Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01549/06.7BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/22/2016
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:GARANTIAS BANCÁRIAS; CAUÇÃO; D.L. 405/93; RECEÇÃO DEFINITIVA;
PROVA; NULIDADE
Sumário:1 – Na fundamentação da decisão, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência, sendo que apreciará livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
2 - O tribunal não pode substituir-se às partes no seu ónus de alegar e provar os factos que interessam a cada uma, porquanto o dever de investigação que a lei processual comete ao juiz apenas abarca a matéria de facto trazida ao processo os factos notórios ou de conhecimento geral (cf. artigos 5º, n.ºs 2 e 3, e 412º do Código de Processo Civil 2013 - artigos 264º, 514º e 664.º, 2.ª parte, do Código de Processo Civil 1995).
3 - A nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão verifica-se quando os fundamentos invocados pelo julgador deveriam logicamente conduzir a resultado oposto ou divergente daquele que foi expresso na decisão.”
4 - Não se mostrando provado que o Município tenha respondido ao pedido de realização de receção definitiva, decorrido o correspondente prazo, a obra considerar-se-á definitivamente recebida em função do estabelecido no n.º 5 do artigo 198.º, ex vi n.º 3 do artigo 208.º, ambos do Decreto-lei n.º 405/93, de 10 de Dezembro.
5 – Tendo sido prestada Caução para garantir a boa execução da empreitada e tendo esta sido recebida definitivamente, o recurso à caução após o decurso do prazo para o qual a garantia foi prestada, não encontra respaldo legal ou contratual (cfr. artigo 104.º n.º 2 do Decreto-lei n.º 405/93, de 10 de Dezembro).*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Município de S. João da Madeira
Recorrido 1:Sociedade de Construções SC, SA
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I Relatório
O Município de S. João da Madeira, devidamente identificado nos autos, no âmbito da ação administrativa comum, intentada pela Sociedade de Construções SC, SA, tendente à condenação daquele das seguintes quantias:
“a) 110.341,29 €, que entregou ao R. com o intuito de evitar que este acionasse as garantidas prestadas pela A. em sede de contrato de empreitada de obras públicas;
b) a quantia de 23.432,57 € a título de custos e encargos financeiros suportados com as referidas garantias;
c) a quantia de 6.883,48 € a título de juros moratórios, contados desde 3 de Março de 2006”,
inconformado com a Sentença proferida em 21 de Novembro de 2013, no TAF de Aveiro, na qual a ação foi julgada parcialmente procedente, veio interpor recurso jurisdicional da referida decisão, em 4 de Fevereiro de 2014 (Cfr. fls. 421 a 451 Procº físico).

Formula o aqui Recorrente/Município nas suas alegações de recurso as seguintes conclusões (Cfr. fls. 440 a 450 Procº físico):

“1 - A autora fundamenta o seu pedido de condenação do réu, às importâncias que peticiona, na exata medida do seu empobrecimento à custa do igual enriquecimento, sem causa justificada, do réu.

2 - Isto é, de acordo com a fundamentação de facto ou causa de pedir levada á base instrutória, a autora apelada fundamenta de direito o seu pedido, no instituto do enriquecimento sem causa, no âmbito da execução dum contrato administrativo de empreitada de obras públicas.

3 - Cuja natureza é subsidiária, pelo que só é aplicável quando a lei não facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, conforme o disposto no artigo 474º do Código Civil.

4- O que não seria o caso, pois toda a causa de pedir decorre da execução da empreitada de obras públicas designada por “Conceção/Construção de 298 Fogos de Habitação Social no Orreiro”. Perfeitamente subsumível ao contencioso dos contratos, ainda que através duma ação administrativa comum.

5- Porém o Meritíssimo Juiz a quo circunscreve a causa de pedir, na sequência da execução do contrato, ao facto da autora apelada, para evitar a execução da garantia prestada por parte do réu apelante lhe entregou a quantia peticionada em a) do pedido, pedindo assim a sua condenação na sua restituição, acrescida dos encargos financeiros com a garantia prestada, pois o réu sempre teria violado o disposto no artigo 104 n,º 2 do DL n.º 405/93 de 10 de dezembro, inexistindo fundamento legal para a libertação da garantia apenas ter ocorrido em 11 de janeiro de 2006.

6- Desde logo parece-nos evidente que, do modo como a autora prefigura o seu pedido e causa de pedir, no âmbito da execução dum contrato administrativo de empreitada de obras públicas, então regulado pelo DL 405/93 de 10 de dezembro, a procedência do seu pedido de condenação ao reembolso das quantias peticionadas, por força da ameaça por parte da entidade contratante, em fazer-se pagar por força da execução do seguro caução prestado pelo empreiteiro como garantia da boa execução da obra, independentemente da legalidade ou licitude dessa mesma ameaça e que este pagou, não de forma livre e consciente, mas por temer graves e nefastas consequências e repercussões que seria fonte de descrédito e prestígio para a autora alvo dessa medida, e dada a prévia consignação no depósito que efetuou em nome do réu que iria exigir deste o posterior reembolso da quantia em causa, com o fundamento de direito da aplicação subsidiária do instituto do enriquecimento sem causa, não tinha qualquer tipo de sustentabilidade, o que deveria conduzir logo no despacho do saneador a uma decisão de total improcedência da ação.

7 - No domínio da contratualização pública a relação contratual sempre se teve de conformar com um acervo de poderes de autoridade do contraente público, como os poderes de dirigir o modo de execução das prestações, fiscalizar o modo de execução do contrato, modificar unilateralmente as cláusulas contratuais por razões de interesse público, aplicar as sanções previstas para a inexecução do contrato e resolver unilateralmente o contrato.

8 - Daqui decorre que as decisões do contraente público em matéria de execução de contratos administrativo em que se inclui obviamente os de empreitada de obras públicas têm por génese a formação de atos administrativos enquanto manifestação do poder público contratual que enquanto atos administrativos destacáveis eram impostos e mesmo coercivamente exigíveis ao cocontratante particular.

9 - Sendo pois este tipo de contratos passível de atos administrativos, ser-lhe-ão aplicável o regime de invalidade previsto para ato que não o regime consagrado no direito civil.

10 - Concretamente á situação a que os autos se reportam, a entidade contratante tinha como tem poderes bastantes para, independentemente de decisão que tomou por entender recorrer à caução - o que no caso não se veio a consumar - sem recurso a decisão judicial por o empreiteiro não querer pagar ou não ter querido cumprir com as obrigações legais ou contratuais líquidas e certas e em que o dono da obra tinha todo o direito de impor, no âmbito dos seus poderes de fiscalização das anomalias detetadas, mesmo após a receção provisória da obra.

11 - É essa a natureza da própria caução prestada, como obrigação autónoma nos termos legais a que a entidade prestadora da caução deverá dar cumprimento à primeira solicitação da entidade contratante dela benificiária, sem que possa ser discutida a relação subjacente à decisão.

12 - Quer a receção provisória da obra quer a definitiva constituem atos administrativos cujo conteúdo ou densificação, encontra-se perfeitamente regulamentada mo respetivo regime de empreitadas de obras públicas que o DL n. 405/93, consagra.

13 - Como no próprio regime se consagra igualmente os próprios direitos do cocontratante particular em matéria de reclamações contra as ordens recebidas do dono da obra, direito a indemnização, suspensão dos trabalhos e maxime à própria rescisão do contrato por iniciativa do empreiteiro e respetivo processo de rescisão que lhe conferiam garantias contenciosas adequadas à salvaguarda e tutela efetiva dos seus direitos, como os que invoca na presente ação.

14 - A receção provisória da obra ocorreu após a conclusão da mesma, certamente após previa vistoria recebendo o réu do empreiteiro todas as habitações construídas, nos finais do ano de 1999, sem qualquer reserva ou reclamação – vide matéria de facto assente em 4 do douto despacho de saneador e levada à “II – MATÉRIA DE FACTO APURADA” em C) in douta sentença recorrida.

15 - Isso não obstou que após a receção provisória e atribuídas pelo réu aos respetivos beneficiários as mesmas por estes ocupadas e habitadas, tenham sido por parte deles apresentadas reclamações quanto a anomalias e patologias de origem diversa que a autora foi corrigindo e eliminando, conforme igualmente matéria de facto assente em 5 do saneador e levada à “II – MATÉRIA DE FACTO APURADA” em D) in douta sentença recorrida.

16 - Trataram-se de deficiências de projeto ou execução da obra, não visíveis ou ocultas, após a sua receção provisória e que ocorreram durante o prazo de garantia da mesma.

18 -Porém, o Meritíssimo Juiz a quo in dota sentença recorrida, no pressuposto de direito que a apelada, enquanto empreiteiro da obra, terá requerido a sua receção provisória termo do prazo de garantia, nos termos do n.º 1 do art. 208º do sempre citado DL n.º 405/93 e que por força da aplicação analógica ao regime da receção provisória, e remetendo-se o réu apelante, como dono da obra, ao silêncio nos 22 dias subsequentes à notificação por carta regista com aviso de receção, considerar-se-ia a obra recebida definitivamente no termo desse prazo, conforme o n.º 5 do art. 198º.

19 – Dando assim como provado os quesitos contidos em A) e B) da base instrutória, exclusivamente com base nos documentos de folhas 262/263 e 264 junto aos autos.

20 - Ora, desde logo o apelante dono da obra não foi notificado para que procedesse à vistoria de todos os trabalhos realizados da empreitada, conforme determina o invocado normativo do n.º 1 do art. 228º - vide documento a folhas 262/263.

21 - Vistoria essa que obrigatoriamente precede a receção definitiva da obra.

22 - E a receção definitiva só ocorrerá se se verificar que as obras não apresentam deficiências ou deteriorações – vide n.º 2 do art. 208.

23 – Sendo que algumas das deficiências ocorridas após a receção provisória da obra, a apelada não se eximiu de as reparar quando instada pelo apelante dono da obra a fazê-lo.

24 – Como igualmente ocorreram outras deteriorações em parte considerável das habitações, após a receção provisória com o aparecimento de humidades em paredes e tetos de grande parte delas, conforme “7” da matéria de facto assente,

25 – Que não são outra coisa que não deteriorações, subsumíveis a “Deficiências de execução”, na conceptualização contida no artigo 209º até por que é não constituíam o resultado duma depreciação normal consequente do seu uso.

26 - Aliás, é inquestionável na doutrina que a ratio legis do dispositivo constante no n.º 5 do art. 198º aplicável á receção definitiva por remissão do n.º 3 do art. 208º, reside no facto de não se considerar razoável retardar a receção e o início do prazo de garantia, por facto inteiramente imputável ao dono da obra e de todo em todo injustificável.

27 - Ora, na situação sub facto et jure, é provado á saciedade pelos ofícios referenciados como doc. 1 junto à contestação e os documentos 1, 3,5, 7, 9 junto aos autos em audiência de julgamento de 20 de outubro de 2001, cujo conteúdo não foi impugnado pela autora, o que igualmente deverá ser dado como matéria assente, que as deficiências decorrentes do aparecimento das humidades nos tetos e paredes das habitações ocorridas após a receção provisória da obra e vistoriadas pelos representantes da autora e ré, deveriam ser solucionadas no âmbito da execução da empreitada, enquanto deficiências de execução ou conceção do projeto, sob pena de não apresentar um plano de trabalhos devidamente avalizado e respetivo prazo de execução, a entidade contratante não libertaria a caução prestada, o que significa não procederia á receção definitiva da obra.

28 - E nesses ofícios mais se diz, que se o empreiteiro o não fizer, a Autarquia mandaria elaborar os estudos necessários visando o diagnóstico das patologias e executar a obra de cujo montante será deduzido na caução prestada para garantia dos trabalhos.

29 - Diagnóstico esse que a autora se comprometeu a fazer e fez, através dum estudo da autoria do Professor VPF, junto aos autos pelas pates cujo excerto conclusivo, constituindo quesito levado à base instrutória em O), foi dado como “II – MATÉRIA DE FACTO APURADA” em Q”) in douta sentença recorrida.

30 – Assim e a nosso ver, só perante uma indevida e não fundamentada interpretação dos factos documentalmente dados como provados e não tidos em consideração na apreciação da prova, é que o Meritíssimo Juiz a quo deu como provados os factos “ II – DA MATÉRIA DE FACTO ASSENTE” em X) e Z) in douta sentença recorrida.

31 - O que se impugna quer de facto quer de Direito.

32 – não se podendo concluir, como o faz a douta sentença recorrida, quer de facto quer de direito que se tenha efetivamente operado a receção definitiva da obra, mesmo tácita.

33 - Mesmo que Vossas Excelências assim o não entendam, o que só por mero dever de patrocínio se concede, sempre o réu apelante veio a revogar expressamente a sua receção definitiva tácita, ao convocar a autora para a vistoria obrigatória conducente à receção definitiva, nos termos do art. 208º do DL n.º 405/93 cujo teor é o constante do documento n.º 3 junto à contestação onde os representantes da autora estiveram presentes e

34 - cujo teor é o constante do referido documento que aqui, por mera economia se dá por inteiramente reproduzido e que constitui prova assente por não impugnado.

35 - Das suas conclusões veio a autora a ser notificada por ofício de 11 de abril de 2005 sendo instada para, num prazo de 90 dias dar resolução às anomalias apontadas findo o qual promoveria nova vistoria.

36 - Isto mesmo foi levado á base instrutória em P) e consequentemente dada como “II – MATÉRIA DE FACTO APURADA” em R)á matéria de facto apurada em R”), in douta sentença recorrida.

37 - Subsequentemente a recorrente, enquanto entidade administrativa contratante comunicou á autora, por ofício de 29.11.2005 que havia adjudicado a aplicação das grelhas à empresa “APA – Construções , Lda.”, mediante o preço de 110.341,29€ e que esse custo iria ser assegurado pelas orças da garantia bancária – vide I) da matéria de facto apurada, correspondente ao ponto 21 da matéria de facto assente indouto despacho de saneador.

38 - Encetando junto da entidade emissora do seguro caução, a “COSEC” os procedimentos para se fazer pagar pelas forças da garantia prestada pela autora cocontratante nos termos contratuais e legais, ao contrário das conclusões de direito aduzidas a folhas 10 da douta sentença recorrida.

39 - E a decisão administrativa daí decorrente, no âmbito da execução do cotrato público em referência e objeto dos autos (cuja execução não foi aliás, como é sabido, consumada), poderia ser impugnada quer graciosa quer contenciosamente pela autora, no âmbito do próprio regime jurídica das empreitadas das obras públicas como, enquanto ato destacável, no próprio contencioso dos contratos, dos tribunais administrativos, mesmo à época.

40 – Como mesmo fazer uso duma providência cautelar conservatória de suspensão de eficácia do então, doutrinalmente designado, ato destacável e obstar assim à sua execução.

41 - Antes optou por cumprir a ordem ou determinação do réu entidade contratante, depositando em seu nome a importância que este lhe impunha, ainda que o fizesse, sublinhando que a execução do seguro caução era indevida e legítima, não tendo cobertura legal ou contratual, conforme matéria de facto apurada em M) e já assente no douto despacho do saneador.

42 - Afastada a receção definitiva da obra, pela errada interpretação dos invocados artigos 198º, 207º e 208º cai por base toda a fundamentação de Direito em que assenta in “II – O DIREITO” a folhas 9 e seguintes a douta decisão ora recorrida, do Tribunal a quo.

43 – O que, desde logo conduzirá á revogação da douta sentença recorrida por erro de julgamento em matéria de Direito.

44 – Igualmente, a condenação do réu ora apelante, no pedido principal de restituição de 110.341,29€, assim como dos demais pedidos, juros moratórios e encargos financeiros com a caução prestada no âmbito do contrato de empreitada, tem como fundamento de Direito, no âmbito da relação material controvertida, o facto ilícito que constitui, segundo a douta sentença recorrida, a ameaça da execução da caução, pelo réu, prestada no âmbito da execução do contrato.

45 – Pelo que, na escolha das soluções plausíveis do direito a aplicar, o Meritíssimo Juiz a quo encontrou, no âmbito da execução o do contrato e perante os factos provados, como fundamento de Direito da decisão de condenação do réu ora apelante, não a sua condenação a título de enriquecimento sem causa, conforme pretensão da autora, antes a título da responsabilidade civil extracontratual ou de facto ilícito do Estado e demais Entidades públicas, ao tempo disciplinado pelo Decreto-Lei n.º 48.051 de 21 de novembro de 1967.

46 - Sendo manifesto que a ameaça não constitui facto ilícito, por não ser ilegal ou contrariar o regime de empreitadas de obras públicas e sem curar o Meritíssimo Juiz a quo de, com base nos factos dados por assentes, estabelecer qualquer nexo de causalidade entre o facto e o dano, bem como o elemento subjetivo ou dolo por parte do agente que constituíam pressupostos ou requisitos essenciais para uma condenação deste tipo.

47 – Assim os fundamentos invocados in douta sentença recorrida, quer em matéria de facto quer em matéria de direito, estão em flagrante oposição com a decisão e, além disso, perpassam sobre os mesmos algumas ambiguidades e obscuridades que tornam a douta decisão recorrida ininteligível da douta sentença recorrida, nos termos do n.º 1 c) do art. 615 do novo Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente aos recursos jurisdicionais administrativos.

48 - Razão bastante para constituir fundamento de nulidade da douta sentença recorrida.

49 – Como de manifesto erro de julgamento quer de direito quer de facto, de acordo com a interpretação que in douta sentença se faz dos normativos invocados e contidos nos artigos 104º, 198º, 207º e 208º e 211º, todos do DL n.º 405/93, bem como nos factos aduzidos in “II – MATÉRIA DE FACTO APURADA” que sustentam tal interpretação.

50 – Pelo que, o réu apelante, por dever de patrocínio e à cautela, igualmente impugnar a decisão relativa à matéria de facto, especificando os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e os concretos meios probatórios constantes do processo quer de gravação da audiência.

51 - Para tanto fá-lo, tendo por base a resposta à matéria controvertida decidida pelo Meritíssimo Juiz a quo objeto da base instrutória e o fundamento da sua convicção à respostas dadas, conforme douta decisão a folha 375 a 379.

52 - Assim, Tribunal “a quo” não ponderou devidamente a matéria de facto que lhe foi apresentada como prova aos quesitos A) e B) da base instrutória, tendo, por isso, feito uma equivocada interpretação e incorrendo em errada subsunção dos factos ao direito.

53 - O que é complementado com a sessão de julgamento de 17/09/2013 do depoimento da testemunha JMCF, na gravação contida no CD áudio – minuto 00:00:01 a 00:57: 50.,cujos excertos se transcreveu.

54 – Igualmente às alíneas D) e E) da base instrutória deu o Meritíssimo Juiz a quo in “II – MATÉRIA DE FACTO APURADA”, como provados esses quesitos em B”) e C” ) da douta sentença recorrida., quando os devia ter dado como não provados, uma vez que para a decisão da causa, a aprovação de tais factos constituíram igualmente fundamento de direito no quadro cognitivo do Meritíssimo Juiz decisor.

55 – Em que, salvo o devido respeito é patente ambiguidade ou obscuridade na fundamentação do direito aplicável por não existir, na ótica do decisor de primeira instância, passa-se a citar: “fundamento legal ou contratual para exigir da A, a execução e pagamento do fornecimento e colocação das grelhas de ventilação, tanto mais que, conforme resulta da matéria de facto assente, foi apurado que o aparecimento das condensações em paredes e tetos resultou da circunstância de os habitantes não fazerem um correto arejamento das habitações e não de qualquer defeito de construção ou erro de conceção de projeto – conforme item B) e C) da matéria de facto assente – não sendo a colocação das grelhas da responsabilidade do empreiteiro - ao contrário do sustentado pela R – conclusão que não é afetado pela circunstancia de se tratar de uma empreitada de conceção/construção por preço global” - primeiro parágrafo a folhas 11.

56 – Ora e desde logo, também tal decisão, ao contrário do que o Meritíssimo Juiz a quo aduz, é afetada por se enquadrar na execução duma empreitada de conceção/construção por preço global.

57 - Dispondo o n.º 1 do art. 39º do DL n.º 405/93 de 10 de dezembro, que expressamente se responsabiliza o empreiteiro pelas deficiências técnicas e erros de conceção dos projetos e dos restantes elementos patenteados a concurso, uma vez que tais peças, onde inclui o projeto da obra, foram in casu apresentadas pela autora empreiteiro, por se tratar, como é matéria assente, dum concurso de conceção/construção.

58 - A fundamentação do Meritíssimo juiz a quo para dar por provados estes quesitos, vertidos em D) e E) da base instrutória, assenta tão só nos depoimentos restados em audiência de julgamento, das testemunhas da autora, AMSM, AMSM e JMA que, por todos eles serem Engenheiros Civis e trabalhadores da autora e nessa qualidade acompanharam, cada um a seu modo, a execução da obra, bem como a as tentativas de resolução das condensações que surgiram em habitações.

59 - Ora, tais declarações apontam essencialmente no sentido que a autora executou a obra em conformidade com o projeto aprovado.

60 – Sendo irrelevante essa aprovação no domínio do ato de adjudicação com que se culminou o procedimento da formação do contrato, pois o projeto concursado é da autoria da autora pelo que, nessa medida, de acordo com o citado n.º 2 do art. 39º. Por ele responsável por erros de conceção da obra.

61 - Como resulta dos excertos da gravação da audiência de julgamento, as testemunhas cujos depoimentos o Meritíssimo Juiz a quo valorou desconheciam o projeto no que concerne á sua conceção, apenas acompanharam a sua execução, pelo que não podem, como extraiu o Meritíssimo Juiz, serem invocadas razões de ciência como determinante na sua valoração.

62 - Pelo contrário, o único conhecimento de ciência sobre esta matéria, ou por menos com ela conexionada, é o parecer do Professor VPF, junto aos autos quer pelo réu quer pela autora e que vai no sentido de contradizer, mesmo conflituar com o facto de o Meritíssimo Juiz a quo, dar como matéria de facto apurada em B”) e C”) os factos quesitados em D) e E) da base instrutória

63 - Parecer esse que, no seu ponto “5.2.2 – condições de ventilação das habitações em estudo, está transcrito em Q”) em “II - MATÉRIA DE FACTO APURADA” in douta sentença recorrida.

64 - Escalpelizando este mesmo excerto, dado como provado, sem o desvirtuar do contexto que incide sobre a apreciação técnica que faz e que incidiu sobres as humidades e fungos existentes nas habitações que observou quanto ao modo como a ventilação das mesmas se processava, conclui ´-se, de modo inequívoco que:

“… a configuração dessas janelas assegura uma elevada estanquidade ao ar, pelo que praticamente não permitem admissão de ar aos compartimentos quando se encontram fechados…”

65 Como igualmente o estudo conclui que a ventilação dos edifícios não deve ser deixada ao critério dos utentes…”.

66 – Ou seja, o projeto devia conter um sistema autorregulável de ventilação.

67 - Que foi a solução que o próprio estudo preconizou, ao apontar que a resolução dessa situação (as anomalias ou patologias encontradas em todas as habitações descritas e identificadas nos autos que tornava insustentável as suas condições de habitabilidade) poderia passar, como efetivam passou, por aplicar umas grelhas de ventilação nas caixas dos estores, uma no exterior e outra no interior de cada vão.

68 - Tais anomalias ou patologias, não poderiam resultar doutra coisa que não fosse dum erro na conceção do projeto que não previu que a ventilação dos fogos fosse assegurada, de acordo com uma utilização normal dos mesmos, demonstrando-se inequivocamente, pelo resultado que, na conceção do projeto não ficou assegurada adequadamente a ventilação transversal de cada habitação, tal qual exigia e exige o normativo do art. 72º do RGEU.

69 - Daí que, ao contrário da convicção do Meritíssimo Juiz a quo baseado no depoimento das testemunhas da autora que, sobre a matéria, nada dizem, a aplicação das grelhas em todas as habitações, por legítima imposição do réu, enquanto entidade contratante no âmbito da execução da empreitada, constituíam obviamente objeto da mesma.

70 - Que não trabalhos a mais imprevistos que, mesmo que o fossem, o que apenas se concede por mera hipótese académica, igualmente estava obrigado a cumprir.

71 - Também neste ponto, o Tribunal “a quo” não ponderou devidamente a matéria de facto que fundamentou e valorou para dar como provados o quesito I) da base instrutória, tendo, por isso, feito uma equivoca interpretação do mesmo, assim como incorreu em errada subsunção dos factos ao direito.

72 -Como, o Tribunal “a quo” não ponderou devidamente a matéria de facto que fundamentou e valorou para dar como provados os quesitos D) e E) da base instrutória, tendo, por isso, feito uma equivoca interpretação dos mesmos, assim como incorreu em errada subsunção dos factos ao direito.

73 - Não se disponibilizar a autora para realizar o trabalho de aplicação das grelhas em todas as habitações que, comprovadamente, seria a solução para prevenir o aparecimento das anomalias ou patologias ocorridas em parte substancial das habitações, tal qual o réu lhe impunha, sob o pretexto de que tal trabalho não estava incluído no objeto da empreitada, de modo algum poderia ser dado como provado em face do teor do depoimento das testemunhas arroladas pela autora, AMSM e JMA.

74 - Estas mesmas testemunhas limitaram-se a dizer que a autora cumpriu com a execução do projeto que o réu aprovou e que, por isso, tais trabalhos, por se tratarem de trabalhos a mais ou que constituíam uma melhoria ou benefício da obra concursada, não estava incluída no objeto da empreitada.

75 - Ora, o objeto da empreitada é o projeto de conceção/construção concursado, adjudicado á autora pelo réu e contratualizado nos termos do contrato que faz parte, na integra, dos factos dados como provados em I) da matéria de facto assente no douto despacho do saneador.

76 - Também a aprovação parcial dada ao quesito L) da base instrutória e constante em N”) em “II – MATÉRIA DE FACTO APURADA”, constitui uma obscuridade e ambiguidade que, salvo o devido respeito, não poderão merecer outra coisa que não seja igual impugnação a essa matéria de facto dada como provada.

T7 – Ao dá-lo como parcialmente provado, pelo modo como o Meritíssimo Juiz a quo valorou igualmente os depoimentos das testemunhas da autora, AMSM, AMSM e JMA.

78 - Que o que dizem sobre o facto do projeto ter sido aprovado sem reservas ou condições pelo réu, significa tão só que houve lugar á receção provisória da obra.

79 - E as patologias decorrentes de humidades e fungos nos tetos e telhados de grande parte das habitações, por ocultas, só ocorreram após essa receção provisoria.

80 - Como outras deficiências que a autora, instada pelo réu, veio a reparar.

81 - Por fim, não deixa de constituir um facto relevante por contraditório com a aprovação do quesito E) da base instrutória em que na sua livre apreciação da prova o Meritíssimo Juiz a quo deu como provado não haver qualquer defeito de construção ou de projeto, já quanto a este quesito, julgou como não provado que esse mesmo projeto fosse elaborado e executado em conformidade com as disposições e normas legais e regulamentares em vigor, atenta a formulação que lhe foi dada na base instrutória

82 - Mais uma das ambiguidades quanto à matéria de facto dada como provada ainda que incidente sobre matéria de direto.

83 – Donde atento todo o exposto e as mais considerações de direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, o que não serão poucas, a douta sentença recorrida deverá ser julgada nula, por os seus fundamentos, quer de facto quer de direito estarem em oposição com a decisão, nos termos do n.º 1 alínea d) do art. 668 do CPC, nos termos do art. 7º da Lei n.º 41/2013 que aprova o novo Código de Processo Covil, ou por erro de julgamento de facto e de direito, de acordo com a apreciação à matéria de facto e de direito, especificamente, os artigos 104, n.º 2, 198º, 207º, 208º e 2010 que expressamente viola do regime de empreitadas em obras públicas consagrado no DL n.º 405/93 de 10 de dezembro aplicável à situação sub facto et jure, decorrente da aplicação de referido regime de direito publico, no âmbito da execução desse mesmo contrato de empreitada, *a relação material controvertida decorrente do pedido e da causa de pedir.

84 – Igualmente se impugna a matéria de facto dada como provada in douta sentença recorrida aos quesitos A) e B), D); E e) i) da base instrutória, por o Digníssimo Tribunal a quo, ao decidir como o fez, violou, entre outros, o espírito subjacente aos artigos 341 e seguintes do Código Civil em matéria de prova, bem como, nos artigos 513º, 515º e 516º, todos do Código Processo civil. Para tanto, Revogada a douta sentença recorrida, deverão Vossas Excelências prolatar douto Acórdão substitutivo que julgue a presente ação administrativa comum, improcedente por não provada, como é de Direito e de elementar JUSTIÇA.”

O Recurso Jurisdicional foi admitido por Despacho de 3 de Março de 2014 (Cfr. fls. 461 Procº físico).

A Recorrida/SC, veio a apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 29 de Abril de 2014, concluindo (Cfr. fls. 500 a 509 Procº físico:

“A. O Recorrente pretende que o Tribunal ad quem dê como não provada a factualidade constante dos pontos A), B), D), E), I) e L) da base instrutória.
B. No que se refere à reapreciação da prova gravada, o tribunal deve averiguar os factos de que pode conhecer com a máxima liberdade probatória, para que se alcance a justiça (artigos 265.º, n.º 3 e 655.º, n.º 1 do Código do Processo Civil).
C. As provas que serviram de fundamento à decisão sobre um determinado facto têm de ser analisadas e examinadas em conjunto, e não isoladamente.
D. A decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal Central Administrativo, nos termos do artigo 712.º do Código do Processo Civil, mas apenas em casos excecionais.
E. Está em causa a alteração de uma anterior decisão, fundada na livre convicção de quem a proferiu e teve a clara vantagem de ter acompanhado e dirigido a produção de prova, numa relação de imediação que a gravação sonora não assegura.
F. Daí que, tal como constitui jurisprudência pacífica “A reanálise das provas gravadas pela Relação só pode conduzir à alteração da matéria de facto em casos pontuais e excecionais, quando, não se tratando de confissão ou de qualquer facto só suscetível de prova através de documento, se verifique que as respostas dadas não têm qualquer fundamento face aos elementos de prova trazidos ao processo ou estão profundamente desapoiados face às provas recolhidas” (Acórdão da Relação do Porto de 19.03.2002 in http.//www.dgsi.pt).
G. Quanto ao ponto A) da base instrutória, o Tribunal a quo considerou provado, no âmbito da resposta dada, que: “No termo do prazo de garantia, a Autora, por carta, registada e com aviso de receção, de 2004-12-16, que o Réu recebeu, requereu a este a realização da Receção Definitiva da obra.”
H. A bondade da decisão do Tribunal a quo sustenta-se nos documentos juntos pela Recorrida aos autos, maxime nos juntos como docs. 1 e 2 na audiência de 20.10.2011.
I. Aquando da confrontação com os documentos de fls. 262/263 dos autos, a testemunha AMSM referiu que tinha sido ela própria a preparar e a enviar a carta a pedir a receção definitiva da obra.
J. O contrato de empreitada junto aos autos pela Recorrida como doc. 2 da pi prevê, na sua cláusula nona, que o prazo de garantia dos trabalhos adjudicados à Recorrida é “de cinco anos a contar da data da receção provisória”.
K. Para a resposta positiva ao ponto A) da base instrutória, não será relevante que o Recorrido possa ter solicitado, antes de receber aquela comunicação, a correção de patologias.
L. Na verdade, neste ponto da base instrutória, apenas apreciou o Tribunal a quo – e apreciará o Tribunal ad quem – se no termo do prazo de garantia foi ou não pedida pela Recorrida a receção definitiva da obra.
M. Quanto ao ponto B) da base instrutória, o Tribunal a quo considerou provado, no âmbito da resposta dada, que: “A qual, nos termos convencionados, ocorreu 30 dias após a receção daquela carta, ou seja, em 20-01-2005.”
N. A bondade da decisão do Tribunal a quo sustenta-se nos documentos juntos pela Recorrida aos autos, maxime nos docs. 1 e 2 juntos na audiência de 20.10.2011 (deles constando os respetivos avisos de receção, assinados).
O. Tais documentos deverão ser conjugados com o teor do contrato de empreitada junto aos autos, pela Recorrida, como doc. 2, da sua pi, o qual prevê a aplicação do Decreto-lei n.º 405/93, de 10 de Dezembro, que consagrava a formação de ato tácito de receção definitiva da obra caso o dono de obra não procedesse à vistoria no prazo de 22 dias úteis a contar da receção da comunicação do empreiteiro.
P. A testemunha AMSM confirmou que não recebeu qualquer resposta do Recorrido à comunicação escrita a solicitar a receção definitiva da obra.
Q. A testemunha AMSM confirmou que aguardou por uma resposta por parte do Recorrente e que, não a tendo obtido, nem por telefone, enviou numa comunicação a dar conhecimento que a obra estava recebida definitivamente, de forma tácita.
R. O Tribunal a quo julgou provado, na resposta proferida quanto ao ponto D) da base instrutória, que: “O aparecimento das condensações em paredes e tetos resultava do facto de os habitantes não fazerem o correto e regular arejamento das habitações”; e, na resposta quanto ao ponto E) da base instrutória, que “E não de um qualquer defeito de construção ou de projeto”.
S. Quanto a estes pontos da matéria de facto em apreciação, depuseram com objetividade, rigor e isenção as testemunhas AMSM, JMA e VPF.
T. Os depoimentos devem ser conjugados com o teor do parecer elaborado pelo Professor VPF e que foi junto aos autos por Recorrente e Recorrida na audiência de 20 de Outubro de 2011.
U. Se se atentarem nas conclusões patentes no aludido parecer, confirma-se que o subscritor do parecer – também inquirido, nestes autos, como testemunha, indicada pelo Recorrente – apela à “sensibilidade dos moradores para respeitarem determinadas instruções para uma utilização correta das habitações”.
V. Quando inquirida quanto às condensações verificadas na obra, a testemunha AMSM esclareceu o motivo pelo qual as mesmas apareciam, mais tendo referido que aquele fenómeno não é apto a ser configurado como defeito de construção ou de projeto.
W. Antes sendo o resultado de não fazerem os utilizadores o correto e regular arejamento das habitações.
X. A testemunha JMA confirmou que, aquando da visita que fez ao empreendimento em análise dos autos, as janelas se encontravam, na sua generalidade, fechadas.
Y. A testemunha VPF referiu que todas as habitações tinham janela e que o facto de as mesmas se encontrarem fechadas tal gerará, inevitavelmente, condensações.
Z. As testemunhas AMSM, JMA e VPF confirmaram que a formação das condensações não constitui defeito de construção ou de projeto.
AA. E, bem assim, que a circunstância de todos os compartimentos terem janelas significa que está assegurada a ventilação das habitações.
BB. O Tribunal a quo considerou provado, na resposta ao ponto I) da base instrutória, que o trabalho de aplicação de grelhas era “um trabalho não incluído no objeto da empreitada”.
CC. Quanto a tal ponto da base instrutória, deverá atender-se ao depoimento da testemunha JMA que demonstrou conhecimento direto quanto à factualidade em apreço.
DD. O Tribunal a quo considerou provado que: “A Autora executou a obra e as habitações em conformidade com o projeto elaborado, o qual foi aprovado pelo Réu”.
EE. Insurge-se o Recorrido quanto à resposta probatória dada pelo Tribunal a quo por entender que o depoimento das testemunhas que, quanto a tal facto depuseram, não poderia ser valorizado, referindo, quanto à testemunha AMSM, que o mesmo não teria acompanhado a conceção do projeto mas apenas a sua execução.
FF. Quem acompanha uma obra ao nível da execução e conhece o projeto que está na base dessa execução, demonstra conhecimento direto quanto a saber se o projeto foi, ou não, cumprido.
GG. Não será necessário ter concebido o projeto para poder concluir-se quanto à bondade do depoimento de quem conhece o projeto, aquando da execução da empreitada.
HH. A testemunha AMSM referiu que, quando entrou no acompanhamento da empreitada, o projeto já estava entregue, mas que utilizou o projeto que existia e que tinha sido aprovado pelo Recorrente.
II. A testemunha AMSM acompanhou a execução da empreitada, bem como, posteriormente à execução da mesma, na fase de garantia, confirmou a factualidade ora em apreço.
JJ. Alega o Recorrente que a sentença é nula porquanto os fundamentos invocados, quer em matéria de facto quer em matéria de direito, estariam em oposição com a decisão.
KK. No que se refere à alegada oposição entre os fundamentos e a decisão, para que ocorra a nulidade da sentença seria imperioso que os fundamentos constantes da sentença conduzissem a um sentido oposto ao que veio vertido na decisão final.
LL. O raciocínio do Tribunal a quo, em função das premissas subjacentes à apreciação do pedido, é correto, não existindo qualquer vício que inquine a conexão entre os fundamentos e a decisão.
MM. As premissas e os pressupostos considerados pelo Tribunal a quo só poderiam ter conduzido – como conduziram – à procedência do pedido nos autos formulado pela Recorrida.
NN. Invoca o Recorrente, como fundamento da nulidade da sentença, as ambiguidades e obscuridades da decisão do Tribunal a quo.
OO. Não se descortina, da alegação do Recorrente, em relação a que segmento da sentença reputa a existência de tais vícios.
PP. Em qualquer caso, sempre se dirá que o Tribunal a quo, na douta sentença em crise, expôs de forma clara os fundamentos para a sua decisão.
QQ. Na verdade, o Tribunal a quo incluiu, na sentença recorrida, o elenco dos factos provados, bem como subsumiu a factualidade considerada provada ao regime jurídico aplicável, designadamente ao vertido no Decreto-lei n.º 405/93, de 10 de Dezembro.
RR. Adicionalmente, a sentença contém uma indicação dos fundamentos para a procedência dos pedidos deduzidos pela ora Recorrida, e que se relacionam com o decurso do prazo de garantia, com a verificação de receção definitiva tácita da empreitada e, bem assim, com a inexistência de defeitos.
SS. Tanto não se verifica qualquer obscuridade ou ambiguidade na sentença, que o Recorrente descortinou cabalmente o sentido da mesma, ao ter interposto o recurso e apresentado as suas alegações.
TT. Invoca, ainda, o Recorrente, a violação, pelo Tribunal a quo, dos artigos 104.º, 197.º, 198.º n.º 5, 208.º, 209.º do Decreto-lei n.º 405/93, de 10 de Dezembro.
UU. Mais alega o Recorrente, ainda que não invocando qualquer disposição legal em concreto, que veio a revogar a receção definitiva tácita, “convocando a autora para a vistoria obrigatória conducente à receção definitiva”.
VV. Analisada a comunicação remetida pela Recorrida ao Recorrente, e junta como doc. 1 na audiência de 20.10.2011, da mesma resulta que a Recorrida pretendeu a realização da vistoria para efeitos de receção definitiva.
WW. Pois que um destinatário normal, colocado na posição do real destinatário, interpretaria o pedido de receção definitiva como envolvendo, necessariamente, o pedido de realização de vistoria.
XX. Não tendo o Recorrente respondido à comunicação da Recorrida, através da qual a mesma requereu a realização da receção definitiva, a obra é considerada definitivamente recebida em 20.01.2005, na esteira, aliás, do patente no n.º 5 do artigo 198.º, aplicável ex vi n.º 3 do artigo 208.º, ambos do Decreto-lei n.º 405/93, de 10 de Dezembro.
YY. E essa receção definitiva é tácita.
ZZ. Sendo a obra recebida definitivamente, os trabalhos que possam ser realizados posteriormente a essa data, e na obra, não podem sê-lo a expensas do empreiteiro.
AAA. Uma pretensão de fazer repercutir no empreiteiro os custos com trabalhos e/ou reparações na obra, findo o prazo de garantia da mesma e efetuada que seja a receção definitiva da mesma, é violadora da lei.
BBB. Apenas nas suas alegações de recurso vem o Recorrente invocar que revogou a receção definitiva tácita, sendo certo que essa revogação não veio invocada em sede própria – maxime na Contestação – pelo que não poderá o Recorrente pretender que seja tal questão (nova) apreciada, nesta sede.
CCC. A revogação de atos administrativos (ainda que tácitos) obedece a requisitos estabelecidos na lei, e que não foram cumpridos no caso em apreço.
DDD. A receção definitiva tácita constitui um ato constitutivo de direitos, que só pode ser revogado com fundamento na sua invalidade (cfr. artigos 140.º e 141.º do Código de Procedimento Administrativo).
EEE. E essa causa de invalidade teria sempre que ser invocada no ato revogatório.
FFF. Não foi emitido qualquer ato administrativo expresso de revogação do ato tácito.
GGG. Quanto à invocada vistoria alegadamente realizada a 21 de Março de 2005, a mesma não foi realizada no prazo legalmente previsto, pelo que não é apta a impedir a formação de ato de deferimento tácito (que já se tinha formado) nem, em qualquer caso, a consubstanciar ato de revogação de ato de deferimento tácito (ato de revogação que, sublinhe-se, não foi emitido).
HHH. A alegada existência de defeitos na empreitada (de que não logrou o Recorrente fazer prova que existissem) não constitui causa de invalidade do ato de deferimento tácito, rectius, da receção definitiva tácita.
III. Se o Recorrente entendia que existiam defeitos que justificavam a não receção definitiva da empreitada, poderia ter, no prazo de 22 dias úteis a contar da data em que recebeu o pedido de receção definitiva da obra, promovido a realização de vistoria, na qual discriminaria as vicissitudes que, no seu entender, impediam a não receção definitiva da obra.
JJJ. O silêncio do dono de obra, no prazo fixado para o efeito, tem o efeito cominatório de formação de ato de receção definitiva tácita, sendo irrelevante, para este efeito, o reiterar do entendimento do Recorrente que nunca aceitou receber a obra definitivamente “enquanto não estivessem asseguradas as condições mínimas de habitabilidade”.
KKK. Sendo, ainda, irrelevante, que o silêncio seja ou não imputável ao dono de obra ou injustificável.
LLL. Não tendo, em qualquer caso, o Recorrente invocado, em devido tempo, a verificação de qualquer facto que configurasse justo impedimento ou força maior, que impedisse a atempada resposta ao pedido de receção definitiva formulado pelo empreiteiro.
MMM. Pelo exposto, o Tribunal a quo ao considerar que a obra foi tacitamente recebida, interpretou corretamente o disposto nos artigos 198.º n.º 5, 208.º e 209.º, todos do Decreto-lei n.º 405/93, de 10 de Dezembro.
NNN. Resultava do consagrado no n.º 1 do artigo 210.º que o dono de obra deveria restituir a caução prestada pelo empreiteiro no prazo de um ano após a receção provisória da obra.
OOO. Assim, tendo a obra sido entregue pela Recorrida ao Recorrente em finais de 1999, deveria a garantia prestada sido libertada em finais de 2000.
PPP. Não tinha, pois, o Recorrente qualquer direito, contratual ou legal, para exigir da Recorrida a execução e pagamento dos trabalhos e fornecimento das grelhas de ventilação.
QQQ. Na obra executada pela Recorrida a favor do Recorrente, inexistiam quaisquer defeitos, ou tão-pouco, se verificou qualquer incumprimento do projeto por parte da Recorrida.
RRR. Resultou provado que as vicissitudes detetadas nas habitações não constituem defeitos, antes são, ao invés, o resultado do facto de os habitantes não fazerem o correto e regular arejamento das habitações.
SSS. Ficou provado que os trabalhos de aplicação de grelhas não estavam incluídos no contrato de empreitada.
TTT. Mesmo que não se tivesse verificado receção definitiva tácita, não constituindo as vicissitudes detetadas defeito de construção, execução ou de projeto, não poderia o Recorrente pretender obter a correção de tais vicissitudes no quadro do seguro caução prestado pela Recorrida, como garantia para a boa execução do contrato (cfr. n.º 2 do artigo 209.º do Decreto-lei n.º 405/93, de 10 de Dezembro).
UUU. Posto que a caução tem a sua finalidade expressamente estabelecida na lei, maxime no n.º 2 do artigo 104.º do Decreto-lei n.º 405/93, de 10 de Dezembro, que consagra que o dono de obra apenas a ela pode recorrer nos casos em que o empreiteiro “não cumpra as obrigações legais ou contratuais líquidas e certas”.
VVV. O Recorrente, ao ter constrangido a Recorrida a pagar o custo da colocação das grelhas, nas circunstâncias que se deixaram alegadas, viu enriquecido o seu património,
WWW já que não dispôs, ele próprio, da quantia necessária para pagar essa tarefa,
XXX. e à custa do empobrecimento da Recorrida, que se viu constrangida a ter de pagar, enriquecimento esse sem causa justificativa,
YYY. e na exata medida do empobrecimento da Recorrida, ou seja, a quantia de €110.341,29.
Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, deverá ser negado provimento ao recurso interposto e, em consequência, confirmar-se na íntegra a sentença do Tribunal a quo, Só assim se fazendo JUSTIÇA!”

O Ministério Público junto deste Tribunal, tendo sido notificado em 25 de Junho de 2014 (Cfr. fls. 525 Procº físico), nada veio dizer, requerer ou promover.

Colhidos os vistos legais, com projeto de Acórdão, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar
Importa analisar e decidir o suscitado pelo Recorrente Município, designadamente, a necessidade de alterar a matéria de facto dada como provada, bem como as suscitadas nulidades da decisão proferida, e as imputadas violações do DL nº 405/93, de 10 de Dezembro, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade, como provada e não provada, a qual aqui se reproduz:
“A) Por contrato de 10 de Outubro de 1996, a que foi atribuído o n.º 29/96 pela Câmara Municipal de S. João da Madeira, e após concurso público internacional, o Município Réu adjudicou à Autora, rectius, à sociedade sua antecessora, a empreitada de “Conceção/Construção de 298 Fogos de Habitação Social no Orreiro”.
B) A Autora, após consignação do local dos trabalhos pelo Réu, deu início aos trabalhos em 06 de Janeiro de 1997.
C) Concluída a obra, as habitações (os fogos) foram entregues ao Réu, durante o ano de 1999, que as recebeu sem reservas ou reclamações.
D) Atribuídas as habitações pelo Réu aos respetivos beneficiários foram as mesmas por estes ocupados e habitadas, tendo parte deles apresentado reclamações quanto a anomalias ou patologias de origem diversa que a Autora foi corrigindo e eliminando.
E) Verificou-se uma situação anómala em relação à qual as partes divergiram nas suas causas e responsabilidades pela respetiva correção.
F) Tratou-se do aparecimento de humidades em paredes e tetos de uma parte das habitações que o Réu entende resultarem de um defeito de projeto ou de construção, e a Autora atribui a fenómenos de condensação, resultantes do facto de os habitantes não fazerem um correto e adequado arejamento ou ventilação das habitações.
G) A divergência manteve-se durante muito tempo, e ainda hoje se mantém.
H) A Autora mandou elaborar o parecer referido no artigo 10.º da Petição Inicial.
I) Por ofício de 29-11-2005, o Réu comunicou à Autora, que havia adjudicado a aplicação das grelhas à empresa “APA – Construções, Ldª”, mediante o preço de € 110.341,29, e que esse custo iria ser assegurado pelas forças das garantias bancárias.
J) Em 10-01-2006, o Réu deu início junto da COSEC, entidade emitente das garantias, ao processo de efetiva execução das mesmas, tendo solicitado à COSEC o acionamento da referida quantia de € 110.341,29.
L) A COSEC tramitou esse pedido, tendo solicitado à Autora informações e documentação vária, designadamente, o Auto de Receção Provisória da obra
M) O que a Autora cumpriu sublinhando que a execução do seguro-caução era indevida e ilegítima, não tendo cobertura legal ou contratual.
N) Entre a COSEC e a Autora foi trocada vasta correspondência insistindo sempre aquela que a garantia era do tipo “on first demand”, e que caso a Autora não “se entendesse” com o Município Réu, ia mesmo “encetar as diligências internas para o pagamento da indemnização ao segurado.”
O) A Autora entregou ao Réu a quantia de € 110.341,29, supra referida, com vista a evitar a concretização da execução das garantias efetuando um depósito bancário naquele valor a favor do Réu, o que lhe comunicou através de carta de 03-03-2006.
P) A empreitada posta a concurso pelo Réu foi para construção de fogos em regime de “custos controlados”, vulgo habitação social.
Q) Antes da propositura desta ação, a Autora requereu processo de Tentativa de Conciliação no Conselho Superior de Obras Públicas e Transportes, em Lisboa, que se frustrou.
R) O Réu chamou à atenção da Autora, das reclamações que continuavam a chegar aos serviços da Câmara por parte dos moradores (arrendatários sociais), que denunciavam as más condições de habitabilidade dos fogos, provocadas por deficiências de construção.
S) E, enquanto dono da obra, fez sentir à Autora que “o protelar da resolução do problema começa a trazer graves prejuízos, não só em termos de imagem pública devido à contestação que vinha sendo alvo, mas também pela recusa por parte dos moradores no pagamento pontual das rendas, assim como da não aceitação da atualização das mesmas nos termos legais, com o fundamento de que as habitações não reuniam as condições mínimas de habitabilidade”
T) Por carta datada de 19.04.2002, a A. informa o Réu que solicitou parecer a um professor da FEUP, para esclarecimento e explicação técnica da ocorrência (condensações em paredes e tetos).
U) Por ofício de 11.04.2005, o Réu fixou à Autora um prazo de 90 dias para resolução das anomalias detetadas naquele ofício referidas, findo a qual promovia nova vistoria ao empreendimento.
V) A empreitada posta a concurso pelo Réu consistia numa empreitada de conceção e construção e por preço global.
X) No termo do prazo de garantia, a Autora, por carta, registada e com aviso de receção, de 2004-12-16, que o Réu recebeu, requereu a este a realização da Receção Definitiva da obra.
Z) A qual, nos termos convencionados, ocorreu 30 dias após a receção daquela carta, ou seja, em 20-01-2005.
A´) Foi o Réu que exigiu a intervenção/parecer de um Laboratório ou do Instituto da Construção.
B´) O aparecimento das condensações em paredes e tetos resultava do facto de os habitantes não fazerem o correto e regular arejamento das habitações.
C’) E não de um qualquer defeito de construção ou de projeto.
D’) Tendo-se chegado à conclusão que a resolução dessa situação passaria por aplicar umas grelhas de ventilação nas caixas dos estores, uma no exterior e outra no interior de cada vão.
E’) O que a Autora experimentou em oito das habitações, tendo as humidades de paredes e tetos desaparecido.
F’) A Autora disponibilizou-se para executar o trabalho de aplicação das grelhas em todas as habitações, com custos a suportar pelo Réu.
G´) Por se tratar de um trabalho não incluído no objeto da empreitada.
H´) O Réu recusou-se sempre a suportar os custos com a aplicação das grelhas
I’) Pelo que a Autora não executou essa tarefa.
J’) O R. notificou a empresa de que ia mandar executar esse trabalho por outra empresa.
L´) Ameaçando com a execução das garantias bancárias que a A. lhe havia entregue, a título de garantia de boa execução contratual.
M’) A A. opôs-se a execução das garantias.
N’) A Autora executou a obra e as habitações em conformidade com o projeto elaborado, o qual foi aprovado pelo Réu.
O’) Nos termos do contrato celebrado com a Autora, o Réu deveria ter procedido à libertação do seguro-caução, no montante global de € 331.699,12, em 15 de Dezembro de 2000, ou seja, um ano após a data da receção provisória da obra.
P’) Como lhe foi solicitado pela Autora.
Q´) Consta do parecer do Professor VPF, in ponto “ 5.2.2 - Condições de ventilação das habitações em estudo” : “Como foi já referido anteriormente no §1.2, as habitações em estudo dispõem de janelas em todos os quartos e salas.... A configuração destas janelas assegura uma elevada estanquidade ao ar, pelo que praticamente não permitem admissão de ar aos compartimentos quando se encontram fechadas”.(…): “A ventilação dos edifícios não deve ser deixada ao critério dos utentes, nomeadamente a entrada de ar através de janelas, uma vez que as necessidades de economia de energia levam a que estes elementos sejam mantidos fechados durante as estações frias, em particular nos períodos de maior produção de vapor (quando estão ocupados), em que as necessidades de renovação do ar interior são maiores. Além disso, a entrada de ar exterior em excesso também não é vantajosa durante a estação fria devido às suas baixas temperaturas, o que obriga a maiores gastos em aquecimento e aumenta os riscos de condensações devido ao abaixamento da temperatura interior. É necessário encontrar um equilíbrio entre estes fatores difícil de obter com sistemas de ventilação que dependam da intervenção dos utilizadores para funcionarem”. (…) “ Nos edifícios em estudo, apesar de existirem saídas de extração de ar, não existem entradas permanentes de ar. Com a exceção das admissões de ar nas lavandarias, o que leva a que o ar das zonas húmidas tenha maior dificuldade em ser evacuado para o exterior”
R´) Na sequência da fixação pelo dono da obra um prazo de 90 dias para resolução das anomalias detetadas referido no item U), a Autora nada fez.
S’) Q) O R. não libertou as garantias, tendo a A. continuado a suportar os respetivos custos e encargos financeiros.
T´) Os custos e encargos financeiros perfazem, entre 15-01-2001 e 10-01-2006 (data da libertação), o montante global de 23.383,23 €, tendo a A. emitido documento intitulado aviso de lançamento no montante de 19.395,67 € que remeteu ao R..

Factos não provados:
Inexistem, nos termos do despacho proferido em 01 de Outubro de 2013.”

IV – Do Direito
Importa agora analisar e decidir o suscitado.
Vem interposto Recurso da sentença do tribunal a quo que julgou a ação parcialmente procedente, condenando o Município de São João da Madeira a pagar à SC a quantia de €110.341,29, acrescida dos juros de mora contados desde o dia 3 de Março de 2006, até efetivo e integral pagamento, bem como a quantia de €23.383,23, suportada a título de custos e encargos financeiros com a caução prestada no âmbito do contrato de empreitada celebrado entre Recorrente e Recorrida.

É aqui aplicável o regime jurídico consagrado no D.L. 405/93, de 10 de Dezembro, no que concerne à receção provisória e definitiva da empreitada e questões conexas com a libertação das garantias.

Resulta do controvertido contrato de empreitada de “conceção/construção de 298 fogos de habitação social no Orreiro”, que o mesmo estava sujeito ao disposto no D.L. nº 405/93, de 10 de Dezembro, o qual estabelece no seu artigo 104º nº 2 que “o dono da obra poderá recorrer à caução, independentemente de decisão judicial, nos casos em que o empreiteiro não pague, nem conteste no prazo legal, as multas contratuais aplicadas ou não cumpra as obrigações legais ou contratuais líquidas e certas”.

A fim de permitir uma eficaz visualização da matéria de direito aplicável, infra se transcreverão alguns dos normativos aqui relevantes do referido diploma legal:
“Artigo 198.º
Vistoria
1 - Logo que a obra esteja concluída, proceder-se-á, a pedido do empreiteiro ou por iniciativa do dono da obra, à sua vistoria para o efeito de receção provisória.
2 - O disposto no número anterior aplicar-se-á igualmente à parte ou partes da obra que, por força do contrato, possam ou devam ser recebidas separadamente.
3 - A vistoria será feita pelo representante do dono da obra, com a assistência do empreiteiro ou seus representantes, lavrando-se o auto por todos assinado.
4 - O fiscal da obra convocará, por escrito, o empreiteiro para a vistoria com a antecedência mínima de cinco dias e, se este não comparecer nem justificar a falta, realizar-se-á a diligência com a intervenção de duas testemunhas, que também assinam o auto, notificando-se de imediato ao empreiteiro o conteúdo deste, para os efeitos dos n.ºs 3, 4 e 5 do artigo seguinte.
5 - Se o dono da obra não proceder à vistoria nos 22 dias subsequentes ao pedido do empreiteiro e não for impedido de a fazer por causa de força maior ou em virtude da própria natureza e extensão da obra, considerar-se-á esta, para todos os efeitos, recebida no termo desse prazo.

Artigo 207.º
Duração do prazo
O prazo de garantia é de cinco anos, podendo o caderno de encargos estabelecer prazo inferior, desde que a natureza dos trabalhos ou o prazo previsto de utilização da obra o justifiquem.

Artigo 208.º
Vistoria
1 - Findo o prazo de garantia e por iniciativa do dono da obra ou a pedido do empreiteiro, proceder-se-á a nova vistoria de todos os trabalhos da empreitada.
2 - Se pela vistoria se verificar que as obras não apresentam deficiências, deteriorações, indícios de ruína ou de falta de solidez pelos quais deva responsabilizar-se o empreiteiro, proceder-se-á à receção definitiva.
3 - Serão aplicáveis à vistoria e ao auto de receção definitiva os preceitos correspondentes da receção provisória.”

No caso em apreciação, como resulta da matéria de facto apurada, no termo do prazo de garantia, a aqui Recorrida/SC, requereu por carta registada e com aviso de receção, de 16 de Dezembro de 2004, a realização da receção definitiva da obra, a qual ocorreu, na falta de qualquer resposta, no dia 20 de Janeiro de 2005 – 22 dias úteis após o dia 17 de Dezembro de 2004.

Tendo assim ocorrido a receção definitiva tácita da empreitada, e tal como referido pelo tribunal a quo, as diligências encetadas em 10 de Janeiro de 2006, junto da Cosec para executar a garantia prestada, mostram-se violadoras do disposto no artigo 104º nº 2 do então aplicável DL 405/93.

Com efeito, encontrando-se esgotado o prazo de garantia de 5 anos, e efetivada que foi a receção definitiva da empreitada, ainda que de forma tácita, a tentativa de execução da garantia não encontra suporte legal.

Foi pois em face do que precede que o tribunal a quo se pronunciou no sentido de condenar o Município no pagamento da quantia de 110.341,29€, valor que havia sido depositado a favor deste, para evitar a execução da garantia, sendo que foi entendido inexistir fundamento legal ou contratual para exigir da aqui Recorrida, a colocação das grelhas de ventilação.

Foi ainda julgado procedente pelo tribunal a quo o pagamento à Recorrida da quantia de 23.432,56€ a título de custos e encargos financeiros suportados com a caução relativamente ao período que mediou entre 15 de Janeiro de 2001 e 11 de Janeiro de 2006 (data em que a caução foi libertada).

Tal entendimento assentou no estatuído no nº 1 do art. 210º do Decreto-Lei nº 405/93, nos termos do qual, “decorrido o prazo de um ano, contado da data da receção provisória da obra …, serão restituídas ao empreiteiro as quantias retidas como garantia ou a qualquer outro título a que tiver direito e promover-se-á, pela forma própria, a extinção da caução prestada.”

Analisemos então agora o demais suscitado
Da matéria de facto
Para efeitos de reapreciação da prova, entende o Recorrente que parte da matéria de facto dada como provada não o poderia ter sido.

Na realidade, entende o Recorrente que deveriam ter sido considerados não provados os pontos A), B), D), E), I) e L) da base instrutória.

Vejamos:
Tal como se alude no recente acórdão deste TCAN nº 02690/10.7BEPRT, de 18/12/2015, refere-se nos nºs 3 e 4 do referido Artº 607.º, do CPC que:
“(...)
4 - Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.
5 - O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”.

Correspondentemente, pode o tribunal superior potencialmente alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal a quo, desde que preenchidos os pressupostos constantes dos arts. 712.º do CPC aplicável [correspondente ao artigo 662.º do CPC de 2013] e 149.º do CPTA.

Referiu-se ainda a este propósito no Acórdão deste TCA Norte, de 12/10/2011, no Processo n.º 01559/05.1BEPRT, o seguinte:
“(…) pese embora a maior amplitude conferida pela reforma de processo civil a um segundo grau de jurisdição em sede de matéria de facto a verdade é que, todavia, não se está perante um segundo julgamento de facto (tribunal “ad quem” aprecia apenas os aspetos sob controvérsia) e nem o tribunal de recurso naquele julgamento está colocado perante circunstâncias inteiramente idênticas àquelas em que esteve o tribunal “a quo” apesar do registo da prova por escrito ou através de gravação magnética dos depoimentos oralmente prestados.
É que, como aludimos supra, o tribunal “ad quem” não vai à procura duma nova convicção, não lhe sendo pedido que formule novo juízo fáctico e sua respetiva fundamentação. O que se visa determinar ou saber é se a motivação expressa pelo tribunal “a quo” encontra suporte razoável naquilo que resulta do ou dos depoimento(s) testemunhal(ais) (registados a escrito ou através de gravação) em conjugação com os demais elementos probatórios existentes ou produzidos nos autos.
Tal como tem sido jurisprudencialmente aceite, a garantia do duplo grau de jurisdição não subverte o princípio da livre apreciação das provas (cfr. art. 655.º, n.º 1 do CPC) já que o juiz aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, sendo que na formação dessa convicção não intervêm apenas fatores racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para o registo escrito, para a gravação vídeo ou áudio.
Será, portanto, um problema de aferição da razoabilidade, à luz das regras da ciência, da lógica e da experiência da convicção probatória do julgador no tribunal “a quo”, aquele que, no essencial, se coloca em sede de sindicabilidade ou fiscalização do julgamento de facto pelo tribunal “ad quem”. Daí que na reapreciação da matéria de facto ao tribunal de recurso apenas cabe um papel residual, limitado ao controlo e eventual censura dos casos mais flagrantes, como sejam aqueles em que o teor de algum ou alguns dos depoimentos prestados no tribunal “a quo” lhe foram indevidamente indiferentes, ou, de outro modo, eram de todo em todo inidóneos ou ineficientes para suportar a decisão a que se chegou”.

Assim, cabe ao autor o ónus da alegação e prova dos factos que integram a causa de pedir, ou seja, em que fundamenta o seu pedido e cabe ao demandado alegar e provar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito arrogado pelo autor bem como a matéria de impugnação – artigo 342º, n.º2, do Código Civil, e artigos 5º, n.º1, 414º e 571º, estes do Código de Processo Civil de 2013 (artigos 264º, 487º e 516º, do Código de Processo Civil 1995).

Cabe ainda ao autor, a par dos factos em que fundamenta o pedido, indicar as razões de direito, sem o que o articulado inicial será inepto, por ininteligibilidade – artigos 186º, n.º2, alínea a), e 571º, n.º2, do Código de Processo Civil de 2013 (artigos 193º, n.º 2, alínea a), e 467º, n.º1, alínea d), do Código de Processo Civil de 1995).

O tribunal não pode substituir-se às partes no seu ónus de alegar e provar os factos que interessam a cada uma, porquanto o dever de investigação que a lei processual comete ao juiz apenas abarca a matéria de facto trazida ao processo os factos notórios ou de conhecimento geral (cf. artigos 5º, n.ºs 2 e 3, e 412º do Código de Processo Civil 2013 - artigos 264º, 514º e 664.º, 2.ª parte, do Código de Processo Civil 1995).

Em qualquer caso, sempre se dirá que, pretendendo o recorrente que o tribunal ad quem procedesse à alteração da decisão do tribunal de 1 ª instância sobre a matéria de facto, sempre teria de indicar, além dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, quais os concretos meios de prova que impunham decisão divergente da adotada, o que não logrou conseguir (cfr. artº 685º-B, nº1, do CPC).

Como se diz no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.09.2011, no processo 1079/07.0 TVPRT.P1.S1:
“A lei impõe ao recorrente que indique (concretamente) os depoimentos em que se funda, não sendo suficiente indicar um conjunto de testemunhas que depuseram a determinado facto (mesmo que venham devidamente identificadas pelos nomes e outras referências), para depois se concluir, sem mais, que ouvidos os seus depoimentos se deveria decidir diferentemente. Importa alegar o porquê da discordância, isto é, em que é tais depoimentos contrariam a conclusão factual do tribunal recorrido, por outras palavras, importa apontar a divergência concreta entre o decidido e o que consta do depoimento ou parte dele.” E acrescenta “(…) trata-se da imposição de um ónus perfeitamente lógico e necessário, em primeiro lugar, porque ninguém está em melhor posição do que o recorrente para indicar os concretos pontos da sua discordância relativamente ao apuramento da matéria de facto indicando os concretos meios de prova constantes do registo sonoro que, em seu entendimento, fundamentam tal discordância e qual a concreta divergência detetada. Em segundo lugar, para permitir que a parte contrária conheça os argumentos concretos e devidamente delimitados do impugnante, para os poder contrariar cabalmente, assim se garantindo o devido cumprimento do princípio do contraditório”

Como aludido já, resulta do artigo 712º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, no seu n.º 1, por força do disposto no artigo 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que:
“A decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685.º-B, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insuscetível de ser destruída por quaisquer outras provas;
(…)”

Na interpretação deste preceito tem sido pacífico o entendimento segundo o qual em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida (neste sentido os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 19.10.05, processo n.º 394/05, de 19.11.2008, processo n.º 601/07, de 02.06.2010, processo n.º 0161/10 e de 21.09.2010, processo n.º 01010/09; e acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte, de 06.05.2010, processo n.º 00205/07.3BEPNF, e de 14.09.2012, processo n.º 00849/05.8 BEVIS).

Isto porque o Tribunal de recurso está privado da oralidade e da imediação que determinaram a decisão de primeira instância. A gravação da prova, por sua natureza, não fornece todos os elementos que foram diretamente percecionados por quem julgou em primeira instância e que ajuda na formação da convicção sobre a credibilidade do testemunho.

Como defende Antunes Varela, no Manual de Processo Civil, 2ª edição, página 657:
“Esse contacto direto, imediato, principalmente entre o juiz e a testemunha, permite ao responsável pelo julgamento captar uma série valiosa de elementos (através do que pode perguntar, observar e depreender do depoimento, da pessoa e das reações do inquirido) sobre a realidade dos factos que a mera leitura do relato escrito do depoimento não pode facultar”.

Por outro lado, o respeito pela livre apreciação da prova por parte do tribunal de primeira instância, impõe um especial cuidado no uso dos seus poderes de reapreciação da decisão de facto, e reservar as alterações da mesma para os casos em que ela se apresente como arbitrária, por não estar racionalmente fundada, ou em que seja seguro, de acordo com as regras da lógica ou da experiência comum, que a decisão não é razoável.
Feitas estas considerações importa concluir, quanto ao julgamento da matéria de facto, que não se vislumbra que estejam preenchidos os necessários pressupostos que justifiquem alterar a matéria de facto dada como provada pelo tribunal a quo.

Da nulidade da sentença
Invoca ainda o Recorrente/Município que a sentença do tribunal a quo será nula uma vez que os fundamentos em que assenta, quer em matéria de facto quer em matéria de direito, estarão em oposição com a decisão, ao que acrescerão ambiguidades e obscuridades que a tornariam ininteligível, nos termos do estatuído na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do novo Código de Processo Civil.

Vejamos:
No que concerne à invocada oposição entre os fundamentos e a decisão, para que pudéssemos estar em presença da imputada nulidade tal pressuporia que os fundamentos constantes da sentença conduzissem a um sentido diverso daquele que veio a constar da decisão recorrida.

Com efeito, a nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão verifica-se quando os fundamentos invocados pelo julgador deveriam logicamente conduzir a resultado oposto ou divergente daquele que foi expresso na decisão, o que equivale a dizer que tal nulidade tem lugar “quando a decisão segue caminho diverso daquele que os respetivos fundamentos apontavam” - cfr. Acs. do STJ, 20/10/11 (proc. 121/1999), 13/09/11 (proc. 2903/05.7 TBCSC.L1.S1) e de 2/10/03 (proc 03B2585).

Tal nulidade está assim relacionada, por um lado, com a obrigação imposta ao juiz de fundamentar as decisões que profere e, por outro, com o facto de a sentença dever constituir um silogismo lógico-jurídico, em que a decisão se apresenta como a conclusão lógica da aplicação da norma legal aos factos.

Diga-se desde já que se não vislumbra que a sentença recorrida sofra da nulidade em análise, não sendo aí patente qualquer contradição lógica.

O tribunal a quo seguiu uma linha de raciocínio, apontando num certo sentido o que veio a determinar a decisão proferida e aqui recorrida.

Coisa diferente, e que ela não deverá ser confundida, seria um eventual erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou a interpretação desta, isto é, se as consequências jurídicas dos factos tivessem sido inadequadas por indevida ter sido a sua subsunção à regra ou regras de direito pertinentes à situação concreta a julgar (Cfr. acórdão do STJ, de 19/09/11). Em qualquer caso, nessa eventual situação, estar-se-ia perante um erro de julgamento e não face à oposição geradora de nulidade.

Neste sentido apontou o acórdão deste TCAN no Processo n.º 01806/09.0BEBRG, de 15-02-2012, no qual sintomaticamente se sumaria que “A nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão verifica-se quando os fundamentos invocados pelo julgador deveriam logicamente conduzir a resultado oposto ou divergente daquele que foi expresso na decisão.”

Na situação controvertida, aqui em apreciação, verifica-se que o tribunal a quo, depois de fixar a factualidade considerada provada, entendeu coerente e consequentemente que teria ocorrido a receção definitiva tácita da empreitada, o que perante as circunstâncias do caso, não merece censura.

Foi pois em consequência do referido que correspondentemente foi entendido que a tentativa de execução, por parte do Recorrente, da garantia prestada pela Recorrida, não se mostrava legalmente possível, atenta a circunstância de se encontrar esgotado o prazo de garantia da empreitada.

Foi pois sem surpresa que o tribunal a quo concluiu no sentido da procedência do pedido formulado pela Recorrida, no que concerne ao valor depositado de €110.341,29, por forma a obstar à execução da garantia.

Na mesma linha, concluiu ainda o tribunal a quo pela procedência do pedido de pagamento dos reclamados €23.432,56, a título de custos e encargos financeiros suportados pela Recorrida com a manutenção da caução, desde a data em que a caução deveria ter sido libertada, até à data em que o foi efetivamente.

Foi pois coerente o entendimento adotado a final pelo tribunal a quo, atentos os pressupostos em que assentou o decidido, em face do que se não reconhece qualquer vício que comprometa a conexão entre os fundamentos e a decisão, não merecendo pois acolhimento o invocado, também a este respeito pelo Recorrente.

Já no que concerne às igualmente invocadas ambiguidades e obscuridades da decisão do Tribunal a quo, também se não reconhece a sua verificação.

Efetivamente, o Tribunal a quo, como lhe competia, incluiu na sentença recorrida, o conjunto dos factos provados, tendo correspondentemente subsumido essa factualidade ao regime jurídico então aplicável, designadamente o constante do Decreto-lei n.º 405/93, de 10 de Dezembro.

Na mesma linha de raciocínio, a decisão recorrida explicita os fundamentos que entende relevantes para a procedência dos pedidos deduzidos, relacionados com o decurso do prazo de garantia, em função da entendida verificação de receção definitiva tácita da empreitada.

A solução é clara, em função dos pressupostos em que assenta, o que não significa que a Recorrente com a mesma tenha de concordar, o que é diverso, não se reconhecendo assim a imputada obscuridade e ambiguidade da decisão proferida.
Em face do precedentemente expendido, improcederá a suscitada nulidade e obscuridade e ambiguidade da decisão recorrida.

Do erro de julgamento de Direito
Invoca ainda o Recorrente, a violação, pelo Tribunal a quo, dos artigos 104.º, 197.º, 198.º n.º 5, 208.º, 209.º do Decreto-lei n.º 405/93, de 10 de Dezembro.

Vejamos:
Resulta da matéria de facto provada não impugnada – ponto 4 da matéria provada – que a Empreiteira entregou a obra ao Município em 1999, a qual foi recebida sem quaisquer reservas.

Por relevante, sublinha-se que do contrato de empreitada celebrado entre as partes resultava da sua Cláusula Nona, que “O prazo de garantia de todos os trabalhos é de cinco anos a contar da data da receção provisória e durante este período de tempo o empreiteiro é responsável pela conservação, reparação ou reconstrução da obra”.

Mais constava da cláusula oitava do contrato, que ao mesmo seria aplicável o disposto no Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas, nos termos do Decreto-lei n.º 405/93, de 10 de Dezembro, sendo que este diploma estabelecia expressa e designadamente que o prazo de garantia seria de cinco anos, caso não fosse convencionado prazo inferior (cfr. artigo 207.º), ao que acresce o facto de no final do prazo de garantia, se proceder a uma nova vistoria (cfr. artigo 208.º n.º 1).

Sublinha o Recorrente o facto de a Recorrida não ter requerido a realização de tal vistoria, o que não permite escamotear o facto de resultar dos autos que esta requereu a realização a receção definitiva da empreitada, o que sempre pressuporia a realização de vistoria.

Efetivamente, o doc. nº 1 apresentado pela aqui Recorrida na Audiência de 20.10.2011, consiste num ofício de 16 de Dezembro de 2004, da SC, dirigido ao Município onde consta o seguinte:
“Tendo terminado em 2004-12-15 o prazo de garantia contratual da obra em título (Conceção Construção do Conjunto Habitacional do Orreiro – 298 Fogos), e dando cumprimento ao estipulado no contrato e na legislação em vigor, solicita a V. Exª a Receção Definitiva da Empreitada em epígrafe”

Esse facto veio a determinar que a alínea A) da Base Instrutória de 10 de maio de 2008 tivesse a seguinte Redação:
“A) No termo do prazo de garantia, a Autora, por carta, registada e com aviso de receção, de 2004-12-16, que o Réu recebeu, requereu a este a realização da Receção Definitiva da obra?”

O referido veio a ser dado como provado na Resposta à Base Instrutória, de 1 de Outubro de 2013.

Assim, como se disse, pressupondo a receção definitiva a realização de vistoria, e tendo aquela sido requerida, naturalmente que se não poderá afirmar seriamente que a aqui Recorrente não tenha requerido a realização de vistoria.

Não se mostrando provado que o Município tenha respondido ao pedido de realização de receção definitiva, tal como decidido em 1ª Instância, a obra considerar-se-á definitivamente recebida em 20.01.2005, em função do estabelecido no n.º 5 do artigo 198.º, ex vi n.º 3 do artigo 208.º, ambos do Decreto-lei n.º 405/93, de 10 de Dezembro.

Efetivamente, referia-se no nº 5 do Artº 198º do DL nº 405/93, relativamente à Receção Provisória, o seguinte:
“Se o dono da obra não proceder à vistoria nos 22 dias subsequentes ao pedido do empreiteiro e não for impedido de a fazer por causa de força maior ou em virtude da própria natureza e extensão da obra, considerar-se-á esta, para todos os efeitos, recebida no termo desse prazo.”

Referia, por outro lado, o Artº 208º nº 3 que:
“Serão aplicáveis à vistoria e ao auto de receção definitiva os preceitos correspondentes da receção provisória.”
Ocorreu pois e como resulta do precedentemente afirmado, e tal como decidido em 1ª instância, a receção definitiva tácita da Empreitada em 20.01.2005, em face do que, a partir dessa data, não poderiam ser imputadas ao Empreiteiro quaisquer obras que entretanto viessem a ser realizadas.

Em qualquer caso, invoca o Município no seu Recurso que terá procedido à Revogação da “receção definitiva tácita”.

Vejamos:
Desde logo, só em sede do recurso em análise suscitou a Recorrente que revogou a receção definitiva tácita, circunstância que terá de ser entendida como “Nova”, e como tal insuscetível de aqui ser analisada, ponderada e decidida.

Em qualquer caso, e para que não subsistam quaisquer dúvidas, importa verificar em que termos terá ocorrido a referida “revogação”.

Como é sabido, a revogação de atos administrativos obedece a estritas e rigorosas regras, atenta até a circunstância do controvertido ato de receção definitiva se consubstanciar num ato constitutivo de direitos, importando não perder de vista o estatuído nos Artº 140º e 141º do CPTA na versão então aplicável, atenta até a circunstância de ser desconhecida a existência de qualquer ato administrativo expresso de revogação do ato tácito.

Não obstante invocar a Recorrente que se terá realizado vistoria cujos resultados foram notificados ao aqui Recorrido por ofício de 11 de abril de 2005, não terá a mesma a virtualidade de obstar à efetivação da receção definitiva já anteriormente ocorrida e consolidada.

Efetivamente, nos termos do referido nº 1 do Artº 141º da anterior versão CPA, a revogação de atos constitutivos de direitos sempre pressuporá, designadamente, que o ato a revogar seja inválido, facto aqui não demonstrado.

Em face do referido, não merece censura o entendimento adotado pelo tribunal a quo ao considerar que a obra foi definitiva e tacitamente recebida, à luz do estabelecido nos artigos 198.º n.º 5, 208.º e 209.º, todos do Decreto-lei n.º 405/93, de 10 de Dezembro.

O Recorrente invocou ainda a legitimidade que deteria em recorrer à garantia bancária prestada pela qui Recorrida, nos termos do Artº 104.º do Decreto-lei n.º 405/93, de 10 de Dezembro.

Em qualquer caso, tendo originariamente a Caução sido prestada para garantir a boa execução da empreitada e tendo esta, como se viu, sido recebida definitivamente, o recurso à caução após o decurso do prazo para o qual a garantia foi prestada, não encontra respaldo legal ou contratual (cfr. artigo 104.º n.º 2 do Decreto-lei n.º 405/93, de 10 de Dezembro).

Refira-se finalmente e no que concerne às “grelhas” colocadas nos fogos edificados, independentemente da verificação da receção definitiva da empreitada, sempre as mesmas se encontrariam fora do contratualizado na empreitada, em face do que não poderia o Recorrente efetivar tal diligencia por conta da aqui Recorrida, por recurso à caução, cujos contornos e limites se encontravam balizados pelo estabelecido no n.º 2 do artigo 104.º do Decreto-lei n.º 405/93, de 10 de Dezembro.

Em face de tudo quanto supra ficou expendido, não se vislumbra o invocado erro de julgamento, em matéria de direito, não tendo existido qualquer violação do disposto nos artigos 104.º, 197.º, 198.º n.º 5, 208.º e 209.º do Decreto-lei n.º 405/93, de 10 de Dezembro.

* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso, confirmando-se o sentido da decisão proferida em 1ª Instância.
Custas pelo Recorrente

Porto, 22 de Janeiro de 2016
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco
Ass.: Joaquim Cruzeiro
Ass.: Luís Migueis Garcia