Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02055/14.1BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/28/2018
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:APENSAÇÃO DE PROCESSOS; ARTIGO 28º DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS DE 2002; DESERÇÃO DA INSTÂNCIA; INÉRCIA DO AUTOR;
ARTIGO 81º, Nº 1, DO MESMO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL; NEGLIGÊNCIA DA PARTE; N.º 1 DO ARTIGO 281º, N. º1, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL; PRINCÍPIO DA TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA;
REVALÊNCIA DAS DECISÕES DE FUNDO SOBRE AS ECISÕES DE FORMA; N.ºS 1 E 5, DO ARTIGO 20º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA; ARTIGOS 2º E 6º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2013.
Sumário:
1. Do disposto no artigo 28º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos de 2002 não decorre que a apensação seja uma imposição legal às partes ou sequer automática.
2. A própria norma afasta a possibilidade de apensação quando “o estado do processo ou outra razão torne especialmente inconveniente a apensação”. Situações que só o Tribunal pode avaliar.
3. Notificado o autor, na pessoa da sua mandatária, para, no prazo de 10 dias, informar sobre se requereu ou ia requerer a apensação de acções ao processo que indicou como mais antigo, sem que nada tenha dito ou requerido nem no prazo de dez dias, nem até à data de prolação da sentença de extinção da instância por deserção, não se pode dizer, apesar de ter sido a mandatária da autor a requerer a apensação, não se pode dizer, nesta situação, que o processo esteve parado por inércia do autor, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 281º, n.º1, do Código de Processo Civil, norma invocada na decisão recorrida para declarar a deserção da instância.
4. Ao autor cabe a faculdade de pedir a apensação. Ao Tribunal cabe determiná-la oficiosamente se tiver conhecimento de uma situação que a justifique e entender que não é desaconselhada, nos termos inequívocos do citado artigo 28º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
5. Na verdade a apensação de processos tem subjacente o interesse público – não apenas das partes – na celeridade e simplificação processual, pelo que o processo poderia – deveria – ter prosseguido, decorridos os dez dias, sem que o autor nada tivesse dito quanto a ter ou não pedido a apensação ao processo mais antigo.
6. É a única solução que compagina com a letra do artigo 28º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e melhor se coaduna com o princípio da tutela jurisdicional efectiva e da prevalência das decisões de fundo sobre as decisões de forma – n.ºs 1 e 5, do artigo 20º, da Constituição da República Portuguesa, e artigos 2º e 6º do Código de Processo Civil de 2013.
7. Com efeito, como é pacífico entendimento jurisprudencial, com o actual regime legal (que deixou de prever a interrupção da instância e reduziu drasticamente o prazo para a extinção da instância por deserção), pressuposto da deserção da instância é que haja negligência da parte ou das partes omitindo o impulso processual que lhes compete – artigo 81º, nº 1, do mesmo Código de Processo Civil. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:VMGCC
Recorrido 1:Estado Português – Ministério da Educação
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Revogar a decisão recorrida
Ordenar a baixa dos autos
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO
Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

VMGCC veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que declarou deserta a instância e, consequentemente, também declarou a sua extinção (artigo 277º alínea c) do Código de Processo Civil), na acção que moveu contra o Estado Português – Ministério da Educação.
Invocou para tanto, em síntese, que não estava, por lei, obrigado a requerer a apensação dos presentes autos ao processo mais antigo, pelo que o seu silêncio não pode conduzir à deserção da instância, devendo, antes, os autos prosseguir até final, já que a apreciação dos presentes autos não dependia da apensação.
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O Recorrido, Estado Português, representado pelo Ministério Público junto deste Tribunal, contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
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Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:
a) Somente por notificação de 09.04.2017 é que o Autor foi notificado para se pronunciar sobre se queria, ou não, requerer a apensação dos presentes autos ao processo que em 13.03.2017 lhe foi identificado como sendo o mais antigo.
b) Do silêncio do Autor ao não requerer a apensação dos presentes autos àquele mais antigo e supra identificado, deveriam os autos prosseguir até final.
c) Ao Autor não era oponível a obrigatoriedade de requerer tal apensação.
d) O facto de o Autor não se ter pronunciado quanto ao querer, ou não, a apensação dos presentes autos a outro mais antigo, nada obstava a que os autos prosseguissem até final, já que da apensação nada dependia da apreciação da matéria nos presentes autos.
e) Devendo o Tribunal a quo ter procedido à selecção da matéria em discussão e marcado data para a audiência de julgamento.
f) A sentença recorrida, ao assim não entender, incorre em errada interpretação de lei, pelo que deverá ser revogada.
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II – Devemos dar por assente a seguinte matéria de facto, pertinente para a apreciação das questões objecto do recurso:
1. VMGC veio deduzir a presente ação administrativa comum contra o Estado Português- Ministério da Educação, pedindo, em suma e a final, que os seus contratos de trabalho sejam declarados como de duração indeterminada, devendo ser integrado nos quadros do Ministério da Educação, assim como na condenação do Réu ao pagamento das diferenças salariais, e de indemnização pela não transposição da Directiva 1999/70/CEE.
2. A 25.01.2016 foi realizada audiência prévia, em cuja acta ficou consignado:
“Em seguida, pela Senhora Mandatária do Autor foi pedida a palavra, que sendo-lhe concedida disse: «A Mandatária do Autor intentou no mesmo período de tempo no transacto ano de 2014 mais de cinquenta acções cuja única diferença é a identificação dos respectivos Autores.
Atento o exposto, requer a V. Exa. se digne conceder ao Autor o prazo de 10 (dez) dias, para que nesse prazo possa vir aos autos identificar aquela que seja mais antiga para que após requeira a apensação a todas estas acções a esta, a fim de que seja mais fácil ver-se cumprido o princípio da segurança jurídica.
Dada a palavra ao Digno Procurador, pelo mesmo foi dito nada ter a opor.
Nesta altura pelo Mmª Juiz foi proferido o seguinte
DESPACHO
a) Defiro a suspensão da instância.
b) Notifique.”
3. O Autor veio aos autos listar oito processos pendentes, dos quais não logrou conseguir, com certeza, qual dos processos é o mais antigo, requerendo que os serviços do Tribunal Administrativo do Porto oficiosamente fornecessem essa informação aos autos.
4. A 13.03.2017, foi proferido o seguinte despacho:
“1. Informe os autos de processo nº 2055/14.1BEPRT, de que não foi formulado qualquer pedido de apensação.
2. Em face do que me vem informado pela Senhora mandatária do Autor, afigura-se-me que o processo mais antigo é o 2053/14.5BEPRT.”
5. A de 09.04.2017, foi enviada notificação à Mandatária do Autor do seguinte despacho:
“Notifique o Autor para informar nos autos, no prazo de 10 [dez] dias, sobre se requereu ou vai requerer a apensação de acções, como por si referido na sessão de audiência prévia.
Remeta ainda cópia do meu despacho de 13 de Março de 2017.”
6. Notificado desse despacho, com cópia do despacho de 13.03.2017, o Autor nada disse ou requereu até 12.01.2018.
7. Em 12.01.2018 foi proferida sentença, pela qual foi declarada deserta a instância e, consequentemente, também declarada a sua extinção nos termos do disposto no artigo 277º, alínea c), do Código de Processo Civil.
*
III. O Enquadramento jurídico.
1. A aplicação do artigo 277º, alínea c), do Código de Processo Civil.
O Autor nas suas alegações de recurso alega que não estava, por lei, obrigado a requerer a apensação dos presentes autos ao processo mais antigo, pelo que o seu silêncio não pode conduzir à deserção da instância, devendo, antes, os autos prosseguir até final, já que a apreciação dos presentes autos não dependia da apensação.
Vejamos:
Os presentes autos deram entrada em juízo em 2014, pelo que nos termos do artigo 15º, nº 2, do Decreto-Lei nº 214-G/2015, é-lhe aplicável o Código de Processo nos Tribunais Administrativos de 2002.
Determina o artigo 28º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos de 2002:
“1. Quando sejam separadamente propostas acções que, por se verificarem os pressupostos de admissibilidade previstos para a coligação e acumulação de pedidos, possam ser reunidas num único processo, deve ser ordenada a apensação delas, ainda que se encontrem pendentes em tribunais diferentes, a não ser que o estado do processo ou outra razão torne especialmente inconveniente a apensação.
2. Os processos são apensados ao que tiver sido intentado em primeiro lugar, considerando-se como tal o de numeração inferior, salvo se os pedidos forem dependentes uns dos outros, caso em que a apensação é feita na ordem de dependência.
3. A apensação pode ser requerida ao tribunal perante o qual se encontre pendente o processo a que os outros tenham de ser apensados e, quando se trate de processos que estejam pendentes perante o mesmo juiz, deve ser por este oficiosamente determinada, ouvidas as partes.”
Deste artigo não decorre que a apensação seja uma imposição legal às partes ou sequer automática.
A própria norma afasta a possibilidade de apensação quando “o estado do processo ou outra razão torne especialmente inconveniente a apensação”. Situações que só o Tribunal pode avaliar.
É certo que foi a Mandatária do Autor quem manifestou a vontade de requerer essa apensação, o que foi determinante de um despacho em sede de audiência prévia de suspensão da instância para identificação do processo mais antigo e identificado este pelo próprio tribunal, foi aquela notificada para, no prazo de 10 [dez] dias, informar sobre se requereu ou ia requerer a apensação de acções, sem que nada tenha dito ou requerido nem no prazo de dez dias, nem até à data de prolação da sentença de extinção da instância por deserção.
Não se pode dizer, na situação presente, que o processo esteve parado por inércia do Autor, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 281º, n.º1, do Código de Processo Civil, norma invocada na decisão recorrida para declarar a deserção da instância.
Ao Autor cabe a faculdade de pedir a apensação. Ao Tribunal cabe determiná-la oficiosamente se tiver conhecimento de uma situação que a justifique e entender que não é desaconselhada, nos termos inequívocos do artigo 28º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, acima citado.
Na verdade a apensação de processos tem subjacente o interesse público – não apenas das partes – na celeridade e simplificação processual.
O processo poderia – deveria – ter prosseguido, decorridos os dez dias, sem que o Autor nada tivesse dito quanto a ter ou não pedido a apensação ao processo mais antigo.
É a única solução que compagina com a letra do artigo 28º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e melhor se coaduna com o princípio da tutela jurisdicional efectiva e da prevalência das decisões de fundo sobre as decisões de forma – n.ºs 1 e 5, do artigo 20º, da Constituição da República Portuguesa, e artigos 2º e 6º do Código de Processo Civil de 2013.
Com efeito, como é pacífico entendimento jurisprudencial, com o actual regime legal (que deixou de prever a interrupção da instância e reduziu drasticamente o prazo para a extinção da instância por deserção), pressuposto da deserção da instância é que haja negligência da parte ou das partes omitindo o impulso processual que lhes compete – artigo 81º, nº 1, do mesmo Código de Processo Civil.
Decorridos os tais dez dias sem que o Autor manifestasse que requereu a apensação de acções, deveriam os autos ter prosseguido, tanto mais que se a apensação tivesse sido requerida, já teria sido pedido o envio dos autos para apensação ao processo mais antigo.
Decorreram mais de seis meses sem que tivesse sido pedido tal envio dos presentes autos para apensação, pelo que se tornava imperioso prosseguir com os ulteriores termos dos mesmos. Conhecendo-se oficiosamente da conveniência ou não da apensação.
Merece, pois, provimento o presente recurso, impondo-se a revogação da sentença de deserção e consequente extinção da instância, devendo os autos prosseguir os seus ulteriores termos com decisão sobre a eventual apensação de processos.
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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional, pelo que:
A) Revogam a decisão recorrida.
B) Ordenam a baixa dos autos a fim de que os autos sigam os seus ulteriores termos.
Não é devida tributação.
Porto, 28.06.2018
Ass. Rogério Martins
Ass. Luís Garcia
Ass. Alexandra Alendouro