Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00047/09.1BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/28/2020
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:JUIZ NATURAL; PRESCRIÇÃO DO DIREITO; LICENCIAMENTO EDIFICATIVO
Sumário:1 – Se a recolha da prova foi efetuada no domínio do anterior CPC é admissível, ponderadas as circunstâncias do caso concreto, que o juiz que elaborou a sentença não seja o mesmo que procedeu à inquirição de testemunhas.
Relativamente a saber se quando o juiz que assiste aos atos e diligências relativos à prova da factualidade (nomeadamente a audiências de inquirição de testemunhas) não é o mesmo juiz que profere a sentença, existe jurisprudência consolidada, à luz do Artº 605.º do CPC o qual não exige essa coincidência, não sendo tal circunstancialismo causa invalidante da sentença.

2 - Dado que no Código de Processo Civil de 1961 o princípio da plenitude da assistência dos juízes só valia para os atos de produção da prova e de julgamento da matéria de facto e, portanto, para a fase da audiência, e não também para a fase da sentença, o proferimento da sentença por juiz diferente daquele que decidiu a matéria de facto não infringia aquele princípio.
Uma vez que o NCPC concentrou o julgamento da questão de facto na sentença final, a sentença só pode ser proferida pelo juiz que assistiu aos atos de instrução e discussão praticados na audiência ou audiências de discussão e julgamento.
Essa regra não é, porém, aplicável aos casos em que, antes do início da vigência do NCPC, a matéria de facto já se mostrava julgada pelo juiz que assistiu aos atos de produção da prova.

3 – Aqui em concreto, uma vez que a produção da prova e a decisão da matéria de facto foram feitas ao tempo em que estava em vigor o CPC antigo, nada obsta a que o juiz que elaborou a sentença não seja o mesmo que procedeu à inquirição de testemunhas, não ocorrendo assim nulidade que possa influir no exame ou na decisão da causa.

4 – Uma vez que os Recorrentes conheciam a ilegalidade do licenciamento edificativo do lote adjacente ao seu, pelo menos desde 11.12.2001, data em que suscitaram a questão perante o Município, bem sabendo desde então que tal lhes traria uma situação danosa, quando a correspondente Ação indemnizatória foi intentada em 22.1.2007, há muito que se encontrava esgotado o correspondente prazo de prescrição.

5 - Em qualquer caso, apesar de declarada a prescrição do direito indemnizatório, esse facto não legitima nem determina o licenciamento tácito de qualquer edificação que possa estar irregular ou ilicitamente erigida, uma vez que o decurso do tempo não determina, por assim dizer, uma espécie usucapião do direito a construir, pois que uma obra ilicitamente construída não adquire o seu licenciamento pelo decurso do tempo, em face do que o município manterá a obrigação de reposição da legalidade urbanística, sob pena de estar a contribuir, com a sua inércia, para um regime de impunidade permissiva. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:H.A.C.A. e Outra
Recorrido 1:Município de (...)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
H.A.C.A. e Outra, no âmbito da Ação Administrativa Comum que intentaram contra o Município de (...), tendente, em síntese, à condenação deste no pagamento de 10.000€ resultante dos prejuízos que continuarão a sofrer até à demolição da casa vizinha, inconformados com a Sentença proferida em 12 de julho de 2019, que julgou procedente a exceção perentória de prescrição do direito de indemnização reclamado, vieram interpor recurso jurisdicional da mesma, proferida em primeira instância, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel.
Formulam os aqui Recorrentes nas suas alegações de recurso, apresentadas em 3 de outubro de 2019, as seguintes conclusões:
“I. A presente sentença é nula desde de logo pela violação do principio do juiz natural violação do principio do juiz natural e principio da plenitude da assistência do juiz, nulidade insuprível dos autos, por violação do disposto no Art.º 32º n.º 9 e 268º n.º 4 da CRP.
II. O processo iniciou-se em 2009 tendo a produção de prova e julgamento sido concluído há vários anos, nele presidido o meritíssimo juiz João Pedro Lindo;
III. Sucede que, a decisão de que se recorre foi proferida pela meritíssima Juiz Mara Silveira;
IV. Assim e porque houve produção de prova testemunhal; produção de alegações haveria que a decisão ser proferida pelo mesmo juiz, ao não o ser é nula, nos termos referidos;
V. Caso assim não se entenda, a sentença proferida padece de evidente erro de valoração da prova tendo dado como não provados factos que deveriam ter sido dados como provados e não colocando na matéria de facto provada elementos essenciais para a decisão;
VI. Consta do ponto 43 dos factos provados que "desde a conduta da Ré referida em 21 dos factos provados, que os AA. se sentem impotentes e prejudicados ... ";
VII. Porém, e no que respeita à atuação do município os mesmos sentem-se impotentes e prejudicados pela não resolução pelo município da questão da ilegalidade do licenciamento da moradia edificada no lote 16 desde que em 2006 proferiu despacho dando nota que iria proceder à nulidade dos alvarás e depois nada fez;
VIII. Tal facto resulta da conjunção dos depoimentos das testemunhas L.A. (gravado no dia 12/12/2013 minutos 13:11 a 23:10 e atrás transcrito) e do documentos fls.do p.a e junto também com a certidão do processo judicial fls.21 daquela certidão;
IX. Pois que os recorrentes com aquela informação datada de março de 2002 criaram a convicção de que uma vez proferida decisão judicial que reconhece-se a falsidade das declarações o réu atuaria “caso o requerente venha a fazer prova da falsidade das declarações referidas, poderá o município rever a questão";
X. De toda a prova e do procedimento administrativo verifica-se que é criada esta convicção nos recorrentes pois que na acenda daquele despacho mal tiveram a decisão judicial procederam à sua entrega ao réu e este iniciou a reavaliação do procedimento porém acabou por não tomar as medidas que deveria,'
XI. Nesta sequencia ter-se-á com base nos mesmos meios probatórios que fazer passar a constar da matéria de facto como ponto 44 que aos AA. em 6 de março de 2002 ficaram convencidos que o réu reavaliaria a situação assim que ficassem judicialmente comprovadas que as declarações constantes do processo de licenciamento eram falsas",'
XII. Deverá ainda constar como ponto 45 que a quando em setembro de 2006 o réu profere despacho de irá proferir decisão de nulidade dos alvarás e nada mais fez os AA. tomaram consciência da atuação ilícita do réu",
XIII. Os factos 4 e 5 dos factos não provados deverá integrar a matéria de facto provada pois que, resulta quer do relatório pericial junto aos autos, quer dos depoimentos das testemunhas ouvidas (depoimento da testemunha L.A. gravado no dia 12/12/2013 minutos 11:26 a 23:49);
XIV. Alterada a matéria de facto nos termos supra referidos isto é integrando-se o ponto 4 e 5 da matéria de facto não provado na matéria de facto provada como pontos 45 e 46 e acrescentando-se o ponto 44 "que o Réu referiu que atuaria após decisão judicial que reconhece-se a falsificação das declarações, é evidente que a decisão padece de erro de julgamento e de aplicação do direito por vicio de raciocínio pois que, parte do pressuposto que o ato atacado é o despacho de 2002, ignorando que naquele o réu se comprometeu a reavaliar depois de proferida sentença judicial que reconhecesse a falsidade das declarações;
XV. Os recorrentes durante sensivelmente nove anos sempre acreditaram porque nisso lhes fez crer o recorrido que iria atuar em conformidade com a lei e declarar a nulidade do licenciamento do prédio ilegal só não o podendo fazer sem que houvesse uma decisão judicial que o permitisse (veja-se a este propósito o ponto 21 da matéria de facto provado e seus documentos).
XVI. Se um cidadão é confrontado por uma entidade estatal com o facto de não poder fazer nada porque quem reconhece a falsidade são os tribunais mas que se obtiverem esse reconhecimento esta informe que irá atuar é de impor aos cidadãos que de imediato hajam contra esta entidade??? Ou, deverão acreditar nas entidades estatais e após decisão judicial voltar a interpela juntando os documentos que esta solicitou e esperar que aí sim haja como referiu que iria agir, se tivesse essa declaração?
XVII. O reu ora recorrido no documento a que faz referencia o ponto 21 da matéria de facto provada apesar de aí não transcrito diz de forma perentória que “caso a requerente venha a fazer prova da falsidade das declarações referidas, o Município irá rever a questão";
XVIII. Sendo certo que, aliás o recorrido apenas poderia efetivamente atuar, cassando as licenças e ordenando a demolição do que foi feito sem licença, depois de precisamente a falsidade estar definitivamente reconhecida e provada, e nunca em momento anterior, nascendo pois aqui a obrigação do município e o direito dos recorrentes a exigir-lhe responsabilidade pela omissão dos seus comportamentos.
XIX. Entender que é desde de 2002 que se iniciou o direito dos AA. seria corroborar a má-fé da parte do Réu ora recorrido, que a ser assim atuou em evidente venire contra factum proprium, tomando no processo uma posição jurídica em contradição com o comportamento pelo mesmo assumido anteriormente no decurso do processo administrativo.
XX. É o próprio recorrido que reconhece que reavaliaria a situação após decisão judicial que reconhece-se a falsificação do documento. Tal atuação é inadmissível e não podia o tribunal recorrido ir na mesma.
XXI. No exercício da atividade administrativa e em todas as suas formas e fases, a Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras da boa fé.
XXII. A decisão proferida faz com que o réu possa atuar em plena violação com o estabelecido nos arts 6º- A do CPA e 266º da CRP pois que, parece que o mesmo pode dizer que irá reavaliar a situação desde de que obtida decisão judicial que confirme a falsificação dos documentos mas depois pode dizer que os recorrentes já não podem exercer o seu direito porque fizeram exatamente o que o réu disse ou seja, obter declaração judicial de falsidade para que este pudesse agir;
XXIII. Por conseguinte, a conclusão de que teria que ficar aí cientes de que o réu era responsável pelos danos e que por isso teriam ai que agir contra este é um grosseiro erro de julgamento de direito, por violação do estabelecido pelos artes 334º do CC, 266º-2 da CRP e 6º- A do CPA.
XXIV. Ora, só com o conhecimento por parte dos recorrentes que o réu não iria atuar é que tomaram conhecimento de que então este seria responsável pelos danos que a sua inercia iria causar e causou.
XXV. Não podem os recorrentes ficar obrigados a uma atuação quando o recorrido podia perfeitamente ainda a corrigir, tal como até lhes anunciava;
XXVI. E só com a sua omissão e a sua inercia levam a que os danos causados passem a ser intoleráveis.
Só com a não atuação é que os recorrentes reconhecem o direito de ser indemnizados em face da não reposição da legalidade.
XXVII. O facto ilícito e culposo dá-se com a não realização de qualquer ato para repor a legalidade em 2006, dito de outro modo dá-se quando o réu não adota as medidas de tutela da legalidade urbanística a que estava obrigado e que disse que faria apos ter a decisão judicial que reconhece-se a falsificação dos documentos.
XXVIII. Apenas aqui começa a correr o prazo prescrição pois que só daí existe verdadeiramente o ato lesivo ou neste caso a falta dele e que legitima a ação intentada.
XXIX. No presente caso, estamos diante de uma obrigação futura do réu e estas só prescrevem no prazo de três anos contados do momento em que cada uma seja exigível (ou conhecida) pelo lesado (cfr. AC. STJ de 13/12/2001, no Proe. 1983/01, da 1º secção, relator Reis Figueira) - in caso, quando os recorrentes percebem que mesmo munidos de tal declaração de falsidade o réu não autuo como lhe era imposto.
XXX. De tudo quanto vem dito e assim mais do que evidente que à data da entrada da presente ação o direito ainda não se encontrava prescrito pois que o seu prazo só se iniciou quando em 2006 entregam a sentença ao réu e este profere despacho dando nota de que irá proceder à declaração de nulidade dos alvarás (ponto 28) mas nada faz. Quando a ação entra em 22 de janeiro de 2007 é manifesto que ainda estava em prazo o direito dos recorrentes
XXXI. Em face do que ficou dito, a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que determine a improcedência da exceção perentória de prescrição do direito de indemnização dos Autores;
XXXII. Sendo que, como o processo dispõe de todos os elementos que permitem proferir decisão quanto à existência de responsabilidade civil do Reu e os danos provocados aos AA, devendo em consequência V. Excias. desde de já conhecer do preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual;
XXXIII. São pressupostos: facto, a ilicitude, a culpa, a existência de danos e o nexo de imputação objetiva entre a conduta e o dano, apurado segundo a teoria da causalidade adequada.
XXXIV. O Réu apesar de ter na sua posse a decisão judicial do reconhecimento da falsidade das declarações e de ter iniciado em 2006 o processo de nulidade dos alvarás de licença da construção correspondente ao lote 16 o que é facto é que como resulta do processo administrativo tal não foi concretizado e nada mais fez desde aquela data (temos assim a omissão de atas) e, não o fez culposamente pois que nada o impedia e estava consciente da ilegalidade do licenciamento, atuando assim ilicitamente pois que era sua obrigação e competência faze-lo. Tal atuação culposa e ilícita causou ao danos enunciados nos pontos 41 a 43 (com as alterações supra identificadas) e assim os danos nos pontos cujo o aditamento se requereu como 44,45,46 (anterior ponto 4 da matéria de facto não provada) e 47 (anterior ponto 5 da matéria de facto não provada). Tais danos são resultantes da atuação do réu que apesar de ter na sua posse desde de 2006 todos os documentos que o permitiam repor a legalidade da situação não atuou.
XXXV. Por conseguinte, deverá o réu ser condenado a pagar aos recorrentes a quantia de dez mil euros a titulo de danos não patrimoniais e bem assim o montante de 32.989,32 referente aos custos que resultaram provados e que respeitam ao montante que os AA. terão que gastar para o seu prédio ficar com o mesmo alinhamento dos RR. A tais quantias deverão acrescer os respetivos juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento.
XXXVI. Caso assim não se entenda, então deverá ser proferida decisão que determine a improcedência da exceção perentória de prescrição do direito de indemnização dos Autores e, em consequência, determine a prossecução do processo.
Assim julgando procedente o presente recurso, será feita a costumada JUSTIÇA!”
O Recurso veio a ser admitido por Despacho de 17 de outubro de 2019.
A aqui Recorrido/Município veio apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 16 de novembro de 2019, nas quais se afirmou, designadamente:
“Nas conclusões E) a H) das alegações dos Apelantes, estes pretendem a modificação da matéria de facto dada como provada.
Mas, também aqui os Apelantes continuam sem cumprir ónus imposto pela alínea b) do citado preceito, o que sempre conduzirá, igualmente, à rejeição do recurso, na parte respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto, nos termos do n.º 1 daquele preceito.
Independentemente desse facto, a verdade é que os Recorrentes entendem que o Tribunal a quo não deveria ter dado como assente os factos elencados na matéria não provada sob os pontos 4 e 5 .
Pretendem os Recorrentes que os factos 4 e 5 dos factos não provados deverão integrar a matéria de facto provada pois que, resulta quer do relatório pericial junto aos autos, quer dos depoimentos das testemunhas ouvidas (depoimento da testemunha L.A. gravado no dia 12/12/2013 minutos 11:26 a 23:49);
E pretendem os Recorrentes que seja acrescentando à matéria de facto um ponto 44 com o seguinte teor "que o Réu referiu que atuaria após decisão judicial que reconhecesse a falsificação das declarações”.
Ora, quanto aos pontos 4 e 5 da matéria de facto não provada alegam o seguinte teor:
«4. Devido à diminuição da exposição solar as paredes e mobília da cozinha e do quarto apresentam humidades.
5. Face à construção da moradia no lote n.º 16 nos moldes licenciados e com a configuração referida em 22 a 24 dos Factos provados a moradia dos AA. ficou desvalorizada.».
A fundamentação para esta resposta negativa assentou no ato de ter existido prova pericial. Os depoimentos das testemunhas dos AA. não foram considerados quanto ao ponto 4 dos Factos não provados pela decisão sobre matéria de facto, porque a demonstração da existência das humidades e da sua correlação com a diminuição da exposição solar provocada pela moradia contígua só poderia ser efetuada a sua confirmação mediante a prova pericial, o que não ocorreu.
Na verdade, o perito, tendo-se deslocado ao local, concluiu pela alteração da exposição solar e que tal circunstancia diminuiu a luz solar que a moradia dos AA. recebe no quarto e cozinha localizados nas traseiras da moradia.
O ponto 4 da matéria não provada consistia na pergunta controvertida se «devido à diminuição da exposição solar as paredes e mobília da cozinha e do quarto apresentam humidades».
Ora, se o perito se deslocou ao local e não verificou esse facto controvertido, é porque o mesmo não existe na realidade.
Não é uma única testemunha que pode referir tal facto, quando o mesmo é eminentemente objeto de prova pericial e a mesma não o reconheceu como verdadeiro e real.
Do mesmo modo, o ponto de facto 5 da matéria dada como não provada consiste na desvalorização da moradia, o que é facto que eminentemente só pode ser demonstrado por via pericial quando a mesma seja realizada, como é o caso.
Este modo a sentença recorrida considerou que os depoimentos das testemunhas, não foram aptos à demonstração da desvalorização da moradia dos AA., pois que a perda de luminosidade embora possa representar um elemento indiciador não é, per si, apta a determinar a perda de valor dos imoveis.
De resto, como se disse na sentença os AA. além de concluírem por essa desvalorização, não a demonstraram.
Trata-se de juízo conclusivo que deveria ter sido assente em pertinente factualidade que não ficou alegada e por isso mesmo não poderia ser provada.
Pretendem os Recorrentes que seja acrescentado um ponto novo sob o nº 44 à matéria de facto.
Tal ponto (que seria o 44, na pretensão dos Recorrentes) 44 conteria a seguinte redação: "que o Réu referiu que atuaria após decisão judicial que reconhecesse a falsificação das declarações.
Tal pretensão não é possível porque tal matéria factual não foi alegada razão pela qual não pode ser provada sob pena de violação do princípio do dispositivo - artº 5º nº 1 do CPC .
Os Recorrentes pretendem acrescentar um ponto com o nº 45 à matéria de facto com o seguinte teor:
"Quando em setembro de 2006 o réu profere despacho de irá proferir decisão de nulidade dos alvarás e nada mais fez os AA. tomaram consciência da atuação ilícita do réu";
Também tal matéria factual não foi alegada pelos Recorrentes nem na sua p. i. nem na sua resposta.
Assim, tal pretensão não é possível porque tal matéria factual não foi alegada razão pela qual não pode ser provada sob pena de violação do princípio do dispositivo - artº 5º nº 1 do CPC .
Os Recorrentes alegam que a decisão proferida faz com que o réu possa atuar em plena violação com o estabelecido os artº 6- A do CPA e 266º da CRP .
Todavia não têm razão, uma vez que pois que, como se disse na sentença, não ficou também demonstrada, sendo o processo administrativo omisso quanto a isso, a tomada de medidas do município para por termo à ilegalidade, reconhecida já pelo próprio município na informação por si emitida, do licenciamento da moradia do lote 16.
Por outro lado, os Recorrentes têm legitimidade para instaurar as ações judiciais que entendam, não devendo aguardar pelas iniciativas que o recorrido encete.
Ademais, a sentença refere que não se valoraram os depoimentos das testemunhas do R. pois além de terem deposto sobre factos cuja prova era de natureza documental, revelaram depoimentos genéricos incapazes de afastar a demais prova produzida.
DA PRESCRIÇÃO
Defendem os Recorrentes que o facto ilícito e culposo dá-se com a não realização de qualquer ato para repor a legalidade em 2006, isto é, quando o réu não adota as medidas de tutela da legalidade urbanística a que estava obrigado e que disse que faria apos ter a decisão judicial que reconhece-se a falsificação dos documentos.
Para os Recorrentes apenas aqui começa a correr o prazo prescrição pois que só daí existiria verdadeiramente ato lesivo ou neste caso a falta dele e que legitima a ação intentada.
As regras de aplicação da lei no tempo, impõem que a lei só se aplica aos factos futuros, entendendo-se como tais os factos que se produzem após a entrada em vigor da norma (art. 12.º, n.º 1, do Código Civil).
A Lei n.º 67/2007 não dispondo de modo diverso do citado artº 12º, aplicar aos factos fundamentadores de responsabilidade que se venham a produzir após a sua entrada em vigor.
Deste modo, temos dois tipos de factos praticados cronologicamente:
1 - factos ocorridos até 31.12.2007 aos quais é aplicável o Decreto-Lei n.º 48.051, de 21.11.67, e
2 – factos ocorridos após em 30.1.2008 (data em que passou a vigorar) aos quais é aplicável a Lei n.º 67/2007 .
Estabelece o n.º 1 do art. 498.º do CC que "o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso".
Mais dispõe o art. 323.º, n.º 1 do CPC que “a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”. E no art. 326.º, n.º 1 prevê-se que “A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo seguinte.” Refere-se, ainda, no art. 327.º n.º 1 que “Se a interrupção resultar de citação, notificação ou ato equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.”
Ora, na tese dos recorrentes e como decorre da sua douta p. i., os factos em que assenta a invocada responsabilidade civil extracontratual do Réu são os seguintes:
(i) a prática do ato de licenciamento ilegal da construção no lote n.º 16 e (ii) (ii) a omissão pelo R. na adoção das medidas de tutela da legalidade urbanística destinadas a pôr cobro a tal situação. As referidas ação e omissão, constituem, portanto, o facto danoso.
Como bem se decidiu, face aos factos provados fácil é constatar que pelo menos, desde 11.12.2001, que os AA. demonstram conhecer a ilegalidade do ato de licenciamento da moradia implantada no lote 16 e, desde essa mesma data, sabem que tal situação, mantida pelo R., lhes provoca danos.
Com efeito, foi nessa data que os Recorrentes apresentaram o requerimento ao município da (...).
Destarte, pelo menos desde 11.12.2001, que os Recorrentes tiveram conhecimento que foi praticado um ato – no caso um ato de licenciamento ilegal – pelo Réu que lhes provocou prejuízos.
Nessa data tiveram, ainda, conhecimento dos pressupostos da responsabilidade civil.
Por outro lado, a conduta omissiva do município o prazo da prescrição não começa a correr apenas quando cesse a ilicitude da ação ou omissão ilícita continuada, como o refere a jurisprudência citada na sentença recorrida.
Está provado que desde 1.4.2002, que os Recorrentes têm conhecimento que o município adotou a conduta omissiva que lhes teria provocado prejuízos, conhecendo os pressupostos que condicionam a responsabilidade.
Aliás, nada impedia os Recorrentes de acionarem o município logo que se aperceberam, de tal factualidade.
Por outro lado, é irrelevante a instauração e desenlace do processo criminal, pois a decisão do processo crime contra autor da falsificação das declarações não era, um pressuposto e requisito da ação de indemnização.
Concluindo, o termo dies a quo do prazo prescricional corresponde a 11.12.2001 e 1.4.2002, pelo que quando ocorre a citação do R. no processo 339/07.4TBSTS em 22.1.2007, já se encontrava esgotado o prazo de prescrição, razão pela qual deve ser mantido a decisão de prescrição do alegado direito que os Recorrentes pretendem fazer valer. Termos em que com o douto suprimento do omitido deve ser negado provimento ao presente recurso.”
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 4 de dezembro de 2019, nada veio dizer, requerer ou Promover.
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, onde se invoca, designadamente, ter sido feita incorreta fixação da matéria de facto, ao que acresce que igualmente terá sido feita incorreta interpretação e aplicação do direito.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade provada e não provada:
“IV.1. Factos provados
Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos com interesse para a decisão da mesma:
1. Sob a Ap. 24/121183 da descrição predial n.º 844/0709000 encontra-se registado a favor dos AA. o direito de propriedade sobre o prédio urbano destinado a habitação situado no Lote n.º 15 do Loteamento Municipal do (...), freguesia de S. (...), concelho da (...), inscrito na matriz sob o artigo XXXX. – factos assentes A e C.
2. Por si e antepossuidores vêm os AA., ininterruptamente há mais de 10, 20 e 30 anos, colhendo e fruído de todas as utilidades do citado prédio, nomeadamente habitando-o, cultivando o respetivo logradouro, fazendo nele obras e reparações, pagando as respetivas contribuições, à vista e com conhecimento de toda a gente, sem oposição de ninguém, na convicção de exercerem um direito próprio – o de propriedade – e de não lesarem ninguém. – facto assente D).
3. Tendo adquirido o lote de terreno onde se encontra implantada a sua habitação, procedendo posteriormente à edificação da moradia ali existente. – facto assente B.
4. A moradia construída pelos Autores naquele lote n.º 15 é geminada com uma outra moradia, implantada no lote n.º 16 daquele Loteamento, a qual foi construída posteriormente à dos Autores e que é pertença de J.M.C.R., ali residente. – facto assente E).
5. O J.M.C.R., durante o ano de 1999, incumbiu A.C. de elaborar o projeto de arquitetura e demais especialidades com vista ao licenciamento da construção da moradia que veio a implantar no seu lote n.º 16. – facto assente F).
6. Em Outubro de 1998 J.M.C.R. apresentou no então Município de Santo Tirso pedido de licenciamento para construção de moradia no lote n.º 16 do loteamento municipal do (...), a que foi atribuído o numero de processo 480S/99, dando-se aqui por reproduzidos os projetos apresentados. – fls. 3 e ss. do p.a. cujo teor aqui se dá por reproduzido.
7. Por despacho de 22.6.1999 o pedido de licenciamento referido no ponto anterior foi indeferido com os seguintes fundamentos “[…] Quanto ao projeto de arquitetura contraria o disposto no art. 13.º do regulamento do PDM, ao criar uma empena de meação com altura superior a 4m para o terreno vizinho, bem como o artigo 73.º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, em relação à construção vizinha, confirmar-se ainda, a existência de servidão de vistas para o terreno em que aquela se insere.” – fls. 26 do p.a.
8. Para obter o licenciamento da moradia a implantar no lote n.º 16, o A.C. em 18.7.1999 e 17.8.1999 redigiu duas declarações, subscrevendo do seu próprio punho o nome dos Autores, como se da assinatura dos mesmos se tratasse, – facto assente G).
9. Em que o mesmo refere, como sendo subscrito pelo Autor marido que “declara, para os efeitos de justificação no Município da (...), que não se opõe à existência de empena formada à retaguarda do seu prédio, contigua a este, que o seu vizinho, J.M.C.R., com quem gemina, construa, e que é constante do processo de obras n.º 489/99”. – facto assente H).
10. E relativamente à Autora mulher afirmando que “declara, para efeitos de justificação no Município da (...), que não vê inconvenientes no avanço-empena formado no prédio do seu vizinho, do lote 16, Sr. J.M.C.R. – processo de obras n.º 480/99 -, uma vez que se compromete, num futuro próximo, a promover a ampliação ao seu prédio, na profundidade, colmatando então, totalmente, a pequena empena ora formada”. – facto assente I).
11. Tendo, posteriormente, redigido e subscrito, também pelo seu próprio punho, um requerimento dirigido ao Réu, em nome daquele vizinho dos autores – J.M.C.R. – requerendo àquela instituição “se digne promover a revogação do despacho que recaiu sobre o seu processo de obras n.º 480/99, considerando, pra o efeito, a nova declaração de não oposição do vizinho do lote contiguo, com quem gemina, uma vez, concretizar agora, que num futuro próximo promoverá a colmatação da pequena empena através de ampliação, à retaguarda, que igualmente irá efetuar”. – facto assente J).
12. Em 23.7.1999 foi apresentada nos serviços do Município da (...) aditamento ao projeto de arquitetura e a declaração referida em 9. – fls. 29 e 30 do p.a.
13. Em 13.8.199 foi emitida informação pelo Serviço de Obras Particulares da qual consta “O requerente vem apresentar aditamento com alterações ao projeto de arquitetura de forma a dar cumprimento à nossa informação anterior.
Verifica-se no entanto que não é dado total cumprimento a essa informação dado que não foi corrigida a questão da empena de meação com altura superior a 4,0m, bem como a questão do cumprimento do art.º 73.º do RGEU e servidão de vistas na parte posterior da construção.
Em relação à questão da empena de meação é apresentada uma declaração do vizinho que não tem qualquer validade legal pelo que não poderá ser considerada.”. – fls. 37 do p.a.
14. Na sequencia da referida informação, em 17.8.1999 o A.C. apresentou naquele processo 480S/99 o requerimento referido no ponto 11 ao qual juntou a declaração referida no antecedente artigo 10, com vista a obter aquele licenciamento, - facto assente K) e fls. 34 do p.a.
15. Tendo, na sequência disso, em 20.9.1999 o Réu emitido despacho de “Deferido nos termos da informação técnica” sob informação da qual consta “… verificando-se que o projeto de arquitetura cumpre o previsto no loteamento e demais legislação em vigor, poderá ser deferido, devendo ser rigorosamente cumprida a implantação aprovada”. - facto assente L).
16. Na sequência da apresentação dos projetos de especialidades em 24.11.199 foi emitido despacho de deferimento do processo. – fls. 79 do p.a.
17. Em 29.11.1999 foi emitido pelo Presidente da Comissão Instaladora do Município da (...) o alvará de construção n.º 62-P. – fls. 88 do p.a.
18. Com o que aquele vizinho dos Autores começou a levar a efeito a construção da moradia assim licenciada para o seu lote de terreno. – facto assente N).
19. Quando se deslocaram a Portugal em férias no ano de 2001, os AA. verificaram que a moradia do lote n.º 16 estava em construção, apresentando a sua fachada posterior desalinhada em relação à fachada da sua moradia, ultrapassando-a.
20. Em 11.12.2001, através do seu mandatário, a A. mulher requereu ao R. ordenasse a cassação da licença de construção concedida no processo 480/99, sem prejuízo de ser indeferido o pedido de licença de habitabilidade, porquanto
“1 – De acordo com peritagem efetuada, a construção levada a efeito no Lote 16 não respeita uma geminação perfeita, sendo que ultrapassa, em 2,60 metros a profundidade da construção do lote 15, contrariando o artigo 10.º - Alinhamentos e Cérceas do Plano Diretor Municipal, do qual se transcreve o seguinte: “… as edificações a licenciar … serão definidas pelo alinhamento das fachadas … do conjunto em que se insere …”.
2 – Sendo certo que não houve qualquer alteração ao Loteamento, tal construção viola ainda o disposto no art. 36.º do DL 448/91 de 29 de Novembro.
3 – Consultado o processo, verifica-se ainda constar do mesmo duas declarações como tendo sido subscritas pela ora requerente e pelo seu marido, H.A.C.A. (cfr. Fls. 30 e 35), autorizando a construção pretendida, o que é totalmente falso, sendo que as assinaturas de tais declarações são falsas, não tendo sido escritas pelo punho dos mesmos”. – fls. 1 do p.a., facto assente O.
21. Vindo o R., na sequencia de despacho de 15.3.2002 por oficio remetido por correio registado com aviso de receção em 26.3.2002, notificado os AA. de informação onde consta “1. O projeto apresentado previa uma profundidade superior à da construção com a qual gemina, no entanto foi aprovado na condição de haver uma geminação que garantisse o mesmo alinhamento, garantia essa dada por uma declaração da requerente, situação que é vulgarmente aceite e prevista nos termos do regulamento do PDM.
[…]
3 - Relativamente à questão da falsidade das assinaturas das declarações existentes no processo (…), uma das quais permitiu a sua aprovação, não poderá este Município pronunciar-se.
Assim, face ao exposto não há lugar à cassação do alvará de licença de construção referido por não se verificar qualquer irregularidade no loteamento”. – factos assentes P) a R), fls. 3 do p.a.
22. Veio a ser construída no lote n.º 16 a moradia projetada pelo A.C., ficando os prédios geminados com a configuração que consta da planta de fls. 18 do processo de licenciamento n.º 480/99. - facto assente S) e doc. de fls. 18 do p.a.
23. A fachada posterior da moradia implantada no lote 16 mostra-se desalinhada em relação à fachada da moradia implantada no lote n.º 15, ultrapassando-a.
24. A moradia construída no lote n.º 16 tem uma profundidade superior à moradia edificada no lote dos AA..
25. Pelos comportamentos referidos em 8. a 11. por sentença proferida em 20.6.2005, transitada em julgado, no processo comum singular que com o n.º 355/02.2TASTS correu termos no 1.º Juízo Criminal de Santo Tirso o A.C. foi condenado pela prática de um crime de falsificação de documento – facto assente M) e doc. de fls. 19 do suporte físico dos autos.
26. Em 1.8.2005 os AA. apresentaram no Município da (...) requerimento, juntando a sentença proferida no processo referido no ponto anterior, do qual consta “Por sentença já transitada em julgado proferida no processo n.º 355/02.2TASTS do 1.º Juízo Criminal de Santo Tirso, provou-se que as declarações supostamente assinadas pelos ora requerentes, que foram condição essencial para que fosse concedida a respetiva licença de obras são falsas […].
Efetivamente não foi feita pelo punho dos ora requerentes as assinaturas apostas nos documentos – declarações – juntos ao processo de obras.
Declarações essas que os ora requerentes jamais aceitariam realizar, uma vez que muito prejudica os seus direitos e a qualidade e valor do seu prédio.
Assim e como é falsa e não corresponde à vontade dos requerentes as declarações que estão juntas ao processo e que permitiram a aprovação da respetiva licença, requer-se a V. Excia. a cassação de todas as licenças que foram aprovadas tendo como base documentos falsos”. – fls. 10 do p.a.
27. Em 31.7.2006 foi emitido despacho de “Concordo. Proceda-se em conformidade” sob informação de 14.7.2006, cujo teor aqui se dá por reproduzido, da qual consta, em síntese, que o ato de licenciamento da moradia edificada no lote n.º 16 tem por base uma declaração cuja falsidade foi provada no Tribunal, pelo que não tem sustento legal tratando-se de ato nulo propondo-se a declaração de nulidade do ato de licenciamento proferido em 20.9.1999 no processo 4808/99. - fls. 14 e ss. do p.a.
28. Por oficio de 6.9.2006 os AA. foram informados pelo Município da (...) que “é intenção da Camara Municipal proceder à nulidade dos alvarás de licença de construção n.º 62-P de 99/11/29 e do alvará de utilização n.º 142/05 de 05/08/08, ao abrigo da alínea a) do art. 68.º do DL n.º 555/99 de 16/12, alterado pelo DL n.º 177/2001 de 04/06, com base no referido parecer jurídico”. – fls. 21 do p.a.
29. Em 8.9.2006 o J.M.C.R foi notificado para se pronunciar quanto à intenção da Câmara declarar a nulidade dos alvarás de construção e utilização relativos à moradia edificada no lote n.º 16. – fls. 126 do pa.
30. Em 18.9.2006 o J.M.C.R pronunciou-se. – fls. 128 e ss. do p.a.
31. Em 11.12.2006 foi emitida a informação n.º 230/06, da qual resulta a improcedência dos argumentos de J.M.C.R e a proposta de prática do ato de declaração de nulidade do ato de licenciamento. – fls. 133 e ss. do p.a.
32. Em 18.1.2007 os AA. instauraram no Tribunal Judicial de Santo Tirso contra A.C. e a Camara Municipal da (...) ação declarativa com processo ordinário, a que foi atribuído o numero 339/07.4TBSTS, peticionando a condenação dos RR. a pagar aos AA. a quantia de € 10.000,00, acrescida no que se vier a liquidar em incidente posterior à sentença correspondente aos custos de ampliação da habitação dos AA. ou aos prejuízos que continuarão a sofrer até à demolição parcial da casa vizinha, a que deverão acrescer os juros de mora desde a citação até integral pagamento, com fundamento na factualidade em causa nos presentes autos. – fls. 87 e ss. do suporte físico dos autos.
33. O Município foi citado no processo 339/07.4TBSTS em 22.1.2007. – fls. 121 do suporte físico dos autos.
34. Naquele processo 339/07.4TBSTS foi proferida decisão, transitada em julgado em 25.9.2008, declarando a incompetência material do tribunal para conhecer da pretensão formulada contra o Município da (...). – fls. 87 e ss. do suporte físico dos autos.
35. Os AA. instauraram a presente ação contra o Município da (...) em 16.1.2009. – fls. 1 do suporte físico dos autos.
36. O Município da (...) foi citado em 23.1.2009. – fls. 45 do suporte físico dos autos.
37. Em 25.11.2010 é emitida informação da qual resulta que não foi dado seguimento à declaração de nulidade e terem ocorrido alterações na legislação. – fls. 144 e ss. do p.a.
38. O desalinhamento da fachada posterior da moradia do lote n.º 16, ultrapassando a fachada da moradia implantada no lote n.º 15, altera a exposição solar do quarto situado no 1.º andar e da cozinha situada ao nível do r/c, localizados nas traseiras da moradia.
39. Por força desse desalinhamento na fachada da moradia do lote n.º 16, a cozinha e ao quarto situados nas traseiras deixaram de beneficiar da exposição solar que recebiam do lado poente.
40. A ampliação da moradia dos AA. por forma a alinha-la com a moradia edificada no lote n.º 16 exige a edificação de uma área de construção de cerca de 52 m2, repartidos pelos dois pisos,
41. Importando um custo que, à data de Fevereiro de 2014 e considerando o valor por m2 de € 634,41 resultante da Portaria 353/2013, ascendia a € 32.989,32.
42. Os AA., na altura referida no ponto 19 dos Factos provados verificaram a perda de luminosidade da sua moradia decorrente do desalinhamento da moradia implantada no lote n.º 16, ficando desde então desgostosos.
43. E desde a conduta da Ré referida em 21 dos Factos provados, que os AA. se sentem impotentes e prejudicados pela não resolução pelo Município da questão da ilegalidade do licenciamento da moradia edificada no lote n.º 16.
Factos não provados
Dos factos com interesse para a decisão da causa não se provaram os que não constam dos pontos acima expostos, designadamente os seguintes:
1. Na sequência dos pareceres e informações referidos nos pontos 27 a 31 dos Factos Provados o Município da (...) encetou as diligências necessárias e procedeu à declaração de nulidade dos despachos de aprovação do projeto de arquitetura e do licenciamento da moradia edificada no lote n.º 16, proferidos em 20.9.1999 e 24.11.1999, no processo 480S/99, à cassação dos alvarás de licença de construção n.º 62-P de 99/11/29 e do alvará de utilização n.º 142/05 de 05/08/08, e à adoção das medidas de tutela de legalidade urbanística, ordenando ao proprietário da moradia edificada no lote n.º 16 a demolição parcial com vista à correção empena de meação com altura superior a 4,0m relativamente à moradia geminada e contígua edificada no lote n.º 15.
2. A profundidade da construção edificada no lote n.º 16 é superior em 2,60 metros em relação à moradia dos AA..
3. A ampliação do prédio dos AA. referida em 36 dos Factos provados corresponde a 2,60 metros de profundidade por 10 metros de largura, numa área de implantação de 26 m2.
4. Devido à diminuição da exposição solar as paredes e mobília da cozinha e do quarto apresentam humidades.
5. Face à construção da moradia no lote n.º 16 nos moldes licenciados e com a configuração referida em 22 a 24 dos Factos provados a moradia dos AA. ficou desvalorizada.
6. Os AA. são pessoas de fracos recursos económicos, tendo tido necessidade de emigrar para a Suíça.

IV – Do Direito
No que ao direito concerne, e no que aqui releva, discorreu-se em 1ª Instância:
“DA PRESCRIÇÃO
Sustenta o R. a prescrição do direito de indemnização dos AA.
De acordo com o princípio geral da lei civil em matéria de aplicação da lei no tempo, na falta de disposição em contrário, a lei só se aplica aos factos futuros, entendendo-se como tais os factos que se produzem após a entrada em vigor da norma (art. 12.º, n.º 1, do Código Civil). Deste modo, atendendo a que a Lei n.º 67/2007 não dispõe de modo diverso, a mesma aplicar-se-á aos factos fundamentadores de responsabilidade que se venham a produzir após a sua entrada em vigor.
Temos, pois, que aos factos ocorridos até 31.12.2007 a concretização da responsabilidade civil extracontratual é feita, em geral, pelo Decreto-Lei n.º 48051, de 21.11.67, e atendendo a que a Lei n.º 67/2007 (Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais e Entidades Públicas, RRCEEEP) não dispõe de modo diverso, a mesma aplicar-se-á aos factos fundamentadores de responsabilidade que se venham a produzir após a sua entrada em vigor, em 30.1.2008.
O art. 5º do Dec. Lei 48051, de 21 de Novembro de 1967 mandava aplicar as regras da prescrição fixados na lei civil, mas reportado ao direito “regulado nos artigos anteriores”. Também ao abrigo do art. 5.º do RRCEEEP a indemnização por responsabilidade civil extracontratual do Estado, das demais pessoas coletivas de direito público e dos titulares dos respetivos órgãos, funcionários e agentes bem como o direito de regresso prescrevem nos termos do art. 498.º do Código Civil, sendo-lhes aplicável o disposto no mesmo Código em matéria de suspensão e interrupção da prescrição.
Estabelece o n.º 1 do art. 498.º do CC que "o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso".
Mais dispõe o art. 323.º, n.º 1 do CPC que “a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”. E no art. 326.º, n.º 1 prevê-se que “A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo seguinte.” Refere-se, ainda, no art. 327.º n.º 1 que “Se a interrupção resultar de citação, notificação ou ato equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.”
A respeito do início da contagem do prazo de prescrição escreveu-se no Ac. do TCA Norte, de 3.5.2013, P. 00905/12.6BEPRT,
“O prazo da prescrição começa a contar a partir do momento em que o direito pode ser exercido [artigo 306º nº1 CC], sendo que, no âmbito específico da prescrição do direito de indemnização, presume o legislador que o mesmo pode ser exercido a partir do momento do seu conhecimento pelo lesado, embora este desconheça ainda a pessoa do responsável e a extensão integral dos danos [artigo 498º nº1 do CC].
Significa que o termo inicial da contagem do prazo de prescrição do direito de indemnização baseada em responsabilidade civil por factos ilícitos residirá no conhecimento, pelo lesado, do direito que lhe compete, ou seja, no seu conhecimento de que tem direito a ser indemnizado, embora desconheça ainda a pessoa do responsável e a extensão integral dos danos.
Do texto legal [498º nº1 CC], podemos e deveremos retirar, pois, um conjunto de imposições que são determinantes para aferir, em concreto, qual esse termo inicial de contagem [artigo 9º do CC].
Desde logo, ao referir-se à data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, diz-nos o legislador que não está em causa, nessa determinação do «termo inicial» de contagem do prazo de prescrição, saber em que momento um hipotético lesado, abstrato, agindo com ideal ou média diligência, poderia ter-se apercebido do direito a ser indemnizado, mas sim apurar quando é que dele efetivamente se apercebeu o concreto lesado que vem pedir a indemnização a tribunal.
E sendo relevante o conhecimento do lesado concreto, significa isso que esse conhecimento não implica conhecimento jurídico, bastando um conhecimento empírico dos factos constitutivos do direito, ou seja, é suficiente que o lesado saiba que foi praticado um ato que lhe provocou prejuízos, e que esteja em condições de formular o juízo subjetivo que lhe permita qualificar aquele ato como gerador de responsabilidade pelos danos que sofreu.
A questão de determinar o «termo inicial de contagem» do prazo de prescrição implica, pois, essencialmente, a ponderação da factualidade provada, mediante recurso a regras da vida e experiência comum, de modo a poder ser formulado o juízo sobre o momento em que o concreto lesado teve conhecimento do direito que lhe compete.
Ressuma, pois, que o momento inicial de contagem do prazo de prescrição de três anos, prazo regra, coincide com o momento do conhecimento empírico dos pressupostos da responsabilidade pelo lesado concreto, conhecimento que deve enraizar suficientemente nos factos provados e deve potenciar ao lesado o exercício do seu direito.
Ainda, ao referir que o conhecimento do direito de indemnização pelo lesado, para relevar, é independente da identificação da «pessoa do responsável» e da «extensão integral dos danos», o legislador impede que o «termo inicial» do prazo de prescrição, embora ligado ao conhecimento do lesado concreto, fique acorrentado à sua eventual incúria quanto à obtenção daquela identificação, ou à ocorrência de danos «sucessivos ou duradouros» [...].
A nossa mais alta jurisprudência tem sublinhado que o prazo de prescrição é um só, e será dentro dele que tem de ser exercido o direito de indemnização relativamente à «extensão integral» dos danos, o que se percebe, e se louva nas razões de certeza e segurança que justificam o instituto em causa [entre outros, o AC STA 01.06.2006, Rº0257/06].
Assim, uma conduta lesiva, mesmo sendo de natureza «continuada», não é suscetível de afetar o «termo inicial» de contagem do prazo de prescrição aqui em causa, seja de modo a deferir o seu início para o momento da cessação da conduta danosa, seja de modo a gerar o contínuo surgir de novos prazos de prescrição relativos a cada dano instantâneo.
Todavia, se assim é, pela perspetiva da ação lesiva, já assim não terá de ser, necessariamente, pela perspetiva do dano, já que é este que, constatado pelo prejudicado, despoleta o fluxo cognitivo e volitivo que o leva a conhecer o seu direito e a reagir, ou não, contra o responsável pela agressão da sua esfera jurídica.
Destarte, se um determinado dano, porque leve ou tolerado, pode não desencadear qualquer reação do respetivo prejudicado, tal não pode obstar a que novo dano, causado pela ação lesiva continuada, possa pôr termo a essa tolerância inicial, sendo certo que o «início do prazo de prescrição» relativo ao direito de indemnização por este «novo dano» não poderá, cremos, ficar refém do conhecimento, pelo lesado, do direito que lhe competia relativamente aos «danos iniciais».
Tudo depende, assim, de estarmos perante «novo dano», ou seja, perante um dano que não se traduza em mero agravamento quantitativo ou qualitativo de danos anteriores, iniciais. E neste sentido restritivo deverá, a nosso ver, ser interpretada a expressão «extensão integral dos danos» presente no nº1 do artigo 498º do CC”.
Também no Ac. do TCA de Norte de 19.6.2015, P. 00436/09.1BEMDL se referiu: “[…] Por “conhecimento do direito” deve entender-se o momento em que o lesado tem conhecimento do respetivo direito de indemnização que lhe compete, o que não significa que tenha de conhecer na perfeição e integralidade todos os elementos que fazem nascer na sua esfera jurídica o direito de indemnização, pois que não necessita de conhecer a identidade da pessoa responsável ou a extensão integral dos danos – cfr. Acórdão do STA de 27.01.2010, Proc. 0513/09.
Está em causa o conhecimento dos pressupostos que condicionam a responsabilidade e não a consciência da possibilidade do seu ressarcimento, sendo de salientar que não se trata de um conhecimento jurídico relativo ao preenchimento dos requisitos da responsabilidade civil, mas antes um conhecimento empírico que permita a um lesado razoável formular um juízo subjetivo quanto à possibilidade de obter um ressarcimento pelos danos decorrentes de uma atuação de terceiro – cfr. Acórdãos do STA de 04.11.2009, Proc. 01076/07, de 07.03.2006, Proc. 889/05 e de 21.01.2003, Proc. 1233/02.
O dies a quo do prazo prescricional coincide, portanto, com a constatação por parte do lesado da «ocorrência de um dano indemnizável (ainda que não completamente determinável) que proveio da prática de um facto ilícito e culposo» – in Carlos Alberto Fernandes Cadilha – Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas Anotado, Coimbra Editora, 2008, pág. 96.
Assim, o prazo de prescrição de 3 anos começará a correr na data em que o lesado tomar conhecido o facto danoso, isto é, do facto ilícito e culposo que tem a suscetibilidade de produzir danos na sua esfera jurídica.
Em termos temporais, o facto danoso tanto se pode traduzir na prática de um simples ato que se esgota temporalmente num único momento, havendo coincidência entre a conduta violadora realizada ou executada e a produção do dano (infração instantânea), como pode traduzir-se numa série de atos suscetíveis de configurar uma infração de natureza continuada ou permanente na qual os danos se vão produzindo em vários momentos temporais sucessivos (infração continuada).
A propósito do dies a quo do prazo prescricional em relação a condutas que pela sua natureza prolongam no tempo o surgimento de danos, o STA refere o seguinte no acórdão de 04.12.2002, Proc. 01203/02:
[…]
[…] para que seja admitida a invocação de danos para além do prazo de três anos em que o facto danoso foi conhecido (danos novos) não é suficiente a demonstração de que os danos se produziram em momento posterior; os novos danos são apenas aqueles que constituem uma consequência do ato lesivo não conhecida ou cognoscível por um homem médio (pessoa razoável e diligente).
Se os danos, embora ocorrentes em momento posterior ao ato lesivo, constituírem um mero desenvolvimento normal e objetivamente previsível da lesão inicial não estaremos perante danos novos.”
Tendo presente o exposto e a alegação dos AA., temos que o(s) facto jurídico(s) em que assenta a invocada responsabilidade civil extracontratual do Réu são os seguintes:
(i) a prática do ato de licenciamento ilegal da construção no lote n.º 16 e
(ii) a omissão pelo R. na adoção das medidas de tutela da legalidade urbanística destinadas a pôr cobro a tal situação. As referidas ação e omissão, constituem, portanto, o facto danoso.
Face aos factos provados verificamos que, pelo menos, desde 11.12.2001, data em que apresentam o requerimento ao R., que os AA. demonstram conhecer a ilegalidade do ato de licenciamento da moradia implantada no lote 16 e, desde essa mesma data, sabem que tal situação, mantida pelo R., lhes provoca danos.
Estes elementos são suficientes para concluirmos que, pelo menos desde 11.12.2001, que os AA. revelam ter conhecimento que foi praticado um ato – no caso um ato de licenciamento ilegal – pelo Réu que lhes provocou prejuízos, revelando o conhecimento dos pressupostos que condicionam a responsabilidade e que, enquanto lesados, lhes permite formular um juízo subjetivo de qualificação daquele ato como gerador de responsabilidade pelos danos que sofrem/ram.
Quanto à (alegada) conduta omissiva do R. é de referir que nos termos manifestados pelos AA. esta se inicia quando, tendo-lhe sido dado conhecimento pelos AA. da falsidade das declarações que sustentam o ato de licenciamento, adota uma postura de inercia, mantendo-se essa omissão até à presente data, já que após ter sido dada a conhecer a sentença penal o R. embora reconhecendo a ilegalidade do licenciamento e iniciado diligencias não as chegou a concluir.
Estamos, pois, perante uma conduta omissiva continuada e relativamente à qual, como defendem diversos Acórdãos do STA, o prazo da prescrição não começa a correr apenas quando cesse a ilicitude da ação ou omissão ilícita continuada – assim, Acórdão do STA de 26-10-2011 proferido no processo n.º 083/11, cujo sumário se transcreve: “No caso de ser invocado como fundamento da responsabilidade civil extracontratual um facto ilícito de natureza continuada, não é necessário para exercer o direito de indemnização que tenha cessado tal facto, pelo que, à face do n.º 1 do art. 306º, do C. Civil, com o conhecimento do facto inicial dos pressupostos do direito à indemnização começou a correr o prazo da prescrição”. E no Acórdão de 9-2-1995, proferido no recurso n.º 36359, publicado no Apêndice ao Diário da República de 18-7-97, p. 1485, cujo sumário se transcreve em parte:“2 – A partir do momento em que o A. teve conhecimento do seu direito, a continuação da conduta omissiva da Administração deixou de ser relevante para efeitos da determinação do início de contagem do prazo prescricional previsto no n.º 1 do artigo 498.º do Código Civil, aplicável ao direito de indemnização por responsabilidade civil extracontratual do Estado por força do disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967, preceito então em vigor.”
Quanto a esta conduta omissiva do R. na adoção de medidas de tutela da legalidade urbanística verifica-se que os AA. foram notificados em 1.4.2002 – face à presunção de notificação resultante do registo - de que o Município não iria considerar a falsidade das declarações e, nessa medida, não iria tomar medidas tendentes à cassação do alvará, e desde essa altura que os AA. se sentem lesados pela não resolução de tal questão pelo Município e desgostosos por se manter a perda de luminosidade da sua moradia decorrente da configuração da moradia edificada no lote n.º 16.
Ora, a factualidade supra exposta é apta a demonstrar que, pelo menos, desde 1.4.2002, que os AA. têm conhecimento que o Reu adotou a conduta omissiva que lhes provoca prejuízos, conhecendo os pressupostos que condicionam a responsabilidade.
Acresce que não se pode aceitar a posição dos AA. de que só poderiam fazer valer os seus direitos indemnizatórios depois do transito em julgado da decisão proferida no processo crime contra o Sr. A.C.. Com efeito, nada obstava a que os AA. peticionassem do R., logo que se aperceberam, os direitos que ora reclamam e de que já tinham conhecimento. É que a instauração de ação indemnizatória contra o aqui R. não estava dependente da prévia instauração de processo-crime, nem tão pouco da decisão deste, pois que a questão da falsidade dos documentos em que assentou a prática do ato e, consequentemente, da ilegalidade do ato - e do sequente dever do município adotar medidas de tutela da legalidade urbanística -, sempre seria apreciada, incidentalmente, no âmbito da ação indemnizatória cujo facto danoso correspondia à pratica do ato administrativo ilegal1. Ou seja, a instauração e decisão do processo crime contra o sujeito que falsificou as declarações não era, claramente, um pressuposto de que dependia a possibilidade de os AA. exercem o seu direito indemnizatório contra a R., ou sequer que tivesse obstado a que eles em 11.12.2011 e 1.4.2002 tomassem conhecimento direito indemnizatório que reclamam nos autos.
Adiante-se, ainda, que os danos alegados, ao nível do desgosto, desalento e perda de luminosidade da sua moradia, não se tratam de danos novos, mas antes perante danos que continuamente mantêm/tiveram.
Considerando que o termo dies a quo do prazo prescricional corresponde a 11.12.2001 e 1.4.2002 é manifesto que quando ocorre a citação do R. no processo 339/07.4TBSTS em 22.1.2007, já se encontrava esgotado o prazo de prescrição, pelo que naturalmente o direito indemnizatório que os AA. reclamam se encontra prescrito.
Assim, mostra-se verificada a exceção perentória de prescrição do direito de indemnização, razão pela qual se impõe absolver o R. do pedido.

Vejamos:
Quanto à suposta violação do juiz natural, refira-se o seguinte:
É suscitada a nulidade da sentença em decorrência do facto da produção de prova e correspondente julgamento ter sido proferido por um juiz e a decisão final, por um juiz diverso.

É claro que se não verifica a suscitada nulidade, uma vez a fixação da matéria de facto foi efetuada pelo mesmo juiz que realizou o julgamento.

Efetivamente, se a recolha da prova foi efetuada no domínio do anterior CPC é admissível, ponderadas as circunstâncias do caso concreto, que o juiz que elaborou a sentença não seja o mesmo que procedeu à inquirição de testemunhas.
Sobre esta questão, de saber se face à redação do art. 605º do CPC, quando o juiz que assiste aos atos e diligências relativos à prova da factualidade (nomeadamente a audiências de inquirição de testemunhas) não é o mesmo juiz que profere a sentença, existe ou não ofensa do princípio da plena assistência do juiz, existe jurisprudência consolidada. E esta é no sentido de que o art. 605.º do CPC não exige essa coincidência, não sendo tal circunstancialismo causa invalidante da sentença.

Como se decidiu no Acórdão da Relação de Coimbra, de 18.3.2014 – Proc. 3721/11.9TBLRA.C1:
“Dado que no Código de Processo Civil de 1961 o princípio da plenitude da assistência dos juízes só valia para os atos de produção da prova e de julgamento da matéria de facto – e, portanto, para a fase da audiência – e não também para a fase da sentença, o proferimento da sentença por juiz diferente daquele que decidiu a matéria de facto não infringia aquele princípio – nem, aliás, qualquer outro princípio ou norma processual.
Uma vez que o NCPC concentrou o julgamento da questão de facto na sentença final, esta sentença só pode ser proferida pelo juiz que assistiu aos atos de instrução e discussão praticados na audiência ou audiências de discussão e julgamento.
Essa regra não é, porém, aplicável aos casos em que, antes do início da vigência do NCPC, a matéria de facto já se mostrava julgada pelo juiz que assistiu aos atos de produção da prova.
(...)”

No mesmo sentido o ac. do STJ de 8.03.2018, proc. nº 2723/04.6TBBRR.L1.S1, onde se sumariou, ao que aqui importa, que:
“O princípio da plenitude da assistência dos juízes, consagrado agora no art. 605º do Código de Processo Civil (antes no art. 654º), só tem aplicação quando da fixação da matéria de facto, em ponderação dos princípios da imediação, da oralidade e concentração, conhecendo aplicação intransigente quando o tribunal perante o qual foi feita a discussão da causa é aquele que quem tem de proferir a decisão de facto: aí, salvo casos excecionais, quem presidiu à recolha da prova é quem a julga e fixa”.

Também o STA decidiu esta questão no ac. nº 3/2019, de 3.07.2019, proc. nº 499/04.6BECTB (revista), em que identifica e analisa o quadro normativo aplicável e a sua sucessão:
“(…)
Este Supremo Tribunal Administrativo (STA), no domínio do antigo CPC (Código de Processo Civil), pronunciou-se sobre idêntica questão à suscitada pela ora recorrente, através de acórdão do Pleno em 12/12/2012 tirado no proc. n.º 01152/11, no qual se fizeram referências a deliberações sobre tal questão tomadas quer pelo Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (CSTAF) quer pelo Conselho Superior da Magistratura (CSM) e bem assim à jurisprudência quer dos Tribunais Centrais Administrativos (TCAs) quer do STA sobre a matéria. Por ser fastidioso reproduzir o que então se disse, nesta parte, remetemos para tal acórdão.
Desde a data da sua prolação e até hoje, com relevância para a presente decisão, sucederam-se, sequencialmente, a aprovação do novo CPC (Código de Processo Civil) através da Lei n.º 41/2013 de 26 de Junho, a qual entrou em vigor em 01/09/2013; a aprovação da deliberação do CSTAF de 11/02/2014 que consistiu numa orientação genérica sobre gestão processual nos Tribunais Administrativos e Fiscais consistente na recomendação a todos os senhores Juízes e em particular aos Senhores Presidentes dos Tribunais da Jurisdição Administrativa e Fiscal para adotarem ''as necessárias providências, designadamente através da redistribuição de processos, verificado que seja um desequilíbrio no volume de trabalho entre os vários juízes do mesmo Tribunal, na medida do possível por consenso dos juízes em causa, no sentido de ser dada a devida prioridade aos processos mais antigos e de maior grau de complexidade, sem prejuízo dos processos urgentes e prioritários''; e a criação de equipas de recuperação de pendências, através do DL n.º 81/2018 publicado em 15/10 as quais se inseriram neste objetivo de conceder prioridade aos processos mais antigos.
Estas, foram motivadas pela existência de elevadas pendências processuais de difícil recuperação e são especialmente dedicadas à tramitação dos processos pendentes de decisão final que tenham dado entrada até 31 de dezembro de 2012, sendo de salientar que o n.º 1 do artigo 3.º deste diploma estabelece que: ''Cabe às equipas de recuperação de pendências a tramitação dos processos pendentes de decisão final, ainda que tenham sido realizadas diligências de prova, e que tenham dado entrada até 31 de dezembro de 2012".
Infra, procuraremos fazer uma leitura destes acontecimentos legislativos e deliberativos à luz da questão que ora nos ocupa e sobre a qual se impõe produzir pronúncia atualizada.
O quadro legal considerado pelo referido acórdão do Pleno de 2012 da 2.ª Secção de Contencioso Tributário deste STA, foi o seguinte:
Artigo 653.º do CPC - Julgamento da matéria de facto
1 - Encerrada a discussão, o tribunal recolhe à sala das conferências para decidir; se não se julgar suficientemente esclarecido, pode voltar à sala da audiência, ouvir as pessoas que entender e ordenar mesmo as diligências necessárias.
2 - A matéria de facto é decidida por meio de acórdão ou despacho, se o julgamento incumbir a juiz singular; a decisão proferida declarará quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.
3 [...]; 4 [...]; 5 [...]
Artigo 654.º do CPC - Princípio da plenitude da assistência dos juízes
1 - Só podem intervir na decisão da matéria de facto os juízes que tenham assistido a todos os atos de instrução e discussão praticados na audiência final.
2 - Se durante a discussão e julgamento falecer ou se impossibilitar permanentemente algum dos juízes, repetir-se-ão os atos já praticados; sendo temporária a impossibilidade, interromper-se-á a audiência pelo tempo indispensável, a não ser que as circunstâncias aconselhem, de preferência, a repetição dos atos já praticados, o que será decidido sem recurso, mas em despacho fundamentado, pelo juiz que deva presidir à continuação da audiência ou à nova audiência.
3 - O juiz que for transferido, promovido ou aposentado concluirá o julgamento, expecto se a aposentação tiver por fundamento a incapacidade física, moral ou profissional para o exercício do cargo ou se, em qualquer dos casos, também for preferível a repetição dos atos já praticados, observado o disposto no número anterior.
O juiz substituto continuará a intervir, não obstante o regresso ao serviço do juiz efetivo.
(Esta redação manteve-se inalterada desde o Decreto-Lei n.º 44129, de 28 de Dezembro de 1961, que aprovou o Código de Processo Civil e é equivalente à do CPC de 1939, que aperfeiçoou, com aditamento no n.º 2, da parte final (decisão, sem recurso, pelo juiz que deva presidir) e, no n.º 3, do termo alternativo da repetição dos atos já praticados. É, pois, um princípio basilar e sedimentado).
(…)
Sendo que para tal, há que ponderar que este quadro legal, parcialmente, sofreu alterações, desde logo as introduzidas pela Lei n.º 41/2013 de 26/06 que determinou a entrada em vigor em 1 de Setembro de 2013 do novo CPC.
Neste diploma não se refere qualquer estatuição correspondente ao artigo 653.º do CPC antigo e o artigo 654.º, do mesmo compêndio normativo, deixou de ter uma integral correspondência no novo CPC.
Devemos, agora, considerar o disposto no artigo 605.º do novo CPC o qual dispõe:
Artigo 605.º (Próximo/correspondente ao artigo 654.º do CPC de 1961)
Princípio da plenitude da assistência do juiz
1 - Se durante a audiência final falecer ou se impossibilitar permanentemente o juiz, repetem-se os atos já praticados; sendo temporária a impossibilidade, interrompe-se a audiência pelo tempo indispensável, a não ser que as circunstâncias aconselhem a repetição dos atos já praticados, o que é decidido sem recurso, mas em despacho fundamentado, pelo juiz substituto.
2 - O juiz substituto continua a intervir, não obstante o regresso ao serviço do juiz efetivo.
3 - O juiz que for transferido, promovido ou aposentado conclui o julgamento, exceto se a aposentação tiver por fundamento a incapacidade física, moral ou profissional para o exercício do cargo ou se for preferível a repetição dos atos já praticados em julgamento.
4 - Nos casos de transferência ou promoção, o juiz elabora também a sentença.
Justifica-se, pois, plenamente, que este STA deva em sede de revista, como doutamente foi decidido, voltar a debruçar-se sobre a questão da consideração do princípio da plenitude de assistência do Juiz em sede de impugnação judicial, devendo efetuar nova pronúncia a qual não poderá deixar de considerar, também, as inovações legislativas introduzidas, nesta matéria, pelo novo CPC ponderando a pertinência da sua aplicação ao processo tributário.
E essa pronúncia, reitera-se, tem de considerar, necessariamente, o disposto no artigo 605.º do CPC, supra citado (...).
O traço distintivo essencial entre o artigo 605.º do novo CPC e o artigo 654.º do CPC de 1961 consiste na eliminação do n.º 1 deste último preceito onde se estipulava: "Só podem intervir na decisão da matéria de facto os juízes que tenham assistido a todos os atos de instrução e discussão praticados na audiência final''.
E, ainda na supressão da palavra ''preferência'' contida no n.º 2 do mesmo preceito que não transitou para o atual n.º 1 do artigo 605.º do novo CPC o qual no mais, em substância, é idêntico no tratamento da impossibilidade permanente ou temporária do(s) Juiz(es).
O n.º 4 do mesmo preceito afigura-se como despiciendo face à previsão constante do seu n.º 3 e na circunstância de ter sido abolida a cisão entre o julgamento da matéria de facto e a respetiva integração jurídica.
(...)
Assim, analisando, sumariamente, as alterações, imediatamente se constata que enquanto no âmbito do antigo CPC se estabelecia, em sede de audiência final, uma dicotomia entre a fase de produção de prova e julgamento da matéria de facto e de discussão da matéria de direito (alegações) e a fase de julgamento/subsunção dos factos ao direito; essa dicotomia desapareceu, à semelhança do que já sucedia no processo tributário, (e, também se nos afigura que se impunha, mais assertivamente, o dever de fundamentação por parte do Juiz substituto quando este optasse pela repetição de atos já praticados o que ressalta do n.º 3 do artigo 654.º e da expressão ali contida "observando-se o disposto no número anterior") sendo que, no mais, substancialmente, os preceitos que no antigo e novo CPC regulam(lavam) esta matéria se equivalem [sublinhado nosso].
Aqui chegados podemos concluir que a eliminação do n.º 1 do artigo 654.º do CPC de 1961, que não foi transposto para o artigo 605.º do novo CPC, se deveu ao facto de ao nível do processo civil, como bem observam os recorrentes, ter sido abolida a referida estrutura dicotómica segundo a qual o julgamento das matérias de facto e de direito ocorria em momentos distintos, sendo que tais decisões passaram a ser tomadas em conjunto, aquando da elaboração da sentença por força do disposto no artigo 607.º n.º 3 do novo CPC o que, reitera-se, já sucedia no caso do julgamento em sede impugnatória em processo tributário.
(…)
Ora, o novo CPC, enquanto compêndio normativo processual que é, sendo aplicável às ações pendentes desde logo por força do artigo 5.º n.º 1 da Lei n.º 41/2013, de 26/06, não possui eficácia retroativa (vide artigo 12.º n.º 1 do C. Civil). E daí temos que as alterações introduzidas que determinaram que o princípio da plenitude da assistência aos Juízes passou a vigorar/valer também para a fase da sentença apenas são de considerar no processo comum, naquelas situações em que tanto a fixação da matéria de facto resultante da prova oferecida como a prolação da sentença ocorreram já no âmbito do novo CPC”.

Ora, no caso que nos ocupa, a produção da prova e a decisão da matéria de facto foram feitas ao tempo em que estava em vigor o CPC antigo, em face do que nada obsta a que o juiz que elaborou a sentença não seja o mesmo que procedeu à inquirição de testemunhas, não ocorrendo assim nulidade que possa influir no exame ou na decisão da causa.

No que respeita à invocada necessidade de alterar a matéria de facto dada como provada, refira-se o seguinte:
Como se sumariou, entre outros, no recente acórdão deste TCAN nº 01749/09.8BEBRG, de 17-01-2020 “O Tribunal de recurso só deve modificar a matéria de facto quando a convicção do julgador, em 1.ª instância, não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se assim a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova e à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto.
Pretendendo a recorrente que o tribunal ad quem procedesse à alteração da decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto, sempre teria de indicar, além dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, quais os meios de prova que impunham decisão divergente da adotada, o que não logrou conseguir”

No caso vertente, o tribunal a quo especificou e identificou os meios de prova que serviram de suporte à concreta decisão sobre a factualidade dada como assente, tendo como resulta do transcrito, fundamentado suficientemente a sua opção.

Diga-se desde já que se não reconhece a verificação de qualquer erro de julgamento relativo à matéria de facto fixada.

Em bom rigor, a Recorrente, mais do que questionar a materialidade fáctica fixada, vem predominantemente pôr em causa o alegado desacerto das ilações que o tribunal extraiu relativamente a essa matéria, vindo em sede de Recurso trazer novas alegações que não havia apresentado anteriormente, o que se não mostra sequer aceitável.

A matéria de facto fixada, atenta a prova disponível, foi densificadamente obtida através da normal e adequada livre convicção do tribunal, suficientemente justificada.

O tribunal a quo socorreu-se, como sempre deveria, do princípio da livre apreciação da prova aí produzida, para dar como assente essa materialidade controvertida, como resulta das disposições conjugadas dos artigos 392.° e 396.° do Código Civil e 607.°, n.º 5, do CPC.

Efetivamente, como se sumariou no acórdão deste TCAN proferido no Procº nº 00205/15.0BEPRT, de 20/05/2016, "o tribunal não pode substituir-se às partes no seu ónus de alegar e provar os factos que interessam a cada uma, porquanto o dever de investigação que a lei processual comete ao juiz apenas abarca a matéria de facto trazida ao processo, os factos notórios ou de conhecimento geral (cf. artigos 5°, n.º 2 e 3, e 412° do Código de Processo Civil 2013 - artigos 264°, 514° e 664.°, 2.º parte, do Código de Processo Civil 1995).”

Em qualquer caso, refira-se, em concreto, o seguinte:
Nas conclusões E) a H) do Recurso, afirmam os Recorrentes que pretendem a modificação da matéria de facto dada como provada.

Em síntese, entendem os Recorrentes que o tribunal não deveria ter dado como não provados os factos 4 e 5 como tal fixados, os quais deveriam antes integrar o “capitulo” dos factos provados.

Mais pretendem os Recorrentes que seja acrescentado à matéria de facto provada, um ponto 44 com a seguinte redação:
"Que o Réu referiu que atuaria após decisão judicial que reconhecesse a falsificação das declarações”.

Vejamos:
Dos referidos facto 4 e 5 não provados, consta a seguinte redação:
«4. Devido à diminuição da exposição solar as paredes e mobília da cozinha e do quarto apresentam humidades.
5. Face à construção da moradia no lote n.º 16 nos moldes licenciados e com a configuração referida em 22 a 24 dos Factos provados a moradia dos AA. ficou desvalorizada.».
O referido facto 4 da resultou de resposta à pergunta: se «devido à diminuição da exposição solar as paredes e mobília da cozinha e do quarto apresentam humidades».

Tendo-se deslocado perito ao local e não tendo assinalado a referida questão, ficou a mesma necessariamente por provar.

No que concerne ao facto não provado 5, relativo à suposta desvalorização da moradia, tal constitui um conceito que não pode ser dirimido por mera prova testemunhal, sempre se impondo a intervenção de prova pericial, que não respondeu a esta questão.

A sentença entendeu legitimamente que os depoimentos das testemunhas não foram aptos, só por si, à demonstração da desvalorização da moradia dos Autores, sendo que estes não lograram, sequer por via documental, fazer prova da invocada desvalorização.

No que respeita à pretendida inclusão de um novo facto provado – 44 – com a seguinte redação:
"Que o Réu referiu que atuaria após decisão judicial que reconhecesse a falsificação das declarações”.

Não tendo tal circunstancia sido sequer alegada em tempo pelos então Autores, mormente na PI, carece o tribunal de legitimidade para a introduzir como matéria provada, sob pena de tal se consubstanciar numa violação do princípio do dispositivo - artº 5º nº 1 do CPC.

Pretendem ainda os Autores, aqui Recorrentes, introduzir um outro facto provado – 45 – com a seguinte redação:
"Quando em setembro de 2006 o réu profere despacho de que irá proferir decisão de nulidade dos alvarás e nada mais fez, os AA. tomaram consciência da atuação ilícita do réu";

Igualmente a presente questão, para além de conclusiva, não foi suscitada pelos Recorrentes na sua PI, em face de que, por idêntica razão não poderia ser introduzida nos factos provados por iniciativa do Tribunal, sob pena de tal se consubstanciar, mais uma vez, na violação do princípio do dispositivo - artº 5º nº 1 do CPC.

Apreciemos agora a declarada Prescrição.
Diga-se desde já que se acompanha e ratifica o entendimento adotado em 1ª instância no que concerne à prescrição do direito reclamado, o qual se mostra circunstancialmente bem fundamentado, de facto e de direito.

Refira-se, em qualquer caso e desde já, que a declarada prescrição indemnizatória, não legitima nem determina o licenciamento tácito de qualquer edificação que possa estar irregular ou ilicitamente erigida, uma vez que o decurso do tempo não determina, por assim dizer, uma espécie usucapião do direito a construir, pois que uma obra ilicitamente construída, em regra, não adquire o seu licenciamento pelo decurso do tempo, em face do que o município manterá a obrigação de reposição da legalidade urbanística, sob pena de estar a contribuir, com a sua inércia, para um regime de impunidade permissiva.

Voltando à questão em apreciação, entendem os Recorrentes que o facto ilícito e culposo suscetível de determinar a atribuição de indemnização, terá ocorrido apenas em 2006, com a notificação expressa dos Recorrentes pelo Município, no sentido de que não atuaria de modo a repor a legalidade urbanística, só o fazendo após a prolação de decisão judicial reconhecendo a falsificação de documentos por parte do titular do controvertido lote 16.

Com efeitos, consideram os Recorrentes que só a partir do referido reconhecimento judicial, se deveria contar o prazo prescricional, uma vez que só a partir daí terá ficado patente a verificação de um ato lesivo, relativo ao licenciamento do referido lote 16, adjacente ao seu (Lote 15), o que permitiria entender a presente Ação como tempestiva, o que não foi reconhecido em 1ª instância e aqui se ratifica.
Por outro lado, como referido pelo tribunal a quo, a Lei n.º 67/2007 em linha com o estatuído no artº 12º CC, aplicar-se-á aos factos fundamentadores de responsabilidade que se venham a produzir após a sua entrada em vigor.

Assim, aos factos praticados até 31.12.2007 será de aplicar o Decreto-Lei n.º 48.051, de 21.11.67, sendo que face aos factos ocorridos após em 30.1.2008, será aplicável a Lei n.º 67/2007.

Em qualquer dos casos, estabelece o n.º 1 do art. 498.º do CC que "o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso".

Mais refere a este respeito o art. 323.º, n.º 1 do CPC que “a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”.

Já o art. 326.º, n.º 1 prevê que “A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo seguinte.”

Resulta ainda do art. 327.º n.º 1 do CPC que “Se a interrupção resultar de citação, notificação ou ato equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.”

Aqui chegados e feito o necessário enquadramento normativo, refira-se serem os seguintes os factos que suportam o seu pedido indemnizatório, decorrente da invocada responsabilidade civil extracontratual:
- Prática do ato de licenciamento ilegal da construção no lote n.º 16 e
- Omissão do Município na adoção das medidas de tutela da legalidade urbanística destinadas a pôr termo à situação, daí resultando o referido facto danoso.

Como decorre do discorrido em 1ª instância, é manifesto que os Recorrentes conhecem a referida ilegalidade do licenciamento edificativo do lote adjacente ao seu (Lote 16), pelo menos desde 11.12.2001, data em que suscitaram a questão perante o Município, bem sabendo desde então que tal lhes traria uma situação danosa.

Foi pois na referida data de 2001, que os recorrentes denotaram conhecer o preenchimento do conjunto dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual aplicáveis.

Como se demonstrou em 1ª instância, a conduta omissiva do município determinante do inicio da contagem do prazo prescricional face à verificada ilicitude continuada, terá ocorrido, não com a cessação da ilicitude, mas logo que verificada a mesma.

Em qualquer caso, mesmo que assim não fosse, pelo menos desde 1.4.2002, data em que os Recorrentes foram notificados de que o Município não iria considerar a alegada falsidade das declarações do titular do Lote 16, e, nessa medida, não iria tomar medidas tendentes à cassação do alvará, que os Recorrentes têm conhecimento que o município adotou uma conduta omissiva suscetível de lhes causar potencialmente prejuízos.

O compasso de espera que os Recorrentes dizem ter feito, aguardando o desenlace do processo criminal, foi adotado por sua conta e risco, irrelevando aqui, uma vez que tal processo não tem a suscetibilidade de determinar a suspensão do prazo prescricional que já decorria.

Assim, tal como se decidiu em 1ª instância, o dies a quo do prazo prescricional corresponderá 11.12.2001 ou 1.4.2002, sendo que, em qualquer dos casos, quando o processo nº 339/07.4TBSTS foi intentado em 22.1.2007, há muito que se encontrava esgotado o prazo de prescrição, o que determinará a improcedência do recurso jurisdicional interposto.

DECISÃO
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida-

Custas pelos Recorrentes.

Porto, 28 de fevereiro de 2020


Frederico de Frias Macedo Branco
Nuno Coutinho
Ricardo de Oliveira e Sousa