01/04/2011, data da deliberação da Comissão de Verificação de Incapacidade Temporária para o trabalho.
Para tanto, alega que a decisão de não subsistência da incapacidade temporária para exercício da sua actividade profissional deliberada pela Comissão de Verificação de Incapacidades, em 01/04/2011, e reiterada pela Comissão de Reavaliação em 13/05/2011, não se revela justa e adequada. Isto porque, e como aduz - não foi praticamente ouvida, nem foram atendidos por aquelas Comissões na avaliação efectuada os relatórios médicos por si apresentados e que referiam o seu estado de saúde e a sua inaptidão para regressar ao trabalho, situação, aliás, que ainda se mantém sem se vislumbrar melhoras.
Mais invoca que, decorre de tal decisão uma clara violação do direito à saúde e à protecção na doença, constitucionalmente previstos nos artigos 63.º, n.º 3 e 64.º da Constituição da República Portuguesa.
Conclui, peticionando a condenação do Réu a reconhecer o direito à baixa médica e consequentemente o direito a receber mensalmente o respectivo subsídio por doença desde a data de Maio de 2011 e o que se vença a partir de Novembro de 2012, inclusive, até à data da prolação da sentença.
Peticiona, ainda, a condenação do Réu no pagamento da quantia de Eur 13.245,00, a título de indemnização, consubstanciada em danos patrimoniais, correspondentes aos subsídios de doença respeitantes aos meses de Maio de 2011 a Outubro de 2012, que ascendem ao montante de Eur 8.245,00, e em danos não patrimoniais, no montante de Eur 5.000,00.
Vejamos.
Nos termos do artigo 268.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, é garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, encontrando-se, porém, dependentes da utilização das formas de processo previstas na lei.
Com efeito, sendo certo que a todo o direito e interesse legalmente protegido corresponde o meio processual mais adequado de o fazer valer em juízo, recai sobre os interessados o ónus de seleccionar o meio processual de que pretendam lançar mão com vista à tutela judicial da sua pretensão, de acordo com a factualidade em que esta assenta.
Dispõe o artigo 37.º, n.º 1, do CPTA que seguem "a forma da acção administrativa comum os processos que tenham por objecto litígios cuja apreciação se inscreva no âmbito da jurisdição administrativa e que, nem neste Código nem em legislação avulsa, sejam objecto de regulação especial...” entre os quais se elencam, no n.° 2, daquele artigo, e ao que aqui importa, alínea a), "Reconhecimento de situações jurídicas subjectivas directamente decorrentes de normas jurídico-administrativas ou de actos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo" e alínea f) “Responsabilidade civil das pessoas colectivas, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, incluindo acções de regresso”.
Por sua vez, o artigo 38.º do CPTA dispõe que: “1. Nos casos em que a lei substantiva o admita, designadamente no domínio da responsabilidade civil da Administração por actos administrativos ilegais, o tribunal pode conhecer a título incidental, da ilegalidade de um acto administrativo que já não possa ser impugnado. 2. Sem prejuízo do disposto no número anterior, a acção administrativa comum não pode ser utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação do acto inimpugnável."
Do artigo 46.º do mesmo Código deriva que seguem “… a forma da acção administrativa especial, com a tramitação regulada no capítulo III do presente título, os processos cujo objecto sejam pretensões emergentes da prática ou omissão ilegal de actos administrativos, bem como de normas que tenham ou devessem ter sido emitidas ao abrigo de disposições de direito administrativo”, cabendo no seu âmbito a formulação dos pedidos previstos no n.º 2.
Tal como se constata do cotejo dos normativos citados, no contencioso administrativo não urgente existe uma dualidade de formas de processo, entre a acção administrativa comum e a acção administrativa especial.
Por princípio, a acção administrativa comum constitui a forma processual regra na qual são dirimidos os litígios da competência dos tribunais administrativos. Este princípio regra não significa, no entanto, que esta se trate de meio de uso absoluto pelos sujeitos que pretendam obter tutela jurídica dos seus direitos e interesses, nem que lhes assista a faculdade de livremente optarem por qualquer um dos meios processuais previstos pelo legislador.
Como afirmado no Acórdão do Venerando Tribunal Central Administrativo do Norte, proferido em 29.06.2012, no processo n.º 00090/11.0BEPRT (disponível em www.dgsi.pt): “importa ter presente que a ação administrativa comum, por regra, tem por objeto a resolução de litígios nos quais a Administração surge “despojada” do seu “ius imperii” [denominadas «relações jurídicas paritárias» em que a atuação daquela não consista na prática de atos administrativos ou edição de normas], ao passo que a ação administrativa especial constitui o meio próprio tipo e legalmente imposto para dirimir os litígios em que a Administração se mostra investida dos seus poderes de autoridade (através prática atos administrativos ou edição normas), sendo, por conseguinte, a forma processual adequada na qual se apreciam e julgam apenas os litígios que se prendam com impugnação atos administrativos/regulamentos ou normas administrativas, pedidos condenação à prática de atos devidos e de declaração de ilegalidade por omissão de normas administrativas [cfr. arts. 37.º e 46.º do CPTA].”
É sabido que a forma de processo se afere em função dos diferentes tipos de pretensões deduzidas em juízo pelo Autor, sendo que cada pretensão deve ser entendida como um certo pedido enraizado em certa causa de pedir – vide Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. II, 3ª ed., págs. 288 e segs.
Urge então indagar e definir qual o tipo de acção que a Autora configura na Petição Inicial e qual o objecto do processo, o qual é conformado pela pretensão da Autora e que traça o perímetro do thema decidendum, pelo qual se afere a forma de processo que em concreto se adequa.
A Autora intentou a presente acção administrativa comum, ao abrigo da al. e) e f) do nº 2 do artigo 37.º do CPTA, ou seja, para condenação do Réu no cumprimento de deveres de prestar que directamente decorram de normas jurídicas ou que tenham sido constituídos actos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo e que podem ter por objecto o pagamento de quantia certa, e para efectivação de responsabilidade civil do Réu.
No entanto, a Autora na sua petição inicial começa por peticionar a condenação do Réu no reconhecimento do direito à incapacidade temporária para o trabalho, bem como no pagamento do respectivo subsídio de doença desde data de Maio de 2011 e o que se vença a partir de Novembro de 2012, inclusive, até à data da prolação da sentença, bem como a condenação no pagamento de uma indemnização, a título de danos patrimoniais, respeitantes aos subsídios de doença antes peticionados, e a título de danos não patrimoniais.
Por sua vez, compulsada a factualidade dada como assente, extrai-se que a Autora, de baixa médica desde Agosto de 2009 (cfr. alínea A. do probatório), foi presente em 01/04/2011, a Comissão de Verificação de Incapacidade Temporária, data em que foi notificada da deliberação desta comissão de não subsistência da sua incapacidade para o trabalho, com a consequente suspensão do subsídio de doença que a mesma beneficiava (cfr. alíneas B. e C. do probatório).
Mais se extrai que, a Autora, inconformada com tal deliberação suscitou, nos termos em que legalmente lhe são permitidos, reavaliação da situação, pelo que sujeita em 13/05/2011 a Comissão de Reavaliação de Incapacidade Temporária, por esta foi deliberado confirmar a decisão anterior da Comissão de Verificação, de não subsistência da incapacidade temporária para o trabalho pela Autora, com efeitos reportados a 01/04/2011, com a consequente cessação do subsídio de doença nos termos do disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 28/2004, de 04 de Fevereiro (cfr. alíneas E., F. e G. do probatório).
Em 18/05/2011, por não concordar com a decisão da Comissão de Reavaliação de Incapacidade Temporária, requereu nova intervenção desta Comissão (cfr. alínea H. do probatório). Em resposta datada de 20/05/2011, foi-lhe informado que o último exame efectuado em 13/05/2011, foi já uma reavaliação da situação avaliada pela Comissão de Verificação de Incapacidade Temporária de 01/04/2011, não cabendo recurso do mesmo (cfr. alínea I. do probatório).
Ora, atentando-se na factualidade dada como demonstrada em juízo e nos termos em que os pedidos da Autora são formulados, conclui-se que os mesmos têm a sua causa de pedir no acto administrativo que imputa como injusto e violador do direito à saúde e protecção a doença, constitucionalmente previstos, pretendendo a obtenção do efeito típico de uma acção administrativa especial, com um pedido cumulativo que se reconduz à reconstituição da situação que existiria se o acto não tivesse sido praticado, porquanto não mais pretende do que a reconstituição da situação que adviria da anulação do acto administrativo emitido pelo Réu, investido nos seus poderes de autoridade, que determinou a não subsistência de incapacidade da Autora para o trabalho e consequentemente a cessação do pagamento do subsidio de doença, bem como a condenação à prática de acto que reconheça a subsistência da sua situação de incapacidade.
Perante a análise do litígio, assente no pedido e na causa de pedir, e atenta a factualidade assente, resulta então evidente que a pretensão formulada pela Autora impõe e depende de um juízo valorativo próprio do exercício da função administrativa, consubstanciado na decisão de não subsistência da incapacidade temporária para o trabalho e consequente cessação do subsídio de doença, que configura um acto unilateral e autoritário, o qual conduziu à definição do concreto direito ora pretendido pela Autora, emitido pelo Réu no exercício da sua função administrativa, ou seja, investido nos seus poderes de autoridade.
Em suma, a presente lide, tal como a Autora a conformou, encontra-se teleologicamente configurada e destinada a obter o efeitos típicos que resultariam de uma anulação de acto administrativo impugnável, daí que, o meio contencioso adequado e próprio para a realização da tutela pretendida pela Autora, mormente e nos exactos termos peticionados, seria a acção administrativa especial, onde teria a faculdade de cumular pedidos, nos termos dos artigos 4.º, 5.º, e 47.º do CPTA, e não a acção administrativa comum, que se mostra um meio processual impróprio a essa pretensão, uma vez que se mostra incompatível com a figura do acto administrativo e litígio que se estabeleça em torno do mesmo, por não poder ser utilizada para obter a invalidação de qualquer acto administrativo, a condenação à prática de acto devido ou ainda os efeitos que resultariam da anulação de um acto administrativo.
Todavia, no âmbito da acção administrativa comum importa, com relevo, e como já se fez alusão supra ao quadro normativo aplicável, atender à norma do artigo 38.º do CPTA, segundo o qual nos casos em que a lei substantiva o admita, designadamente, no domínio da responsabilidade civil da Administração, o Tribunal pode conhecer, a título incidental, da ilegalidade de um acto administrativo que já não possa ser impugnado (n.º 1), mas, sem prejuízo desta possibilidade, a acção administrativa comum não pode ser utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação do ato inimpugnável (n.º 2).
O artigo 38.º do CPTA permite assim que a apreciação incidental da ilegalidade de um acto administrativo possa ter lugar no âmbito de uma acção administrativa comum, mas proíbe que este tipo de acção possa ser utilizado para obter o efeito típico resultante da anulação do ato inimpugnável, isto é, que possa essa acção ser usada para tornear a falta de impugnação desse ato, com eventual ofensa do caso decidido e resolvido administrativo.
Dito de outro modo, tal conhecimento incidental da ilegalidade na acção administrativa comum apenas pode ocorrer se com a pretensão nela deduzida se visem obter efeitos jurídicos diversos, ou não coincidentes, dos que derivariam da instauração da acção administrativa especial de impugnação.
Neste sentido, vide, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 22/11/2011, no Proc. n.º 0547/11 e os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 23/04/2009, no Proc. n.º 3135/07 e de 12/11/2009, no Proc. n.º 4765/09, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Retomando ao caso dos autos, a Autora pretende a condenação do Réu ao reconhecimento da sua incapacidade temporária para o trabalho desde Maio de 2011, com o consequente pagamento dos subsídios de doença que seriam devidos caso tal incapacidade fosse reconhecida, incapacidade essa já decidida unilateral e autoritariamente pelo ora Réu em sentido contrário à pretensão da Autora (cfr. alínea G. do probatório).
Tal decisão denegou a pretensão da Autora de ver mantida a sua incapacidade temporária para o trabalho e consequente cessação do subsidio de doença que até então a Autora, em consequência da incapacidade que mantinha, beneficiava nos termos legalmente previstos, possuindo tal decisão conteúdo decisório, dotada de eficácia externa, porque produziu efeitos na relação jurídica administrativa entre a Autora e Entidade Administrativa, aqui Réu, e ainda, com conteúdo lesivo do direito alegado e pretendido pela Autora. Deste modo, é manifesto que estarmos em presença de acto administrativo susceptível de impugnação contenciosa.
Perante o quadro fáctico assente e as pretensões concretamente requeridas, a presente acção comum seria utilizada para obter o mesmo efeito que resultaria da anulação desse acto – o reconhecimento da incapacidade temporária para o trabalho e o consequente pagamento do subsídio de doença desde a data da decisão imputada como injusta e errónea, e não qualquer outro efeito jurídico diverso, o que não é admissível face à norma do artigo 38.º, n.º 2 do CPTA.
Concomitantemente, está, pois, adquirido que a presente acção, em função da causa de pedir e dos pedidos que nela se formulam, só pode seguir a forma da acção administrativa especial, uma vez que estamos perante um litígio em que a Administração se mostra investida dos seus poderes de ius imperii, por estar em causa a definição autoritária da situação e dos direitos da Autora.
Trata-se portanto, de inidoneidade ou impropriedade do meio processual utilizado, por a Autora não poder almejar com a presente forma processual os efeitos jurídicos pretendidos, porque vedado obter através dela o mesmo efeito que resultaria da impugnação do acto administrativo que a Autora coloca em causa e que seria possível obter na eventualidade de ter o meio processual próprio para satisfação da pretensão material peticionada.
Assim, verifica-se, no caso em apreço, a excepção dilatória inominada de inidoneidade ou impropriedade do meio processual decorrente da inadmissibilidade legal do uso da presente acção administrativa comum, determinante da absolvição do Réu da instância.
Todavia, não obstante a impropriedade do meio processual verificada, no respeito pelos princípios da tutela judicial efectiva e pro actione, cumpre verificar, face aos elementos constantes dos autos, da possibilidade de ser ordenada a convolação no meio processual adequado para que possa ser viabilizada uma decisão de mérito, desde que se verifiquem os necessários pressupostos processuais do idóneo meio processual, a acção administrativa comum.
Isto é, a convolação só é admissível desde que não seja manifesta a sua improcedência ou extemporaneidade, além da idoneidade da respectiva petição para o efeito. Outrossim, não haverá convolação sempre que esta represente um acto inútil, cuja prática a lei proíbe, como se infere do disposto no artigo 130.º do CPC.
No caso sub judice, sendo a acção administrativa especial o meio processual adequado à pretensão formulada, cumpre aquilatar da tempestividade da mesma, isto atendendo a que nos termos do que estabelece a alínea a) do n.º 2 do artigo 58.º do CPTA, a acção deve ser deduzida no prazo de 03 (três) meses.
Compulsada a factualidade dada como assente, extrai-se que a Autora foi notificada da decisão da Comissão de Reavaliação de Incapacidade Temporária que determinou a não subsistência de incapacidade temporária para o trabalho com a consequente cessação do subsídio de doença, aqui em causa nos autos, em 13/05/2011 (cfr. alínea G. do probatório) e apenas apresentou em juízo a presente acção em 30/10/2012 (cfr. alínea M. do probatório).
Assim sendo, e atento que a Autora não invoca na petição inicial qualquer vício gerador de nulidade do acto administrativo em causa nos autos, é seguro que na data da apresentação da petição em juízo, já há muito estava esgotado o prazo de três meses para deduzir a competente acção de impugnação do acto administrativo, previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 58.º do CPTA.
Neste enquadramento, revela-se de todo inútil a convolação do presente meio processual no adequado, em virtude da extemporaneidade da instauração do adequado meio processual, por se mostrar caducado o direito de acção da Autora.
Ante o exposto, concluindo-se pela inidoneidade ou impropriedade do presente meio processual, não podendo os autos serem aproveitados para prosseguirem sob o meio processual adequado, não se determina a sua convolação, impondo-se dar por verificada a excepção dilatória inominada da impropriedade do meio processual, com a consequente absolvição do Réu da instância, nos termos dos artigos 278.º, n.º 2, alínea e) e 576.º, n.º 2 do CPC, ambos aplicáveis por força dos artigos 35.º, n.º 1 e 42.º, n.º 1 do CPTA.»
2. Da análise e apreciação do recurso
2.1 Cumpre primeiramente começar por contextualizar que a ação foi instaurada em 30/10/2012, por conseguinte, no âmbito da vigência do CPTA na versão anterior à revisão operada pelo DL. n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, que lhe é a aplicável (cfr. artigo 15º nºs 1 e 2).
Pelo que todas as referências feitas aos normativos daquele Código devem considerar-se feitas para os seus normativos na versão anterior às alterações que lhe foram introduzidas pelo DL. n.º 214-G/2015.
2.2 O CPTA na sua versão original (anterior às alterações que lhe foram introduzidas pelo DL. n.º 214-G/2015), assumia uma matriz essencialmente dualista das formas de processo, estabelecendo duas formas de processos principais não urgentes, a ação administrativa comum e a ação administrativa especial (vide, a este propósito, Sérvulo Correia, “Unidade ou pluralidade de meios processuais principais no contencioso administrativo”, in Cadernos de Justiça Administrativa, nº 22, pág. 23 ss.; Diogo Freitas do Amaral e Mário Aroso de Almeida, in Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo, Almedina, Coimbra, 2003, pág. 88 ss.; Mário Aroso de Almeida, in O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, Coimbra, 2004, pág. 78 ss.; José Carlos Vieira de Andrade, in A Justiça Administrativa (Lições), Almedina, 2004, pág. 172 segs., e ainda Pedro Gonçalves, “A Acção Administrativa Comum” in, Stvdia Ivridica - Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra Administrativa, 86, Colloquia – 15, pág. 127 segs).
Com efeito, de harmonia com o disposto no artigo 35º, nºs 1 e 2 do CPTA (versão original) eram estabelecidas essas duas formas de processos principais não urgentes: a Ação Administrativa Comum (nas formas ordinária, sumária ou sumaríssima), prevista no Título II do Código e a Ação Administrativa Especial, prevista no Título III do Código.
2.3 De acordo com o disposto no artigo 37º nº 1 do CPTA seguiam a forma da ação administrativa comum “…os processos que tenham por objeto litígios cuja apreciação se inscreva no âmbito da jurisdição administrativa e que, nem neste código nem em legislação avulsa sejam objeto de regulação especial”.
E o nº 2 daquele artigo 37º do CPTA (versão original) estabelecia, enumerando-as, as pretensões que deveriam obedecer à forma de ação administrativa comum, nelas se abarcando, as seguintes:
“a) Reconhecimento de situações jurídicas subjetivas diretamente decorrentes de normas jurídico-administrativas ou de atos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo;
b) Reconhecimento de qualidades ou do preenchimento de condições;
c) Condenação à adoção ou abstenção de comportamentos, designadamente a condenação da Administração à não emissão de um ato administrativo, quando seja provável a emissão de um ato lesivo;
d) Condenação da Administração à adoção das condutas necessárias ao restabelecimento de direitos ou interesses violados;
e) Condenação da Administração ao cumprimento de deveres de prestar que diretamente decorram de normas jurídico-administrativas e não envolvam a emissão de um ato administrativo impugnável, ou que tenham sido constituídos por atos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo, e que podem ter por objeto o pagamento de uma quantia, a entrega de uma coisa ou a prestação de um facto;
f) Responsabilidade civil das pessoas coletivas, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, incluindo ações de regresso;
g) Condenação ao pagamento de indemnizações decorrentes da imposição de sacrifícios por razões de interesse público;
h) Interpretação, validade ou execução de contratos;
i) Enriquecimento sem causa;
j) Relações jurídicas entre entidades administrativas.”
2.4 Por sua vez, de harmonia com o disposto no artigo 46º nº 1 do CPTA (versão original) seguiam a forma da ação administrativa especial “…os processos cujo objeto sejam pretensões emergentes da prática ou omissão ilegal de atos administrativos, bem como de normas que tenham ou devessem ter sido emitidas ao abrigo de disposições de direito administrativo”.
Prevendo o nº 2 deste artigo 46º as pretensões que deveriam obedecer à forma de ação administrativa especial, nelas se abarcando, as seguintes:
“a) Anulação de um ato administrativo ou declaração da sua nulidade ou inexistência jurídica;
b) Condenação à prática de um ato administrativo legalmente devido;
c) Declaração da ilegalidade de uma norma emitida ao abrigo de disposições de direito administrativo;
d) Declaração da ilegalidade da não emanação de uma norma que devesse ter sido emitida ao abrigo de disposições de direito administrativo.”
2.5 À luz destas disposições, e na esteira do entendido pela Doutrina, a distinção entre os campos de aplicação destas duas formas processuais devia fazer-se da seguinte forma: se a pretensão do particular se dirigia contra um ato administrativo de efeitos positivos ou uma norma administrativa, ou se visava a prática de um ato administrativo devido ou a edição de uma norma ilegalmente omitida, a forma processual própria era a da ação administrativa especial; se a pretensão do particular apresentava qualquer outra configuração, o processo seguiria, em princípio, a via da ação administrativa comum.
Era entendimento da Doutrina mais referenciada nesta matéria, designadamente, por Mário Aroso de Almeida, in “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, Coimbra, 2004, pág. 78 ss.; José Carlos Vieira de Andrade, inA Justiça Administrativa (Lições)”, Almedina, 2004, pág. 172 segs.; Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, Coimbra, 2005, que nem todas as pronúncias emitidas por órgãos da Administração devem ser qualificadas como atos administrativos para efeitos do CPTA; que nem todas as pretensões que os particulares apresentam à Administração se dirigem à emissão de atos administrativos contra cuja recusa se justifique o ónus de reagir pela via da ação administrativa especial; que a Administração só tem o poder de praticar atos administrativos quando tal configure a expressão normal de um poder de definição jurídica, formalmente inscrito nas competências do órgão ou, pelo menos, no âmbito das atribuições da entidade a que o órgão pertence; que quando se pretende o reconhecimento de situações jurídicas subjetivas, diretamente atribuídas por lei e, concomitantemente, a condenação da Administração ao cumprimento dos deveres de prestar, pondo cobro a afirmações ilegítimas por parte da Administração, o meio processual adequado é o do recurso à ação administrativa comum.
Sendo que como diziam Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira in, “Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Volume I, Almedina 2004, página 260, a propósito da alínea a) do nº 2 do artigo 37º do CPTA (versão original), que permite a utilização da ação administrativa comum quando o processo vise o reconhecimento de situações jurídicas subjetivas “diretamente decorrentes de normas jurídico-administrativas ou de atos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo”, «(…) para que se possa afirmar que uma situação jurídica decorre diretamente de uma norma administrativa – conceito que vai aqui referido à matéria sobre que versa a norma, abrangendo, por isso, além dos regulamentos, as leis, os atos normativos de direito internacional ou comunitário e as próprias normas da Constituição – parece ser necessário que se verifiquem pelo menos dois requisitos (semifundíveis), a saber:
- O primeiro (de carácter positivo) é que a situação que se pretende ver reconhecida ou “acertada” se encontre definida na norma em causa, mesmo que de forma genérica, com um mínimo de clareza ou precisão, não carecendo a sua efetivação de qualquer juízo valorativo próprio do exercício da função administrativa;
- O segundo (de carácter negativo) é que o reconhecimento da situação em causa não se encontre sujeito a decisão (pronúncia) administrativa prévia.
Sabe-se, na verdade, que em muitos casos a lei substantiva faz depender o reconhecimento de situações administrativas de um pedido (requerimento) do interessado dirigido à Administração, a qual, por isso, nesses casos só pode ser acionada judicialmente depois de instada ou “provocada” a pronunciar-se sobre a pretensão em causa (ver, sobre esta matéria, Vieira de Andrade, A Justiça…., cit., p. 100 e ss.).
Quando suceda assim, o interessado deve aguardar pela decisão administrativa ou pelo decurso do prazo fixado para a sua emissão) e, em caso de insucesso, de falta de pronúncia ou de recusa do reconhecimento, propor uma ação administrativa especial de condenação à prática do ato devido, não a ação administrativa comum deste artº. 37º.”
E no que respeita à alínea b) do mesmo nº 2 do artigo 37º (versão original), norma que permitia a utilização da ação administrativa comum quando o processo visasse o “reconhecimento de qualidades ou o preenchimento de condições” diziam na mesma esteira aqueles anotadores que se tratava “do reconhecimento de qualidade ou do preenchimento de condições a obter, como as da alínea a), em ações de simples apreciação, não condenatória, subsumíveis no quadro da ação comum – salvo quando se trate de qualidades ou condições cujo reconhecimento esteja sujeito à exigência de decisão administrativa prévia, de um ato administrativo, porque aí, para reagir contra esse ato ou contra a sua omissão, há lugar à ação administrativa especial.”
2.6 Por outro lado o artigo 38º nº 2 do CPTA (versão original) não permitia que a ação administrativa comum fosse utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação de ato impugnável. O que também vale, por identidade de razão, quando o efeito pretendido é o que resultaria da condenação na prática do ato administrativo devido.
Vide a este propósito, a título ilustrativo, os Acórdãos do TCA Sul de 12/11/2009, Procº 04765/09; de 29/01/2009, Procº 02720/07; de 23/10/2014, Proc. nº 04375/08; de 05/05/2016, Proc. nº 12958/16, disponíveis in www.dgsi.pt/jtcas e os acórdãos deste TCA Norte de 08/04/2011, Proc. n.º 01070/09.1BEBRG; de 22/05/2015, Proc. n.º 00938/13.5BEAVR e de 21/04/2016, Proc. n.º 00432/15.0BEVIS.
2.7 Temos, assim, que, neste quadro normativo, se a pretensão do particular se dirigia contra um ato administrativo de efeitos positivos ou se visava a prática de um ato administrativo devido a forma processual própria era a da ação administrativa especial e só apresentando a pretensão do particular qualquer outra configuração, nos termos previstos no artigo 37º nº 2 do CPTA (versão original), e supra explicitados o processo seguiria a via da ação administrativa comum.
2.8 Tudo isto não deixou de ser considerado pela Mmª Juíza a quo na decisão recorrida.
Havendo que ter-se como bom o entendimento, que fez, suportado na doutrina e na jurisprudência que convocou, de que o conhecimento incidental da ilegalidade de um ato administrativo que já não possa ser impugnado, admitido na ação administrativa comum pelo artigo 38º nº 1 do CPTA (versão original), apenas poderia ocorrer se com a pretensão nela deduzida se visassem obter efeitos jurídicos diversos, ou não coincidentes, dos que derivariam da instauração da ação administrativa especial de impugnação, nos termos do nº 2 do mesmo artigo.
2.9 Com efeito das disposições conjugadas dos nºs 1 e 2 do artigo 38º do CPTA (versão original) resultava ser permitida a apreciação incidental da ilegalidade de um ato administrativo no âmbito de uma ação administrativa comum, mas proibido que este tipo de ação pudesse ser utilizada para obter o efeito típico resultante da anulação de um ato administrativo entretanto já inimpugnável pelo decurso do tempo, isto é, que pudesse essa ação ser usada para tornear a falta de oportuna impugnação desse ato, com eventual ofensa do caso decidido e resolvido administrativo.
2.10 Neste aspeto a decisão recorrida fez uma correta aplicação e interpretação do quadro normativo aplicável, bem como uma correta e adequada subsunção dos factos, ao considerar que o pedido de condenação do Réu a reconhecer o direito da autora à incapacidade temporária para o trabalho, bem como no pagamento do respetivo subsídio de doença desde Maio de 2011 e o que se vença a partir de Novembro de 2012 até à data da prolação da sentença tem a sua causa de pedir no ato administrativo que a autora imputa como ilegal, pretendendo, assim, com ele, a obtenção do efeito típico que obteria com a ação administrativa especial destinado à sua anulação, por se traduzir, afinal, na prática de um ato de sentido inverso, pelo qual se reconheça a subsistência da sua situação de incapacidade e da correspetiva prestação social.
2.11 Isto na exata medida em que resulta apurado nos autos, que a autora esteve de baixa médica desde Agosto de 2009 e tendo sido presente, em 01/04/2011, a Comissão de Verificação de Incapacidade Temporária, foi naquela ocasião notificada da deliberação dessa Comissão da não subsistência da sua incapacidade para o trabalho, com a consequente suspensão do subsídio de doença de que a mesma beneficiava (vide A., B. e C. do probatório). Sendo que, inconformada com tal deliberação, a autora suscitou, nos termos em que lhe eram legalmente permitidos, a reavaliação da situação, na sequência do que foi submetida, em 13/05/2011, a Comissão de Reavaliação de Incapacidade Temporária, a qual deliberou confirmar a decisão anterior da Comissão de Verificação, de não subsistência da incapacidade temporária para o trabalho, com efeitos reportados a 01/04/2011, com a consequente cessação do subsídio de doença nos termos do disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 28/2004, de 04 de Fevereiro (vide E., F. e G. do probatório).
Porém, notificada desta deliberação a autora o que fez foi requerer, em 18/05/2011, nova intervenção desta Comissão, o que motivou a resposta datada de 20/05/2011, informando que o último exame efetuado em 13/05/2011 havia sido já uma reavaliação da situação avaliada pela Comissão de Verificação de Incapacidade Temporária de 01/04/2011, não cabendo recurso do mesmo (vide H. e I. do probatório).
Temos, assim, que a autora, notificada em 13/05/2011 da decisão da Comissão de Reavaliação de Incapacidade Temporária que determinou a não subsistência de incapacidade temporária para o trabalho com a consequente cessação do subsídio de doença, não a impugnou. Tendo apenas vindo através da ação administrativa comum que instaurou 30/10/2012, pretender obter, através dela, o mesmo efeito jurídico que obteria através da ação impugnatória.
Tudo isto por referência aos pedidos de condenação do réu a reconhecer o direito da autora à baixa médica e bem assim à condenação no pagamento das prestações do subsídio por doença desde Maio de 2011 até à data da instauração da ação (Outubro/2012), e às correspondentes aos meses seguintes (a partir de Novembro/2012 inclusive) até à sentença, pedidos formulados pela autora sob as alíneas a) e c) da sua Petição Inicial.
2.12 Simultaneamente, e porque à data em que a ação foi instaurada (30/10/2012) já haviam decorrido os três meses do prazo legalmente previsto no artigo 58º nº 2 alínea a) do CPTA (versão original) para a impugnação de atos administrativos anuláveis, uma vez que a autora foi notificada da identificada decisão da Comissão de Reavaliação de Incapacidade Temporária, que determinou a não subsistência de incapacidade temporária para o trabalho com a consequente cessação do subsídio de doença, em causa nos autos, em 13/05/2011 (vide alínea G. do probatório), revelava-se inútil a convolação do processo na forma da ação administrativa especial face à sua extemporaneidade, e por conseguinte, à inelutável verificação da exceção dilatória de caducidade o direito de ação nos termos do artigo 89º nº 1 alínea h) do CPTA (versão original), obstativa do conhecimento do respetivo mérito.
2.13 Pelo que, mais uma vez, também nesta parte, e ainda por referência aos pedidos formulados pela autora sob as alíneas a) e c) da sua Petição Inicial – o de condenação do réu a reconhecer o direito da autora à baixa médica e bem assim ao pagamento do subsídio por doença desde Maio de 2011 até à data da instauração da ação (Outubro/2012), e às correspondentes aos meses seguintes (a partir de Novembro/2012 inclusive) até à sentença – foi correto o julgamento feito pelo Tribunal a quo na decisão recorrida.
2.14 Mas será que esse entendimento é válido para todos os demais pedidos? Ou, como é propugnado pela recorrente em sede do presente recurso, o processo deveria prosseguir para julgamento, ainda que fosse para aferir sobre a existência da responsabilidade civil do réu pelos danos causados à autora com o ato administrativo reputado como ilegal?
Vejamos.
2.15 Compulsada a Petição Inicial da ação temos que nela a autora formulou os seguintes pedidos, nos seguintes termos, ipsis verbis:
«a) condenar o Instituto da Segurança Social, IP a reconhecer o direito da autora à baixa médica e bem assim ao pagamento do subsídio por doença, desde Maio/2011;
b) condenar o Instituto da Segurança Social, IP ao pagamento de uma indemnização à autora no valor de € 8.245,00, a título de danos patrimoniais (respeitantes aos meses de Maio/2011 a Outubro/2012);
c) condenar o Instituto da Segurança Social, IP ao pagamento das prestações devidas a título de subsídio de doença, que se vençam a partir de Novembro/2012 (inclusive), até à sentença;
d) condenar o Instituto de Segurança Social, IP ao pagamento de uma indemnização à Autora no valor de € 5.000,00, a título de danos não patrimoniais.»
Temos, assim, que os pedidos formulados pela autora sob as alíneas b) e d) da sua Petição Inicial configuram pedidos indemnizatórios, pelos alegados danos, sejam patrimoniais sejam não patrimoniais, fundados na prática de ato administrativo reputado como ilegal.
2.15 É consabido que o artigo 38º nº 1 do CPTA (versão original) consente que nos casos em que a lei substantiva o admita, designadamente no domínio da responsabilidade civil da Administração por atos administrativos ilegais, o tribunal possa conhecer no âmbito da ação administrativa comum, a título incidental, da ilegalidade de um ato administrativo que já não possa ser impugnado.
O conhecimento incidental da ilegalidade do ato, surge aí, no âmbito da ação destinada a efetivar a responsabilidade da pessoa coletiva de direito público por danos decorrentes do exercício da função administrativa, como apreciação da ilicitude enquanto fundamento jurídico do pedido indemnizatório, à luz do artigo 7º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Pessoas Coletivas de Direito Público, aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31 de dezembro, como também já sucedia no âmbito do anterior regime constante do DL. nº 48051, de 21 de Novembro de 1967 (cfr. artigo 7º).
Neste sentido, a título ilustrativo, vide os seguintes acórdãos deste TCA Norte, disponíveis in, www.dgsi.pt/jtcn:
- acórdão de 08/04/2011, Proc. nº 01070/09.1BEBRG, assim sumariado: «I. Por princípio a ação administrativa comum é forma processual na qual são dirimidos os litígios da competência tribunais administrativos. II. A ação administrativa especial constitui o meio próprio tipo e legalmente imposto para dirimir os litígios em que a Administração se mostra investida dos seus poderes de autoridade (através prática atos administrativos ou edição normas), sendo a forma processual adequada na qual se apreciam e julgam apenas os litígios que se prendam com impugnação atos administrativos/regulamentos ou normas administrativas, pedidos condenação à prática de atos devidos e de declaração de ilegalidade por omissão de normas administrativas [cfr. arts. 37.º e 46.º do CPTA]. III. O art. 38.º, n.º 1 do CPTA permite que a ilegalidade de ato administrativo que já não possa ser impugnado por consolidado na ordem jurídica possa ser aferida ou apreciada, a título incidental, em ação administrativa comum cuja pretensão não seja dirigida em termos finais à impugnação daquele ato. IV. Tal conhecimento incidental da ilegalidade naquela ação administrativa só pode ocorrer se com a pretensão nela deduzida se visem obter efeitos jurídicos diversos, ou não coincidentes, dos que derivariam da instauração da ação administrativa especial de impugnação. V. Esta possibilidade de apreciação incidental está ainda condicionada àquelas situações em que a lei substantiva o admite mediante o reconhecimento de relevância jurídica conferido àquela apreciação, prevendo-se, desde logo, a título meramente exemplificativo, aquela possibilidade e relevância nas situações em que se visa efetivar a responsabilidade civil extracontratual da Administração pela alegada prática de atos administrativos ilegais [cfr. arts. 22.º da CRP, 07.º, 08.º, 09.º e 10.º, n.º 2 do RRCEE]. VI. Daí que fundando-se a ação administrativa comum instaurada pelo A. numa situação de alegada atuação jurídica ilegal, ilícita e culposa desenvolvida no âmbito de procedimento administrativo que correu termos em serviço do Estado, atuação essa que pretensamente foi geradora de danos patrimoniais cuja reparação indemnizatória se visa obter com a dedução de pedido com esse único sentido não ocorre infração ao que se preceitua no art. 38.º do CPTA.»;
- acórdão de 15/07/2016, Proc. nº 00059/15.6BEBRG, assim sumariado: «I – A ação administrativa comum não pode ser utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação de um ato administrativo inimpugnável bem como da condenação na prática de ato devido em sua substituição, o que sucede nos autos quanto aos pedidos de reconhecimento ao Recorrente do direito a subsídio de desemprego com fundamento na ilegalidade do ato que o indeferiu, já consolidado na ordem jurídica, e do pagamento da correspondente quantia – artigo 38.º, n.º 2, do CPTA. II – Ressalva-se o pedido de indemnização de danos não patrimoniais alegadamente advenientes do ato em causa, cuja ilegalidade pode ser conhecida, apenas a título incidental, como fundamento jurídico do pedido – artigo 38.º, n.º 1, do CPTA.»
2.16 Se o uso da ação comum é admissível, sendo aliás o meio o próprio, para a dedução de pedidos indemnizatórios, designadamente com fundamento na responsabilidade civil extracontratual por ato ilegal, e tendo a autora formulado na ação tais pedidos, devia a mesma ter prosseguido para o seu conhecimento, com a consequente apreciação incidental da ilegalidade do ato, no âmbito do conhecimento dos pressupostos da responsabilidade civil.
2.17 É, pois, nesta parte, e só nesta, que assiste razão à recorrente, devendo, assim, a decisão recorrida, que absolveu o réu da instância quanto a todos os pedidos ser revogada, mantendo-se apenas a mesma quanto aos pedidos formulados sob as alíneas a) e c) da Petição Inicial, nos termos sobrevistos, prosseguindo os autos para conhecimento do mérito dos pedidos indemnizatórios formulado sob as alíneas b) e d) da Petição Inicial, se a tanto nada mais obstar.
2.18 Devendo dizer-se, neste ensejo, que a circunstância do pedido indemnizatório pelos alegados danos patrimoniais corresponder ao valor das prestações sociais, reputadas como devidas pela recorrente e ilegalmente recusadas, não é impeditiva da formulação de tal pedido no âmbito de uma ação administrativa comum destinada à efetivação de responsabilidade civil extracontratual.
2.19 Isto seja porque o fundamento da ilicitude, enquanto pressuposto da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito e culposo, não tem uma correspondência exata com a noção de ilegalidade. Como sempre vimos dizendo, muito embora exista uma aproximação prática entre as noções de ilegalidade e de ilicitude quando o facto constitutivo da obrigação de indemnizar se funda num ato jurídico, estas não são inteiramente coincidentes, nem se configuram como perfeitamente sinónimos. E isso mesmo tem vindo a ser entendido pela Doutrina e pela Jurisprudência (vide, a este propósito, Joaquim Gomes Canotilho in, “O Problema da Responsabilidade Civil do Estado por Actos Lícitos”, Coimbra 1974, pág. 74 ss.. e in, RLJ Ano 125º, págs. 83 ss..; Rui Medeiros in, “Ensaio Sobre Responsabilidade Civil do Estado por Actos Legislativos”, págs. 165 ss., e ainda, e a título ilustrativo os Acórdãos do STA de 23/10/2008, Proc. n.º 0264/08, e de 04/11/2008, Proc. n.º 0104/08, in www.dgsi.pt, o Acórdão deste TCA Norte de 02/04/2009, Procº 01504/05.4BEVIS e o acórdão do TCA Sul de 16/04/2015, Proc. nº 08958/12, este de que fomos então relatores). Citando-se ainda, a este propósito, Margarida Cortez, in, “Responsabilidade Civil da Administração Pública” (Semanário Permanente de Direito Constitucional e Administrativo, Vol. I, Associação Jurídica de Braga, Departamento Autónomo de Direito da Universidade do Minho, Novembro, 1999, pág. 72, que quando a este aspeto diz só poderem ser qualificados como ilícitos os atos (jurídicos) que violem os direitos subjetivos ou disposições destinadas a proteger interesses de terceiros. Devendo entender-se que a ilicitude não se basta com a genérica antijuridicidade, uma vez que pressupõe a violação de uma posição jurídica substantiva (direito subjetivo ou interesse legalmente protegido) do particular. O que vale quando o facto constitutivo da obrigação de indemnizar se funda num ato jurídico. E, por maioria de razão, quando o facto constitutivo é um ato material.
2.20 Seja porque, a par do pressuposto da ilicitude, o instituto da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos e culposos convoca outros pressupostos, de verificação cumulativa, entre os quais os da culpa, do dano e do nexo de causalidade entre uns e outro, sem cuja verificação conjunta não existe obrigação de indemnizar. Não descurando a relevância da figura da culpa do lesado, com impacto na responsabilidade da pessoa coletiva pública, quer através do afastamento total da obrigação de indemnizar, quer através da sua relevância no cômputo da indemnização caso se apure concorrência de culpas.
Lembre-se que, nos termos do disposto no artigo 4º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Pessoas Coletivas de Direito Público (Lei nº 67/2007), “…quando o comportamento culposo do lesado tenha concorrido para a produção ou agravamento dos danos causados, designadamente por não ter utilizado a via processual adequada à eliminação do acto jurídico lesivo, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas tenham resultado, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída”.
Situação também já contemplada no âmbito do anterior regime constante do DL. nº 48051, de 21 de Novembro de 1967, em cujo artigo 7º se previa que “..o dever de indemnizar, por parte do Estado e demais pessoas coletivas públicas, dos titulares dos seus órgãos e dos seus agentes, não depende do exercício pelos lesados do seu direito de recorrer dos atos causadores do dano; mas o direito destes à reparação só subsistirá na medida em que tal dano se não possa imputar à falta de interposição de recurso ou a negligente conduta processual da sua parte no recurso interposto”.
2.21 Aqui chegados, e pelos fundamentos vertidos supra, o presente recurso merece parcial provimento, devendo a decisão recorrida, que absolveu o réu da instância, quanto a todos os pedidos, ser revogada, prosseguindo os autos apenas para conhecimento do mérito dos pedidos indemnizatórios formulados sob as alíneas b) e d) da Petição Inicial.
Em consequência, devem os autos baixar a baixa dos autos à 1ª instância para aí prosseguirem os seus termos, com vista ao conhecimento do mérito daqueles pedidos indemnizatórios, se a tanto nada mais obstar.
O que se decide.
***
IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em conceder parcial provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida, que absolveu o réu da instância quanto a todos os pedidos, e ordenando-se a baixa dos autos à 1ª instância para que aí prossigam os seus termos para conhecimento do mérito dos pedidos indemnizatórios formulados sob as alíneas b) e d) da Petição Inicial, se a tanto nada mais obstar.
Sem custas nesta instância - artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013) e artigos 7º e 12º nº 2 do RCP (artigo 8º da Lei nº 7/2012, de 13 de fevereiro) e 189º nº 2 do CPTA.
Notifique.
D.N.
Porto, 3 de maio de 2019
Ass. Helena Canelas
Ass. Isabel Costa
Ass. João Beato