Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:03145/15.9BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/08/2016
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Joaquim Cruzeiro
Descritores:CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL; CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO; SUSPENSÃO DO PRAZO
Sumário:De acordo com artigo 59º, n.º 4, do CPTA, o prazo para interposição do recurso só se retoma com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa, ou com o decurso do respectivo prazo legal. Ou seja, havendo interposição de uma impugnação administrativa o prazo para a interposição da acção suspende-se, começando a correr quando se verificar a primeira das duas situações: ou quando haja notificação da decisão, ou após o decurso do prazo legal para a decisão.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:E... (Portugal) – Sociedade Europeia de Restaurantes, Lda
Recorrido 1:Município de Guimarães
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
1 – RELATÓRIO
E... (Portugal) – Sociedade Europeia de Restaurantes Lda. vem interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, datada de 31 de Dezembro de 2015, que julgou ter ocorrido caducidade do direito de acção, no âmbito da acção de contencioso pré-contratual que intentou contra o Município de Guimarães, com os contra-interessados melhor identificados nos autos, e onde solicitado que a acção deveria ser julgada procedente:
A) Anulando-se a deliberação da Câmara Municipal de 09.07.2015, nos termos da qual se decidiu adjudicar à U... – Sociedade de Restaurantes Públicos e Privados, S.A. o Concurso Público n.º 2/15 para a aquisição de Serviços de Fornecimento de Refeições em Refeitórios Escolares;
B) Em consequência, anulando-se todos os actos subsequentes ao mesmo, designadamente o contrato que entretanto tenha sido ou venha a ser celebrado em execução daquele; e
C) Condenando-se o Réu a emitir novo Relatório Final no qual readmita a proposta da E... e em que se avalie e classifique, fundamentadamente, as propostas dos concorrentes admitidos, propondo-se a adjudicação dos serviços à proposta da E......"

Em alegações o recorrente concluiu assim:
A. O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao decidir julgar procedente a excepção de caducidade do direito de acção;
B. Com efeito, o Tribunal a quo aplicou incorrectamente o disposto no art.º 59.º, n.º 4 do CPTA, ao interpretar que o mesmo apresenta uma alternativa no que à retoma do prazo de caducidade do direito de acção diz respeito, e que o prazo se reinicia com o evento que ocorrer primeiro – a decisão expressa ou o decurso do prazo para a decisão da impugnação administrativa;
C. Com efeito, o art.º 59.º, n.º 4, apesar de colocar em alternativa os eventos de que faz depender a cessação da suspensão do prazo de propositura da acção, não faz qualquer referência ao evento que ocorra primeiro, pelo que essa interpretação resulta de uma criação, absolutamente ilícita ao abrigo do art.º 9.º do CC, daquela disposição por parte do Tribunal a quo;
D. Aliás, a interpretar-se assim, resultariam ou poderiam resultar prejudicados os direitos de acção dos autores de acções de contencioso pré-contratual, já que poderiam não conseguir contestar os fundamentos das decisões expressas que viessem a ser tomadas após o decurso do prazo de decisão da entidade adjudicante, o que, como é evidente, não é admissível;
E. Por outro lado, incorreu em erro em desvalorizar a notificação feita à aqui Recorrente datada de 30.07.2015 em que se comunicava que a decisão expressa da impugnação administrativa seria tomada em Setembro de 2015 e que a omissão de decisão no respectivo prazo legal não deveria ser considerada como indeferimento tácito, nos termos do disposto no art.º 274.º, n.º 1 do CCP;
F. A entender-se assim, a notificação da Entidade Demandada viola os princípios da boa-fé e da cooperação com os particulares consagrados nos art.ºs 10.º e 11.º do CPA, o que, manifestamente, não pode admitir-se;
G. Assim, tendo ocorrido a decisão expressa no dia 11.09.2015, o prazo para a propositura da acção suspendeu-se desde o dia 21.07.2015 até àquela data, retomando-se a contagem do mesmo no dia 12.09.2015, o que significa que o prazo de propositura da acção terminaria apenas no dia 07.10.2015;
H. Tendo a E... intentado a acção no dia 01.10.2015, só pode concluir-se pela tempestividade da mesma, razão por que a sentença que julgou procedente a excepção de caducidade do direito de acção tem de ser revogada;
I. Por todo o exposto, é mais do que evidente que a acção intentada pela E... é tempestiva, resultando pois a decisão de procedência da excepção de caducidade do direito de acção num erro de julgamento a corrigir.

O Recorrido não contra-alegou.

A contra-interessada apresentou contra-alegações, tendo concluído:
I. A interpretação do artigo 59.º, n.º 4 do CPTA patente na sentença recorrida no sentido de que o levantamento da suspensão do prazo de caducidade ocorre com a decisão expressa da impugnação administrativa ou com o decurso do prazo de decisão, consoante o facto que ocorrer primeiro, não padece de qualquer erro, pois quer o elemento gramatical da actividade hermenêutica, quer o seu elemento lógico apontam para essa leitura.
II. No que se refere ao elemento gramatical, a utilização da conjunção “ou” a ligar as duas hipóteses alternativas que operam o levantamento da suspensão significa que verificada cada uma delas já não opera a outra. – cfr. acórdão do STA de 27.02.2008, processo 848/06.
III. Quanto ao elemento lógico, sendo verdade que o artigo 59.º, n.º 4 do CPTA traduz um compromisso entre dois interesses públicos: por um lado a certeza jurídica, e por outro lado, o interesse em evitar a sobrecarga dos nossos tribunais, promovendo uma tentativa de resolução extra-judicial dos litígios, não existe justificação racional para preterir o interesse público da segurança jurídica em favor desse outro interesse.
IV. Ademais, não faz qualquer sentido rejeitar a interpretação do artigo 59.º, n.º 4 do CPTA nos termos assumidos pela sentença recorrida com fundamento em que a mesma poria em causa os direitos de acção dos Autores de acções de contencioso pré-contratual urgente uma vez que ficariam impedidos de contestar os fundamentos das decisões expressas que viessem a ser tomadas após o decurso do prazo de decisão da entidade adjudicante, uma vez que os mesmos sempre teriam à sua disposição o exercício do contraditório sobre esses alegados fundamentos, quanto mais não fosse mediante uma ampliação do pedido entretanto já formulado numa eventual acção judicial em curso.
V. Não há qualquer erro por parte do Tribunal na interpretação da notificação do Réu de 30.07.2015, uma vez que o que da mesma resulta é tão só e simplesmente o aviso de que iria ser proferida uma decisão expressa acerca da impugnação administrativa apresentada, depois de decorrido o prazo legalmente definido para proferir essa decisão, nada se dizendo na mesma acerca da contagem do prazo de impugnação judicial previsto no artigo 101.º do CPTA.
VI. De todo o modo, mesmo que assim não fosse, nenhuma consequência se poderia extrair de uma hipotética declaração do Réu que pudesse ter efeitos sobre a contagem do prazo de impugnação do acto de adjudicação, no sentido de o prorrogar, pois tal prorrogação não estaria na sua disponibilidade.
VII. Estando em causa um prazo de caducidade, considerar que o Réu poderia, por mera declaração unilateral, prorrogar o prazo de impugnação do acto de adjudicação traduzir-se-ia numa frontal violação do artigo 328.º do Código Civil.
VIII. Ao que acresce que considerar que a notificação da declaração do Réu de 30.07.2015 poderia configurar uma estipulação sobre a caducidade, não encontraria acolhimento no artigo 303.º, n.º 1 do Código Civil, pelo que nunca poderia ter o efeito sufragado pela Recorrente.
IX. A caducidade do direito de acção encontra-se ao serviço de um interesse público superior – o da certeza jurídica - que reclama que a situação das partes fique definida de uma vez para sempre com o transcurso do respectivo prazo, desta feita, este interesse público superior implica que esteja em causa matéria arredada da disponibilidade das partes, razão pela qual nunca poderia a Recorrente atribuir à mencionada notificação de 30.07.2015 o efeito de prorrogar a suspensão do prazo de impugnação.
X. Considerar que a comunicação de 30.07.2015 não tem o efeito de prolongar a suspensão do prazo de caducidade da impugnação não viola os princípios da boa fé e da cooperação com os particulares.
XI. Com efeito, mesmo que se pudesse admitir que a conduta do Réu teria induzido em erro a Recorrente, o certo é que, nem assim, se poderia considerar que a suposta violação dos princípios da confiança e da cooperação poderia resultar numa prorrogação da suspensão nos termos estabelecidos no artigo 58.º, n.º4, alínea a) do CPTA, porquanto essa norma não é aplicável às acções especiais de contencioso pré-contratual reguladas no artigo 100.º e ss do CPTA.
XII. De todo o modo, ainda que se considerasse que a conduta do Réu era atentatória dos princípios jurídicos invocados pela Recorrente, no caso presente, nunca essa vulneração poderia ter o efeito desejado por ela no sentido de operar a prorrogação da suspensão da caducidade, vislumbrar-se-ia tão somente susceptível de fundamentar um pedido indemnizatório a deduzir ao Réu por violação do dano da confiança, e nada mais do que isso.
As questões suscitadas e a decidir resumem-se em determinar:

— se ocorre erro de julgamento, pelo Tribunal a quo, ao ter concluído que ocorreu caducidade do direito de acção.

2– FUNDAMENTAÇÃO
2.1 – DE FACTO
Na decisão sob recurso ficou assente o seguinte quadro factual:
1) O Município de Guimarães lançou o Concurso Público n.º 2/15 para a aquisição de Serviços de Fornecimento de Refeições em Refeitórios Escolares mediante Anúncio de procedimento n.º 1449/2015, publicado na 2.ª série do Diário da República de 10 de Março de 2015 – fls. 217 a 219 do PA;
2) No procedimento concursal apresentaram propostas a aqui Autora, as Contra-interessadas – cfr. fls. 191 a 194 do PA;
3) Em 05 de Maio foi elaborado o Relatório Preliminar, no qual se propunha a exclusão das propostas do I... e da G..., propondo-se também que a proposta E... fosse classificada em primeiro lugar, com um valor global de € 5.286.320,00, seguida da Ic... com um valor de € 5.286.320,00 e da U..., com um valor global de € 5.287.750,00 – cfr. fls. 191 a 194 do PA.
4) Em sede de audiência prévia, a U... veio contestar a admissão da proposta da E..., invocando, em suma, que a E... não havia imputado qualquer custo de transporte às refeições transportadas, em violação de jurisprudência já fixada anteriormente nessa matéria, o que implicava a incomparabilidade das propostas, o que tornava impossível a avaliação das mesmas – fls. 169 ss do PA;
5) Em 02 de Junho de 2015, foi elaborado o Relatório Final, o qual tem o teor constante de fls. 163 do PA que aqui se têm por integralmente reproduzidas, no qual, acolhendo-se a posição da U..., se entendeu que a proposta apresentada deveria ser excluída, devendo a prestação concursada ser adjudicada à concorrente U... – Sociedade de Restaurantes Públicos e Privados, S.A., pelo preço contratual de € 5.287.750,00 acrescido de IVA à taxa legal de 23%, sendo também conferido à Autora novo direito de audição, em face da alteração ocorrida relativamente ao Relatório Preliminar;
6) A Autora exerceu o direito de audiência prévia, assim como as Concorrentes I... e K... – fls. 140 a 149 do PA;
7) No dia 01 de Julho de 2015, o Júri reuniu novamente tendo, após análise das exposições apresentadas, mantido a intenção de excluir as propostas apresentadas pela Autora e pelas concorrentes I... e Ic..., mantendo também a proposta de adjudicação à U... – Sociedade de Restaurantes Públicos e Privados, S.A., pelo preço contratual de € 5.287.750,00 acrescido de IVA à taxa legal de 23% - fls. 139 do PA.
8) Em 09 de Julho de 2015, a Camara Municipal deliberou adjudicar a aquisição de serviços concursada à concorrente U... – Sociedade de Restaurantes Públicos e Privados, S.A., pelo preço contratual de € 5.287.750,00 acrescido de IVA à taxa legal de 23%, em conformidade com o Relatório final.
9) A Autora foi notificada da adjudicação e do Relatório Final em 16 de Julho de 2015 – fls. 131 ss do PA;
10) Em 17.07.2015 a U... apresentou os documentos de habilitação – fls. 130 do PA;
11) Em 21.07.2015, a Autora apresentou impugnação administrativa do Relatório Final e do despacho de adjudicação – doc. n.º 9 junto pela Autora, e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
12) As Contra-interessadas foram notificadas da reclamação apresentada pela Autora em 23-07-2015 – fls. 89 do PA;
13) Em 30 de Julho de 2015, o Réu comunicou à Autora o seguinte (doc. 10 junto com o articulado inicial:
“ (…)
Tendo terminado ontem o prazo de 5 dias para os contra-interessados se pronunciarem relativamente à impugnação administrativa apresentada pela concorrente E... (PORTUGAL) – SOCIEDADE EUROPEIA DE RESTAURANTES, LDA, foi apresentada pela U... a resposta que se anexa.
O processo será agora analisado e elaborada proposta a submeter a reunião da câmara, órgão com competência para decidir esta matéria, no sentido de ser proferida decisão final.
Nestes termos, notificam-se todos os interessados que, embora o prazo de 5 dias para a decisão se encontre a contar a partir do dia de hoje, a decisão final apenas poderá ocorrer através de deliberação da Câmara Municipal, em reunião a realizar no início do próximo mês de Setembro, pelo que, até essa data, a impugnação não deverá ser considerada rejeitada, nos termos previstos no n.º1 do art.º 274.º.
Da decisão final será dado conhecimento a todos os interessados.
Com os melhores cumprimentos.
ECA”.
14) A Impugnação Administrativa apresentada pela Autora foi indeferida, mediante deliberação camarária proferida em 03 de Setembro de 2015 – fls. 31 e 32 do PA;
15) A Autora foi notificada do indeferimento da Impugnação Administrativa em 11 de Setembro de 2015 – fls. 30 do PA.

16) O Requerimento inicial foi apresentado, via SITAF, no dia 01 de Outubro de 2015 – cfr. fls. 01 do suporte físico dos presentes autos.

2.2 – DE DIREITO
Cumpre apreciar as questões suscitadas pela ora Recorrente, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para tal efeito, pela lei processual aplicável - ver artigos 5.º, 608.º, n.º2, 635.º, n.ºs 4 e 5, e 639.º do C.P.C., na redacção conferida pela Lei n.º 41/2013, ex vi, do art.º 1.º do CPTA, e ainda conforme o disposto no artigo 149º do mesmo Código.
Vejamos então se procede a excepção referente à caducidade do direito de acção.
A decisão recorrida refere que:
Na situação sob escrutínio, a Autora foi notificada do Relatório Final e do subsequente acto de adjudicação, no dia 16 de Julho de 2015, facto que determina a abertura do prazo legal para a propositura da presente acção.
No seguimento, veio a Autora apresentar, em 21 de Julho de 2015, impugnação administrativa, nos termos do disposto no art.º 267º e seguintes do Código dos Contratos Públicos.
Como resulta expressamente do disposto no art.º 268º do CCP, as impugnações administrativas são facultativas, devendo ser apresentadas no prazo de 05 dias a contar da respectiva notificação (art.º 270º do CCP), devendo a impugnação ser decidida no prazo de 05 dias, após o termo do prazo para a audiência dos interessados, quando esta deva ter lugar (art.º 274º do mesmo Código).
Tratando-se de impugnação administrativa facultativa, tem aqui pleno acolhimento o disposto no art.º 59º, n.º4, do CPTA, onde se consigna que “a utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do acto administrativo, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respectivo prazo legal”, relevando o facto que vier a ocorrer em primeiro lugar (neste sentido, veja-se o recente acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, datado de 19-11-2015, proc.º n.º 02115/15.1BEPRT, disponível para consulta em http://www.dgsi.pt).
Como resulta da matéria de facto assente, o prazo para a audiência dos interessados no âmbito do procedimento de impugnação administrativo terminou em 29 de Julho de 2015, iniciando-se a partir daí o prazo legal de 05 dias para a tomada de decisão, prazo este que veio a terminar no dia 03 de Agosto de 2015.
A partir desta última data, o prazo de 30 dias para o exercício do direito de acção retomou a sua contagem, e quando já se mostravam decorridos 04 dias do prazo inicial (contados de 17 a 20 de Julho de 2015).
Assim, impõe-se concluir que o prazo para a propositura da acção terminaria a 29 de Agosto de 2015 (sábado), o que implicou a transferência do termo do prazo para o 1ª dia útil seguinte, in casu, 31 de Agosto de 2015 (Segunda-feira), por força do disposto no art.º 138º, n.º2, do CPC.
Destarte, e tendo a presente acção somente sido intentada no dia 01 de Outubro de 2015, é manifesto que nessa data já havia caducado o direito de acção que a Autora pretendeu exercer.

O recorrente vem sustentar que a interpretação feita quanto artigo 59º, n.º 4, do CPTA é incorrecta, uma vez que o artigo em questão não faz qualquer referência ao evento que ocorra em primeiro lugar.

Estamos no âmbito de um acção de contencioso pré-contratual, um processo urgente, cujo prazo de impugnação é de um mês, a contar da notificação dos interessados, nos termos do artigo 101º do CPTA.
Por seu lado, de acordo com o artigo 100º, n.º 1, do mesmo Código, a impugnação dos actos administrativos, no âmbito do contencioso pré-contratual, rege-se pelo disposto na presente secção e, subsidiariamente, pelo disposto na secção I do capítulo II do Título III, ou seja, aplica-se à impugnação destes actos o disposto nos artigos 50º a 66º, aplicando-se, assim, também o disposto no artigo 59º. De acordo com o seu n.º 4, a utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respectivo prazo legal.
No caso em apreço o recorrente foi notificado da adjudicação e do Relatório final em 16 de Julho de 2015, pelo que o prazo de impugnação de um mês conta-se a partir desta data. No entanto, em 21 de Julho a Autora apresentou impugnação administrativa do Relatório final e do despacho de adjudicação, nos termos do artigo 270º do CCP.
O prazo para a decisão das impugnações administrativas é de cinco dias, a não ser que haja lugar a audiência dos contra-interessados, caso em que a decisão será tomada também no prazo de cinco dias, mas após o termo do prazo para essa audiência (artigo 274º do CCP)
As contra-interessadas foram notificadas nos termos do artigo 273º do CCP para se pronunciarem, querendo, sobre a impugnação da recorrente.
Com data de 30 de Julho o recorrido comunicou à recorrente que tendo terminado o prazo para as contra-interessadas se pronunciarem, embora o prazo de cinco dias para a Câmara Municipal se pronunciar começar a contar a partir do dia da notificação esta só irá ter lugar em princípios de Setembro, quando da reunião da Câmara Municipal.

Tendo em atenção o exposto, e suspendendo-se o prazo de interposição da acção nos termos do artigo 59º n.º 4 do CPTA até à notificação da decisão ou com o decurso do prazo para a respectiva decisão, verificamos que tendo sido notificado o recorrente da adjudicação em 16 de Julho de 2015 e tendo sido interposto recurso administrativo, em 21 de Julho, o referido prazo suspende-se a partir desta data, começando a contar a partir do termo do prazo para a decisão, ou seja, cinco dias após o prazo para os contra-interessados se pronunciarem sobre a impugnação da recorrente. Assim sendo, o prazo começou novamente a contar em 3 de Agosto de 2015. Com o tempo já decorrido no mês de Julho, conclui-se que o prazo de um mês para a interposição da presente acção terminaria em 29 de Agosto de 2015. Como a acção entrou em Tribunal no dia 1 de Outubro, tem a mesma que se considerar intempestiva.
O recorrente vem sustentar que não se encontra referido no artigo 59º n.º 4 que o prazo se começa a contar a partir do evento que se verificar em primeiro lugar. Estaremos perante uma interpretação que resulta de uma criação absolutamente ilícita ao abrigo do artigo 9º do CC.
Refere o artigo 59º, n.º 4, do CPTA, que o prazo para interposição do recurso só se retoma com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa, ou com o decurso do respectivo prazo legal. Ou seja, havendo a interposição de uma impugnação administrativa o prazo para a interposição da acção suspende-se, começando a correr quando se verificar a primeira das duas situações: ou quando haja decisão da notificação, ou após o decurso do prazo legal para a decisão. É esta a interpretação do preceito em causa, decorrente da utilização do vocábulo ou.
Ver, neste sentido, anotação VI ao artigo 59º do Código de processo nos Tribunais Administrativos, vol. I, de Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, e anotação 7 do mesmo artigo, in, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos de Mário aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes cadilha. Ver ainda, agora na Jurisprudência, Acórdão n.º 0848/06, de 27-02-08 onde se refere: I - Nos termos previstos no art. 59º/4 do CPTA, a suspensão do prazo de impugnação contenciosa cessa com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do prazo legal para a decidir, conforme o facto que ocorrer em primeiro lugar.
Assim sendo, tem de se concluir que, neste aspecto, nada há a referir quanto ao decidido na decisão recorrida.
Vem ainda o recorrente sustentar que a decisão recorrida incorreu em erro ao desvalorizar a notificação feita à aqui recorrente datada de 30 de Julho de 2015. A entender-se como entendeu o Tribunal a quo então a notificação da entidade demandada violaria os princípios da boa-fé e da cooperação com os particulares.
A decisão recorrida quanto a este aspecto refere:
Cumpre também salientar que, para efeitos de contagem do prazo, mostra-se irrelevante a comunicação que foi dirigida à Autora em 30.07.2015 por parte do Município de Guimarães, e por se estar em presença de matéria de natureza injuntiva e peremptória, ditada por razões de certeza e segurança jurídicas, não se mostrando na disponibilidade das partes a possibilidade de, por mero exercício de vontade, obstar à contagem do prazo em referência.
Por outro lado, do teor da própria comunicação, e à luz do critério de um destinatário normal, diligente e conhecedor do modo de exercício dos seus direitos, não resulta legitimada qualquer situação de erro da Autora.
Pelo contrário, a comunicação refere expressamente que a contagem do prazo de 05 dias para a decisão administrativa previsto no art.º 274º do CCP havia sido iniciada, não obstante se comunicar também à Autora que o Município tinha intenção de proferir uma decisão expressa sobre a impugnação apresentada pela Autora e que não se iria respaldar no indeferimento tácito gerado pela simples inércia administrativa, para não tomar uma expressa decisão sobre a Impugnação apresentada, sendo somente este o sentido que se permite extrair da declaração em causa, nada dela resultando quanto a uma eventual suspensão do prazo para que a Autora exercesse o direito de acção que lhe assistia.
Também o assim decidido é para manter.
Na verdade, com data de 30 de Julho de 2015, o recorrente foi notificado de que:
Nestes termos, notificam-se todos os interessados que, embora o prazo de 5 dias para a decisão se encontre a contar a partir do dia de hoje, a decisão final apenas poderá ocorrer através de deliberação da Câmara Municipal, em reunião a realizar no início do próximo mês de Setembro, pelo que, até essa data, a impugnação não deverá ser considerada rejeitada, nos termos previstos no n.º1 do art.º 274.º.
Da decisão final será dado conhecimento a todos os interessados.
Ou seja, o recorrente foi notificada de que apesar do prazo de cinco dias para o recorrido tomar a decisão se contar a partir daquela data (30 de Julho), a decisão final apenas teria lugar em princípios de Setembro, não devendo a mesma ser considerada rejeitada para os efeitos do n.º 1 do artigo 274º do CCP. Dito de outro modo, veio a entidade recorrida referir que apesar de ter um prazo para cumprir, este não iria ser observado. Refere que iria tomar uma decisão em princípios de Setembro, mas não referiu qualquer data.
Vem o recorrente sustentar que esta comunicação leva a que o prazo de impugnação se tenha de considerar suspenso até à comunicação da decisão definitiva.
Não vemos porquê. O recorrente sabia, nos termos do artigo 59º, n.º 4, do CPTA, que tendo interposto uma impugnação administrativa facultativa, o prazo para impugnar o acto recorrido seria suspenso até à decisão final, ou até ao final do prazo para decidir a impugnação, conforme o facto que ocorresse em primeiro lugar. A recorrida veio até alertar para o facto de não decidir no prazo previsto, pelo que a recorrente deveria ter acautelado a situação. É que a fazer a interpretação que vem sustentar o recorrente então teríamos de concluir que apenas se poderia recorrer após a decisão final como se estivéssemos perante um recurso hierárquico obrigatório, o que não é o caso dos autos.
Por seu lado levava-nos a que não houvesse prazo definido para recorrer, uma vez que a comunicação não referia quando iria ser tomada a decisão final. Apenas mencionava que iria ser tomada uma decisão em princípios de Setembro, sem qualquer data definida. A comunicação da entidade recorrida não vem alterar o que se encontra decidido quanto aos prazos de impugnação, nem veio induzir a recorrente em qualquer erro, dado que nada referia quanto aos prazos de impugnação, pelo que não se encontra violado qualquer princípio de boa-fé ou da cooperação com os particulares. Aliás, a entidade recorrida em vez de se remeter ao silêncio, o que poderia ter feito, apenas veio referir que a decisão não iria ser tomada nos prazos legais. Esta comunicação não pode ter os efeitos que lhe são assacados pela recorrente.
Assim sendo, pelo exposto, tem de se concluir que não podem proceder as conclusões da recorrente, pelo que deve manter-se a decisão recorrida.

DECISÃO
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.
Custas pela recorrente
Notifique

Porto, 8 de Abril de 2016
Ass.: Joaquim Cruzeiro
Ass.: Fernanda Brandão
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco