Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02681/17.7BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/25/2019
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:CONTRATO DE ARRENDAMENTO APOIADO; RESOLUÇÃO; DESPEJO; USO DO LOCADO PARA O TRÁFICO DE DROGA; PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA; PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO DIREITO À HABITAÇÃO; VIOLAÇÃO DO CONTEÚDO ESSENCIAL DE UM DIREITO FUNDAMENTAL; NULIDADE; ANULABILIDADE;
N.º 3 DO ARTIGO 25º DA LEI Nº 81/2014, DE 19.12; PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE, DA PROSSECUÇÃO DO INTERESSE PÚBLICO, DA IGUALDADE, DA PROPORCIONALIDADE, DA BOA-FÉ, DA JUSTIÇA DA RAZOABILIDADE E DA IMPARCIALIDADE; PAGAMENTO DE PRESTAÇÃO MENSAL; CONTRAPARTIDA PELO USO; ABUSO DE DIREITO; VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM; USURPAÇÃO DE PODERES; NO ARTIGO 21º, Nº 1, DA LEI Nº 81/2014, DE 19.12; ARTIGO 1083º Nº 2, ALÍNEAS A), B) E C) DO CÓDIGO CIVIL; TRIBUNAL DE PENAS; LIBERDADE CONDICIONAL; OBRIGAÇÃO DE PERMANÊNCIA NO LOCAL; N.º 6 DO ARTIGO 28º DA LEI 81/2014, DE 19.12, NA REDACÇÃO DADA PELA LEI 32/2016 DE 24.08.
Sumário:
1. Não constitui violação do princípio da presunção da inocência a prova em processo administrativo do uso de locado de arrendamento apoiado para o tráfico de droga, matéria de facto que veio a ser conformada por decisão em processo pena transitada em julgado.
2. A resolução do contrato de arrendamento apoiado com fundamento, entre outros, do uso do locado para o tráfico de droga, não constitui violação do direito constitucional à habitação porque está aqui em causa apenas uma das modalidades de apoio social à habitação e o direito do locatário incumpridor – não absoluto nem isolado - deve ser compaginado com o direito à habitação socialmente apoiada por parte dos demais candidatos ao mesmo apoio.
3. O direito à resolução do contrato de arrendamento apoiado mantém-se ainda que tenha cessado o motivo de resolução dado o disposto no n.º 3 do artigo 25º da Lei nº 81/2014, de 19.12, e o interesse público nele subjacente de distribuir os locados pelos candidatos ao apoio e que estejam dispostos a cumprir os termos do contrato.
4. A alegada violação dos princípios da legalidade, da prossecução do interesse público, da igualdade, da proporcionalidade, da boa-fé, da justiça da razoabilidade e da imparcialidade, apenas poderia conduzir à declaração de nulidade do acto de resolução do contrato de arrendamento apoiado se este pusesse em causa o conteúdo essencial de um direito fundamental, como seja o direito à habitação, o que não é o caso.
5. Também a falta de notificação prévia da para proceder à entrega voluntária do locado - artigo 114º do Código de Processo Administrativo - apenas poderia conduzir à nulidade do acto se, sendo instrumental como é, estivesse em causa o conteúdo essencial de um direito fundamental, como seja o direito à habitação, o que não sucede.
6. Não se verifica abuso do direito, sob a forma de venire contra factum proprium, na exigência de uma contrapartida pelo uso do locado, após a resolução do contrato de arrendamento apoiado, se ficou provado que foi concedido ao arrendatário um prazo de 60 dias após a notificação da resolução para entregar o locado.
7. A obrigação imposta pelo Tribunal de Execução de Penas de permanecer de o arrendatário permanecer no locado após a libertação condicional, é uma obrigação imposta ao arguido e não, como é evidente, à Administração.
8. Determinando a Administração, dentro do seu quadro de competências, como é o caso, o despejo do locado, a obrigação de manter residência no locado cessa, pela impossibilidade objectiva de a cumprir, por razões que são alheias ao visado, facto que este deverá dar a conhecer ao Tribunal de Execução de Pernas para se eximir a qualquer responsabilidade.
9. O acto de resolução e a consequente ordem de despejo, encontram cobertura no disposto no artigo 21º, nº 1, da Lei nº 81/2014, de 19.12, e no artigo 1083º nº 2, alíneas a), b) e c) do Código Civil, que permitem a Administração faça cessar o contrato de arrendamento apoiado para habitação e ordene o despejo em caso de incumprimento, grave no caso, das obrigações contratuais. Sendo certo que, no caso concreto, tais circunstâncias de facto que não foram infirmadas, antes confirmadas, pela condenação penal.
10. A alegada violação do disposto no n.º 6 do artigo 28º da Lei 81/2014, de 19.12, na redação dada pela Lei 32/2016 de 24.08, não implica necessariamente a constatação da violação do conteúdo essencial do direito à habitação, pois é apenas uma solução lega de apoio à habitação social entre muitas outras e é, de resto, uma solução legal inovatória que não existia sequer no momento em que foi praticado o acto de resolução do contrato de arrendamento (2015) embora já estivesse em vigor quando foi dada a ordem de despejo (2017).
11. Para o arrendamento apoiado ou condicionado, administrativo vale a regra contida no n.º 3 do artigo 25º da Lei nº 81/2014, de 19.12, que estipula que não caduca o direito “à resolução do contrato ainda que o arrendatário ponha fim à causa que a fundamentou” o que determina que a resolução se mostra válida ainda que o beneficiário do apoio tenha cessado o uso ilegal do locado, em virtude de entretanto ter sido preso, precisamente pelo tráfico de droga que levava a cabo no ocado.
12. Dizer aos visados, em simultâneo com a ordem de despejo, que deverão procurar eles próprios, uma solução de habitação é substancialmente distinto de os encaminhar, antes do despejo, para uma solução legal de habitação ou para a prestação de apoios habitacionais, conforme o disposto no n.º 6 do artigo 28º da Lei 81/2014, de 19.12, na redacção dada pela Lei 32/2016 de 24.08. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:MOTA
Recorrido 1:Município P.....
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Conceder parcial provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer, em que reconhece razão, ainda que parcialmente, aos recorrentes
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Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO
Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

MOTA, JTSC e MT vieram interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL do saneador-sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 23.03.2018, que julgou em parte improcedente por procedente a excepção de caducidade e noutra parte improcedente, por infundada, a acção administrativa que os ora Recorrentes moveram contra o Município do Porto e Domus Social, E.M. para declaração de nulidade ou anulação do acto de resolução do arrendamento apoiado de uma habitação.
Invocaram para tanto, em síntese, que os Recorridos cobraram e receberam rendas derivadas de uma relação jurídica que entendem não existir, em abuso do direito, sob a forma de venire contra factum proprium, facto impeditivo da invocação da inexistência da relação jurídica de arrendamento e, consequentemente, da execução da ordem de despejo e da tomada de posse administrativa do locado, com inequívoca má-fé das recorridas, em violação do preceituado no nº 2 do artigo 10º do Código de Procedimento Administrativo; que nos termos do disposto no nº 6 do artigo 28º da Lei nº 81/2014, de 19.12, com a redacção que lhe foi conferida pela Lei nº 32/2016, de 24.08, os Recorrentes com efectiva carência habitacional, não foram previamente encaminhados para soluções legais de acesso à habitação ou para prestação de apoios habitacionais; que o Autor J….. sofre de doença grave incapacitante, necessitando de cuidados que só lhe podem ser proporcionados por uma habitação limpa e em boas condições habitacionais; o que tudo viola o conteúdo essencial do direito à habitação consagrado no artigo 65.º da Constituição da República Portuguesa, sendo certo que o direito dos Requerentes é igual ao direito de todos os que aspiram a obter uma habitação social e a sanção por tal ilegalidade é a sua nulidade – alínea d) do nº 2 do artigo161º do Código de Procedimento Administrativo; que nenhum dos Recorrentes foi notificado para proceder à entrega voluntária do locado; que foi violado o preceituado no artigo 114º do Código de Procedimento Administrativo; que ao decidir que o acto de resolução do arrendamento não padece de vícios cuja sanção é a nulidade, a sentença recorrida violou, de forma inequívoca, os artigos 266º, nº2, da Constituição da República Portuguesa e o artigo 6º-A do Código de Procedimento Administrativo; que o Requerente M….. se encontra em liberdade condicional, com obrigação de domicílio no locado, necessitando, para qualquer alteração deste, de prévia autorização do Tribunal de Execução das Penas do Porto, autorização que não foi concedida; o que representará uma violação da sua liberdade condicional; que o acto de resolução do arrendamento se encontra viciado de usurpação do poder, pois que configura uma pena ou sanção acessória de um crime, só aplicável por uma entidade a quem a Constituição e a lei ordinária confira poderes para tal; que a nulidade dos actos dos Réus, ora Recorridos, deita por terra a fundamentação da sentença recorrida de que tais actos são meramente anuláveis e que o acto de resolução está caduco.
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Os Recorridos não contra-alegaram.
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O Ministério Público emitiu parecer, em que reconhece razão, ainda que parcialmente, aos Recorrentes, defendendo que a decisão recorrida deveria ter apreciado as condições de saúde dos Recorrentes MO e J….. e, bem assim, a situação de liberdade condicional do Recorrente M….., sujeito a decisões do Juiz de Direito do Tribunal de Execução de Penas e em ordem à sua reinserção social e tal conclusão conduz a que a ordem de despejo viole dois direitos fundamentais constitucionalmente protegidos nos termos dos artigos 64º e 65º da Constituição da República Portuguesa – o direito à saúde e o direito à habitação, ambos consagrados de forma positiva, o que conduz à sua nulidade nos termos do artigo 161º, nº 2, alínea d), do Código de Procedimento Administrativo. Também considera que os prejuízos a evitar são notoriamente superiores aos que tal ordem de despejo sacrifica, sem que ocorra prejuízo do interesse público, pelo que conclui que a Juiz a quo devia ter agido de acordo com a garantia de certos direitos e deveres perante as circunstâncias concretas, com referência aos princípios da proporcionalidade, da igualdade e da justiça, pelo que defende que, nesta parte, procede a argumentação apresentada pelos Recorrentes, devendo a sentença ser revogada quanto a tal segmento, ordenando-se a remessa dos autos à 1ª Instância para os devidos efeitos.
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Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:
A. Cobrar e receber rendas derivadas de uma relação jurídica que se pugna não existir, constitui um abuso do direito, sob a forma de venire contra factum proprium, por parte das entidades recorridas, impede-as de invocar a alegada inexistência da relação jurídica de arrendamento e, consequentemente, executar a ordem de despejo e tomar posse administrativa do locado.
B. A vontade de proceder ao despejo e de tomar posse administrativa do locado é incompatível com o recebimento das rendas que são cobradas pela mesma ocupação e com a convicção da manutenção da relação jurídica de arrendamento que tais cobranças e recebimentos criaram nos requerentes.
C. E demonstra uma inequívoca má-fé das recorridas, incomportável face ao preceituado no nº 2 do artigo 10º do Código de Procedimento Administrativo: “No cumprimento do disposto no número anterior, devem ponderar-se os valores fundamentais do Direito relevantes em face das situações consideradas, e, em especial, a confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa e o objetivo a alcançar com a actuação empreendida”.
D. Razão pela qual, ao decidir pela inexistência de abuso do direito e má-fé por parte das recorridas, a sentença em crise violou o disposto no nº 2 do artigo 10º do Código de Procedimento Administrativo.
E. Nos termos do disposto no nº 6 do artigo 28º da Lei nº 81/2014, de 19.12 com a redacção que lhe foi conferida pela Lei nº 32/2016, de 24.08, os agregados alvos de despejo com efectiva carência habitacional, são previamente encaminhados para soluções legais de acesso à habitação ou para prestação de apoios habitacionais.
F. O Município sabe, porque não pode desconhecer, que os Requerentes sofrem de efectiva carência económica, que condiciona irremediavelmente, a obtenção, pelos próprios meios, de habitação condigna.
G. Sabe que o Autor J….. sofre de doença grave incapacitante – Vd. documentos ___, cujo teor se tem, aqui, por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos -, necessitando de cuidados que só lhe podem ser proporcionados por uma habitação limpa e em boas condições habitacionais.
H. No entanto, antes de promover o despejo, não diligenciou no sentido de os encaminhar para soluções legais de acesso à habitação ou para prestação de apoios habitacionais.
I. A mera indicação, na ordem de despejo, de que a Requerente pode recorrer a determinadas entidades para obter alojamento, não implica que as entidades recorridas, em momento anterior à prática da ordem de despejo, tenham diligenciado no sentido de encaminhar todos os Requerentes para soluções legais de acesso à habitação ou para prestação de apoios habitacionais.
J. Porque diligenciar antecipadamente em determinado sentido pressupõe a prática de actos conducentes a um resultado antes da verificação do acto de despejo, sendo certo que o despejo não pode ser efectivado sem que tais actos tenham sido praticados.
K. Razão pela qual, a ordem de despejo - CE-GPH-3754-2017 é manifestamente ilegal por violar disposto no nº 6 do artigo 28º da citada Lei nº 81/2014.
L. Cuja razão da existência é a de assegurar que o conteúdo essencial do direito à habitação consagrado no artigo 65.º da Constituição da República Portuguesa não seja atingido – o que só se conseguirá se, antes de se proceder ao despejo, se pratiquem actos conducentes à acomodação dos Requerentes.
M. Sendo certo que o direito dos Requerentes é igual ao direito de todos os que aspiram a obter uma habitação social.
N. E a sanção por tal ilegalidade é a sua nulidade – alª. d) do nº 2 do artigo 161º do Código de Procedimento Administrativo.
O. Nenhum dos Requerentes foi notificado para proceder à entrega voluntária do locado.
P. Preceitua o artigo 114º do Código de Processo Administrativo que os actos administrativos devem ser notificados aos destinatários, designadamente os que imponham deveres, encargos, ónus, sujeições ou sanções, ou causem prejuízos e os que criem, extingam, aumentem ou diminuam direitos ou interesses legalmente protegidos, ou afectem as condições do seu exercício.
Q. “A imposição pela força das decisões administrativas só pode ter lugar após esgotada definitivamente a possibilidade de elas serem observadas voluntariamente pelos seus destinatários. II - Assim, a notificação da decisão de proceder à execução não pode prescindir, salvo previsão legal em contrário, da indicação de um prazo para cumprimento voluntário do acto administrativo por parte do seu destinatário: sem a sua fixação, o destinatário do acto desconhece obviamente uma das condições essenciais do eventual acatamento voluntário. III - O cumprimento do princípio da boa-fé por parte de um Município implica que este tenha de estipular um prazo certo para a entrega voluntária do locado findo o qual se procederá à execução. IV - Ao despejo administrativo aplica-se o quadro da execução do acto administrativo regulado nos artigos 149º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo (…).
R. Ao decidir que o acto de resolução do arrendamento não padece de vícios cuja sanção é a nulidade, a sentença recorrida violou, de forma inequívoca, os artigos 266º, nº2, da Constituição da República Portuguesa e o artigo 6º-A do Código de Procedimento Administrativo.
S. Pelo que se impõe seja tal decisão revogada, declarando-se a nulidade de tal acto.
T. O Requerente M….. encontra-se em liberdade condicional, com obrigação de domicílio no locado, necessitando, para qualquer alteração deste, de prévia autorização do Tribunal de Execução das Penas do Porto.
U. Tal autorização não lhe foi concedida.
V. Se forem consumados o despejo e posse administrativa, o M….. não poderá cumprir com a obrigação que lhe foi imposta por sentença – Vd. documento 21, cujo teor se tem, aqui, por integralmente reproduzido.
W. O direito dos condenados e ex-condenados a reinserirem-se na sociedade imana do princípio da cidadania num Estado de direito democrático e do princípio da igualdade e da não discriminação em função da condição social dos cidadãos.
X. Pelo que, ao colocar o Autor M….. numa situação em que viola a sua liberdade condicional, o acto de despejo e de posse administrativa viola o núcleo duro de tais princípios constitucionais, sendo, por isso, nulo.
Y. E sendo nulo, não produz quaisquer efeitos na ordem jurídica, mas, caso seja executado, acarretará prejuízos irremediáveis para os Requerentes.
Z. Ao desatender a tal circunstancialismo, a sentença recorrida violou, de forma inequívoca, o disposto nos citados preceitos constitucionais.
AA. O fundamento da resolução da relação jurídica de arrendamento apoiado cessou.
BB. Tal facto é do conhecimento das entidades recorridas.
CC. Se a resolução do arrendamento era objectivamente extemporânea à data em que foi proferida – nessa data já Autor M….. aguardava julgamento em prisão preventiva, pelo que nunca poderia traficar droga dentro do locado -, a ordem de despejo revela-se totalmente desfasada no tempo, inoportuna e descabida na data em que é proferida, violando de forma inequívoca o princípio da oportunidade da actividade administrativa.
DD. Da mesma forma que o acto de resolução do arrendamento se encontra viciado de usurpação do poder, também este acto, pelas razões aduzidas supra, sofre do mesmo vício.
EE. O arguido já foi julgado e condenado pelas instâncias competentes.
FF. A resolução do arrendamento apoiado e a efectivação do despejo do arguido, com fundamento no cometimento de um crime pelo qual este já foi condenado pelas instâncias judiciais, configuram uma pena/sanção acessória para o mesmo crime, só que aplicada por uma entidade a quem a Constituição e a lei ordinária não conferem poderes para tal.
GG. Pelo que o acto administrativo que decreta o despejo é um acto ilegal que padece do vício da usurpação do poder, porquanto a autoridade administrativa, ao praticá-lo arroga-se de uma prerrogativa que só ao poder judicial compete.
HH. Ao decidir que nem a resolução do arrendamento, nem a ordem de despejo estão feridas de usurpação do poder, a sentença recorrida violou o princípio da separação dos poderes e do estado de direito democrático.
II. O acto de resolução do arrendamento padece dos mesmos vícios do acto suspendendo, vícios, esses, que acarretam a sua nulidade.
JJ. Nulidade essa que deverá ser declarada pelo Tribunal de recurso, o que deita por terra a fundamentação da sentença recorrida de que tais actos são meramente anuláveis e que o acto de resolução está caduco.
Concluem pedindo que a sentença recorrida seja revogada e substituída por outra que, acolhendo as conclusões supra e na procedência das mesmas, declare nulos os actos de resolução do arrendamento apoiado e o acto de despejo impugnado.
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II – Matéria de facto.
Ficaram provados os seguintes factos na decisão recorrida, sem reparos nesta parte:
1. No dia 02.07.2003, a Diretora do Departamento Municipal de Habitação Municipal da Câmara Municipal do Porto, no uso de competências subdelegadas, concedeu a MOTA, a título precário, licença para habitar a Moradia 1.º A, Entrada …, Ed. …, Rua V…, do AHP, titulada pelo Alvará n.º 31294 – cf. fls. 86 do processo administrativo.
2. Em 19.05.2014, o agregado familiar de MOTA, com ela residente na habitação acabada de identificar, era composto por JTSC e MT, seus filhos – cf. fls. 173 e 171 do processo administrativo.
3. Em 06.05.2015, MOTA foi notificada do projeto de decisão [CE-GPH-3947-2015] de resolução do arrendamento apoiado da habitação acima identificada, datado de 04.05.2015 e da autoria do Vereador do Pelouro da Habitação e Ação Social da Câmara Municipal do Porto - cf. fls. 181 a 179 do processo administrativo.
4. Em 15.07.2015, MOTA foi notificada da decisão [CE-GPH-5184-2015], datada de 13.07.2015, da autoria do Vereador do Pelouro da Habitação e Ação Social da Câmara Municipal do Porto, pela qual foi resolvido o contrato de arrendamento apoiado da habitação 1A da entrada … do Bloco … da Rua V… do AHP (motivada, em suma, pela utilização da habitação para a prática de actos ilícitos, contrários à lei, aos bons costumes e à ordem pública, e pela violação das regras de sossego e de boa vizinhança), assim como foi notificada para proceder à desocupação e entrega da habitação livre de pessoas e bens no prazo de 60 dias, devendo tal determinação ser voluntariamente cumprida por todos aqueles que ocupem a casa, sendo que caso não ocorresse tal desocupação e entrega nos termos e prazo determinado, ocorreria o respetivo despejo administrativo - cf. fls. 209 a 214 do processo administrativo que se dão aqui por integralmente reproduzidas.
5. Em 15.07.2015, na sequência da decisão de resolução acabada de referir e através de ofício da Domus Social de 14.07.2015, MOTA foi informada do cancelamento de recibo de rendas e da necessidade de pagar uma contraprestação equivalente à renda durante o prazo de 60 dias de desocupação voluntária do locado, caso utilizasse tal prazo –cf. fls. 215 do processo administrativo.
6. Em 18.08.2015, MOTA intentou providência cautelar de suspensão da eficácia do acto de 13.07.2015 contra Município do Porto, tendo tal requerimento dado origem ao processo n.º 2089/15.9BEPRT, que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto – cf. fls. 248 a 310 do processo administrativo e consulta do processo em causa no Sitaf.
7. Em 23.03.2016 foi proferida sentença no processo referido no número anterior deferindo a providência cautelar – cf. fls. 532 a 543 do processo administrativo e consulta do processo no Sitaf.
8. Em 05.12.2016 foi declarada a caducidade da providência decretada referida no número anterior uma vez que, após o trânsito em julgado da sentença proferida nos autos, MOTA não intentou a respetiva ação principal – cf. fls. 568 do processo administrativo e consulta do processo no Sitaf.
9. Em 23.10.2017, MOTA foi notificada da “Ordem de Despejo CE-GPH-3754-2017” emitida em 27.07.2017 pelo Diretor Municipal da Presidência da Câmara Municipal do Porto e Presidente do Conselho de Administração da Domus Social, E.M., nos termos da qual:
“Foi determinado por despacho, datado de 13 de julho de 2015, a resolução do arrendamento apoiado da casa 1A, da entrada …, do bloco …, da Rua V…, do AHP, propriedade do Município do Porto, que se encontrava ocupada por MOTA e seu respetivo agregado. Na referida determinação foi concedido aos interessados o prazo de 60 dias para, voluntariamente, procederem à desocupação e à entrega voluntária da habitação.
No decorrer do prazo estabelecido a interessada solicitou junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, a suspensão da eficácia do ato administrativo datado 13 de julho de 2015, por intermédio de processo cautelar judicial n.º 2089/15.9BEPRT. Assim na sequência da sentença proferida no âmbito do referido processo, está a Domus Social legitimada a fazer cumprir a decisão de resolução do contrato de arrendamento apoiado. Para esse fim foi a interessada notificada para promover a entrega voluntária da habitação até ao dia 31 de março de 2017, no entanto não procedeu em conformidade.
Assim, aquela determinação não foi cumprida pelos ocupantes, pelo que, para cumprimento do citado despacho proferido, em conformidade com as competências delegadas pelo Senhor Presidente da Câmara Municipal do Porto ao abrigo do Despacho n.º I/220038/17/CMP de 3 de julho, averbada no Boletim Municipal n.º 4239 de 18 de julho de 2017, e nos termos do disposto no artigo 35.º, n.º 2, alínea h), da lei 75/2013, de 12 de setembro, ordeno que se proceda à imediata execução do despejo administrativo da habitação, tomando-se posse administrativa, nos termos do disposto no artigo 28.° da Lei n° 81/2014, de 19 de dezembro e do artigo 180.º do Código do Procedimento Administrativo, notificando-se os interessados.
Se subsistir a carência habitacional daqueles que ocupam a casa, estes deverão procurar alternativa habitacional junto do mercado privado de arrendamento ou deverão contactar as entidades assistenciais competentes, nomeadamente os serviços da Segurança Social ou entidades equiparadas, a fim de avaliarem as respostas sociais desses serviços que comportem a prestação de apoios habitacionais, podendo ainda ser activada a Linha Nacional de Emergência Social, pelo número 144. (…)”
– cf. fls. 586 do processo administrativo, que aqui se dá por integralmente reproduzida.
10. Entre Novembro de 2016 e Novembro de 2017 foram pagas pelos Requerentes prestações mensais por ocupação subsequente à decisão de cessação do direito de utilização do fogo, tendo a Domus Social emitido o recibo correspondente – cf. fls. 45 a 50 do suporte físico do processo cautelar n.º 2638/17.8 PRT, apenso aos autos.
11. MT foi condenado no processo n.º 16/13.7PFGDM, da Comarca do Porto-Porto-Instância Central- 1.ª Secção Criminal –J5 pela “prática de um crime de tráfico agravado de estupefacientes, cometido desde data anterior a Julho de 2013 até 01.12.2013, data em que foi detido (acordou com coarguidos, sendo um deles a sua mãe, proceder à venda de heroína, cocaína e haxixe, o que fez ao longo do referido período)” e colocado em liberdade condicional até 01.03.2019, mediante a imposição de várias obrigações e regras de conduta, entre as quais “residir na Rua V…, Bloco …, Entrada …, 1.º A, Porto, morada que não poderá alterar sem prévia autorização do TEP”- cf. fls. 53 e 54 do processo cautelar n.º 2638/17.8 PRT, apenso aos autos.
12. A presente ação foi intentada em 20.11.2017.
Facto aditado:
13. O acórdão que pôs fim ao processo-crime acima referido – e que aqui se dá por reproduzido - transitou em julgado para a arguida MOTA em 12.07.2016 e para o arguido MT, em 22.06.2016 (certidão junta em fase de recurso, a pedido do relator deste acórdão).
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III - Enquadramento jurídico.
1. Os vícios imputados ao acto de resolução do arrendamento apoiado.
1.1. A violação de direitos fundamentais consagrados na Constituição da República Portuguesa - alínea d) do nº 2 do artigo 161º do Código de Procedimento Administrativo.
Os direitos, liberdades e garantias só podem ser restringidos nos casos expressamente admitidos pela Constituição, sendo que qualquer intervenção restritiva nesse domínio, mesmo que constitucionalmente autorizada, apenas será legítima se justificada pela salvaguarda de outro direito fundamental ou de outro interesse constitucionalmente protegido, devendo respeitar as exigências do princípio da proporcionalidade e não podendo afectar o conteúdo essencial dos direitos.
A. O princípio da presunção da inocência - artigo 32º, n.º2, da Constituição da República.
Quanto ao princípio da presunção da inocência, este vigora apenas até ao trânsito em julgado da decisão condenatória.
No caso concreto os ora Recorrentes foram condenados por decisão penal transitada em julgado na qual se deu como provado que usavam o locado para o tráfico de droga (facto provado sob o n.º4 e facto ora aditado).
Independentemente dos meios de prova de que os Demandados se socorreram para dar como provados tais factos, o certo é que eles ocorreram, de acordo com o determinado no acórdão penal.
Isto sendo certo que no procedimento administrativo, ao contrário do que sucede no processo penal, mais garantístico, não existe para estes factos nenhum meio de prova vinculado.
Não se verifica, pois, este vício.
B. O direito constitucional à habitação:
O uso do locado para o tráfico de droga, como ficou provado na decisão criminal certificada nos autos - confirmando os pressupostos de facto do acto de resolução do contrato de arrendamento - constitui um dos fundamentos possíveis de resolução do contrato de arrendamento apoiado, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 25.º, n.º 2, e 39º, n.º2, da Lei n.º 81/2014, de 19.12 e artigo 1083.º, n.ºs 2, alínea b), e 3, do Código Civil.
Por outro lado, ao contrário do alegado, não existem princípios ou normas fundamentais, em concreto o direito a uma habitação condigna - artigo 65.º, n.ºs 1, 2 e 3 da Constituição da República Portuguesa - que afastem a aplicação daquelas normas, da lei ordinária.
Finalmente, para o arrendamento apoiado ou condicionado, administrativo, o n.º 3 do artigo 25º da Lei nº 81/2014, de 19.12, estipula que não caduca o direito “à resolução do contrato ainda que o arrendatário ponha fim à causa que a fundamentou”.
Esta diferença de regimes só se compreende face aos interesses públicos subjacentes ao arrendamento apoiado.
Sendo o número de casas disponíveis para o arrendamento apoiado necessariamente limitado e com custos para o erário público, há que estabelecer regras mais apertadas na concessão desse apoio social.
Designadamente preterindo o inquilino que violou os deveres contratuais, ainda que essa violação tenha cessado, a favor de outro candidato a este apoio social.
Em concreto preterindo o inquilino que usou o locado para fins ilícitos em detrimento de candidato que o pretenda vir a habitar.
Está aqui em causa não o direito à habitação com apoio social por parte do inquilino actual em termos isolados e absolutos, mas também o direito à habitação por parte de candidatos que ainda não o têm, num contexto social de carência de meios financeiros públicos e aumento do número de pessoas com dificuldade em arranjar habitação condigna.
Neste sentido o acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 04.03.2016, no processo 2178/15.0 PRT.
Sendo certo que o inquilino faltoso pode encontrar outras soluções de apoio social à habitação.
Também não se mostra violado, tal como decidido, o conteúdo essencial do direito à habitação.
C. A violação do princípio da separação dos poderes e do consequente vício da usurpação de poder.
Alegam os Recorrentes que a punição dos ilícitos criminais incumbe aos Tribunais judiciais – artigo 29º da Constituição da República Portuguesa -, não estando as instâncias administrativas legitimadas a punir os cidadãos com medidas restritivas dos seus direitos constitucionais sociais com fundamento na prática desses mesmos ilícitos.
Isto, porque a resolução do arrendamento com fundamento no cometimento de um crime implica a de um direito constitucional social dos Autores MO e M…...
Tal privação constitui uma verdadeira pena acessória, cuja aplicação incumbe, única e exclusivamente, ao poder judicial.
Não incumbe à Administração sancionar a prática de ilícitos criminais, razão pela qual, a resolução do arrendamento à habitação com base em tal fundamento, redunda na prática de um acto que extravasa das suas atribuições e que, por lei, está acometido ao poder judicial.
Viola, assim, invocam, o princípio da separação dos poderes, elemento formal do princípio do Estado de Direito democrático – artigo 2º da Constituição da República Portuguesa.
E porque se traduz, dizem, na prática, por um órgão da Administração, de um acto que decide uma questão cuja apreciação está reservada aos tribunais, encontra-se viciado de usurpação de poderes, consistindo, ainda, numa forma de incompetência agravada por falta de atribuições.
Sem razão.
Os Recorrentes fazem tábua rasa do disposto no artigo 21º, nº 1, da Lei nº 81/2014, de 19.12, e no artigo 1083º nº 2, alíneas a), b) e c) do Código Civil, que permitem claramente que os Demandados façam cessar o contrato de arrendamento apoiado para habitação em tais circunstâncias.
Circunstâncias de facto que não foram infirmadas, antes confirmadas, pela condenação penal.
Cabe acrescentar que, nos termos do artigo 17º, nº 3, da referida Lei nº 81/2014, de 19.12, compete aos tribunais administrativos conhecer da matéria da cessação dos contratos de arrendamento apoiados.
Tanto basta para que se não possa concluir que se verifica nos actos praticados pelos Réus o vício de usurpação do poder, já que a matéria que aqui nos é trazida se prende com a cessação de um contrato de arrendamento por actos administrativos da competência dos Demandados e não, como pretendem os Recorrentes, com a aplicação de qualquer sanção acessória de uma sanção criminal.
Não se verifica, pois, também este vício, tal como decidido.
D. A violação dos princípios da legalidade, da prossecução do interesse público, da igualdade, da proporcionalidade, da boa-fé, da justiça da razoabilidade e da imparcialidade.
Invocam os Recorrentes a violação destes princípios, mas a violação tout court de princípios do direito administrativo conduz apenas à anulação, e não à nulidade, dos actos administrativos face à regra geral de invalidade dos actos – artigo 163º, n.º1, do actual Código de Procedimento Administrativo.
Apenas não seria assim se estivesse em causa, conexionado com estes princípios, um qualquer direito fundamental, no seu conteúdo essencial.
O que aqui não sucede, como se viu.
E. A falta de notificação prévia da para proceder à entrega voluntária do locado - artigo 114º do Código de Processo Administrativo.
Também esta alegada violação de lei apenas poderia conduzir à nulidade se, sendo instrumental como é, estivesse em causa o conteúdo essencial de um direito fundamental, como seja o direito à habitação, o que, como vimos, não está.
Assim sendo, apenas poderia conduzir, como se decidiu, à mera anulação do acto.
1.2. A mera anulabilidade do acto de resolução do contrato de arrendamento; a caducidade do direito de acção.
Inexistindo, de todos os vícios imputados ao acto de resolução do contrato de arrendamento, qualquer um que se possa enquadrar na previsão do artigo 161º do actual Código de Procedimento Administrativo a decisão recorrida nesta parte decidiu com total acerto, ao considerar estes vícios susceptíveis, apenas de conduzir à mera anulação, face à regra geral de invalidade dos actos administrativos, consagrada no artigo 163º, n.º1, do actual Código de Procedimento Administrativo.
A decisão recorrida não violou, antes respeitou, ao contrário do que foi alegado pelos Recorrentes, o disposto nos artigos 266º, nº2, da Constituição da República Portuguesa e o artigo 6º-A do Código de Procedimento Administrativo.
Pelo que não se pode conhecer de mérito de tais vícios, dado o trânsito em julgado da decisão recorrida na parte em que decidiu verificar-se a excepção de caducidade do direito de acção quanto ao acto de resolução do contrato de arrendamento, no pressuposto, precisamente, de tais vícios serem susceptíveis, apenas, de determinar a anulação de tal acto.
2. Os vícios do acto que ordenou o despejo.
2.1. A violação de direitos fundamentais consagrados na Constituição da República Portuguesa - alínea d) do nº 2 do artigo 161º do Código de Procedimento Administrativo.
A. O abuso do direito, sob a forma de venire contra factum proprium.
Não se verifica abuso do direito, sob a forma de venire contra factum proprium porque ficou provado que após a notificação da Recorrente da resolução do contrato de arrendamento e de que os Recorrentes tinham 60 dias para entregar o locado, as prestações de montante equivalente à renda constituíam, não rendas, mas a contrapartida do uso do locado pelos mesmos.
Não faz sentido, por isso, vislumbrar na exigência do pagamento dessas contraprestações a par da ordem de despejo e da posse administrativa do locado um venire contra factum proprium.
Trata-se, pelo contrário, de uma exigência justa, como contrapartida pelo uso, de facto, do locado até se mostrar efectivado o despejo e posse administrativa.
Nem podiam os ora Recorrentes, face à resolução do contrato, ter a legítima expectativa de manter o contrato pela exigência do pagamento do equivalente às rendas como contrapartida pelo uso, de facto, do locado.
Pelo que também por essa perspectiva não se pode ter por violado, na conduta dos Recorridos, nem, logo, na decisão recorrida, o disposto no nº 2 do artigo 10º do Código de Procedimento Administrativo.
Não se verifica, pois, este vício, tal como decidido, impondo-se também por aqui manter a decisão recorrida.
B. O cumprimento da obrigação imposta pela decisão do Tribunal de Execução de Penas.
A obrigação imposta pelo Tribunal de Execução de Penas é uma obrigação imposta ao arguido e não, como é evidente, à Administração.
Determinando a Administração, dentro do seu quadro de competências, como é o caso, o despejo do locado, a obrigação de manter residência no locado cessa, pela impossibilidade objectiva de a cumprir, por razões que são alheias ao visado.
Facto de que deverá dar a conhecer ao Tribunal de Execução de Pernas para se eximir a qualquer responsabilidade.
O “direito dos condenados e ex-condenados a reinserirem-se na sociedade” e que “imana do princípio da cidadania num Estado de direito democrático e do princípio da igualdade e da não discriminação em função da condição social dos cidadãos” não passa necessariamente pela manutenção da residência neste especifico locado.
O contrato de arrendamento apoiado destina-se em primeira linha a permitir uma habitação condigna a pessoas de menores recursos económicos.
Só indirectamente se destina à reinserção social, pela concessão de melhores condições de habitação do que aquelas que a condição económica do beneficiário, por si mesma, permitiria.
A igualdade e a não discriminação não veda que sejam tratadas de maneira diferente situações que são diferentes.
No caso o despejo funda-se em válidas razões de incumprimento de obrigações essenciais decorrentes do contrato, como seja o uso do locado para o tráfico de droga ou outros fins contrários aos bons costumes.
A igualdade traduz-se, no caso, em cumprir a lei e os termos do contrato para todos, incluindo os ora Recorrentes.
Os prejuízos decorrentes para os ora Recorrentes resultam não do acto de despejo, por si mesmo, cujo fundamento, a resolução do contrato por uso ilegal do locado, se mostra válido, mas antes da conduta dos arrendatários que incumpriram o contrato.
Pelo que o acto de despejo não viola, tal como decidido, o núcleo essencial de qualquer direito fundamental, mostrando-se nesta parte acertada a decisão recorrida.
C. O vício de usurpação de poderes.
Tal como ficou dito a propósito do acto de resolução do contrato de arrendamento apoiado, não se pode imputar ao acto de despejo o vício de usurpação de poderes.
O acto de resolução e a consequente ordem de despejo, encontram cobertura no disposto no artigo 21º, nº 1, da Lei nº 81/2014, de 19.12, e no artigo 1083º nº 2, alíneas a), b) e c) do Código Civil, que permitem claramente que os Demandados façam cessar o contrato de arrendamento apoiado para habitação e ordenem o despejo em caso de incumprimento, grave no caso, das obrigações contratuais.
Circunstâncias de facto que não foram infirmadas, antes confirmadas, pela condenação penal.
Nos termos do artigo 17º, nº 3, da referida Lei nº 81/2014, de 19.12, compete aos tribunais administrativos conhecer da matéria da cessação dos contratos de arrendamento apoiados.
Tanto basta para que se não possa concluir que se verifica nos actos praticados pelos Réus o vício de usurpação do poder, já que a matéria que aqui nos é trazida se prende com a cessação de um contrato de arrendamento por actos administrativos da competência dos Demandados e não, como pretendem os Recorrentes, com a aplicação de qualquer sanção acessória de uma sanção criminal.
Não se verifica, pois, também este vício, tal como decidido.
D. A violação do conteúdo essencial do direito à habitação.
A alegada violação do disposto no n.º 6 do artigo 28º da Lei 81/2014, de 19.12, na redação dada pela Lei 32/2016 de 24.08, não implica necessariamente a constatação da violação do conteúdo essencial do direito à habitação.
Esta é uma solução legal inovatória que não existia sequer no momento em que foi praticado o acto de resolução do contrato de arrendamento (2015) embora já estivesse em vigor quando foi dada a ordem de despejo (2017).
Se o despejo tivesse sido determinado decorrido o prazo estabelecido no acto de resolução do contrato nem sequer tal solução se imporia legalmente.
Constitui, em todo o caso, um reforço do apoio público à habitação, um melhoramento do reconhecimento do direito à habitação, mas não é o único meio de o efectivar.
Sendo certo que o simples encaminhamento para uma solução legal de habitação ou para a prestação de apoios habitacionais não constitui por si uma solução de apoio à habitação mas apenas um meio para o atingir.
Pelo que a sua preterição não atinge o núcleo essencial o direito à habitação.
Termos em que, tal como decidido, não se verifica este vício determinante da nulidade do acto impugnado.
2.2. A mera anulabilidade do acto de resolução do contrato de arrendamento; a caducidade do direito de acção.
Inexistindo, de todos os vícios imputados ao acto despejo qualquer um que se possa enquadrar na previsão do artigo 161º do actual Código de Procedimento Administrativo, a decisão recorrida nesta parte decidiu com total acerto também e respeito pelos princípios e direitos fundamentais, acima indicados.
Resta, portanto, analisar o acerto da decisão quanto aos vícios susceptíveis de determinar, apenas, a anulação do acto de despejo.
A. A extemporaneidade da ordem de despejo.
Como acima se referiu, para o arrendamento apoiado ou condicionado, administrativo, o n.º 3 do artigo 25º da Lei nº 81/2014, de 19.12 estipula que não caduca o direito “à resolução do contrato ainda que o arrendatário ponha fim à causa que a fundamentou”.
No caso não foi o arrendatário que pôs fim à causa que o fundamentou, por sua livre vontade mas ainda que tivesse sido, mantinha-se o direito à resolução do arrendamento e ao consequente despejo por parte dos Demandados.
Direito que foi, por isso, devida e atempadamente exercido.
Pelo que também este vício não se verifica, tal como decidido.
B. O disposto no n.º 6 do artigo 28º da Lei 81/2014, de 19.12, na redacção dada pela Lei 32/2016 de 24.08.
Dispõe este preceito:
“Os agregados alvos de despejo com efetiva carência habitacional são previamente encaminhados para soluções legais de acesso à habitação ou para prestação de apoios habitacionais”.
Pelo que resulta deste preceito não bastava informar, como consta da ordem de despejo aqui em causa que (facto provado sob o n.º9):
Se subsistir a carência habitacional daqueles que ocupam a casa, estes deverão procurar alternativa habitacional junto do mercado privado de arrendamento ou deverão contactar as entidades assistenciais competentes, nomeadamente os serviços da Segurança Social ou entidades equiparadas, a fim de avaliarem as respostas sociais desses serviços que comportem a prestação de apoios habitacionais, podendo ainda ser activada a Linha Nacional de Emergência Social, pelo número 144 . (…)”.
Ao contrário do decidido.
Na decisão recorrida é dito aos visados, em simultâneo com a ordem de despejo, que deverão procurar eles próprios, uma solução de habitação. O que é substancialmente distinto de serem encaminhados, antes do despejo, para uma solução legal de habitação ou para a prestação de apoios habitacionais.
Independentemente da existência ou não de uma situação de carência efectiva de apoio social no que diz respeito à habitação, o que só as entidades competentes para decidir sobre os apoios alternativos podem determinar.
Pelo que nesta parte se impõe anular o acto de despejo e julgar, por isso, parcialmente procedente a acção, ao contrário do decidido.
***
IV – Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PARCIAL PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional, pelo que:
A. Revogam parcialmente a decisão recorrida: na parte em que julgou não verificado o vício de violação do disposto no n.º 6 do artigo 28º da Lei 81/2014, de 19.12, na redacção dada pela Lei 32/2016, de 24.08, no acto de despejo, e, consequentemente, julgou também nessa parte improcedente a acção.
B. Anulam o acto impugnado de despejo por violação desta norma.
C. Confirmam no restante a decisão recorrida: em julgar improcedente acção na parte em que se pede a declaração de nulidade dos actos de resolução do contrato de arrendamento e de despejo.
Custas na proporção de 1/4 para os Recorridos e de 3/4 Recorrentes em Primeira Instância.
Pagarão os Recorrentes 3/4 das custas devidas neste recurso jurisdicional, sendo certo que não são devidas pelos Recorridos que não apresentaram contra-alegações.
Isto sem prejuízo do apoio judiciário aos Recorrentes.
Porto, 25.01.2019
Ass. Rogério Martins
Ass. Luís Garcia
Ass. Conceição Silvestre