Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00166/12.7BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/07/2016
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:FUNDO DE GARANTIA SALARIAL; LIMITES; ARTIGO 319º, N.º2, DA LEI 35/2004 DE 29.07;
SUBSÍDIO DE FÉRIAS; PERÍODO DE REFERÊNCIA.
Sumário:1. O Fundo de Garantia Salarial tem uma finalidade social que justifica que sejam adoptados limites à sua intervenção, não só limites temporais que decorrem do enquadramento comunitário que lhe está subjacente (Directiva 80/987/CC, de 20.10), como também, limites ao montante global pago.

2. O Fundo apenas garante aquele montante, duplamente limitado, conforme resulta do disposto nos artigos 319º e 320º da Lei 35/2004 de 29.07, que o legislador entendeu ser adequado e justo para, por um lado, proteger o trabalhador numa situação de perda de rendimentos que não lhe é imputável, com complemento do sistema de segurança social e, por outro, garantir a sustentabilidade do próprio Fundo.

3. Daí que os créditos fora do período de referência a que alude o n.º 2 do artigo 319º da Lei 35/2004, de 29.07, ainda que existam e estejam reconhecidos, não podem ser pagos pelo Fundo de Garantia Salarial.

4. O vencimento do “direito a férias retribuídas”, previsto no artigo 237.º do Código de Trabalho, que se vence em 1 de Janeiro e que se reporta, em regra, ao trabalho prestado no ano civil anterior, é distinto do vencimento do direito ao pagamento da retribuição e do subsídio de férias, a que se reporta o artigo 264.º do Código de Trabalho.

5. O vencimento do direito ao pagamento da retribuição pelas férias ocorre no próprio mês em que o trabalhador goza as férias e quanto ao subsídio de férias, no momento anterior àquele em que o trabalhador inicia o gozo do seu direito a férias.

6. Ocorrendo a cessação do contrato de trabalho em momento anterior ao gozo das férias vencidas no dia 01 de Janeiro, os créditos salariais referentes à retribuição pelas férias e respectivo subsídio vencem-se nessa data (artigo 245.º, n.º1, alínea a) do Código de Trabalho).

7. Encontrando-se a data da cessação do contrato de trabalho dentro do período de referência, o trabalhador tem direito a receber, pelo Fundo de Garantia salarial, os créditos salariais referentes à retribuição pelas férias e respectivo subsídio.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fundo de Garantia Salarial
Recorrido 1:LSB
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
O Fundo de Garantia Salarial veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL do acórdão de 29.04.2013 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que julgou parcialmente procedente a acção administrativa especial que LSB lhe moveu e, assim, o condenou o ora Recorrente a pagar ao ora Recorrido os créditos salariais decorrentes da cessação do seu contrato de trabalho, ainda em falta, no montante ilíquido de 2.709,71 €, acrescido de juros de mora, à taxa legal em vigor, vencidos desde a citação e até efectivo e integral cumprimento.

Invocou para tanto, e em síntese, que: o Fundo de Garantia Salarial apenas assegura o pagamento dos créditos que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a propositura da acção; que no presente caso, a acção de insolvência foi intentada no dia 02.12.201c0; que o período de referência para os créditos a assegurar pelo Fundo de Garantia Salarial, situam-se entre 02.12.2010 e 02.06.2010; que para efeitos do estabelecido no n.º 1 do artigo 319.º, da Lei n.º 35/2004, de 29/07, o Fundo de Garantia apenas assegura os créditos que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a propositura da acção, ou seja, os créditos vencidos entre 02.06.2010 e 02.12.2010; que o direito às férias vence-se no dia 1 de Janeiro, conforme disposto no n.º 1 do artigo 237.º da Lei n.º 7/2009; que no caso concreto, as férias relativas ao ano de 2009, venceram-se no dia 01.01.2010, portanto, fora do período de referência; que isto não significa que o requerente não tenha direito ao pagamento das férias e respectivo subsídio, o que não tem direito é que os mesmos sejam assegurados pelo Fundo de garantia Salarial, uma vez que não estão dentro do período de referência, pelo que se conclui que o requerimento apresentado pelo Recorrido para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua cessação e violação, ao abrigo do regime jurídico do Fundo de Garantia Salarial, foi deferido parcialmente, não tendo o Fundo assegurado o pagamento das férias e subsídio de férias por se encontrarem preenchidos os requisitos exigidos pelo n.º 1 do artigo 318.º, da Lei n.º 35/2004, de 29/07, que o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, violou o disposto as referidas disposições legais.
O Recorrido não contra-alegou.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.

*
Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.
*
I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:
1. O Fundo de Garantia Salarial apenas assegura o pagamento dos créditos que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a propositura da acção.

2. No presente caso, a acção de insolvência foi intentada no dia 02.12.2010.

3. O período de referência para os créditos a assegurar pelo Fundo de Garantia Salarial, situam-se entre 02.12.2010 e 02.06.2010.

4. Para efeitos do estabelecido no n.º 1 do artigo 319.º, da lei n.º 35/2004, de 29/07, o Fundo de Garantia apenas assegura os créditos que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a propositura da acção, ou seja, os créditos vencido entre 02.06.2010 e 02.12.2010.

5. O direito às férias vence-se no dia 1 de Janeiro, conforme disposto no n.º 1 do artigo 237.º da Lei n.º 7/2009.

6. No caso concreto, as férias relativas ao ano de 2009, venceram-se no dia 01.01.2010.

7. Portanto, fora do período de referência.

8. Isto não significa que o requerente não tenha direito ao pagamento das férias e respectivo subsídio, o que não é direito a que os mesmos sejam assegurados pelo Fundo de garantia Salarial, uma vez que não estão dentro do período de referência.

9. Conclui-se que o requerimento apresentado pelo Recorrido para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua cessação e violação, ao abrigo do regime jurídico do Fundo de Garantia Salarial, foi deferido parcialmente, não tendo o Fundo assegurado o pagamento das férias e subsídio de férias por se encontrarem preenchidos os requisitos exigidos pelo n.º 1 do artigo 318.º, da Lei n.º 35/2004, de 29.07.

10. O Tribunal a quo ao decidir como decidiu, violou o disposto as referidas disposições legais.
*

II – Matéria de facto.

Ficaram provados os seguintes factos na decisão recorrida, sem reparos nesta parte:

A) Em 02.12.2010, o Autor apresentou no Tribunal Judicial de Lousada, via «Citius», acção especial de insolvência contra a sociedade “F... – Engenharia e construção, LDA”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido – cfr. fls. 1 a 28 do processo administrativo.

B) Em 09.12.2010, o Autor apresentou no Instituto de Segurança Social IP/ Centro Distrital do Porto – Serviço Local do Marco de Canaveses, um requerimento para “pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho / fundo de garantia salarial”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido – cfr. fls. 1 a 32 do processo administrativo.

C) Em 04.03.2011, foi proferida sentença pelo Tribunal Judicial de Lousada, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzida e, da qual consta, além do mais, o seguinte: “(…) Declara-se a insolvência de F... – ENGENHARIA E CONSTRUÇÃO, LDA. sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada, NIPC 506678040, (…)”, a qual foi publicitada no Diário da República, II Série, n.º 59, de 24.03.2011 – cfr. fls. 42 a 50 dos autos.

D) Com data de 26.04.2011, o Autor reclamou créditos laborais, cujo termos e teor aqui se dá por integralmente reproduzido – cfr. fls. 51 a 56 dos autos.

E) Com data de 31.10.2011, foi emitida “informação” pela coordenadora do R., antecedida de outro “parecer” e informação”, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos e, constando desta última, além do mais, o seguinte:

“1. (…) tendo sido entendido que se encontravam preenchidos os pressupostos legais impostos no âmbito da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, conducentes ao deferimento parcial das pretensões formuladas pelos ex-trabalhadores/ requerentes, a saber:

2. Foi declarada a Insolvência da empresa em referência, encontrando-se preenchido o requisito previsto no n.º 1 do artigo 318º da Lei n.º 35/2004;

3. Os requerentes reclamam créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, em conformidade com a previsão do artigo 317.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho;

4. Os requerimentos foram apresentados no prazo previsto no n.º 3 do artigo 319.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, e por outro lado, observam as regras para instrução dos mesmos, pelo que se encontra preenchido o requisito exigido pelo artigo 324º do mesmo diploma;

5. O Fundo de Garantia Salarial abrange os créditos que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da acção ou apresentação do requerimento conforme plasmado no n.º 1 do artigos 319.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho;

6. Relativamente aos limites para pagamento por parte do Fundo, o número 1 artigo 320º da Lei 35/2004, de 29 de Julho estabelece como limite para pagamento até ao montante equivalente a seis meses de retribuição, não podendo o montante desta exceder o triplo da retribuição mínima garantida;

7. Importa, mencionar de harmonia com o teor da informação do Centro Distrital do Porto, que apesar de se encontrarem preenchidos os requisitos previstos no artigo 316º e seguintes da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, conducentes à intervenção do FGS, julga-se que apenas deverão ser deferidos parcialmente os requerimentos, porquanto:

Os créditos requeridos ultrapassam o plafond legal, no seu limite mensal, que não pode exceder por cada mês o triplo da retribuição mínima mensal garantida, conforme estabelecido nos termos do n.º1 do artigo 320.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho;

Parte dos créditos requeridos encontra-se vencida em data anterior ao período de referência, ou seja, nos seis meses que antecedem a data da propositura da acção (insolvência, falência, recuperação de empresa ou procedimento extrajudicial de conciliação) previsto no n.º 1 do artigo 319.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho;

No período a que se referem os créditos requeridos, parte dos mesmos encontra-se registada do(a) trabalhador(a) como equivalências, pelo que não podem ser abrangidos pelo Fundo de Garantia Salarial.

Procedeu-se ainda a redução oficiosa, conforme consta da análise efectuada e resulta do subsistema de informação do Fundo;

8. Os montantes garantidos foram calculados com base nos limites, global e mensal, estabelecidos no número 1, do artigo 320º da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, bem como deduzidos os valores correspondentes às contribuições para a Segurança Social e à retenção na fonte de IRS, nos termos da disciplina contida no nº 3 do artigo 320.º do mesmo diploma;

9. Nestes termos, propomos o deferimento parcial dos requerimentos, porquanto, não obstante se encontrarem preenchidos os requisitos previstos nos artigos 316.º e seguintes da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, conducentes à intervenção do Fundo de Garantia Salarial, importa considerar os fundamentos expostos no ponto 7. da presente informação;

10. Caso se concorde com o disposto na presente Informação, deverá ser dado conhecimento do mesmo; (…)”.

– cfr- fls. 31 a 37 do processo administrativo.

F) Em 31.10.2011, sobre a informação que antecede recaiu despacho de “Concordo” – cfr. fls. 37 do processo administrativo.

G) O Autor foi notificado para o exercício do direito de “audiência prévia”, por ofício com data de 31.10.2011, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e, do qual consta, além do mais, o seguinte:
“Pelo presente ofício e nos termos do despacho de 31 de Outubro de 2011, do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, fica notificado de que o requerimento apresentado por V.Ex.ª será deferido parcialmente, efectuando-se o pagamento e retenções abaixo descriminados.
(…)
O(s) fundamento(s) para o deferimento parcial é(são) o(s) seguinte(s):

- remunerações ajustadas tendo em conta remuneração mensal registada

- parte dos créditos requeridos encontra-se vencida em data anterior ao período de referência, ou seja, nos seis meses que antecedem a data da propositura da acção (insolvência, falência, recuperação de empresa ou procedimento extrajudicial de conciliação) previsto no n.º1 do artigo 319.º da Lei 35/2004, de 29 de Julho.

Valor IlíquidoDedução TSURetenção IRSValor Líquido
Retribuições2.001,97220,230,001.781,74
Indemnização0,000,000,00
Outras Prestações0,000,00
Total2.001,97220,230,001.781,74

Mais se informa, que na falta de resposta, o deferimento parcial ocorre no primeiro dia útil seguinte ao termo do prazo acima referido, (…).”

– cfr. fls. 37 e 38 do processo administrativo.

H) O A. exerceu o seu direito de audiência prévia, cujos termos aqui se dão por integralmente reproduzidos – cfr. 42 a 47 do processo administrativo.

I) Por ofício com data de 22.11.2011, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e, do qual consta, além do mais, o seguinte:

“Pelo presente ofício e nos termos do despacho de 31 de Outubro de 2011, do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, fica notificado de que o requerimento apresentado por V.Ex.ª foi deferido parcialmente, efectuando-se o pagamento e retenções abaixo descriminados.

O(s) fundamento(s) para o deferimento parcial é(são) o(s) seguinte(s):

- remunerações ajustadas tendo em conta remuneração mensal registada

- parte dos créditos requeridos encontra-se vencida em data anterior ao período de referência, ou seja, nos seis meses que antecedem a data da propositura da acção (insolvência, falência, recuperação de empresa ou procedimento extrajudicial de conciliação) previsto no n.º1 do artigo 319.º da Lei 35/2004, de 29 de Julho.

Valor IlíquidoDedução TSURetenção IRSValor Líquido
Retribuições2.001,97220,230,001.781,74
Indemnização0,000,000,00
Outras Prestações0,000,00
Total2.001,97220,230,001.781,74

Mais se informa, (…)”

– cfr. fls. 41 dos autos.

J) Dá-se por integralmente reproduzido, o teor dos recibos de vencimentos referentes aos meses de Março, Abril, Maio, Junho e Dezembro de 2008 e de Janeiro a Novembro de 2009, dos quais consta, além do mais, o seguinte: “vencimento: 531,50€” – cfr. fls. 7 a 15 do processo administrativo.

K) A presente petição de impugnação foi apresentada em juízo no dia 29.02.2012 - cfr. fls. 2 dos autos.


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III - Enquadramento jurídico.

Importa determinar se a retribuição das férias e o subsídio de férias relativos ao ano de 2009, a gozar em 2010, se venceram dentro do período de referência de seis meses previsto no artigo 319º da Lei nº 35/2004, de 29.07.

O Recorrido apresentou junto dos serviços competentes do Fundo de Garantia Salarial, um requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, ao abrigo do regime jurídico do Fundo de Garantia Salarial.

Por despacho do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial de 31.10.2011, o requerimento do Recorrido foi parcialmente deferido, não tendo sido assegurado o pagamento da retribuição de férias e subsídio de férias relativos ao ano de 2009, uma vez que se encontram fora do período de referência previsto no n.º 1 do artigo 319.º, da Lei n.º 35/2004, de 29/07.

De acordo com a Lei, o Fundo de Garantia Salarial, assegura o pagamento dos créditos previstos no artigo 317.º do CT/2009 que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação de insolvência.

A acção de insolvência foi proposta no dia 02.12.2010, pelo que o período de referência fica definido entre 02.06.2010 e 02.12.2010.

O n.º 1 do art. 319.º do referido diploma legal estabelece que só os créditos “que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a propositura da ação”, são assegurados pelo Fundo de Garantia Salarial.

A questão que é suscitada no presente recurso já foi tratada e decidida no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 24.10.2014, no processo nº 00168/12.3 PNF, também subscrito pelo ora relator, que aqui se reproduz do qual se retira o seguinte:

O regime legal vigente de acesso ao Fundo de Garantia Salarial encontra-se estatuído nos Artº 317º a 326º do Regulamento do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 35/2004, de 29 de Julho, mantido em vigor enquanto não fosse publicada a legislação especial sobre o Fundo de Garantia Salarial, nos termos do Artº 12º, nº 6, al. o) da Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro, que aprovou o então novo Código de Trabalho.

Do regime vigente, resulta que a lei exige a verificação cumulativa de determinados requisitos para que o Fundo de Garantia Salarial possa assegurar o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação e cessação.

Dispõe o referido Artº 317º da Lei nº 35/2004 que “o Fundo de Garantia Salarial assegura, em caso de incumprimento pelo empregador, ao trabalhador o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação nos termos dos artigos seguintes”.

Por outro lado, o Artº 318º do mesmo diploma refere, no âmbito de aplicação, os casos de declaração judicial de insolvência da entidade empregadora, na medida em que, nos termos do seu nº 1, o “Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos a que se refere o artigo anterior, nos casos em que o empregador seja judicialmente declarado insolvente”.

No entanto, o Fundo de Garantia Salarial não garante o pagamento de todos e quaisquer créditos, mas tão-somente os que se encontrem abrangidos na previsão do Artº 319º da mesma Lei nº 35/2004, na qual se estatui:

«1 - O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos previstos no Artº 317º que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação ou apresentação do requerimento referido no artigo anterior.

2 – Caso não haja créditos vencidos no período de referência mencionado no número anterior, ou o seu montante seja inferior ao limite máximo definido no nº 1 do artigo seguinte, o Fundo de Garantia Salarial assegura até este limite o pagamento dos créditos vencidos após o referido período de referência.

3 – O Fundo de Garantia Salarial só assegura os pagamentos dos créditos que lhe sejam reclamados até três meses antes da respetiva prescrição».

O transcrito determina pois, em síntese, que o referido Fundo assegura ao trabalhador, em caso de incumprimento pelo empregador judicialmente declarado insolvente, o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho, desde que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação de declaração de insolvência.

Deste modo, ressalvadas as situações que caem no âmbito do nº 2 do Artº 319º, para que o Fundo de Garantia Salarial assegure o pagamento desses créditos, são cumulativamente exigíveis dois requisitos, a saber:

a) A prévia instauração da ação de insolvência e
b) O Vencimento dos créditos reclamados, nos seis meses anteriores à data da instauração da ação de insolvência.

Aqui chegados, verifiquemos, em concreto, a situação sub judice.

Em face de tudo quanto se mostra provado, é manifesta a aplicabilidade à situação controvertida do Artº 318º da Lei nº 35/2004.

Efetivamente a ação de insolvência foi instaurada em 02/12/2010, tendo o aqui Recorrido reclamado correspondentemente os seus créditos salariais junto do Administrador de Insolvência.

Assim sendo, importará tão-só verificar do preenchimento do segundo requisito resultante do nº 1 do Artº 319º da referida Lei nº 35/2004.

A discordância do aqui Recorrente/FGS relativamente ao acórdão recorrido assenta na data de vencimento dos créditos salariais e afins, reportados a férias e subsídios de férias, cujo pagamento o Recorrido sempre pretendeu obter do Fundo de Garantia Salarial.

O Recorrente, com recurso ao Artº 237º, nº 1 da Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro, situa em 1 de Janeiro de 2010 o vencimento dos créditos salariais do Recorrido, face à retribuição e ao subsídio de férias do ano de 2009.

A ser assim, não se mostraria preenchido o circunstancialismo temporal previsto no nº 1 do Artº 319º da Lei nº 35/2004.

Em qualquer caso, como bem se sublinha no acórdão recorrido e acompanhado pelo Magistrado do Ministério Público junto deste TCAN, o vencido em 1 de Janeiro de 2010 foi o direito a férias e não já os referidos e correspondentes créditos salariais, o que é diverso.

Acompanhando o sentido do expendido no Acórdão Recorrido, é manifesto que o Recorrente incorre em erro de interpretação, decorrente da circunstância de confundir dois conceitos diversos.

Efetivamente, o direito a férias e o direito à perceção dos correspondentes créditos remuneratórios são realidades jurídicas distintas, ainda que conexas, pois que se verifica um desfasamento temporal face ao vencimento de ambos os referidos direitos, como é sublinhado lapidarmente no acórdão recorrido.

Na realidade, o direito a férias é uma realidade que não pode ser confundida com o direito à retribuição durante as férias e com o subsídio de férias, pois, como se disse, são realidades conexas, mas distintas.

O que se vence em 1 de Janeiro de cada ano, in casu, em 01/01/2010, é o direito do trabalhador ao gozo de um período de férias, atento o artigo 237.º, n.º 1, do Código do Trabalho, reportando-se ao trabalho prestado no ano precedente (n.º 2, do mesmo Artº 237º do CT).

Por outro lado, os créditos correspondentes à retribuição durante as férias e o subsídio de férias apenas se vencem no próprio mês em que o trabalhador goza as mesmas, sendo que o direito ao subsídio de férias se vencerá imediatamente antes do início do gozo do período de férias, como resulta do artigo 264.º, n.º s 1 e 3, do mesmo Código.

Não tendo sido alegado e muito menos provado que o aqui recorrido tenha gozado férias antes de 2 de Junho de 2010, enquanto início do período de garantia, é manifesto o direito do aqui Recorrido à perceção do montante correspondente ao subsídio de férias relativo ao trabalho prestado em 2009.

Em face de tudo quanto precedentemente ficou expendido, não se mostra censurável o entendimento adotado pelo tribunal a quo ao condenar o FGS no pagamento dos montantes definidos, improcedendo assim o Recurso intentado pelo Recorrente/FGS.”

No mesmo sentido se pronunciam os acórdãos do mesmo Tribunal Central Administrativo Norte, de 02.07.2015, de 06.11.2014, nos processos nº 01826/11.5 PRT, e 00163/12.2 PNF.

O Fundo de Garantia Salarial tem uma finalidade social que justifica que sejam adoptados limites à sua intervenção, não só limites temporais que decorrem do enquadramento comunitário que lhe está subjacente (Directiva 80/987/CC, de 20.10), como também, limites ao montante global pago.

O Fundo apenas garante aquele montante, duplamente limitado, conforme resulta do disposto nos artigos 319º e 320º da Lei 35/2004 de 29.07, que o legislador entendeu ser adequado e justo para, por um lado, proteger o trabalhador numa situação de perda de rendimentos que não lhe é imputável, com complemento do sistema de segurança social e, por outro, garantir a sustentabilidade do próprio Fundo.

Daí que os créditos fora do período de referência a que alude o n.º 2 do artigo 319º da Lei 35/2004, de 29.07, ainda que existam e estejam reconhecidos, não podem ser pagos pelo Fundo de Garantia Salarial.

Encontrando-se a data da cessação do contrato de trabalho dentro do período de referência, o trabalhador tem direito a receber, pelo Fundo de Garantia salarial, os créditos salariais referentes à retribuição pelas férias e respectivo subsídio.

Tendo a sentença recorrida decidido no sentido ora sustentado, não merece provimento o presente recurso interposto pelo Réu, impondo-se manter a decisão recorrida nos seus precisos termos.

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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que mantêm a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Porto, 07.10.2016
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Luís Garcia
Ass.: Alexandra Alendouro