Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00494/10.6BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/21/2016
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:João Beato Oliveira Sousa
Descritores:ESTRANGEIROS; SEF
Sumário:Conforme é jurisprudência corrente, os recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.
Assim, se apenas em sede de alegações de recurso a Recorrente invoca a nulidade da actuação administrativa impugnada, por falta de nomeação de intérprete e tradução dos despachos que lhe foram notificados, alegando desconhecimento da língua portuguesa, trata-se de uma questão nova, relativa a factos documentados no processo administrativo e que a Autora teve possibilidade de invocar na petição inicial, pelo que ficou precludido o conhecimento dessa questão.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:XW
Recorrido 1:Ministério da Administração Interna-SEF
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
XW, cidadã chinesa, veio interpor recurso do despacho saneador/sentença pelo qual o TAF de Mirandela, com fundamento na excepção de erro na forma de processo e caducidade do direito à acção, julgou improcedente esta acção administrativa comum de condenação intentada contra o Ministério da Administração Interna/Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e absolveu o Réu da instância.
*
Em alegações a Recorrente formulou as seguintes conclusões:

1. A Autora formulou pedido de Autorização de Residência ao abrigo do disposto no nº 2 do artº 88 da Lei 23/2007 de 04/07, através do registo que o SEF apelida de “manifestação de interesse” e junto do respectivo sítio que este organismo dispõe na Internet.

2. No dia 29.10.2008, por prévia convocação da Direcção Regional do Norte, deslocou-se a Autora à Loja do Cidadão na cidade do Porto, junto do serviço do SEF, para entrega dos documentos necessários relativos ao pedido de Autorização de residência, ao abrigo do disposto no nº2 artº 88 da Lei 23/2007 de 04.07.

3. Nesse mesmo dia foi a Autora notificada da não-aceitação do seu pedido, segundo a mesma notificação, por falta de um dos requisitos necessários: “ter entrado legalmente em Território Nacional” e “ ter permanência legal em Território Nacional”

4. Em resposta à referida notificação, a Autora apresentou pedido de Reapreciação do seu pedido de concessão de autorização de residência para o exercício de actividade subordinada, junto do SEF - Direcção Geral.

5. Porém, e pese embora ter apresentado todos os argumentos, factos e documentos para comprovar que a sua situação era susceptível de enquadramento nos requisitos cumulativos exigidos pelo nº2 do artº 88 da Lei nº 2372007 de 04.07,

6. Foi a Autora notificada do não provimento à reapreciação, por si interposta, e mantendo a notificação para o abandono do TN.

7. Em resultado dessa decisão, interpôs a Autora a Acção Administrativa Comum de Condenação, requerendo a condenação do Ministério da Administração Interna (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) a proceder a nova convocação da Autora para efeitos de reanálise da situação, porquanto apresenta a Autora todos os requisitos legais para concessão de autorização de residência para o exercício de uma actividade profissional subordinada, ínsito no artº 88 nº2 da Lei 23/2007 de 04.07.

8. Atento o facto de a Autora ser de nacionalidade Chinesa, não ter conhecimentos básicos da língua portuguesa, nunca à mesma foi nomeado tradutor idóneo, verificando-se mesmo a inexistência de tradução dos despachos que lhe foram sendo notificados, pelo que todo o processado é NULO.

9. Ora estando-se perante um acto nulo, e a impugnação do mesmo não se encontrar sujeito a prazo, conforme dispõe o nº1 do artº 58º do C.P.T.A., devia improceder a excepção de caducidade do direito de acção.

10. Contudo, tal não foi a posição do Tribunal a quo, considerando procedente a excepção de intempestividade da presente acção.

11. Pelo que, a sentença recorrida violou, assim o disposto nos artºs 20 da CRP, 172 e 175 do CPA e artº 58 do CPTA, devendo ser revogada.

Pelo exposto deve ser concedido provimento ao recurso e revogada a Decisão recorrida, assim se fazendo Justiça!

*
O Ministério Público apresentou o douto parecer de fls. 133 no sentido de ser negado provimento ao recurso.
*
FACTOS
Consta da sentença:
Dá-se por provado o seguinte:
1. A A. interpõe esta acção administrativa comum de condenação, com o seguinte pedido: “ (…) requer (…) a condenação do Ministério da Administração interna/Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, à instauração do procedimento excepcional, porquanto a situação da autora é susceptível de enquadramento nos requisitos exigidos pelo art.º 88.º, n.º 2, da Lei n.º 23/2007 de 04 de Julho, e em consequência ser-lhe concedida a autorização de residência para o exercício de actividade profissional”;

2. Antes, em 10/12/2007, a Autora, formulou pedido de Autorização de Residência ao abrigo do disposto no n°2 do art° 88 da Lei 23/2007 de 04/07 – art.º 1 e 2 da PI e fls. 26 e 145 do PA;

3. Em 29/10/2008, a A. foi notificada de que o seu pedido “não foi objecto de apreciação, não podendo a sua situação fáctica ser enquadrada naquela disposição legal por falta de preenchimento de um dos requisitos legais necessários, tal como descrito em informação que se anexa” cfr. fls. 1 do PA, que aqui se dá por reproduzida;

4. Dá-se aqui por reproduzida a informação e decisão para a(s) qual(ais) aquela notificação remete – fls. 2 do PA;

5. Em data não alegada nem comprovada a A. apresentou pedido de reapreciação do seu pedido de concessão de autorização de residência para o exercício de actividade subordinada, junto do SEF – art.º 5 da PI, não impugnado e fls. 145 do PA;

6. Em 13/11/2009 a A. foi notificada de que tinha sido negado provimento à reclamação interposta – Art.º 9 da PI e Fls. 37 do PA ;

7. Esta acção deu entrada em 2/12/2010 – Fls. 21 dos autos
*
DIREITO
A Recorrente não impugna a decisão do Tribunal “a quo” no sentido de a forma de processo adequada ser a acção administrativa especial e não a acção administrativa comum.
E também não impugna a decisão do TAF no que concerne à caducidade do direito de acção, no contexto da factualidade assente na decisão recorrida.

Analisando as suas conclusões, que delimitam o objecto do recurso, verifica-se que de 1 a 7 se limita a historiar as ocorrências do processo administrativo, sem qualquer crítica à decisão recorrida.

Apenas nas conclusões 8 a 11 se concentra a impugnação da decisão recorrida, na invocação de que a actuação administrativa impugnada é nula por falta de nomeação à Autora de intérprete, pela inexistência de tradução dos despachos que lhe foram notificados e por ela não ter conhecimentos básicos da língua portuguesa.

E, sendo assim, não se verificaria a caducidade da acção, por a impugnação dos actos nulos não ser sujeita a prazo, nos termos do artigo 58º/1 CPTA.

Esta alegação concretiza uma questão nova, suscitada pela primeira vez em sede de recurso, sendo certo que todos esses factos ocorreram no decurso do processo administrativo e, portanto, a Autora tinha possibilidade de os invocar na petição inicial.

Ora, é jurisprudência pacífica a que dimana, por exemplo e entre muitos outros, do acórdão do STA de 28-11-2012, Proc. 0598/12, onde se decidiu:

«I - Os recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.

II - Assim, e em princípio, não podem neles ser tratadas questões novas, que não tenham sido suscitadas perante o tribunal recorrido e que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada.»

A expressão “em princípio” indica que há excepções a esta regra, designadamente por força da ocorrência de factos supervenientes relevantes mas, como se viu, no caso não se verifica a superveniência dos factos inovatoriamente invocados, nem tão pouco a Recorrente indica qualquer outra razão ou disposição legal que pudesse levar ao afastamento pontual daquele princípio processual estruturante.

Além disso a Recorrente não impugnou a matéria de facto assente na sentença, onde nada consta que possa dar sustento à versão nova invocada neste recurso.

Deste modo, a questão trazida à apreciação deste TCAN ficou precludida por falta de alegação em 1ª instância.

Assim, soçobram as conclusões da Recorrente e a decisão recorrida é de manter.

*
DECISÃO
Pelo exposto acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
*
Porto, 21 de Abril de 2016
Ass.: João Beato Sousa
Ass.: Hélder Vieira
Ass.: Alexandra Alendouro