Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00214/11.8BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/25/2012
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Catarina Almeida e Sousa
Descritores:CUMULAÇÃO ILEGAL DE IMPUGNAÇÕES; ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA; TRÂNSITO EM JULGADO; NOVA PETIÇÃO; PRAZO SUBSTANTIVO; CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO; PRAZO SUPLEMENTAR DO ARTº 145º, Nº 5 DO CPC
Sumário:I. Nos termos do disposto no artigo 47º, nº6 do CPTA aplicável ex vi artigo 2º, al. c) do CPPT, na sequência da absolvição da instância da Fazenda Pública com fundamento em ilegal cumulação de impugnações, pode o impugnante apresentar novas impugnações no prazo de um mês, a contar do trânsito em julgado da decisão, considerando-se as respectivas petições apresentadas na data de entrada da primeira.
II. O prazo suplementar de três dias a que se refere o art.º 145º, n.º 5, do Cód. Proc. Civil, é um prazo de tolerância, não se somando ao prazo de interposição de recurso ou de reclamação para efeito de determinação da data do trânsito em julgado da decisão judicial, apenas destruindo os efeitos do caso julgado já produzido se no decurso desses três dias for praticado algum acto processual nos termos referidos em tal dispositivo.
III. O prazo de um mês para deduzir impugnação judicial referido em I é um prazo substantivo, de caducidade do exercício do direito de acção (e não um prazo de natureza processual), contado nos termos do 279º do CC (cfr. artigo 20, nº1 do CPPT), e ao qual não se aplica o artigo 145º, nº5 do CPC, ou seja, é insusceptível de ser prorrogado com multa.
IV. Numa situação em que a decisão que absolveu da instância o impugnante por ilegal cumulação de impugnações transitou em julgado em 17/03/2011 e tendo a nova petição inicial dado entrada no TAF de Viseu, via SITAF, em 02/05/11, há que concluir que tal ocorreu para lá do termo do prazo de um mês fixado pelo artigo 47º, nº6 do CPTA, o que implica a caducidade do direito de impugnar.
Recorrente:E(...)
Recorrido 1:Fazenda Pública
Votação:Unanimidade
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. Relatório

E(…) e C(…), interpuseram recurso jurisdicional da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que, no processo de impugnação judicial deduzido contra os actos tributários de liquidação de IRS dos anos de 2006 e 2007 (e respectivos juros, de 2007), julgou procedente a excepção de caducidade do direito de impugnar e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública da instância.

Os recorrentes terminaram as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões (que se renumeram por evidente lapso na numeração original):

1.° Nos presentes autos vieram os ora Recorrentes intentar processo judicial de impugnação judicial visando a anulação do acto de liquidação de IRS dos anos de 2006 e 2007.

2.° A impugnação judicial foi efectuada ao abrigo do disposto no art.º 3.° n.º 4 do CPTA, aplicando do art.º 2.º al. c) do CPPT.

3.° A Impugnação referida deu entrada no Tribunal no dia 02.05.2009 (deve ler-se, por se tratar de lapso manifesto, 02.05.2011, tal como consta da conclusão 5ª), sendo que a notificação foi efectuada no dia 2 de Março de 2011 e transitou em julgado no dia 23 de Março do mesmo ano.

4.º Tinha a Requerente, ora recorrente, o prazo de 30 dias para propor a acção de impugnação judicial.

5.º O que a Recorrente fez no dia 2 de Maio de 2011.

6.° Sendo que neste período decorreram as férias judiciais entre 16 a 25 de Abril de 2011.

7.º À contagem dos prazos aplicam-se as disposições do CPC, ou seja, o art. 144°, que determina que o prazo se suspende durante as férias judiciais.

8.º Está em causa um prazo de 30 dias interpondo-se no meio o período de suspensão por efeito de férias judiciais.

9.° E tendo em conta a decisão mencionada, foi endereçada no dia 2 de Maio de 2011, ainda que se tenha por presente que a notificação foi efectivada no 3.° dia útil dia seguinte, que a presente acção foi instaurada em 2 de Maio de 2011 e que entre uma e outra datas decorreram as férias judiciais, durante as quais o prazo do exercício do direito de acção se suspendeu, conclui-se que a acção foi proposta em tempo.

10.º Pelo exposto a douta sentença em crise violou por erro de interpretação os art.ºs 279.° al. e); 287.°, 296.° e 298.° do CC e os art.ºs 123.º n.º1, 58.°, n.º2, al. b) e 20.º do CPTA.

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Não houve contra-alegações.

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A Exma. Magistrada do Ministério Público (EMMP) emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos legais, cumpre agora decidir.

Objecto do recurso - Questões a apreciar e decidir:

A questão a apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida incorreu, ou não, em erro de julgamento ao considerar verificada a caducidade do direito de impugnar, sendo que a resposta a essa questão exigirá que se indague do regime legal relativamente à possibilidade de apresentação de nova petição na sequência da ilegal cumulação de impugnações.

2. Fundamentação

2.1. Matéria de Facto

2.1.2. A sentença recorrida considerou provados, com relevância para a decisão, os seguintes factos:

A) - O Impugnante deduziu a presente impugnação judicial contra as liquidações de IRS dos anos de 2006 e 2007.

B) - O termo do prazo para apresentação da presente Impugnação expirou em 17/04/2011, no cumprimento do determinado no art. 47.°, n.º 6 do CPTA, isto é um mês a contar do trânsito em julgado do processo n.º 42/10BEVIS.

C) - O impugnante deu entrada da petição de impugnação no TAF - Viseu via SITAF em 02/05/201l.

A base probatória de todos os factos radica nos documentos juntos aos autos.

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Ao abrigo do disposto na norma do artigo 712º, nº 1, alínea a), do CPC, aplicável ex vi artigo 281º do CPPT, entendemos que é de alterar o probatório que foi fixado na 1ª instância, eliminando o ponto B dos factos provados e aditando matéria de facto relevante para a discussão da causa.

A eliminação do ponto B da matéria de facto provada (com a seguinte redacção: “O termo do prazo para apresentação da presente Impugnação expirou em 17/04/2011, no cumprimento do determinado no art. 47.°, n.º 6 do CPTA, isto é um mês a contar do trânsito em julgado do processo n.º 42/10BEVIS”.) justifica-se pela óbvia razão de que o que ali ficou plasmado não constitui qualquer facto mas antes uma conclusão que encerra, afinal, a aplicação do direito aos factos, sendo certo que saber qual o termo do prazo de apresentação da p.i de impugnação era, afinal, a questão a que o Tribunal tinha que dar resposta.

Assim, o aditamento ao probatório consiste no seguinte:

B – A presente p.i de impugnação foi apresentada na sequência da decisão proferida, em 28/02/11, no processo de impugnação nº 42/10.8 BEVIS, nos termos da qual, com base na ilegal cumulação de impugnações deduzidas, foi determinada a absolvição da instância da Fazenda Pública – cfr. fls. 232 do P.A;

B1 – Com vista à notificação da decisão proferida no processo de impugnação nº 42/10.8 BEVIS, o TAF de Viseu remeteu, por correio registado de 02/03/11, ofício dirigido ao Senhor Mandatário dos impugnantes – cfr. fls. 233 do P.A.

2.2. O direito

A questão suscitada pelos Recorrentes e que aqui importa apreciar é a de saber se a sentença recorrida, que considerou verificada a caducidade do direito de impugnar, incorreu em erro de julgamento.

Para julgar a caducidade do direito de impugnar, a Mma. Juiz expendeu a seguinte argumentação:

“(…)

Como vem sendo jurisprudência pacífica e reiterada do STA, o prazo de impugnação judicial é um prazo de natureza substantiva, de caducidade e peremptório e conta -se nos termos do art° 279° do Código Civil (artº 20° do Código de Procedimento e Processo Tributário) - neste sentido, podem ver -se, entre outros, os Acórdãos de 14.03.07, processo 831/06, de 06.07.05, processo 585/05, de 3/5/00, in rec. 11.° 24.562; de 23/5/01, in rec. n.º 25.778; mais recentemente acórdão de 29/10, proc. n°.458/08 e de 16/04, proc nº.77/08, in www.dgsi.pt.

Daí que aos prazos de impugnação judicial não seja aplicável o disposto no art. 145°, n.º 5, do Código de Processo Civil, que prevê a possibilidade de apresentação de documentos nos três dias subsequentes ao termo do prazo mediante o pagamento de multa - cf. neste sentido, Jorge Lopes de Sousa no seu CPPT anotado, 4ª edição, pags. 179. Trata -se de normativo que se aplica apenas aos prazos de natureza judicial ou processual e não aos prazos de natureza substantiva.

Como se refere no acórdão do STA de 14/1/2004, no recurso 1208/03, «o prazo judicial é aquele que se destina à prática de actos processuais em juízo. Prazo judicial é a distância entre dois actos de um processo. Prazos judiciais são os que medeiam entre dois actos judiciais ou praticados em processo judicial (cfr. Prof. Afonso Rodrigues Queiró, Revista de Legislação e Jurisprudência, 116 -311).

Ora, antes de a impugnação judicial dar entrada ainda não há processo judicial, logo, não há prazos judiciais ou processuais antes de haver processo. Daí que, não sendo o prazo de dedução da impugnação um prazo de natureza processual, e estando sujeito as regras da caducidade, se não lhe aplique o n.º 5 do artigo 145.° do CPC (Jorge Lopes de Sousa, in CPPT anotado, 4.ª edição, pág. 179)

Assim, não resta senão considerar procedente a excepção invocada e absolver a FP da instância, nos termos dos arts.288º, nº1. al e), 493º, nº2, 495, todos do CPC, ex vi, al. e) do art. 2º do CPPT.”

Vejamos, então.

Previamente à apresentação da petição inicial que deu origem a este processo, já os Impugnantes tinham contestado, além do mais, as liquidações de IRS aqui sindicadas na impugnação judicial com o n.º 42/10.8 BEVIS do TAF de Viseu, processo este que, conforme visto, terminou com a absolvição da instância da Fazenda Pública por ilegal cumulação de impugnações.

Ora, nos termos do disposto no artigo 47º, nº6 do CPTA, aplicável ex vi artigo 2º, al. c) do CPPT, na sequência da absolvição da instância da Fazenda Pública com fundamento em ilegal cumulação de impugnações, podia o impugnante apresentar novas impugnações (uma para cada imposto, ou melhor dito, por impostos com idêntica natureza, nos termos do artigo 104º do CPPT) no prazo de um mês, a contar do trânsito em julgado da decisão, considerando-se as respectivas petições apresentadas na data de entrada da primeira.

Assim, a nova petição só poderia ser considerada tempestiva, ficcionando a lei a sua apresentação na data da entrada da primeira, desde que apresentada dentro do prazo de um mês a contar do trânsito em julgado da decisão proferida no processo de impugnação judicial n.º 42/10.8 BEVIS que, no caso, face aos factos assentes, se verificou em de 17/03/11.

Com efeito, a decisão proferida no processo n.º 42/10.8 BEVIS, remetida por ofício de 02/03/11, considera-se notificada ao Mandatário no dia 07/03/11, em resultado da aplicação do disposto no nº3 do artigo 254º do CPC, segundo o qual tal notificação presume-se feita no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja. No caso, o terceiro dia posterior ao do registo foi o dia 05/03/11, sábado, sendo o dia útil seguinte a segunda-feira, dia 07/03/11.

Considerando o prazo de interposição de recurso, de 10 dias, tal como prevê o artigo 280º, nº1 do CPPT, temos, conforme dito, o trânsito em julgado verificado em 17/03/11. De notar que na contagem do prazo de interposição de recurso incluem-se sábados, domingos e dias feriados, suspendendo-se o mesmo nas férias judiciais, por força dos artigos 20º, nº2 do CPPT e 144º do CPC.

Assim, e contrariamente ao que sustenta o Recorrente, o trânsito em julgado da decisão proferida no processo n.º 42/10.8 BEVIS ocorreu em 17/03/11 e não em 23/03/11, não havendo que lançar mão, como pretendem os Recorrentes, da consideração (e soma) dos três últimos dias úteis previstos no artigo 145º, nº5 CPC. Com efeito, o prazo de três dias concedido pelo artigo 145º, n.º 5, do CPC é, e assim tem sido entendido, um prazo de tolerância que, no caso (por não ter sido usado), não afecta a contagem do prazo para interposição de recurso nem, portanto, do trânsito em julgado da decisão – neste sentido, com argumentação detalhada, vide o acórdão do STJ, de 02/10/04, (processo 03A4156), de cujo sumário se extrai, além do mais, que o prazo suplementar de três dias a que se refere o art.º 145º, n.º 5, do Cód. Proc. Civil, não se soma ao prazo de interposição de recurso ou de reclamação para efeito de determinação da data do trânsito em julgado da decisão judicial, apenas destruindo os efeitos do caso julgado já produzido se no decurso desses três dias for praticado algum acto processual nos termos referidos em tal dispositivo. No mesmo sentido, o acórdão do STJ, de 15/11/06, (processo 06S1732).

Ora, um mês contado a partir do trânsito em julgado da decisão fez com que o prazo tenha terminado em férias, pois que, em 2011, as férias judiciais da Páscoa decorreram entre 18 e 25 de Abril. Assim sendo, o termo do prazo transferiu-se para o primeiro dia útil após as férias, ou seja, para o dia 26 de Abril de 2011.

De notar, que este prazo de um mês para deduzir impugnação judicial é um prazo substantivo, de caducidade do exercício do direito de acção (e não um prazo de natureza processual), contado nos termos do 279º do CC (cfr. artigo 20, nº1 do CPPT), e ao qual não se aplica o artigo 145º, nº5 do CPC, ou seja, é insusceptível de ser prorrogado com multa (No sentido de se tratar de um prazo improrrogável com multa, vide Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in CPTA anotado, Almedina, Vol. I, pag. 139 e 316.).

Com efeito, daquilo que se trata é de um prazo de direito substantivo, embora inserido numa lei processual, já que respeita ao exercício e limite temporal de um direito material. Como se pronunciou A. Vaz Serra (Vide, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 102º, nº 3385, Coimbra, 15 de Junho de 1969, pág. 64.), a propósito do artigo 289º, nº2 do CPC, cuja redacção, dada pelo Decreto-Lei nº 47 690, de 11/05/67, se mantém – Sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade dos direitos, os efeitos civis derivados da proposição da primeira causa e da citação do réu mantêm-se, quando seja possível, se a nova acção for intentada ou o réu for citado para ela dentro de 30 dias, a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância - a lei pretende assegurar ao titular o seu direito, concedendo-lhe um novo prazo, cuja natureza é tão substantiva como a do inicial.

Deste modo, tendo a nova petição inicial dado entrada no TAF de Viseu, via SITAF, em 02/05/11, há que concluir que tal ocorreu para lá do termo do prazo de um mês fixado pelo artigo 47º, nº6 do CPTA. Por conseguinte, naquela data tinha já caducado o direito de impugnar.

Assim, o recurso não pode ser provido, sendo de manter a decisão recorrida que decidiu nesse sentido.

Improcedem, pois, todas as conclusões da alegação do recurso.

*

3. Decisão

Termos em que, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida com a presente fundamentação.

Custas pelos Recorrentes.

Porto, 25 de Outubro de 2012

Ass.: Catarina Sousa

Ass.: Nuno Bastos

Ass.: Irene Neves