Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00343/13.3BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/17/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:LITISPENDÊNCIA; DESPEDIMENTO ILÍCITO; DANOS PATRIMONIAIS.
Sumário:Não existe litispendência entre um processo em que se pede uma indemnização por danos patrimoniais decorrentes da impossibilidade de pagar as prestações de um crédito que o lesado contraiu para aquisição de casa de habitação, por virtude de ter sido ilicitamente despedido, e outro processo em que o lesado pede uma indemnização por danos patrimoniais decorrentes da venda forçada da sua casa de habitação, facto não integrado no primeiro processo.*
* Sumário elaborado pelo relator.
Recorrente:J.
Recorrido 1:C., S.A.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

J. veio interpor o presente recurso jurisdicional, em acção administrativa comum, com processo ordinário, que intentou contra a C., S.A. do saneador-sentença, proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 21.09.2016, pela qual foi julgada procedente a excepção dilatória de litispendência, pelo que, em consequência, foi a Ré absolvida da presente instância, nos termos dos artigos 278º, nº 1, alínea e), e 577º, nº 1, alínea i), do Código de Processo Civil.

Invocou para tanto que não se verifica identidade do pedido nem de causa de pedir entre a presente acção e a execução de sentença da acção administrativa especial nº 1664/05.4BEPRT-A, pelo que não se verifica a litispendência.

A Ré contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido.

O Ministério Público junto deste Tribunal não emitiu parecer.
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Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

A - O recorrente, nos autos, pede que a recorrida pague ao recorrente a quantia de €50.000,00, acrescida dos juros legais de mora contados desde a citação.

B – Assentando a causa de pedir no facto de ter ficado sem rendimentos de trabalho por via do despedimento ilícito, que a R lhe impôs.

C - Conjugado com o facto de ter, a recorrida, em execução, procedido à venda do imóvel onde o recorrente tinha instalado o seu lar conjugal e

D – Ter-lhe imposto a desocupação do mesmo.

E- Este comportamento gerador dos danos que o recorrente reclama da recorrida.

F- Na execução de sentença formulada no apenso A do processo 1664/05, o recorrente pretende que a Recorrida regularize o crédito à habitação desde o despedimento até integral pagamento, nada tendo a ver com a execução por incumprimento em causa nestes autos e que levou à venda da fracção habitacional, com a consequente desocupação do imóvel por parte do recorrente.

G- E no ponto 10 do pedido executivo peticiona uma indemnização por perdas e danos morais pelo despedimento ilícito a que foi sujeito.

H- O artigo 581º do C.P.C aliás transcrito na douta sentença em crise especifica os requisitos da litispendência.

I- Sendo necessário que para além da identidade dos sujeitos ocorra também identidade de pedido e identidade da causa de pedir.

J- A pretensão deduzida nas duas acções, para ocorrer litispendência tem de proceder do mesmo facto jurídico.

K- A causa de pedir é o facto jurídico concreto, simples ou complexo, do qual emerge, por força do Direito a pretensão deduzida pelo Autor.

L-Não ocorre identidade do pedido nem da causa de pedir.

M– Violou a douta sentença em crise o disposto no artigo 577 do C.P.C. .
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II –Matéria de facto.

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

1.º - O Conselho de Administração da RÉ aplicou ao Autor a pena disciplinar de despedimento com justa causa (cf. folhas 259 do processo físico).

2.º - Com vista a impugnar a decisão supra, o Autor instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto uma acção administrativa especial, que correu termos sob o n.º 1664/05.4BEPRT, que anulou a decisão punitiva acima aludida, por acórdão proferido em 1.ª Instância, em 31.05.2007, confirmado, depois, em sede de recurso, pelo acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 16.10.2008, e pelo acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 18.11.2009, transitado em julgado em 24.02.2010 (cf. folhas 40 a 54 e 239 a 269 do processo físico).

3.º - O ora Autor apresentou neste Tribunal Administrativo e Fiscal, em 15.11.2010, um requerimento para execução do acórdão proferido no processo supra identificado, tendo a ora Ré sido citada em 07.12.2010 (cf. folhas 108 a 131 do processo físico e documento com n.º de entrada no SITAF 005180721-Proc. n.º 1664/05.4BEPRT).

4.º - No processo executivo n.º 1664/05.4BEPRT-A foi determinada a suspensão da instância até ao trânsito em julgado da decisão proferida na acção n.º 594/11.5BEPRT (cf. folhas 277 e 285 do processo físico).

5.º - O Autor apresentou a petição inicial relativa à presente acção em 11.02.2013, tendo a ora Ré sido citada em 18.02.2013 (cf. folhas 1 e 81 do processo físico).

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III - Enquadramento jurídico. A excepção dilatória da litispendência.

O Recorrente, nos autos, pede que a Recorrida pague ao Recorrente a quantia de 50.000,00 €, acrescida dos juros legais de mora contados desde a citação.

Assentando a causa de pedir no facto de ter ficado sem rendimentos de trabalho por via do despedimento ilícito, que a Ré lhe impôs.

Conjugado com o facto de ter, a Recorrida, em execução, procedido à venda do imóvel onde o recorrente tinha instalado o seu lar conjugal e ter-lhe imposto a desocupação do mesmo.

Pede aqui o Recorrente a diferença patrimonial entre o preço de venda em execução do referido imóvel e o seu valor de mercado, nisso consubstanciando o dano patrimonial que reclama da Recorrida.

Na execução de sentença formulada no apenso A do processo 1664/05.4BEPRT, o Recorrente pretende que a Recorrida regularize o crédito à habitação desde o despedimento até integral pagamento, que quantifica em 134.702,34 €, (118.288,29€ +15.414,45€), incluindo juros vincendos até integral pagamento deduzidos do IRS e demais encargos; os juros, até 17.11.2010, computavam-se em 15.414,45 € e o atraso progride ao ritmo de 394,29€.

Assim, o pedido deduzido na execução nº 1664/05.4BEPRT-A não abrange o pedido de danos patrimoniais deduzido na presente acção, que tem a causa de pedir da execução, o despedimento ilícito que condicionou a impossibilidade de pagamento das prestações de crédito a habitação, mas a que acresce a, mercê dessa situação, ter sido vendida em execução a dita habitação do Recorrente, facto novo, não abrangido pela execução supra identificada.

O efeito jurídico pretendido obter pelo Recorrente nas duas acções no que se refere aos danos patrimoniais supra indicados também não é o mesmo.

Por isso, não se verifica litispendência no que tange à indemnização por danos patrimoniais pedida nesta acção.

Não existe, em resumo, litispendência entre um processo em que se pede uma indemnização por danos patrimoniais decorrentes da impossibilidade de pagar as prestações de um crédito que o lesado contraiu para aquisição de casa de habitação, por virtude de ter sido ilicitamente despedido, e outro processo em que o lesado pede uma indemnização por danos patrimoniais decorrentes da venda forçada da sua casa de habitação, facto não integrado no primeiro processo.

Pelo que a acção terá de prosseguir os seus ulteriores termos quanto aos danos patrimoniais.

Já o mesmo não se pode dizer dos danos não patrimoniais pedidos nas duas acções, que são idênticos, quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.

O artigo 581º do Código de Processo Civil de 2013 especifica os requisitos da litispendência.

Sendo necessário que para além da identidade dos sujeitos ocorra também identidade de pedido e identidade da causa de pedir.

A pretensão deduzida nas duas acções, para ocorrer litispendência tem de proceder do mesmo facto jurídico.

A causa de pedir é o facto jurídico concreto, simples ou complexo, do qual emerge, por força do Direito a pretensão deduzida pelo Autor.

Em ambas as acções o temor da execução, com venda da habitação, perda do imóvel em que vivia com o seu agregado familiar, instabilidade psíquica, fundam tais danos não patrimoniais, por isso, os mesmos assentam exactamente nos mesmos factos que sustentam uma e outra acção, pelo que quanto a eles não violou a douta sentença em crise o disposto no artigo 577º alínea i), do Código de Processo Civil, verificando-se quanto a eles litispendência, pelo que quanto aos danos morais deve prosseguir a acção executiva, instaurada em primeiro lugar, sendo mais antiga a citação da Recorrida para essa acção.
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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PARCIAL PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que:

A). Mantêm a decisão recorrida quanto aos danos não patrimoniais peticionados nos autos;

B). Revogam a decisão recorrida quanto aos danos patrimoniais, ordenando que os autos baixem à 1ª Instância, para prosseguirem os seus ulteriores termos, quanto a estes danos peticionados.

Custas pelas Partes na proporção do decaimento, em ambas as Instâncias.
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Porto, 17.04.2020


Rogério Martins
Luís Garcia
Frederico Branco