Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00552/04.6BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/15/2013
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Pedro Marchão Marques
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL; IRC; LIQUIDAÇÕES ADICIONAIS; CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS
PRESCRIÇÃO
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
FACTURAS
PROVA DA EFECTIVA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
Sumário:I – A impugnação judicial não é o meio processual adequado para o conhecimento da questão da prescrição da obrigação tributária, por este processo visar apreciar a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação e a prescrição não ter a ver com essa legalidade, mas apenas com a exigibilidade da obrigação criada com a liquidação.
II – Em impugnação judicial a prescrição é apreciada apenas para aferir se deve a instância prosseguir ou se deve antes ser declarada a inutilidade superveniente da lide, a qual é também do conhecimento oficioso em fase de recurso (art. 700.º, n.º 1, al. b), do CPC).
III – A prestação de garantia ou a realização de penhora de bens suficientes para garantia do pagamento da dívida e acrescido, aliada à pendência da impugnação, suspende a execução fiscal até à decisão do pleito e esta suspensão determina a suspensão do próprio prazo de prescrição (artigo 169.º n.º 1 do CPPT e artigo 49.º n.º 3 da LGT).
IV – É ao sujeito passivo que compete o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito a fazer reflectir negativamente os custos declarados na determinação da respectiva matéria tributável nos termos que decorrem dos artigos 17.º, n.º 1, e 23.º do CIRC, não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade, ainda que fundada, pois neste caso o artigo 100.º do CPPT não tem aplicação.
V – Estando em causa a correcção de liquidações de IRC por desconsideração de facturas reputadas de falsas, é inócuo argumentar com a aplicação dos rácios de rentabilidade média para o sector respectivo, uma vez que a aplicação dos rácios pressupõe o apuramento dos resultados sem qualquer correcção e a consideração dos custos efectivamente suportados. Sendo os rácios fixados a partir de contabilidades e resultados apurados sem correcção, só podem aplicar-se a situações em que o resultado da matéria tributável também tenha sido apurado sem quaisquer correcções.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Indústria Metalúrgica..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
I. Relatório


Indústria Metalúrgica…, Lda., pessoa colectiva n.º 5…, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), dos exercícios de 1999, 2000 e 2001 e juros compensatórios, nos montantes, respectivamente, de EUR 23.119,57, EUR 24.702,20 e EUR 42.757,41, que incluem os montantes de EUR 3.973,03, EUR 1.561,58 e EUR 5.168,70, de juros compensatórios, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional, formulando as seguintes conclusões:

1- Relativamente aos impostos liquidados, operou-se a prescrição.
2- A qual é do conhecimento oficioso.
3- A douta sentença errou na interpretação jurídica e na apreciação dos factos, pois a ora impugnante, na reclamação graciosa, havia requerido a junção dos rácios, o que demonstraria a veracidade dos documentos.
4- O que não foi feito.
5- Havendo preterição de formalidades legais e violação do princípio do contraditório.
6- Como consta dos autos, os rácios (da rentabilidade líquida das vendas) aplicadas ao sector de actividade da impugnante é, na média, de 2,20 e 2,32, relativamente aos exercícios de 2000 e 2001.
Porém, pela Administração Fiscal, relativamente à impugnante, obtém-se os rácios de 37,78 e 27,18 o que redunda em absurdo, havendo violação dos princípios da proporcionalidade, da tributação do lucro real, da capacidade contributiva e da propriedade privada.

7- Aos restantes contribuintes, do mesmo sector da impugnante recaiu uma tributação inferior a 10% da que foi “atirada” para esta.
8- As transacções são reais, havendo interpretação dos factos por um critério subjectivista, que não corresponde à realidade, sendo impossível a impugnante obter volumes de negócios que obteve, sem o recurso a terceiros.
9- A douta decisão violou, entre o mais, o disposto nos artigos 175.º CPPT, 523.º e ss e 668.º CPC e 13.º e 104.º CRP.
Termos em que revogando ou anulando a douta decisão se fará Justiça.



Não houve contra-alegações.


Neste Tribunal Central Administrativo, o Exmo. Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso, nos termos que constam do douto parecer de fls.293-295 dos autos.


A Recorrente foi declarada insolvente por sentença de 13.01.2012 do 3.º Juízo do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia, proc. n.º 36/12.5TYVNG.

A Massa Insolvente da Indústria Metalúrgica …, Lda, apresentou-se aos autos, juntando a necessária procuração forense (cfr. instrumento de fls. 329).

Nada obsta assim ao prosseguimento dos autos e ao conhecimento do recurso.



Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.


I. 1. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões (art.s 660.º, n.º 2, 664.º e 684.º, n.º s 3 e 4 todos do CPC ex vi art. 2.º, al. e), e art. 281.º do CPPT), traduzem-se em apreciar:

i) Se a prescrição deve ser conhecida por este Tribunal de recurso e, em caso afirmativo, se a dívida impugnada se encontra prescrita;
ii) Se a sentença recorrida incorreu em erro no julgamento sobre a matéria de facto ao ter dado como não provado que os serviços constantes das facturas foram efectivamente prestados e, consequentemente, erro de julgamento de direito por ter julgado improcedente o vício de violação de lei invocado pela Impugnante;
iii) Se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao ter concluído pela legalidade da actuação da Administração Tributária que não atendeu na instrução do PRG dos rácios de rentabilidade juntos pela impugnante, ora Recorrente.

II. Fundamentação
II.1. De facto

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

A) A impugnante foi sujeita a um procedimento de inspecção parcial ao IRC e IVA dos exercícios de 1999, 2000 e 2001, que teve origem na informação da Direcção de Finanças de Aveiro com vista a apurar a utilização de facturas falsas emitidas pela empresa “F… – Fábrica de Máquinas para Calçado, Ld.ª”, pessoa colectiva n.º 5…, com sede na Rua …, n.º 851, rés-do-chão, Fontaínhas, São João da Madeira, abreviadamente designada F… (fls. 195 a 197 do processo de reclamação graciosa apenso (PRG)).

B) Nessa inspecção, os serviços de inspecção tributária recolheram as informações e pro-cederam às diligências descritas no relatório da inspecção tributária (RIT) constantes de fls. 197 a 208 do PRG, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

C) Os serviços de inspecção tributária concluíram que as facturas emitidas pelas firmas, F…, S… e Serralharia Mecânica…, Ld.ª, nos anos de 1999, 2000 e 2001 não consubstanciam a efectivação de serviços prestados, pelo que vai proceder-se às correcções técnicas ao lucro tributável declarado para efeitos de IRC nos anos de 1999, 2000 e 2001, pela não consideração daqueles valores contabilizados como subcontratos (fls. 208 do PRG).

D) As correcções a efectuar ao lucro tributável são as seguintes (fls. 208 e 209 do PRG):
Empresa
Factura (F)
Venda Din. (VD)
Data
Valor
F...
F 3189
27/4/1999
10.312,90 €
F...
F 3464
24/11/1999
6.185,09 €
F...
F 3508
20/12/1999
7.631,61 €
S...
F 540
15/4/1999
5.124,00 €
S...
F 719
20/12/1999
11.013,96 €
S...
F 724
28/12/1999
10.926,42 €
Total das correcções em 1999
51.193,98 €
S...
F 739
6/3/2000
7.723,89 €
S...
F 745
28/3/2000
7.121,34 €
S...
F 771
29/6/2000
9.975,96 €
S...
VD 170
15/6/2000
10.724,15 €
S...
VD 171
20/6/2000
11.821,51 €
S...
F 801
20/10/2000
14.687,10 €
S...
F 814
29/11/2000
14.515,02 €
S...
F 843
30/12/2000
15.088,64 €
F...
F 3944
6/12/2000
15.128,54 €
Total das correcções em 2000
106.786,15 €
S...
F 885
27/4/2001
10.350,06 €
S...
F 905
20/6/2001
8.903,54 €
S...
F 911
15/7/2001
9.128,00 €
S...
F 1003
30/12/2001
12.220,55 €
Serralharia Mecânica…
F 6
19/11/2001
12.345,25 €
Serralharia Mecânica …
F 19
20/12/2001
12.769,23 €
Total das correcções em 2001
65.716,63 €

E) Estas correcções deram origem às correcções de natureza meramente aritmética à matéria tributável do IRC dos exercícios de 1999, 2000 e 2001, no valor de 91.193,98 €, 106.786,15 € e 65.716,63 €, respectivamente (fls. 194 e 195 do PRG).

F) A impugnante foi notificada do projecto de relatório de inspecção tributária e para exercer o direito de audição que fez nos termos do requerimento de fls. 221 a 223 do PRG que aqui se dá por reproduzido.

G) Sobre o exercício do direito de audição foi proferida a seguinte decisão: “Analisada a informação constante dó direito de audição, verifica-se que esta se resume a afirmar que os serviços prestados foram efectivamente realizados e pagos, no entanto, e de acordo com o ponto 10 deste relatório verifica-se que os serviços ainda não se encontram totalmente pagos. Dado que, o que foi exposto pelo sujeito passivo se resumiu a afirmar que os serviços prestados pelas firmas em causa foram efectivamente realizados e pagos e não foi adicionada qualquer informação ou prova que ponha em causa as correcções propostas no projecto de correcções elaborado, mantêm-se assim, as correcções propostas naquele projecto.” (fls. 211 do PRG).

H) A decisão final do RIT deu origem às liquidações adicionais impugnadas de IRC dos exercícios de 1999, 2000 e 2001, no valor de 23.119,57 €, 42.757,41 € e 24.702,20 €, respectivamente, que incluem os juros compensatórios no valor de 3.973,03 €, 5.168,70 € e 1.561,58 € (fls. 46 a 48 e do PRG).

I) A impugnante apresentou a reclamação graciosa junta de fls. 2 a 14 do PRG, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

J) Com a reclamação graciosa a impugnante juntou documentos, requereu a junção dos rácios e arrolou testemunhas (fls. 13 e 14 do PRG).

K) O chefe do Serviço de Finanças elaborou a proposta de decisão que consta de fls. 215 a 218 do PRG, cujo teor aqui se dá por reproduzido (fls. 215 a 218 do PRG).

L) Sobre a reclamação graciosa foi proferido o projecto de despacho de fls. 226 a 228 do PRG, cujo teor aqui se dá por reproduzido, que foi notificado à impugnante para o exercício do direito de audição (fls. 226 a 231 do PRG).

M) A impugnante exerceu o direito de audição nos termos do requerimento de fls. 232 e 232-A do PRG cujo teor aqui se dá por reproduzido.

N) A reclamação graciosa foi indeferida pela decisão que consta de fls. 234 do PRG, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

O) A impugnante teve em média teve 4 trabalhadores mais o gerente A… na área de produção entre 1999 e 2001 (fls. 203 do PRG e testemunhas).

P) Os rácios de actividade da impugnante para os exercícios de 1999, 2000 e 2001, constam de fls. 107 a 109, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

Com relevância para a decisão da causa, o tribunal julga não provados:

1) Nos anos de 1999 a 2001 a impugnante recorreu aos Serviços tanto da F..., como de S... e da Serralharia …, Ld.ª.

2) No ano de 1999, os serviços que foram prestados à impugnante pela sociedade F… foram os constantes das facturas n.ºs 3189, 3464 e 3508.

3) O material para a execução do serviço era fornecido pela impugnante.

4) A F... através do seu colaborador, Sr. C…, vinha buscar o material à impugnante, levando as peças de material já cortadas com um desenho da peça que era pretendida.

5) No desenho entregue ao Sr. C... mencionava-se a quantidade das peças.

6) Quando as peças já se encontravam prontas, o Sr. C... trazia-as à impugnante.

7) E fazia-as acompanhar por uma guia de remessa.

8) A impugnante pagou os serviços que lhe foram prestados.

9) Nesse mesmo ano de 1999, os serviços que foram prestados à impugnante por S..., foram os constantes das facturas n.ºs 540, 719 e 724.

10) O material também foi fornecido pela impugnante.

11) Quem vinha buscar o material era o Sr. S... que era a pessoa que também recebia o dinheiro das prestações de serviços efectuados.

12) S… levava as peças de material já cortadas com um desenho da peça que era pretendida.

13) No desenho entregue a S... mencionava-se a quantidade das peças.

14) Quando as peças já se encontravam prontas, S... transportava-as para a impugnante.

15) Relativamente ao ano de 2000, os serviços que foram prestados à impugnante por S... constam das facturas n.ºs 739, 745, 771, 170, 171, 801, 814, 843 e pela F… constam da factura n.º 3944.

16) O material foi fornecido pela impugnante.

17) A prestação de serviços era realizada nos mesmos termos dos n.ºs 4 a 8 e 11 a 14.

18) Relativamente ao ano de 2001, os serviços que foram prestados à impugnante, tanto por S..., como pela Serralharia Mecânica T… constam das facturas n.ºs 885, 905, 911, 1003, 6 e 19.

19) Também neste caso, o material foi fornecido ela impugnante.

20) A prestação de serviços processava-se nos mesmos termo dos n.ºs 11 a 14.

21) Todos os serviços constantes das facturas foram efectuados à impugnante para os seus serviços de metalúrgica.

22) Com esses trabalhadores a impugnante não tinha capacidade para produzir o volume de negócios que facturou nos anos de 1999 a 2001.

23) A impugnante teve que subcontratar serviços a terceiros por não conseguir a sua produção em tempo útil.

3.1.1 – Motivação.
O tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, ao processo administrativo e ao processo de reclamação graciosa e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados (art. 74.º da Lei Geral Tributária (LGT)), também são corroborados pelos documentos juntos aos autos (arts. 76.º, n.º 1, da LGT e 362.º e seguintes do Código Civil (CC)) e dos depoimentos das testemunhas inquiridas, identificados em cada um dos factos provados.

Os depoimentos das testemunhas arroladas pela impugnante relevaram para prova dos factos provados em que estão identificados e dos não provados, por não serem suficientemente consistentes para provar os factos alegados pela impugnante.

A matéria de facto julgada não provada resulta da ausência de prova ou da sua insuficiência.

O ónus da prova de tais factos era da impugnante. Na falta de produção de prova bastante, tais factos têm de ser julgados contra si (arts. 74.º, n.º 1, da LGT e 516.º do CPC).

A prova documental e testemunhal produzida não foi bastante para convencer o tribunal a julgar como provada a matéria de facto que julgou não provada.

«As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos» (art. 341.º do CC).

No caso em apreço, a prova documental e testemunhal não se revelou suficientemente coerente e consistente para convencer o tribunal que os serviços constantes das facturas desconsideradas pela administração tributária correspondiam a serviços efectivamente prestados à impugnante.

Apesar dos depoimentos das testemunhas terem confirmado a matéria de facto julgada não provada, temos de conjugar esses depoimentos, com a restante prova documental junta pela impugnante e pela administração tributária e ponderar os respectivos depoimentos com a coerência da restante prova.

Desde logo, a valoração da prova testemunhal tem de ponderar que as testemunhas inquiridas são todas trabalhadoras da impugnante e uma delas é filha do seu sócio gerente.

Por outro lado, os depoimentos das testemunhas Fernando Ricardo Alves Ribeiro e Olinda Maria Alves Silva Oliveira confirmaram que os Senhores C... e S... iam buscar material e entregavam o produto já pronto, em nome das referidas empresas, e viam que traziam papéis, mas que não sabiam o que era porque iam para o escritório, não sabendo nada de pagamentos. Todavia, daqui não pode concluir-se para quem é que iam esses alegados trabalhos e os prestava.

O depoimento de S… embora confirme que eram para as empresas emitentes das facturas não foi suficientemente consistente para convencer o tribunal, quando confrontado com a falta de capacidade dessas empresas para prestar os serviços constantes das facturas e com a inconsistência da prova documental.

Aqui releva o depoimento da testemunha quando, apesar de ser a responsável pelo escritório da impugnante, não consegue explicar o motivo pelo qual S... emitia as declarações juntas à reclamação graciosa comprovativas dos pagamentos das facturas, quando já tinha emitido com datas anteriores parte dos recibos do pagamento dessas facturas. Esta incompreensível falta de explicação é agravada pela inconsistência do seu depoimento quando acaba por dizer que as declarações destinavam-se a comprovar os pagamentos parciais das facturas, explicação inverosímil porque havia recibos emitidos anteriormente comprovativos do pagamento da totalidade de algumas facturas (facturas e recibos de fls. 80 e 81 e declaração de fls. 91; facturas e recibos de fls. 82 a 85 e declarações de fls. 126 e 129 a 133; recibos de fls. 88 e declarações de fls. 89 e 90).

A estas incongruências acresce a falta de prova sustentável do pagamento dessas facturas. Os alegados problemas bancários desses fornecedores não serve para sustentar a realização dos pagamentos em dinheiro, quando a própria impugnante aos restantes fornecedores pagava por cheque, conforme resulta do RIT. Tanto mais, que os pagamentos eram registados contabilisticamente como sendo pagos por cheques (fls. 86, 87, 96 a 99 a título de exemplo) estando comprovado o seu débito por extractos bancários, dando uma aparência de pagamentos realizados por cheque, quando os serviços de inspecção tributária apuraram que os cheques foram emitidos ao portador e endossados à testemunha S… ou ao seu pai, A…, que procediam ao seu levantamento.

Os alegados pagamentos em dinheiro não permitem fazer a correspondência efectiva entre a alegada prestação efectiva de serviços e o seu pagamento, uma vez que a prova dos pagamentos em dinheiro fique dependente da consistência da mera prova testemunhal, cuja ponderação nestes casos tem de ser muito mais exigente.

Outra inconsistência que abala a ponderação dos depoimentos das testemunhas é a falta de discriminação dos serviços efectivamente prestados nas guias de remessa da F... e nas facturas de todos os alegados prestadores de serviço, à excepção da discriminação realizada nas facturas n.ºs 719 e 724 de 1999. Essa falta de discriminação obsta a que possa confrontar-se os depoimentos das testemunhas com os alegados serviços documentados nas guias de remessa e das facturas. A falta de discriminação não permite comprovar a circulação das mercadorias e os serviços alegada e/ou efectivamente prestados. Essa falta retira a credibilidade probatória a esses documentos, tanto mais que relativamente às duas facturas que têm as mercadorias discriminadas os serviços de inspecção tributária depois de analisar todas as facturas emitidas desde 14/12/1999 (as facturas n.ºs 719 e 724 estão datadas de 20/12/1999 e 28/12/1999) até final do ano não conseguiram identificar a venda desses artigos nas quantidades adquiridas e constataram ainda que essas mercadorias não constam dos inventários de 31/12/1999.

A inconsistência da prova testemunhal tinha de ser suprida pela coerência da prova documental, que também não se revelou suficientemente consistente, sobretudo quando confrontada com a coerência da prova produzida pela administração tributária.

A exigência da coerência da prova documental ainda é maior perante a declaração apresentada pela impugnante, subscrita por S... (fls. 107), destinada a contradizer as declarações prestadas perante os serviços de inspecção tributária.

Só a coerência da prova documental comprovativa da prestação efectiva dos serviços constantes das facturas poderia suprir a alegada contradição das declarações.

Todavia, como vimos essa prova não é suficientemente consistente não só pelos motivos já invocados como pela alegada incapacidade de S... prestar os serviços facturados à impugnante. Esta constatação resulta sobretudo do facto de S... ter uma capacidade de produção, equipamento industrial de produção inferior ao da impugnante e ter um volume de facturação nos exercícios de 1999 a 2001 superior ao dela (S... teve um volume de facturação de 626.007,09 €, 800.780,65 € e 850.683,89 € ao passo que a impugnante, nos mesmos exercícios, teve um volume de vendas de 250.212,50 €, 348.760,90 € e 300.442,90 € (fls. 201e 203)).

Da declaração apresentada pela impugnante subscrita por S... decorre que este não nega ter prestado declarações aos serviços de inspecção tributária.

S... dá-lhe uma explicação diferente esclarecendo que nas declarações prestadas disse que não tinha prestado os serviços constantes dumas facturas duns livros que não tinham sido mandados imprimir por si e que não as tinha preenchido. Daqui infere-se que as facturas em poder da impugnante foram preenchidas por S... e correspondem a serviços efectivamente prestados.

Todavia, nesta declaração S... não apresentou qualquer explicação para ter declarado aos serviços de inspecção tributária “que nunca prestou qualquer serviço à firma A…, Ld.ª, digo, Indústria Metalúrgica…, Ld.ª e que as facturas foram emitidas ao referido sujeito passivo a pedido de um vendedor que não sabe identificar, pois não conhecia pessoalmente o representante da firma, apenas o conheceu pessoalmente no início do corrente ano.

Nunca recebeu qualquer valor monetário da firma atrás referida (fls. 43 do PRG).

Além disso, nesta declaração também não apresentou qualquer explicação para o facto de ter declarado aos serviços de inspecção tributária que “As facturas que normalmente passava para outros clientes que dizem respeito a serviços efectivamente prestados eram sempre discriminados e o pagamento dos mesmos era efectuado através de cheque e nunca em dinheiro.” e que “nunca emitiu qualquer factura à máquina, pois não tem máquina e nãos abe escrever à máquina” (fls. 43 do PRG), quando as facturas em poder da impugnante ou não discriminam os serviços prestados/produtos fornecidos ou as únicas que os discriminam foram preenchidas à máquina (coisa que S... nunca terá feito).

S... não explicou ainda porque motivo declarou que “trabalhava sozinho e não tinha qualquer empregado pelo que era impossível efectuar aqueles trabalhos”.

Estas incongruências abalam a credibilidade do documento apresentado pela impugnante, por-que não foram desmentidas pelo próprio declarante.

A impugnante apesar de impugnar de forma genérica o relatório da administração tributária, não carreou prova suficientemente consistente para provar os factos alegados e abalar a coerência da prova constante do RIT, assente em factos objectivos não contraditados pela prova produzida pela impugnante designadamente, a falta de capacidade produtiva da F..., de S... e da Serralharia Mecânica … (“O parque de máquinas existente é na generalidade obsoleto com sinais evidentes de desgaste e sem aspecto de estar apto ao desempenho das funções exigidas pêlos níveis de facturação existentes. Os recursos técnicos e humanos disponíveis, bem como os consumos (matérias primas e energia eléctrica) registados, são manifestamente insuficientes para sustentar o nível de actividade, que em condições normais, teria que estar a montante dos volumes de negócios correspondentes às facturas emitidas. A única justificação possível é, sem margem para dúvida, a existência de facturação e transacções fictícias. Notória existência de dificuldades financeiras, o que não aconteceria se efectivamente os clientes casassem os montantes facturados conforme pretendem demonstrar quer através dos extractos de conta, quer com o envio da identificação dos cheque utilizados.” (fls. 28 do PRG); “2- Consultado o sistema informático, verificou-se que o sujeito passivo “S...” iniciou o exercício da actividade em 01/-01-95 e cessou em 30-12-01, no entanto nunca pagou qualquer valor do IVA apurado nas declarações periódicas do IVA enviadas ao SAIVA. Constatou-se ainda que os valores declarados para IVA e evidenciados na declaração de rendimentos mod. 3 de IRS, eram muito inferiores aos valores facturados para a firma A…. (…). Declarou também que trabalhava sozinho (…) pelo que lhe era impossível efectuar os trabalhos facturados à firma A….” (fls. 28 a 32)), a falta de prova do pagamento das facturas (ressaltando aqui a forma como foram lançados contabilisticamente os pagamentos, criando a aparência de pagamentos por cheque, quando na realidade foram efectuados em dinheiro) e da circulação do material, não provou a venda ou a existência em inventário dos produtos das duas únicas facturas que tinham os produtos discriminados (fls. 37 e 38 do PRG), nem explicou de forma consistente o motivo da diferença de procedimentos entre essas empresas e os restantes fornecedores, nomeadamente o meio de pagamento.

Apesar de parte essencial dos factos em apreço ser susceptível de prova documental (arts. 362.º e 364.º do CC), designadamente facturas discriminativas dos produtos transaccionados, que permita o controlo de vendas e existências, documentos comprovativos da circulação dos produtos entre a impugnante e os fornecedores e vice-versa, documentos comprovativos do pagamento efectivo e da uniformidade de procedimentos com os fornecedores, que revelavam de forma consistente a alegada prestação efectiva de serviços, a impugnante não logrou fazer tal prova.

Neste caso, a prova testemunhal (art. 393.º do CC) tem ainda de ser mais consistente, os depoimentos têm de revelar-se coerentes, assertivos e credíveis ao ponto de corroborarem os factos que podiam e deviam ser comprovados documentalmente. O nível de exigibilidade da verosimilhança dos depoimentos das testemunhas nestes casos tem de ser mais exigente, porque têm de substituir a força probatória dum documento.

Conjugada toda a prova, sobretudo as incongruências entre a prova documental e testemunhal apresentada pela impugnante e os factos objectivos invocados pela administração tributária, não contra-ditados, o tribunal não ficou convencido que as firmas F..., S... e Mecânica … forneceram efectivamente à impugnante os serviços/mercadorias que constam das facturas emitidas em seu nome e registadas na contabilidade da impugnante, que não foram consideradas pela administração tributária.

Motivo pelo qual julgou não provados os factos constantes da matéria de facto não provada.

O tribunal não ficou convencido é que essas obras foram realizadas pelas emitentes das facturas, ou seja, que as emitentes prestaram ou forneceram à impugnante os serviços produtos que delas constam.

Os números 22) e 23) resultam também da insuficiência da prova testemunhal, que só por si não logrou convencer o tribunal da incapacidade produtiva da impugnante e da necessidade de recorrer a fornecedores.

Do RIT resulta que a impugnante tinha condições técnicas e capacidade produtiva superior às fornecedoras, em particular a S... e à T…, porquanto dispunha de 4 empregados, mais o gerente, e de diversas máquinas e ferramentas de médio e grande porte (fls. 32 e 33 do PRG) ao passo que a T…, à data da inspecção em Fevereiro de 2003, tinha poucas máquinas, com sinais evidentes de desgaste e pouca funcionalidade, com cinco trabalhadores, mais os dois gerentes, e que S... tinha ainda menos condições que esta e trabalhava sozinho (fls. 31 e 32 do PRG).

O tribunal quando confronta a prova testemunhal que afirma a incapacidade produtiva da impugnante e a necessidade de recorrer a serviços prestados por terceiros, não consegue compreender como é que S... com uma capacidade de produção inferior e sem recorrer a subcontratos (fls. 31 e 32 do PRG) conseguia ter um volume de facturação superior ao da impugnante.

Desta comparação resulta que ou S... emitia facturas sem prestação efectiva de serviço para justificar o volume de facturação que apresentava ou a impugnante tinha capacidade de produção suficiente porque tinha melhores equipamentos e mais pessoas a trabalhar que S....

Por isso, o tribunal não considerou a prova testemunhal suficientemente coerente e consistente para julgar provada a matéria de facto dos números 22) e 23).

Os restantes factos alegados não foram julgados provados ou não provados, por constituírem considerações pessoais ou conclusões de facto ou de direito e por não terem relevância para a decisão da causa.



Ao abrigo do disposto na norma do artigo 712º, nº 1, alínea a), do CPC aplicável ex vi artigo 281º do CPPT, adita-se a seguinte matéria de facto relevante para a discussão da causa e que resulta provada documentalmente:

Q) A dívida relativa a IRC do ano de 1999, no valor de EUR 23.119,57, que constituía a quantia exequenda do processo executivo n.º 3565200301021621, foi declarada prescrita por despacho de 17.06.2010 (cfr. informação de fls. 194 e doc. de fls. 217).

R) Para cobrança coerciva da dívida de IRC dos anos de 2000 e 2001 no valor, respectivamente, de EUR 42.757,41 e EUR 24.702,20, em 20.09.2003 foi instaurado o processo executivo n.º 3565200301020706 (idem; e ainda fls. 285).

S) No mesmo processo executivo foram efectuadas duas penhoras: uma de bens móveis em 30.04.2004, com valor avaliado em € 5.250,00, e outra de um terreno destinado a construção em 23.08.2004, de valor patrimonial de €100.689,54 (cfr. autos de penhora a fls. 287 e 289).

T) E por despacho de 17.09.2004 foram convertidas as penhoras em garantia e declarada a suspensão da execução (cfr. doc. de fls. 291).

U) A ora Recorrente apresentou a reclamação graciosa identificada em I. supra em 23.10.2003 (cfr. PA apenso, fls. 2).

V) A decisão da reclamação identificada em N) supra foi efectuada por despacho de 4.11.2004 (idem, fls. 234).

X) A presente impugnação foi instaurada em 23.11.2004 (cfr. registo a fls. 2).


II.2. De direito


Antes de entrar na análise dos fundamentos do recurso jurisdicional, importa deixar estabelecido um ponto prévio que é o da delimitação do recurso.

Como é sabido, na interpretação das decisões judiciais, que constituem verdadeiro actos jurídicos, devem observar-se os princípios comuns à interpretação das leis e interpretação das declarações negociais, valendo, por isso, aquele sentido que, segundo o disposto nos artigos 9.º e 236.º do Código Civil, o declaratário normal ou razoável deva retirar das declarações escritas, tendo em conta não só a parte decisória como toda a sua fundamentação (neste sentido, vide o Acórdão do STA de 16.05.2012, proc. n.º 212/12, e recensão da jurisprudência nele efectuada).

Ora, apesar de o Tribunal a quo não ter decretado a inutilidade superveniente da lide quanto à liquidação de 1999, deu como adquirido tal circunstancialismo, não deixando de referir em sede de saneamento que “a dívida da liquidação impugnada de IRC de 1999 foi declarada prescrita por despacho de 17.06.2010”. Mais tendo afirmado que a apreciação e decisão das liquidações impugnadas foi efectuada “sem prejuízo dos efeitos próprios da declaração de extinção, por prescrição, da dívida de IRC de 1999 e da extinção do respectivo processo de execução fiscal”.

Donde, sempre a decisão recorrida – que julgou improcedente a impugnação judicial – terá que ser entendida, quanto ao alcance do seu caso julgado, como tendo por objecto as liquidações de IRC de 2000 e 2001.

Por outro lado, no recurso interposto, a Recorrente acaba por delimitar o objecto do mesmo às liquidações dos anos de 2000 e 2001, apesar de se referir genericamente à “declaração da prescrição dos débitos liquidados” (cfr. 23.), como resulta manifesto da conclusão 6.

Assim, no presente recurso estão em causa unicamente as liquidações de IRC relativas aos anos de 2000 e 2001, pois que relativamente à referida liquidação de IRC de 1999 não se coloca já a questão da prescrição suscitada pela Recorrente, uma vez que a dívida tributária emergente dessa liquidação foi declarada prescrita pelo órgão da execução fiscal (encontrando-se extinto o respectivo processo executivo - PEF n.º 3565200301021621).

Feita esta delimitação do objecto do recurso, que se impunha inclusive para melhor compreensão do mesmo, temos que a primeira questão que cumpre apreciar é então a de saber se, suscitada que foi a prescrição da obrigação tributária neste recurso da decisão que julgou improcedente a impugnação judicial que incluía no seu objecto as liquidações respectivas (2000 e 2001), o tribunal de recurso tem o dever de conhecer da mesma.

Quanto à questão do conhecimento oficioso da prescrição, como os tribunais superiores têm entendido, a impugnação judicial não é o meio processual adequado para o conhecimento da questão da prescrição da obrigação tributária, por este processo visar apreciar a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação e a prescrição não ter a ver com essa legalidade, mas apenas com a exigibilidade da obrigação criada com a liquidação (cfr. o Acórdão do STA de 02.05.2012, processo n.º 1174/11).

Admite-se, contudo, o conhecimento incidental desta questão, para aferir se tem utilidade prática a apreciação da legalidade do acto impugnado; trata-se, portanto, já não de apreciar da prescrição em si mesma considerada, mas sim de uma causa de inutilidade superveniente da lide, a qual é também do conhecimento oficioso em fase de recurso (art. 700.º, n.º 1, al. b), do CPC). Ou seja, em impugnação judicial, a prescrição é apreciada apenas para aferir se deve a instância prosseguir ou se deve ser declarada a inutilidade superveniente da lide (neste sentido, Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Vol. I, 2006, p. 708). Como muito recentemente se afirmou no acórdão de 12.01.2013 deste TCAN, proc. n.º 739/05, o artigo 175.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário tem inserção sistemática no seu Título IV, secção VII que, rege sobre as causas de suspensão, interrupção e extinção do processo de execução fiscal. Decorrendo expressamente da sua redação que o dever de conhecimento oficioso tem lugar em processo em que tenha intervindo anteriormente o órgão de execução fiscal. E o enquadramento sistemático deste normativo também não pode ser indiferente à correta interpretação do âmbito dos deveres de conhecimento oficioso do tribunal. Dele decorrendo, pelo menos, que não foi nunca intenção do legislador conceder ao RECORRENTE a faculdade de escolher ou meio processual para suscitar a questão da prescrição e a instância onde é suscitada, sobretudo quando esse meio não é o adequado para o seu conhecimento a título principal e a lei disponibiliza o meio processual adequado para o fazer na instância própria.

Assim, uma vez que a prescrição da dívida não constitui vício invalidante do acto de liquidação e por isso não serve de fundamento à impugnação, tal conhecimento só será possível se no processo de impugnação constarem todos os elementos necessários para o efeito. E só no caso de se poder concluir com segurança que a prescrição se consumou – haverá que atender a possíveis causas de interrupção e suspensão da prescrição, que poderão ter ocorrido noutros processos administrativos ou contenciosos – será então possível concluir pela inutilidade da lide (cfr. Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, 2.ª Ed., 2010, p. 24).

Assim sendo, existindo nos autos elementos que se refutam como suficientes para tanto, admite-se conhecer do recurso quanto à invocada prescrição somente para efeitos de verificar se ocorre, ou não, factualidade geradora da inutilidade superveniente da lide.

E pode já adiantar-se que os sinais existentes nos autos apontam no sentido de as obrigações tributárias resultantes das liquidações de IRC de 2000 e 2001 não se encontrarem prescritas. Com efeito, com a reclamação graciosa em 23.10.2003 ocorreu facto interruptivo do prazo de prescrição – que é de oito anos (art. 48.º, n.º 1, da LGT) –, sendo que em 17.09.2004 foi suspensa a execução na sequência das penhoras efectuadas (convertidas em garantia, conforme despacho da AT – cfr. o provado em T.) e em 29.11.2004 foi instaurada a presente impugnação judicial (como provado em X.). Sempre haverá, pois, que ter em conta que a prestação de garantia ou a realização de penhora de bens suficientes para garantia do pagamento da dívida e acrescido, aliada à pendência da impugnação, suspende a execução fiscal até à decisão do pleito e que esta suspensão determina a suspensão do próprio prazo de prescrição (artigo 169.º n.º 1 do CPPT e artigo 49.º n.º 3 da LGT); é o que sucede no presente caso.

Deste modo, terá que concluir-se que não se verifica a inutilidade superveniente da lide, consequente da prescrição da dívida.

Nesta parte improcede o recurso (conclusões 1. e 2.).

Entremos agora na apreciação do recurso no que respeita ao imputado erro de julgamento de facto e de direito (conclusões 3. a 9.).

A liquidação adicional de IRC que foi objecto de impugnação judicial por parte da Recorrente resultou de correcções meramente aritméticas à matéria tributável por si declarada relativamente aos exercícios de 1999, 2000 e 2001, determinadas pela desconsideração de operações comerciais tituladas por facturas emitidas pelos contribuintes “F... – Fábrica de Máquinas para Calçado, Lda.”, “Serralharia Mecânica T…, Lda.” e “S...” e que, no entender da Administração Tributária, não tinham subjacente uma efectiva prestação de serviços, mas antes correspondiam a negócios simulados (recapitule-se que a liquidação de 1999 não está mais em discussão).

A sentença do TAF de Penafiel recorrida julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pela ora Recorrente, em síntese, pelas seguintes razões:

i) “A administração tributária logrou fazer prova que as facturas desconsideradas pela administração tributária não correspondem a operações reais e a impugnante não logrou comprovar que essas facturas correspondem a serviços efectivamente prestados pelas empresas emitentes, nem sequer conseguiu suscitar ao tribunal a dúvida fundada sobre essa realidade, que também não se aplica ao caso em apreço.

Não existe por isso fundamento legal para considerar como custo fiscal, o valor das facturas registadas na contabilidade da impugnante, emitidas pela F..., S... e Serralharia T…, desconsideradas pela administração tributária, por não ter sido feita prova que correspondiam a operações económicas reais e a serviços efectivamente prestados pelas emitentes, pelo que não podem ser considerados custos comprovadamente indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a impostos ou para a manutenção da fonte produtora (art. 23.º, n.º 1, do CIRC).

ii) “Como a impugnante não provou que os serviços e custos titulados pelas facturas desconsideradas pela administração tributária correspondiam a serviços e custos efectivamente suportados, não pode contabilizá-los como custos, tendo de fazer-se a correcção à matéria tributável pelo valor dos custos indevidamente contabilizados. (…) Sendo a correcção à matéria tributável feita exactamente pelo mesmo montante que foi indevidamente contabilizado não pode falar-se em exagero ou desproporção de tributação, porquanto a correcção é feita pelo mesmo valor.
iii) “a presunção de veracidade das declarações da impugnante e da sua contabilidade foi elidida pela administração tributária pelo que não pode agora invocar-se a comparação do resultado da matéria tributável corrigida, com o resultado da matéria colectável apurada por aplicação dos rácios de rentabilidade, sob pena de estar a distorcer-se a comparação dos resultados”.

Ora, a Recorrente apesar de referir que na sentença recorrida se fez uma errada apreciação dos factos, não impugna a matéria de facto fixada na primeira instância.

E assim sendo, perante o probatório estabilizado – e, aliás, rigorosamente motivado –, não surge questionada a conclusão tirada pelo TAF de Penafiel de que a Administração Tributária logrou fazer prova de que as facturas desconsideradas não correspondem a operações reais e de que a Impugnante não logrou comprovar que essas facturas correspondem a serviços efectivamente prestados pelas empresas emitentes.

Para ser procedente a conclusão da Recorrente de que as transacções desconsideradas são (foram) reais, haveria que ter sido minimamente questionada a factualidade atinente às facturas registadas na sua contabilidade, emitidas pela F..., S... e Serralharia T…, de modo a demonstrar que os serviços a que se reportam tais facturas tinham sido efectivamente prestados, o que não foi sequer ensaiado pela Recorrente. Neste ponto, haverá ainda que sublinhar que é ao sujeito passivo que compete o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito a fazer reflectir negativamente os custos declarados na determinação da respectiva matéria tributável nos termos que decorrem dos artigos 17.º, n.º 1, e 23.º do CIRC, não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade, ainda que fundada, pois neste caso o artigo 100.º do CPPT não tem aplicação (cfr. os Acórdãos deste TCAN de 24.01.2008, proc. n.º 1834/04 Viseu, e 8.03.2012, 654/08 Penafiel; e, i.a., os Acórdãos do STA de 17.04.2002, proc. n.º 26635, e de 7.05.2003 (Pleno), proc. n.º 1026/02).

Razão pela qual se não descortina motivo para dissentir da conclusão jurídica alcançada pelo Mmo. Juiz do TAF de Penafiel, que é a correcta, de que não existe isso fundamento legal para considerar como custo fiscal o valor daquelas facturas que foram assim contabilizadas, tendo de fazer-se a correcção à matéria tributável pelo valor dos custos indevidamente contabilizados.

Não logra, assim, proceder a alegação da Recorrente de que o Tribunal a quo não fez um adequado julgamento quando se decidiu pela legalidade da actuação da administração tributária ao desconsiderar as facturas por si contabilizadas no pressuposto de que as mesmas não titulam operações efectivas.

Por fim, pretende a Recorrente extrair da aplicação dos rácios da rentabilidade líquida aplicados ao sector de actividade onde se insere, a violação dos princípios da proporcionalidade, da tributação do lucro real, da capacidade contributiva e da propriedade privada (conclusão 6. e 7.).

Ora, certo é que a Recorrente não concretiza como é que cada um desses princípios, que têm conteúdo próprio, foi afectado, sendo que o ónus de alegação sobre si impendia, nos termos do art. 685.º, n.º, 1 do CPC. E, não o tendo cumprido, fica este Tribunal impossibilitado de sindicar tal matéria (cfr., em caso semelhante, o Acórdão deste TCAN de 8.03.2012, proc. n.º 654/08 Penafiel).

Mas mesmo que se considerasse para tanto suficiente a mera afirmação de que aos restantes contribuintes do mesmo sector tinha recaído uma tributação inferior a 10% daquela por si sofrida (conclusão 7.), como refere o Exmo. Magistrado do MP no seu parecer, porque está em causa a correcção de liquidações de IRC por desconsideração de facturas reputadas de falsas, sempre seria inócuo argumentar com a aplicação dos rácios de rentabilidade média para o sector.

Nesta matéria, subscreve-se o que foi afirmado na sentença recorrida:

A impugnante também não pode invocar a comparação da matéria colectável corrigida com os resultados da matéria tributável apurados pelos rácios de rentabilidade da actividade da impugnante.

A aplicação dos rácios pressupõe o apuramento dos resultados sem qualquer correcção e a consideração dos custos efectivamente suportados. Como os rácios são fixados a partir de contabilidades e resultados apurados sem correcção, só podem aplicar-se a situações em que o resultado da matéria tributável também tenha sido apurado sem quaisquer correcções.

E mesmo a entender-se que a Recorrente pretende o socorro dos ditos rácios com o objectivo de retirar credibilidade aos indícios recolhidos pela Administração Tributária para concluir pela existência de facturação falsa, tal alegação acaba por não ter pertinência. A verdade é que perante a conjugação de todos os factos – provados e não provados – que ficaram devidamente descritos na sentença recorrida e que a Recorrente não sindica eficazmente, resulta que a Administração Tributária logrou justificar a sua actuação através de indícios sérios da falsidade das facturas (abalando a presunção da veracidade dos elementos da escrita da impugnante). E como anteriormente se explicitou, cumprindo a Administração Tributária o ónus que sobre si impendia, passou a caber à impugnante, ora Recorrente, o ónus de demonstrar a veracidade das transacções. Era sobre ela que incumbia o ónus de provar a veracidade das transacções que dimanam das facturas – o que não fez nem perante a Administração Tributária, nem agora – não bastando argumentar que é notório que por si só não podia realizar os volumes de negócios que realizou.

Assim sendo, improcedendo todas as conclusões de recurso, terá necessariamente que concluir-se que a sentença recorrida não é merecedora do juízo de censura que lhe vem dirigido pela Recorrente, razão pela qual se terá que negar provimento ao mesmo.



III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Massa Insolvente de Indústria Metalúrgica …, Lda. sem prejuízo do benefício de apoio judiciário com que litiga (cfr. fls. 338).

Porto, 15 de Fevereiro de 2013

Ass. Pedro Marques

Ass. Paula Ribeiro

Ass. Fernanda Esteves