Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00658/17.1BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/29/2019
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:FGS; PRAZO DE CADUCIDADE; ARTº 319º Nº 3 LEI Nº 35/2004, DE 29/07
Sumário:
1 – O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento ao trabalhador de créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação, desde que seja: a) Proferida sentença de declaração de insolvência do empregador; b) Proferido despacho do juiz que designa o administrador judicial provisório, em caso de processo especial de revitalização; c) Proferido despacho de aceitação do requerimento proferido pelo IAPMEI - Agência para a Competitividade e Inovação, I. P. (IAPMEI, I. P.), no âmbito do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas.
2 - Perante um prazo longo de caducidade ao abrigo da lei antiga e um prazo mais curto de caducidade ao abrigo da nova lei, impõe-se o recurso ao artigo 297º do Código Civil para determinar a contagem desse prazo.
3 - Sendo de 20 anos – prazo ordinário de prescrição dos direitos – o prazo para reclamar créditos salariais junto do Fundo de Garantia Salarial que foram reconhecidos por sentença judicial, face ao disposto nos artigos 309º e 311º, n.º1, do Código Civil e no artigo 319º nº 3 da Lei nº 35/2004, de 29.07, e faltando assim anos para a caducidade do direito de reclamar o pagamento dos referidos créditos, o prazo de caducidade de um ano a contar da cessação do contrato de trabalho que resulta da aplicação do artigo 2º, nº 8, do Decreto-Lei nº 59/2015, de 21.04, só começa a contar-se a partir da entrada em vigor deste último diploma legal, 4 de Maio de 2015, face ao disposto no 297º do Código Civil. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:SCFM
Recorrido 1:Fundo de Garantia Salarial
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Revogar a decisão recorrida
Julgar a acção procedente
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no qual, a final, se pronuncia no sentido de o presente recurso jurisdicional não obter provimento"
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
SCFM, devidamente identificada nos autos, no âmbito de Ação Administrativa que intentou contra o Fundo de Garantia Salarial, tendente à impugnação do Despacho do Presidente do Conselho de Gestão do FGS que em 21/11/2016 indeferiu o pedido que havia formulado, no sentido de lhe serem pagos os créditos laborais que entendia ter direito, inconformada com a decisão proferida no TAF de Braga que em 20 de outubro de 2017 julgou improcedente a Ação, veio recorrer jurisdicionalmente para esta instância em 28 de novembro de 2017, tendo apresentado as seguintes conclusões:
I - A Lei n º 35/2004, de 29 de Julho, no seu artigo 319º previa que "o Fundo de Garantia Salarial só assegura o pagamento dos créditos que lhe sejam reclamados até três meses antes da respetiva prescrição"
II - Encontrando-se o crédito da Recorrente reconhecido por sentença homologatória da transação do Tribunal de Trabalho, de 23/11/2012, o prazo de prescrição ocorrera a 23/11/2032 (prazo ordinário de 20 anos)
III - Pelo que, face à refenda Lei, a Recorrente está em tempo para apresentar o requerimento de pagamento pelo Fundo de Garantia Salarial
IV - Um dos pressupostos necessários para requerer o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho é a emissão de certidão comprovativa dos créditos reclamados pela ora Recorrente, na qualidade de trabalhadora da firma insolvente.
V - Tendo a sentença de insolvência sido decretada em 30/11/2014, e tendo sido o crédito reconhecido apenas no início de 2015, não poderá a Recorrente requerer ao FGS o pagamento dos seus créditos emergentes do contrato de trabalho em data anterior
VI - A certidão requerida Junto aos autos do processo de insolvência apenas foi remetida em 28/04/2015, tendo sido rececionada em 30/04/2015, quinta-feira e véspera de feriado, pelo que a Recorrente apenas conseguiu dar entrada do requerimento em 04/05/2015, data de entrada em vigor do DL 59/2015, de 21 de Abril
VII - Assim, não sendo convocável a regra de proibição expressa e automática de retroatividade das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, a situação recai, porém, no campo normativo do princípio da proteção da confiança dos Cidadãos, ínsito no princípio do Estado de Direito, que se encontra consagrado no artigo 2 º da Constituição
VIII - Sendo certo que a mudança legislativa operada pela norma em análise afeta os efeitos Jurídicos produzidos sob o domínio do direito anterior, na medida em que Impede a ora Recorrente de exercer o seu direito de requerer o FGS
IX - É, portanto, à luz do princípio da proteção da confiança que terá que ser apreciada a sua conformidade constitucional, pois assume, na jurisprudência constitucional portuguesa, um conteúdo normativo preciso, que faz depender a tutela da confiança legítima dos cidadãos da verificação de alguns requisitos ou testes cumulativos, designadamente, a confiança (legítima) dos particulares na continuidade do quadro normativo vigente e as razões de interesse público que motivaram a alteração
X - O princípio da aplicação Imediata da lei, sendo pertinente para a presente questão de constitucionalidade, não tem, todavia, por efeito a aniquilação da legitimidade das expetativas que os privados tenham depositado na comunidade de um determinado regime normativo mesmo em matéria de processo desde logo, como qualquer princípio, ele é por natureza harmonizável com outros princípios, como o da tutela da confiança
XI - A norma objeto do presente processo deve ser, por isso, submetida ao teste do princípio da confiança, analisando-se se o comportamento do legislador nesta matéria foi de molde a criar nos cidadãos expetativas legítimas, justificadas e fundadas de continuidade, em que estes se basearam ao formular planos de vida
XII - Assim, decisões passadas tomadas pelos Cidadãos com base num determinado quadro normativo, relativamente estável, tiveram as suas consequências atuais e futuras afetadas negativamente pela presente alteração legislativa
XIII - Sendo assim, a Recorrente depositou uma confiança legítima, criada e aumentada pelo legislador, representando o novo regime uma imprevisível opção legislativa defraudadora dessa confiança nada fazia prever, pela anterior conduta legislativa, que fosse retirado o prazo concedido pela lei anterior para formular o seu pedido
XIV - Estas são razões suficientes para conferir legitimidade, consistência e validade às expetativas da Recorrente
XV - As situações jurídicas afetadas pela alteração introduzida pela norma em análise apresentam-se como dignas de proteção. O que torna inevitável um exercício de ponderação que tem, num dos seus polos, o interesse da Recorrente em ver protegida a confiança que legitimamente depositou na não alteração do ordenamento jurídico, e no outro, o interesse público que subjaz à alteração
XVI - Neste âmbito, o Tribunal deve confrontar o peso relativo da posição de confiança, afetada por uma mutação legislativa, com as razões que motivaram a alteração Identificáveis como interesse púbico
XVII - Prosseguindo a mudança, em si mesma, um objetivo legítimo, o princípio da proteção da confiança requer a apreciação do modo como ela foi introduzida no ordenamento
XVIII - No caso das normas em análise pode dizer-se que a Recorrente perdeu o acesso ao FGS por força da situação gerada com a mutação legislativa e que, com isso, ficou impedida da defesa e exercício do seu direito
XIX - Assim, o interesse público subjacente àquele regime não tem um contrapeso suficientemente tenso face à medida da afetação da confiança legítima dos credores
XX - Nessa medida, a norma objeto do pedido afeta excessivamente as expetativas dos particulares que se mostram legítimas e fundadas em boas razões, com ofensa do princípio constitucional da proteção da confiança dos Cidadãos, ínsito no princípio do Estado de Direito, que se encontra consagrado no artigo 2º da Constituição.
Termos em que dando-se provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão proferida, declarando-se procedente a ação, farão V. Exa. a sua inteira JUSTIÇA.”
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O Recorrido/FGS não veio a apresentar contra-alegações de Recurso.
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O Recurso apresentado veio a ser admitido por Despacho de 26 de fevereiro de 2018.
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O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado em 5 de março de 2018, veio a emitir Parecer em 10 de março de 2018, no qual, a final, se pronuncia “no sentido de o presente recurso jurisdicional não obter provimento”.
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Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir, designadamente, o suscitado erro de julgamento quanto à interpretação das normas jurídicas aplicáveis, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.
III – Fundamentação de Facto
Consta da decisão proferida a seguinte factualidade:
1. O Autor trabalhou por conta da sociedade PPSMI, LDA, desde 02.11.2009 até 15.11.2011, data em que cessou o contrato – Cfr. fls. 30 do PA.
2. Em 08.11.2010 a firma SCSI, SA, instaurou uma ação declarativa que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Vila Nova de Gaia – 2ª secção de Comércio – J1 sob nº 879/10.8TYVNG, requerendo a insolvência da PPSMI, LDA Facto não controvertido (ver ponto 04 da PI e Doc. 3 da PI).
3. A sociedade PPSMI, LDA foi declarada insolvente por sentença proferida em 30.11.2014 no âmbito do processo referido em 02) – Cfr. fls. 20/28 do processo físico.
4. A Autora reclamou créditos junto do Administrador de insolvência no âmbito do processo de insolvência referido em 03 no montante de € 6.090,27 – Cfr. fls. 23/25 do PA. cujo teor se tem por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais.
5. Em 04.05.2015 a Autora requereu junto do Fundo de Garantia Salarial o pagamento de créditos laborais no valor de € 6.204,96 – Cfr. fls. 30/31 do PA, cujo teor se tem por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
6. Em 21.11.2016, na sequência da apresentação do requerimento referido em 05) foi prestada a seguinte informação pelo Núcleo do Fundo de Garantia Salarial:
“(…) verifica-se que cessaram os contratos de trabalho em 2011/11/15….
E apresentaram os requerimentos ao Fundo em 2015/05/04…
Face ao que antecede, conclui-se que foi observado o prazo legal supramencionado, o que, consequentemente, impossibilita a intervenção do Fundo.
O referido prazo, previsto no nº 8, do artigo 2º trata-se de um prazo de caducidade pelo que, findo o mesmo, o exercício do direito a requerer créditos ao Fundo caduca.
Ademais, de acordo com o disposto no artigo 328º do Código Civil, o prazo de caducidade não admite suspensões ou interrupções, salvo situações em que a lei o determine, não sendo esse o caso.
Nestes termos, propõe-se o INDEFERIMENTO dos requerimentos, por não se encontrarem preenchidos os requisitos previstos no Decreto Lei 59/2015, de 21 de abril, designadamente, os requerimentos não foram apresentados no prazo de um ano, a partir do dia seguinte aquele em que cessou o contrato de trabalho, conforme plasmado no nº 8 do artigo 2º.
(…)” – Cfr. fls. 40/41 do PA.
7. Em 21.11.2016, com base na Informação referida em 07), o Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial emitiu o seguinte Despacho: “ Concordo” – Cfr. fls. 40 do PA.
8. Por ofício de 12.12.2016 foi comunicado à Autora que, por despacho de 21.12.2016 do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial a sua pretensão, a que alude o ponto 05), foi indeferida – Cfr. fls. 18 do processo físico.
9. Consta do oficio referido no ponto anterior, entre o mais, que:
“(…) O(s) fundamento(s) para o indeferimento é (são) o(s) seguinte(s):
- O requerimento não foi apresentado no prazo de 1 ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, nos termos do nº 8 do arteº 2º do Dec. Lei 59/2015 de 21 de abril.”
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IV – Do Direito
No que ao direito concerne, e no que aqui releva, discorreu-se em 1ª instância:
“Se bem vemos, o pomo da discórdia entre as partes centra-se no facto de terem entendimentos divergentes quanto à natureza do prazo de um ano vertido no nº 8 do artigo 2º do DL nº 59/2015 de 21.04 (NRFGS), entendendo a Autora que se trata de um prazo de prescrição e que, tendo o crédito sido reconhecido por decisão do Tribunal de Trabalho através de sentença de 2012, só prescreve o crédito em 20 anos. e por assim ser deveria acudir-se às causas que interrompem o seu curso como o
Refere também que só depois de reconhecido o crédito em 2015 poderia requerer o pagamento de créditos junto do FGS.
Importa consultar, antes de mais, os normativos que irão nortear a nossa análise e que importa convocar.
Decorre do artigo 336º do CT que: “o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, que não possam ser pagos pelo empregador por motivo de insolvência ou de situação económica difícil é assegurado pelo Fundo de Garantia Salarial, nos termos previstos em legislação específica.”
A legislação especial a que se reporta o normativo transcrito é, in caso, o DL nº 59/2015 de 21.04 (NRFGS), atendendo à data do requerimento apresentado pelo Autor em Maio de 2015.
Decorre do artigo 3º (Aplicação da Lei no Tempo) do DL nº 59/2015 o seguinte:
“1 - Ficam sujeitos ao novo regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado em anexo ao presente decreto-lei, os requerimentos apresentados após a sua entrada em vigor.
2 - Os requerimentos apresentados ao Fundo de Garantia Salarial e pendentes de decisão são apreciados de acordo com a lei em vigor no momento da sua apresentação.
3 - Ficam sujeitos ao novo regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado em anexo ao presente decreto-lei, sendo objeto de reapreciação oficiosa:
a) Os requerimentos apresentados, na pendência de Processo Especial de Revitalização, instituído pela Lei n.º 16/2012, de 20 de abril;
b) Os requerimentos apresentados entre 1 de setembro de 2012 e a data da entrada em vigor do presente decreto-lei, por trabalhadores abrangidos por plano de insolvência, homologado por sentença, no âmbito do processo de insolvência”.
Na situação colocada é de aplicar o DL nº 59/2015, cuja entrada em vigor ocorreu em 04.04.2015 (primeiro dia útil do mês seguinte ao da sua publicação – cf. artigo 5º).
Com efeito, a Autora reclamou créditos junto do FGS em 04.05.2015 (Cfr. ponto 05) dos factos provados), sendo, por isso, em face do normativo transcrito, de aplicar o DL nº 59/2015 e respetivo anexo (que institui o NRFGS).
(...)
Por sua vez, e no mais essencial, prevê o artigo 2º (Créditos abrangidos), nº 8, do DL nº. 59/2015 que: “(…) O Fundo só assegura o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”.
Isto posto, importa assentar que, atenta a data em que a A. apresentou nos serviços do R. o seu requerimento para pagamento dos créditos salariais emergentes da cessação do contrato de trabalho- 04.05.2015-, uma vez que se encontrava em vigor, como se viu, o Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial (NRFGS), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.04, bom de ver está que foi excedido o prazo de um ano para a sua apresentação.
Na verdade o contrato cessou em 2011 (Cfr. ponto 01) dos factos provados) e o requerimento no FGS foi apresentado, como se disse, em 2015, mais de três anos após a cessação do contrato, sendo por isso intempestivo à luz do nº 8 do artigo 2º do NRFGS, como bem refere a entidade demandada ao indeferir a pretensão da Autora.
E, contrariamente ao entendido pela Autora, são irrelevantes, para a situação concreta, a existência de uma ação no Tribunal de Trabalho, um acordo de pagamento prestacional na sequência da ação judicial em 11 prestações em 2012 e até o reconhecimento de créditos pelo administrador de insolvência uma vez que, por opção legislativa pretendeu-se criar limites ao acesso ao FGS quer quantitativos, em termos de plafond máximo a pagar, quer temporais, limitando-se a pagar os créditos que se vençam nos seis meses que antecedem a instauração da insolvência e que sejam requeridos no prazo de um no a contra da cessação do contrato (Cfr. artigo 1º a 3º do DL 59/2015).
De facto, de acordo com o NRFGS, o FGS só assegura o pagamento dos créditos laborais que lhe sejam requeridos, caso estejam preenchidos os requisitos legais (designadamente os previstos no arte. 1º a 3º do NRFGS), até um ano a partir do dia seguinte àquele em que o trabalhador cessou o contrato de trabalho.
São irrelevantes as vicissitude apontadas pela Autora, ocorridas desde a cessação do contrato até à apresentação do requerimento passados mais de três anos, para impedir o prazo de um ano estabelecido no nº 8 do artigo 2º do NRFGS.
E isto porque, a par dos limites impostos ao seu acesso, acima referidos, não estamos perante um prazo de prescrição do direito, mas perante um prazo de caducidade de um ano para o exercício do direito.
Relativamente à natureza do prazo de um ano em destaque, a dissolução da problemática elencada deve ser buscada na diferenciação plasmada nos n.ºs 1 e 2 do art.º 298.º do Código Civil.
Realmente, estipula o n.º 1 do citado preceito que estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição. Por seu turno, o n.º 2 consagra que, quando, por força da lei ou da vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição.
Revertendo ao caso concreto, emerge com clareza que o prazo estipulado no art.º 2.º, n.º 8 do NRFGS pretende impor o exercício de um direito até um certo momento temporal, motivado por razões de segurança e certeza jurídica. Anote-se, que não está em causa um prazo do qual dependa a subsistência de um direito substantivo, uma vez que a existência do crédito salarial não se extingue pelo facto do seu pagamento não ser requerido ao R.. O que está em causa é, meramente, um prazo impositivo e certo para o exercício do direito de requerer o pagamento do crédito ao R.. O que quer dizer, portanto, que devendo tal direito ser exercido naquele prazo de um ano, este prazo assume, cristalinamente, a natureza de prazo de caducidade.
(...)
Como sabemos, os prazos de caducidade não se suspendem nem se interrompem, a não ser que a lei assim o determine, prevendo, nomeadamente, causas de interrupção ou suspensão, conformemente ao estipulado no art.º 328.º do Código Civil. O que quer significar que, toda a factualidade invocada pela Autora como constituindo causa de interrupção do referido prazo de um ano- a propositura da ação no Tribunal de Trabalho, acordo, reconhecimento de créditos na ação de insolvência, etc. - revela-se despiciente para este efeito.
Os prazos de caducidade não se suspendem nem se interrompem, a não ser que a lei assim o determine, prevendo, nomeadamente, causas de interrupção ou suspensão, conformemente ao estipulado no art.º 328.º do Código Civil. O que quer significar que, toda a factualidade invocada pela Autora como constituindo causa de interrupção do referido prazo de um ano- a propositura da ação no Tribunal de Trabalho, reconhecimento de créditos, data da declaração de insolvência, etc - revela-se inoperante para este efeito.
Em bom rigor, tendo o contrato de trabalho da A. cessado em 2011 (Cfr. ponto 01) dos factos provados), grassa à evidência que na data em que a A. requereu ao R. o pagamento dos seus créditos salariais em Maio de 2015 (Cfr. ponto 05) dos factos provados), há muito que o sobredito prazo de um ano se encontrava decorrido, consoante avançamos.
Assim, ainda que tenha havido recurso ao Tribunal de Trabalho, acordo, data de insolvência e até reconhecimento de créditos por banda do administrador de insolvência, tal é irrelevante para a situação colocada por se tratar de um prazo de caducidade, estando ultrapassado o prazo referido de um ano a que alude o artigo 2º nº 8 do NRFGS.
(...)
O disposto no DL nº 59/2015 e respetivo anexo, constitui norma de carácter especial onde se encontra o regime legal de que depende o deferimento pelo FGS dos pedidos de pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho no caso de insolvência das entidade empregadoras, sendo certo que no NRFGS também não se prevê qualquer causa suspensiva ou interruptiva do prazo para apresentação do requerimento para pagamento de tais créditos, designadamente, por via da instauração de qualquer processo, quer de natureza laboral, quer de insolvência ou de verificação de créditos pelo que, inexiste qualquer interrupção do prazo previsto no arte. 2º nº 8 do NRFGS, são normas de carácter especial consubstanciado um requisito legal imposto pelo NRFGS e que constitui conditio sine qua non para deferimento do pagamento pelo FGS dos créditos emergentes de contrato de trabalho.
Deste modo, assomando como manifesto que o prazo estabelecido no art.º 2.º, n.º 8 do NRFGS constitui um prazo de caducidade e que, por essa razão, não comporta causas de interrupção ou suspensão, impera concluir que, no momento em que a A. apresentou o seu requerimento para pagamento dos créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho, há muito se encontrava decorrido e esgotado o prazo de um ano contado desde a data da cessação do contrato de trabalho em causa. Por conseguinte, a decisão do R. não merece qualquer censura no que concerne ao fundamento que escora o indeferimento.
(...)
Ademais, recorde-se que, por via do FGS não nasce qualquer direito constituído na esfera da Autora mas uma mera expectativa, por forma a existir a violação do princípio da confiança.
Como se disse no Acórdão do TCAN, de 14-02-2014 no processo nº 756/07.0BEPRT: “Não se pode, efetivamente, dizer ou afirmar que é constitucionalmente imposto ao legislador ordinário, em nome do princípio que se extrai da al. a) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição, que, relativamente a cada crédito laboral vencido e não liquidado pelo empregador, tenha de ter ou de gozar de cobertura/garantia por parte do Estado, através do «FGS». (…)”
Como se sabe, um dos corolários do princípio da boa-fé consiste no princípio da proteção da confiança legítima, incorporando a boa-fé o valor ético da confiança, sendo esta proteção da confiança, também, decorrência do princípio da segurança jurídica, imanente ao princípio do Estado de Direito.
Porém, a aplicação do principio da proteção da confiança está dependente de vários pressupostos, desde logo, o que se prende com a necessidade de se ter de estar em face de uma confiança "legitima" o que passa, em especial, pela sua adequação ao Direito, não podendo invocar-se a violação do principio da confiança quando este radique numa expectativa.
Aqui chegados, mercê de tudo o quanto ficou exposto, atinge-se a conclusão que não assiste razão à Autora na pretensão condenatória que dirige a este Tribunal e que pretendia ver reconhecida, devendo, por isso, a sua pretensão naufragar. “
Importa agora analisar e decidir o suscitado.
Atenta a matéria de facto fixada, mas para permitir uma mais eficaz visualização daquilo que aqui está em causa, infra se esquematizará cronologicamente a principal factualidade aqui relevante:
a) A Insolvência da empregadora foi requerida em 08/11/2010
b) O Contrato Laboral do Trabalhador foi resolvido em 15/11/2011;
c) A trabalhadora reclamou os seus créditos no Procº 1182/11.1TTMTS (Tribunal de Trabalho de Matosinhos) em 29/11/2011
d) A Empregadora foi declarada insolvente por sentença transitada em julgado em 23/12/2014
e) O Trabalhador reclamou igualmente os seus créditos no processo de insolvência;
f) Em 04/05/2015 o trabalhador reclamou os créditos junto do FGS;
g) O Requerido foi recusado pelo FGS definitivamente por despacho de 21/12/2016, uma vez que “o requerimento não foi apresentado no prazo de um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, nos termos do nº 8 do Artº 2º do DL nº 59/2015, de 21 de abril”
Vejamos:
É certo que o Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.04, atual lei reguladora do Fundo de Garantia Salarial, fixa no artigo 2.º, nº 8, um prazo de caducidade de um ano.
Determina, por outro lado, o artigo 3º do mesmo Decreto-Lei n.º nº 59/2015, de 21.04 que ficam sujeitos ao novo regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado em anexo ao diploma, os requerimentos apresentados após a sua entrada em vigor.
Como se viu, o requerimento do Autor junto do FGS foi apresentado exatamente em 04/05/2015, data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º nº 59/2015, de 21.04 – artigo 5º do mesmo diploma legal -, pelo que, por força do artigo 3º do mesmo, ser-lhe-á aplicável o prazo de caducidade do novo diploma legal.
No entanto, já a anterior legislação regulamentadora do Fundo de Garantia Salarial estabelecia requisitos temporais para apresentação do requerimento junto do Fundo de Garantia Salarial, dispondo o artigo 319.º da Lei 35/2004, de 29.07, no seu n.º 3, que o Fundo de Garantia Salarial só assegurava o pagamento dos créditos que lhe fossem reclamados até 3 meses da respetiva prescrição.
A prescrição prevista no artigo 337º nº 1 do anexo da Lei nº 7/2009, de 12.02, que aprovou a revisão do Código do Trabalho dispõe:
“O crédito do empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.”
O contrato de trabalho do Autor cessou como se viu em 15/11/2011, pelo que prescreveria, se não se verificasse interrupção, seguida de alteração do prazo, em 16/02/2012.
No entanto, a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito – artigo 323º, nº 1, do Código Civil.
A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, sem prejuízo do disposto nos nºs 1 e 3 do artigo seguinte – artigo 326º nº 1 do Código Civil.
A nova prescrição está sujeita ao prazo de prescrição primitiva, salvo o disposto no artigo 311º, nos termos do disposto no artigo 326º, nº 2, ambos do Código Civil.
Estabelece o artigo 311º, nº 1, do Código Civil que o direito para cuja prescrição, ainda que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença transitada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo.
Mostrando-se provado que a aqui Recorrente reclamou os seus créditos no processo de despedimento (Procº 1182/11.1TTMTS - Tribunal de Trabalho de Matosinhos), em 29/11/2011, é manifesto que se mostrava suspenso o prazo de prescrição, determinante de que
a mesma só viria a ocorrer passados vinte anos, como resulta do artigo 311º nº 1, conjugado com o artigo 309º, ambos do Código Civil.
É assim notório que à face da lei antiga faltava muito tempo para ocorrer a prescrição dos créditos cujo pagamento é requerido ao Réu e, consequentemente, sendo o prazo de caducidade da reclamação desses direitos ao Fundo de Garantia Salarial, de três meses antes da respetiva prescrição, faltariam muitos anos para ocorrer essa caducidade.
Em qualquer caso, a nova lei estabelece um prazo mais curto de caducidade – um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho - artigo 2.º nº 8 do Decreto-Lei n.º nº 59/2015, de 21.04.
Perante um prazo mais longo de caducidade ao abrigo da lei antiga e um prazo mais curto de caducidade ao abrigo da nova lei, impõe-se o recurso ao artigo 297º para determinar a contagem desse prazo.
Determina este artigo que a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.
Já vimos que segundo o artigo 319º nº 3 da Lei nº 35/2004, de 29.07, faltavam vários anos para a caducidade do direito de reclamar o pagamento dos créditos dos Autores e que segundo o artigo 2º, nº 8, do Decreto-Lei nº 59/2015, de 21.04, o prazo de um ano de caducidade só começou a contar a partir da entrada em vigor desse diploma legal – 4 de Maio de 2015, caducando em 4 de Maio de 2016.
Tendo o requerimento para pagamento dos créditos laborais dado entrada no FGS em 04/05/2015, é manifesto que se não verificou a caducidade do direito da aqui Recorrente.
Assim, revogar-se-á a decisão recorrida, mais se determinado que o FGS proceda à reapreciação do Requerimento da aqui Recorrente à luz da sua tempestividade.
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Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao Recurso interposto, revogando-se a sentença Recorrida, mais se determinando a reapreciação do Requerimento da aqui Recorrente, pelo FGS, à luz da sua declarada tempestividade.
Custas pela Entidade Recorrida, em ambas as instâncias, sem prejuízo da isenção de que goza.
Porto, 29 de março de 2019
Ass. Frederico de Frias Macedo Branco
Ass. Nuno Coutinho
Ass. Ricardo de Oliveira e Sousa