Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00513/14.7BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/30/2014
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Mário Manuel Feliciano Rebelo
Descritores:RECLAMAÇÃO.
CREDOR RECLAMANTE.
PAGAMENTO DEPOIS DA VENDA.
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA POR INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Sumário:1. O pagamento voluntário realizado após a venda não susta o concurso de credores.
2. Este deve prosseguir para verificação e graduação de créditos porque só assim o credor reclamante poderá ser pago na execução pelos bens sobre que tiver garantia.
3. Se o juiz tomando conhecimento do pagamento da quantia exequenda (realizado depois da venda) extinguiu a instância por inutilidade superveniente do processo de verificação e graduação de créditos, o credor reclamante poderá recorrer dessa decisão.
4. Se o não fizer e transitar em julgado a decisão, não pode obter pagamento na execução pelo produto da venda do bem penhorado, precisamente porque não viu o seu crédito verificado e graduado.*

* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:Caixa Económica... e outros
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

A Exma. Representante da Fazenda Pública junto do TAF de Aveiro, inconformada com a sentença proferida no TAF de Aveiro que julgou totalmente procedente a reclamação deduzida por Caixa Económica... dela recorreu formulando alegações e concluindo como segue:

1- A decisão recorrida assenta no pressuposto de facto incorrecto de que não foi entregue à aqui Recorrida o imóvel que constituía contrapartida da quantia paga.
2- Da factualidade dada como provada resulta que uma vez pago o preço pela Recorrida, foi pelo Serviço emitido, em 2006/04/23, o respectivo título de adjudicação.
3- Ficando, assim, a Recorrida munida de título suficiente para registar a aquisição a seu favor, bem como tomar posse do imóvel.
4- A própria Recorrida reconhece, em sede de requerimento dirigido ao Chefe de Finanças de Aveiro 2 e que subjaz à decisão reclamada, que procedeu ao registo a seu favor da dita aquisição.
5- Em momento algum foi invocado pela Recorrente que não lhe tinha sido entregue o bem adquirido, assim como não foi pela Recorrente contrariado tal facto.
6- A questão táctica da entrega do imóvel foi carreada para a acção com a douta sentença, constituindo um factor surpresa.
7- Tal circunstância permite agora que a Recorrente junte documentos que lhe permitem contrariar o dito facto novo, apenas relevantes face á decisão do Tribunal Recorrido.
8- E bem assim, junta doc. 1 e doc. 2, com vista a demonstrar que a Recorrida não só tomou posse do imóvel adquirido em execução fiscal, corno já procedeu à sua alienação a terceiros, em nome dos quais se encontra registado actualmente.
9- Da conjugação das normas do n° 1 do art. 7°, do nº 5 do art. 590º e do art. 3° do NCPC decorre que, mesmo sendo legítimo ao Julgador adquirir para o processo factos novos instrumentais ou complementares não alegados pelas partes, deles não deve fazer uso na sentença sem previamente os comunicar à parte que deles não beneficie de contraditório.
10- A douta sentença recorrida ao relevar tal facto (não entrega electiva do bem) como fundamento da sua decisão violou as sobreditas normas dos n°s 1 do art. 7°, n°5 do art. 590º e art. 3° do NCPC.
11- O que não pode deixar de ser cominado com nulidade tal como prevista no n° 1 do art. 195º do mesmo diploma legal.
12- A restituição da quantia em causa, nos moldes assumidos na douta sentença recorrida, pressupõe que a venda foi dada sem efeito e que o pedido da Recorrida se cinge à restituição do preço.
13- Não é esse, contudo o pedido da Recorrida que pretende manter a propriedade do imóvel já vendido) e simultaneamente ser “ressarcida” do preço pago, porque entende que, a ser feita a graduação de créditos, lhe caberia, na qualidade de credora reclamante, a totalidade do produto da venda.
14- Só se concebe a restituição à Recorrida da quantia peticionada por duas vias: a anulação da venda ou a graduação dos créditos.
15- No primeiro caso, implicaria uma restituição do preço pago ao comprador e uma restituição ao vendedor do bem vendido.
16- Tal solução pressuporia uma reactivação do processo executivo, sendo certo que não foi invocado pelo Recorrida qualquer fundamento de anulação da venda, nem tão pouco esta anulação constitui o pedido da presente acção.
17- O segundo caso implicaria uma decisão de Verificação e Graduação de Créditos que não pode agora ser proferida pelo Órgão da Execução Fiscal, tendo em conta que o Processo de Verificação e Graduação de Créditos n° 613/09.5BEAVR (ao tempo da competência ao Tribunal) foi extinto por Inutilidade da lide, cuja decisão se encontra transitada em julgado.
18- Resulta da matéria dada como provada que a Recorrida foi notificada dessa decisão, cabendo-lhe, na qualidade de interessada em dela reagir, interpor o respectivo recurso judicial.
19- Não o tendo feito, a Recorrida deixou precludir o direito,
20- Nesta conformidade e, na ausência de outras dívidas dos executados, a quantia em causa deve reverter a seu favor.
21- A entrega â Recorrida de qualquer valor inerente à quantia em causa não se concebe, pois, pela via da restituição, mas tão só através da penhora efectuada no âmbito da execução por si movida contra aqueles executados.
22- Não pretende a Administração apoderar-se do valor em causa, muito menos locupletar-se à custa alheia.
23- De resto, o enriquecimento sem causa pressupõe quatro requisitos:
- a existência de um enriquecimento;
- que ele careça de causa justificativa;
- que o mesmo tenha sido obtido à custa do empobrecimento daquele que pede a restituição;
- que a lei não faculte ao empobrecido outro meio de ser restituído/indemnizado;
24- No caso não se verificou qualquer aumento do património da Administração, encontrando-se o produto da venda sem qualquer aplicação e penhorado já pela Recorrida.
25- O montante em causa foi entregue à Recorrida como contrapartida pela aquisição de um imóvel em execução fiscal, que dele tomou posse e inclusive já o alienou, obtendo, assim, um ganho.
26- A Recorrida dispunha de meios de reacção legalmente previstos para reagir, com vista a obter a entrega da quantia pretendida, sem que deles tenha feito uso.
27- Donde resulta que não se verificando qualquer um dos referidos requisitos, não tem aplicação ao caso o instituto do enriquecimento sem causa.
* * *
Nos termos vindos de expor e nos que Vªs Ex.ªs, sempre mui doutamente, poderão suprir, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar a decisão recorrida, substituindo-a por outra que julgue a Reclamação totalmente improcedente, como se nos afigura estar mais consentâneo com o Direito e a Justiça.



CONTRA ALEGAÇÕES.
A recorrida contra alegou e assim concluiu:
A. A Fazenda Pública interpôs recurso da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, que deferiu na totalidade o pedido da Recorrida, determinando a anulação do acto reclamado, com todas as consequências legais.
B. A Fazenda Pública vem alegar factos novos, não arguidos pelas partes, mais juntando documentos, também eles novos para o caso sub judice.
C. A decisão do douto Tribunal revela uma valoração correcta da matéria de facto dada como provada e sua subsunção nas normas aplicáveis, não violando qualquer disposição legal, pelo que deverá ser mantida na sua totalidade.
D. No essencial, entendeu o Exmo. Senhor Juiz do Tribunal a quo que, a posição da Fazenda Pública é inadmissível, por ser manifesta a errada aplicação da lei e a ofensa à ideia de Justiça a que a prática conduz, não se alcançando qual o fundamento legal para a actuação da AT no procedimento de venda em causa, bem como não se entendendo qual o fundamento legal que obsta à devolução do preço pago ou o fundamento legal para a hipotética penhora da quantia em causa, pertencente à Recorrida, e eventual utilização para pagamento das dívidas dos Executados.
E. Não aceita o Mmo. Juiz que o produto da venda, a depositar à ordem da execução fiscal, não tenha sido distribuído pelos Credores em função da graduação de créditos a efectuar pelo Tribunal Tributário.
F. No entendimento do Mmo. Juiz é absurdo, infundado e iniquo, consubstanciando um manifesto caso de enriquecimento sem causa o facto de a Direcção de Finanças ter considerado que não há lugar à reabertura dos processos, atendendo que as decisões transitaram em julgado, o que obstaria à restituição do valor entregue ao Estado a título do preço do imóvel.
G. Deve ser restituída a quantia que impropriamente a Fazenda Pública recebeu ou que recebeu por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou, uma vez que, a quantia em apreço se encontra depositada em conta “fora” da execução fiscal, pronta para lhe ser dado o destino legalmente adequado, sem necessidade de reabrir o processo de execução fiscal.
H. A douta sentença deu total provimento à aqui Recorrida, uma vez que a decisão por si impugnada padece de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, assistindo-lhe o direito à imediata restituição do valor em causa (€ 70.400,00).
I. Considerou o Mmo. Juiz que o acto deve ser anulado e em seu lugar ser praticado outro isento de vícios.
J. A Recorrida sempre esclareceu que, reclamou os seus créditos tempestivamente, em sede de execução fiscal movida contra os Executados (por dívidas referentes a IRS), na qualidade de Credora com garantia real fundada em Hipoteca.
K. Mais salientou que em 26.03.2008, adjudicou a fracção penhorada designada pela letra “…”, do prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de Gafanha da Nazaré, concelho de Ílhavo, sob o artigo ….
L. E que procedeu ao depósito da totalidade do preço no montante de € 70.400,00, bem como registou devidamente a aquisição (cfr. arts. 2.º a 7.º da petição inicial).
M. O produto dessa venda não foi graduado e encontra-se até hoje na posse da AT.
N. A AT, após a realização da venda, extinguiu o processo de execução por suposto pagamento pelos Executados, verificando-se a também suposta inutilidade superveniente da lide, tendo considerado erradamente a inexistência Credores e de dívida exequenda.
O. A AT apoderou-se do dinheiro pertencente à Recorrida, estando ainda disposta a restituir tal montante (que não é sua pertença) aos Executados/Devedores.
P. Ora, a Recorrida não é Executada nem responsável pelo pagamento da dívida em apreço.
Q. A decisão originária da AT enferma de ilegalidade por diversas ordens de razões.
R. In casu, a AT apropriou-se, indevidamente, do montante depositado pela Recorrida para: pagar às custas da Recorrida a dívida dos Executados, com a consequente extinção do processo de execução fiscal; e reter, até à presente data, desde 2008, o remanescente da quantia depositada.
S. A Recorrida é Credora com garantia real, adjudicou o imóvel e não foi graduada enquanto tal.
T. A Recorrida pagou um bem que já era seu por força da garantia real registada a seu favor e atendendo a que numa situação normal e enquanto única Credora receberia o montante pago em sede de graduação de créditos.
U. Contrariamente ao que a Fazenda Nacional quer fazer valer a Recorrida não está a pedir mais do que aquilo a que tem direito.
V. É falso o argumento de que a Recorrida pretenda manter a propriedade do imóvel e simultaneamente ser “ressarcida” pelo preço pago.
W. O raciocínio utilizado pela Fazenda Pública não passa de uma manobra para tentar ludibriar o douto tribunal no sentido que mais lhe convém.
X. Acredita a Recorrida que tal comportamento revela má-fé da AT.
Y. Com a venda do imóvel, a Recorrida apenas obteve a justa quantia de um bem que era seu por direito.
Z. A Recorrida ficou empobrecida, uma vez que com o depósito do preço (€ 70.400,00) destinado à adjudicação pagou tão-só o seu próprio ónus da hipoteca, liquidando internamente a dívida afecta ao crédito emergente do contrato que celebrou com os Executados.
AA. O referido valor foi “provisoriamente” depositado, atendendo a que em sede de graduação de créditos que teria que ocorreu e que nunca ocorreu tal montante reverteria sempre a seu favor.
BB. A AT satisfez o seu crédito (IRS) e extinguiu o processo não tendo em consideração o crédito reclamado pela Recorrida, passando por cima de qualquer graduação de créditos, a qual competia ao TAF e se encontrava pendente de decisão.
CC. A AT privilegiou ilegalmente o pagamento do seu próprio crédito (que, sendo relativo a IRS, não poderia prevalecer sobre a hipoteca), e, de forma ilegítima, ainda dando nota ao TAF, desse pagamento, já depois da venda do imóvel, e que o mesmo, devia determinar desde logo a extinção da execução fiscal e da própria graduação de créditos.
DD. Ressalva-se que, a AT num primeiro momento afirmou que os Executados liquidaram a dívida voluntariamente (em 16.10.2008) nunca tendo provado tal ocorrência. E vem agora, em sede de recurso, alegar que afinal as dívidas dos Executados foram liquidadas por duas formas: venda do imóvel e pagamento voluntário.
EE. A entrega aos Executados do produto da venda, conduzirá a prejuízo irrecuperável para a Recorrida.
FF. As AT, desde 2008, que bloquearam valores que não são da sua pertença e dos quais se apoderou “sem peias”, pagando-se de um crédito que, a ter sido proferida a competente Verificação e Graduação de Créditos, nunca seria graduado à frente do crédito da Recorrida.
GG. As próprias AT afirmaram que o dinheiro pago pela venda se encontra parado.
HH. A douta sentença torna bem clara a dispensa de tal formalismo, uma vez que a quantia se encontra depositada nas AT e pode ser colmatada a falha cometida, com a restituição do montante à Recorrida.
II. Efectivamente, e em clara contradição com a posição da AT, estamos face a um caso de enriquecimento sem causa.
JJ. Instituto que constitui, no nosso ordenamento jurídico, uma fonte autónoma de obrigações e assenta na ideia de que pessoa alguma deve locupletar-se à custa alheia.
KK. O enriquecimento carecerá de causa sempre que o direito não o aprove ou consinta, dado não existir uma relação ou um facto que, de acordo com as regras ou os princípios do nosso sistema jurídico, justifique a deslocação patrimonial ocorrida (a favor do enriquecido e à custa do empobrecimento de alguém), isto é, que legitime o enriquecimento.
LL. Neste caso concreto, o Serviço de AT obteve uma vantagem, sacrificando a Recorrida.
MM. Ocorreu empobrecimento para a Recorrida, porquanto com o depósito do valor cifrado em € 70.400,00, destinado à adjudicação, a Recorrida pagou o seu próprio ónus da hipoteca, liquidando internamente a dívida afecta ao contrato celebrado com os Executados.
NN. Tal valor foi “provisoriamente” depositado, dado que com a graduação (que nunca ocorreu!) o mesmo deveria reverter novamente a seu favor.
OO. Prossegue a Recorrida empobrecida na quantia de € 70.400,00, referente ao crédito que ainda detém em aberto para com os Executados, decorrente do contrato outrora celebrado com os mesmos.
PP. Assim, a decisão das AT deverá ser revogada/anulada, porque ferida de vício de violação de Lei e de erro na interpretação da Lei, atendendo a que AT procura conformar a interpretação da Lei à sua actuação ilegal.
QQ. É patente a violação de princípios constitucionalmente consagrados, que se conjugam com os próprios princípios de Procedimento e Processo Tributários.
RR. A AT deve intervir nos processos como Credor imparcial, isto é tem de cobrar créditos dentro dos limites e, como tal, não pode favorecer o próprio crédito em detrimento dos restantes créditos, em consonância com o legalmente previsto pelos arts. 55.º e 59.º, ambos da LGT e com o art. 48.º do CPPT.
SS. A AT não pode por em causa os princípios da justiça, da imparcialidade, da proporcionalidade, preceituados pelo art. 55.º da LGT.
TT. Padece de erro nos pressupostos de facto a decisão da AT – por nunca ter tido em linha de conta o erro da inexistência de graduação de créditos, previsto pelo art. 278.º n.º 3 al. e) do CPPT.
UU. Pelo que, assim sendo, deverá a decisão ser anulada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo - aplicável ex vi alínea c), do artigo 2.º, da LGT.
VV. Em conclusão, a douta sentença, posta em crise pela Fazenda Pública, deve ser integralmente mantida.

Em face de toda a factualidade exposta, e porque a douta sentença bem decidiu, deve a mesma ser mantida e ser o recurso apresentado pela Fazenda Pública considerado improcedente.




PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
A Exma. PGA junto deste TCAN emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.

DISPENSA DE VISTOS.
Com dispensa de vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr. artigo 675º/4 CPC e artigo 278º/5 do CPPT), o mesmo é submetido à Secção do Contencioso Tributário para julgamento do recurso.

II QUESTÕES A APRECIAR.
As questões que se impõe apreciar neste recurso, delimitadas pelas conclusões formuladas, conforme dispõem os artºs 635º/4 e 639º CPC «ex vi» do artº 281º CPPT, são as seguintes:
Nulidade da sentença (conclusões 9, 10 e 11);
Erro de julgamento de facto e de direito (conclusões 1 a 5, 12, a 19, 22 a 27);



III a) FUNDAMENTOS DE FACTO.

A sentença fixou os seguintes factos provados:
1. No Serviço de Finanças de Aveiro 2 foram autuados, além de outros, o seguinte processo de execução fiscal (PEF), para cobrança coerciva de dívidas em nome de J…, nif 1…, e M…, nif 1…:
Nº PEFAutuaçãoTributoPeríodo Quantia Exequenda
3417200501029967 9/10/2005 IRS e JC 2004 3.298,55
- PEF´s apensos;
2. Em 5/4/2006 o Serviço de Finanças de Aveiro -2 procedeu à penhora do imóvel descrito na matriz predial urbana da freguesia de Gafanha da Nazaré, concelho de Ílhavo, sob o artigo nº …, fracção…, e registado na respectiva Conservatória sob o nº 1…. A referida penhora foi registada sob a apresentação nº 33 de 6/9/2007, para garantia do PEF 3417200501029967 e da quantia exequenda de € 3.298,55 – fls. 6 e 27 a 31 do PEF 3417200501029967 em apenso;
3. Por ofício nº 30717, de 6/3/2008, enviado sob registo postal cujo aviso de recepção foi assinado em 7/3/2008, o Serviço de Finanças de Aveiro 2 citou a agora Reclamante, na qualidade de credor com garantia real, para os efeitos “do artigo 239º do Código de Processe e de Procedimento Tributário” e de que o bem iria ser vendido em 26/3/2008, pelas 11 horas, no referido Serviço de Finanças, por proposta em carta fechada – fls. 54 e 55 do PEF 3417200501029967 em apenso;
4. Com data de 25/3/2008 a agora Reclamante apresentou proposta de compra do prédio urbano acima referido pelo valor de € 70.400,00 – fls. 65 e 66 do PEF
3417200501029967 em apenso;
5. Na mesma data, em 25/3/2008, agora Reclamante apresentou no Serviço de Finanças uma “Reclamação de Créditos”, no montante de € 103.587,27, com base em garantia hipotecária sobre o imóvel em causa registada em 8/2/1999 – fls. 4 e seguintes do processo de Verificação e Graduação de Créditos nº 613/09.5BEAVR em apenso;
6. Em 26/6/2008 foi aberta e aceite a proposta de compra apresentada pela agora Reclamante, conforme 4 supra – fls. 67 do PEF 3417200501029967 em apenso;
7. Por ofício nº 30596, de 3/4/2008, a agora Reclamante foi notificada da adjudicação e para, no prazo de 15 dias, proceder ao pagamento do preço oferecido, tendo sido confirmado respectivo pagamento em 16/4/2008 – fls. 69 e 76 do PEF 3417200501029967 em apenso;
8. Em 22/4/2008 a agora Reclamante requereu a emissão “do título de transmissão referido no nº 2 do artigo 900º do CPC” e o cancelamento dos ónus e encargos que devam caducar com a venda – fls. 77 e 78 do PEF 3417200501029967 em apenso;
9. Em 23/4/2008 o Serviço de Finanças de Aveiro 2 emitiu “auto de adjudicação” do imóvel em causa a favor da agora Reclamante – fls. 80 do PEF 3417200501029967 em apenso;
10. Em nome do executado J… foram efectuados pagamentos por conta da divida em cobrança no processo de execução fiscal nº 3417200501029967, nomeadamente os seguintes:
Data Valor
29/6/2006 1.814,22
20/6/2008 800,00
8/8/2008 800,00
1/9/2008 800,00
16/10/2008 833,15
- fls. 12, 81 a 88 do PEF 3417200501029967 em apenso
11. Em 22/4/2009, no do PEF 3417200501029967 foi emitida a seguinte informação:
“Cumpre-me informar V.Exª que o executado J… efectuou o pagamento voluntário da divida e acrescido em 16/10/2008. Mais se informa, o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Gafanha da Nazaré, sob o artigo …, fracção …, foi vendido em hasta pública por este serviço em 26/3/2008” – fls. 92 do PEF 3417200501029967 em apenso;
12. Na mesma data, em 22/4/2009, o Chefe do Serviço de Finanças de Aveiro 2 proferiu o seguinte despacho: “Dado que foi efectuado o pagamento da divida e acrescido voluntariamente, nestes autos, proceda-se, nos termos do artigo 260º CPPT, ao levantamento da penhora e do cancelamento do registo da penhora Ap. 33, de 2007/09/06, que incide sobre o seguinte bem: T2 de habitação, sito na Rua…, Gafanha da Nazaré, Ílhavo, Inscrito na matriz predial urbana da Gafanha da Nazaré sob o artigo …, fracção … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ílhavo sob o nº 1…. Proceda-se aos movimentos escriturais de modo a dar pagamento à respectiva Conservatória, se devido. Feito isto, declaro extintos, por pagamento, os presentes autos. Averbamentos devidos”- fls. 92 do PEF 3417200501029967 em apenso;
13. Em 24/9/2009, o Chefe do Serviço de Finanças de Aveiro 2 proferiu o seguinte despacho no processo de execução fiscal nº 3417200501029967 e ap.: “Por proposta em carta fechada adquiriu em 26-03-2008 CAIXA ECONOMICA…, NIF 5…, no processo executivo 3417200501029967 deste Serviço de Finanças, o prédio urbano que se descreve "Fracção …, correspondente ao 2º andar esquerdo, destinado a habitação, com a área de 108,50m2, composta por hall d e entrada, sala, cozinha, despensa, 2 quartos e 2 casas de banho; no sótão e sobre esta um espaço de arrumos com a área de 71,80m2; ao nível do rés-do-chão e no tardoz, uma garagem com a área de 13,80m2, a 1" a contar da esquerda, inscrita na matriz predial urbana da freguesia da Gafanha da Nazaré sob o art.º … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ílhavo sob o n° 0…- Fracção …-Urbano- Gafanha da Nazaré".
O mesmo foi-lhe adjudicado em 23-04-2008 e a decisão já transitou em julgado.
Efectuou o pagamento do preço, tendo ficado isento(a) do Imposto de Selo nos termos da alínea c) do artigo 6° do Código do Imposto de Selo, bem como do IMT, nos termos do n. º 1 do artigo 8º e alínea b) do n.º 6 do art.º 10, do respectivo Código.
Assim, ordeno o levantamento da penhora e o cancelamento dos registos constantes da certidão de ónus e encargos que constitui folhas 30 a 31 do presente processo e faz parte integrante deste despacho, que incidem sobre o supra citado prédio (artigo 260°. do C.P.P.T.)” – fls. 105 do PEF 3417200501029967 em apenso;
14. Com o ofício nº 31980, de 24/9/2009, o Serviço de Finanças de Aveiro 2 remeteu ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro o processo de reclamação de créditos nº 9/2009, em que é reclamante a Caixa Económica…, a que foi atribuído o nº 613/09.5BEAVR - fls. 104 do PEF 3417200501029967 em apenso e fls. 2 do processo de Verificação e Graduação de Créditos nº 613/09.5BEAVR em apenso;
15. Em 9/10/2009 o Chefe do Serviço de Finanças de Aveiro 2 emitiu o seguinte
“Titulo de Transmissão (imóvel) – Â…, Chefe do Serviço de Finanças de Aveiro 2, certifico que no processo — supra identificado que corre termos neste Serviço contra J…, nif 1…e M…, nif 1… e em que é exequente a Fazenda Nacional, se procedeu, em 26-03-2008, à venda do imóvel abaixo indicado, pelo preço de 70.400,00€, o qual se mostra totalmente depositado na Tesouraria de Finanças de Aveiro 2.
Imóvel: Fracção …, correspondente ao 2° andar esquerdo, destinado a habitação, com a área de 108,50m2, composta por hall de entrada, sala, cozinha, despensa, 2 quartos e 2 casas de banho; no sótão e sobre esta um espaço de arrumos com a área de 71,80m2; ao nível do rés -do-chão e no tardoz, uma garagem com a área de 13,80m2, a 1a a contar da esquerda, inscrita na matriz predial urbana da freguesia da Gafanha da Nazaré sob o art.º … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ílhavo sob o n° 0…-Fracção…- Urbano- Gafanha da Nazaré.
Esta transmissão efectuou-se na data da venda supra citada, a favor do(s) arrematante(s), CAIXA ECONOMICA…, nif 5…, contribuinte a quem, tendo presente o disposto no n.º 1 do artigo 8º e alínea b) do n.º 6 do art.º 10º, ambos do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, foi reconhecida a isenção do pagamento do respectivo IMT, bem como do pagamento do Imposto de Selo nos termos da alínea c) do artigo 6° do respectivo código.
E para os devidos efeitos, passei o presente título nos termos do artigo 900º do Código do Processo Civil, aplicável ao processo de execução fiscal por força do disposto do artigo 1° do Código de Processo e de Procedimento Tributário, que dato e assino.” – fls. 111 do PEF 3417200501029967 em apenso;
16. Por decisão de 5/7/2011, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro julgou extinta a instância de verificação e graduação de créditos nº 613/09.5BEAVR por inutilidade superveniente da lide resultante do pagamento voluntário – fls. 67 do processo de Verificação e Graduação de Créditos nº 613/09.5BEAVR em apenso;
17. Por ofício de 12/1/2012, deste Tribunal, remetido sob registo postal para o mandatário judicial da agora Reclamante, foi efectuada a notificação da decisão acima referida – fls. 78 e 79 do processo de Verificação e Graduação de Créditos nº 613/09.5BEAVR em apenso e fls. 25 e 26 dos autos;
18. Por carta de 17/3/2014 a agora Reclamante requereu ao Chefe do Serviço de Finanças de Aveiro 2 “a reabertura do processo, no intuito de poderem ser colmatadas todas as incongruências verificadas, e devolvido o produto da venda que o Serviço de Finanças detém actualmente em seu poder indevidamente à aqui Credora” – fls. 136 e seguintes do PEF 3417200501029967 em apenso;
19. Por e-mail de L… (L…@….pt) para a Direcção de Finanças de Aveiro, em 26/3/2014 foi comunicado ao Director de Finanças que se tinham gorado as tentativas de resolução do problema por via telefónica e que o serviço de Finanças recomendou para expor a situação por escrito e foi-lhe solicitada “a habitual e melhor atenção para este caso e breve resolução e reposição da justiça tributária ” – PEF 3417200501029967 em apenso;
20. Em carta data de 28/3/2013 a agora Reclamante comunicou ao PEF 3417200501029967 a existência de procuração emitida a novo mandatário judicial – fls. 118 a 134 do PEF 3417200501029967 em apenso;
21. Em 8/4/2014 foi emitida informação nº 21/2014, homologada por despacho concordante do Director de Finanças de Aveiro, por delegação, datado de 11/4/2014, da qual se extracta, com interesse para os autos: “De Direito Quer a reclamação de créditos apresentada pela aqui Requerente, quer a venda em causa ocorreram em data anterior à entrada em vigor da Lei 55-A/2010, de 31112 que veio alterar o regime da Verificação e Graduação de Créditos, no sentido de passar a conferir competência para essa decisão ao órgão da execução fiscal.
Com efeito, até à entrada em vigor da referida Lei, as reclamações de créditos, uma vez apresentadas no SF, deveriam ser remetidas ao Tribunal, para efeitos de verificação e graduação dos créditos, nos erros previstos no, então, nº 2 do art. 245º do CPPT.
Apesar do efeito suspensivo quanto ao seu objecto, a verificação e graduação de créditos, não impedia, como não impede, o andamento da execução fiscal até à venda dos bens, por força do disposto no nº 1 do mesmo normativo.
Nesta conformidade, a reclamação apresentada pela Caixa Económica foi remetida ao TAF Aveiro para verificação e graduação de créditos e foi realizada no processo de, execução fis cal a venda do bem penhorado.
Sucede que, após a realização da dita venda, o processo executivo subjacente foi extinto por pagamento pelo executado.
Em consequência, foi pelo Tribunal proferida sentença que extinguiu o processo de verificação e graduação de créditos, por inutilidade superveniente da lide.
Tendo sido notificada desta decisão, cabia à aqui Requerente, na qualidade de interessada em ver alterado o decidido, dela reagir, designadamente por via de recurso.
Não o tendo feito, a decisão transitou em julgado e, como tal, tomou-se definitiva.
Não pode vir agora o órgão da execução fiscal, como pretende a Requerente, proferir, à luz da nova Lei, uma decisão de verificação e graduação de créditos, como se não existisse a decisão do Tribunal.
Não tendo reagido da sentença do TAF Aveiro no prazo para o efeito, ficou precludido o direito da Requerente de alterar o seu teor.
Acresce que e, contrariamente ao invocado pela Requerente na exposição dirigida ao OEF, não se está perante um enriquecimento sem causa, mas tão só perante a aplicação das regras que regulam as vendas executivas.
Com efeito, inexistindo credores reclamantes (e, no caso, considera-se que inexistem, uma vez que não há verificação e graduação de créditos, por determinação do Tribunal), inexistindo dívida exequenda (extinta por pagamento voluntário) e existindo produto da venda, este reverte a favor dos executados. Sendo certo que, a existirem outras dívidas fiscais dos executados, a AT, como qualquer outro credor no âmbito de acção executiva interposta contra os mesmos executados, pode proceder à penhora do produto da venda.
3. Conclusão
Do exposto resulta que, por decisão do Tribunal, a quem competia a verificação e graduação de créditos antes da entrada em vigor da Lei 55-A/2010, de 31/12, foi determinada a extinção do processo de verificação e graduação de créditos com referência ao PEF subjacente, por inutilidade da lide, em virtude da extinção da execução.
A execução foi extinta após a realização da venda do bem penhorado por pagamento pelo executado. Cabia à aqui Requerente, uma vez notificada da sentença do Tribunal, que dá conta da extinção da execução, dela reagir, designadamente através de recurso.
Não o tendo feito, a decisão tornou-se definitiva, pelo que terá que ser acatada.
Não pode agora o órgão da execução fiscal ignorar tal decisão e proceder, ao abrigo da nova Lei, verificação e graduação dos créditos.
Existindo produto da venda que não reverterá para qualquer credor, em face da referida decisão judicial, o mesmo deverá reverter para os executados.
Existindo outras dívidas fiscais tal quantia sempre poderá ser penhorada é ordem dessas dívidas, assim como o poderá fazer qualquer outro credor, em acção executiva movida contra os mesmos executados.
À consideração superior” – fls. 22 dos autos;
22. A presente Reclamação foi enviada sob registo postal de 5/5/2014 e entrada no Serviço de Finanças de Aveiro-2 em 6/5/2014 – fls. 4 e 39 dos autos;

E quanto aos factos não provados, consta da sentença o seguinte:
Não há factos a considerar como não provados com relevância para a boa decisão da questão.

No que respeita à motivação da decisão de facto, a sentença dita o seguinte:
A convicção do tribunal teve por base o confronto das posições das partes assumidas nos respectivos articulados e a análise global dos documentos juntos aos autos e aos processos apensos que, por não estarem impugnados, se dão como integralmente reproduzidos.
Da factualidade descrita resulta provado que a agora Reclamante pagou a quantia de € 70.400,00 a título de preço de aquisição do imóvel que lhe foi adjudicado em venda por proposta em carta fechada realizada pelo Serviço de Finanças de Aveiro 2 no âmbito do processo de execução fiscal (PEF) nº 3417200501029967. Além disso, por ter sido aceite o pagamento “voluntário” da divida pelos executados em momento posterior à referida adjudicação, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro julgou extinto o processo de verificação e graduação de créditos e o órgão de execução fiscal declarou extinta a respectiva execução, encontrando-se ainda a referida quantia de € 70.400,00 depositada em conta apropriada à ordem da mesma execução fiscal.
A Reclamante, que não é executada nem responsável pelo pagamento da divida em causa, pretende que lhe seja devolvida a quantia que pagou para compra do imóvel adjudicado e a Fazenda Pública recusa fazer a requerida devolução e dispõe-se a aplicar esse valor no pagamento de outras dívidas dos executados.


Aditamento de Factos, ao abrigo do disposto no art.º 662º/1 CPC:
23. Após o depósito da totalidade do preço, nos termos da al h), n.º 1 do art. 256º do CPPT, e emitido o respectivo título de transmissão pelo Chefe do Serviço de Finanças, a reclamante C… procedeu ao registo de aquisição a seu favor do prédio inscrito na matriz sob o artigo …/Gafanha da Nazaré.


III b) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

Antes de nos debruçarmos sobre a nulidade da sentença, vejamos a admissibilidade da junção de documentos nesta instância de recurso.
O ERFP requereu a junção de documentos nesta instância de recurso tendo em vista discutir a questão fática da entrega do imóvel, e só nesta fase porque a sua (não) entrega foi carreada para a sentença como um facto novo, e que em momento algum a reclamante contrariou.

Nessa perspectiva, o recorrente defende estarem verificados os requisitos previstos no art. 651º/1 do NCPC (correspondente ao anterior art. 693º B do CPC): a junção torna-se necessária em virtude de julgamento proferido na 1ª instância.

Mas a questão da entrega do imóvel não é uma questão controvertida. A reclamante, no artigo 7º da douta petição inicial, afirmou expressamente que após o depósito da totalidade do preço, nos termos da al h), n.º 1 do art. 256º do CPPT (..) procedeu-se ao respectivo registo de aquisição. Facto que também menciona no art.º 3 do requerimento endereçado ao Exmo. Chefe do Serviço de Finanças de Aveiro 2 (entrada de 18/3/2014) e que esteve na origem do despacho reclamado.

Assim, não sendo a questão do registo da propriedade do prédio a favor da C… (e respectiva entrega fáctica) matéria controvertida também é desnecessária a demonstração de que o imóvel foi, entretanto, vendido pela reclamante.

Nessa conformidade, pretendendo o ERFP juntar documentos para discutir a questão fáctica da entrega do imóvel deve concluir-se que o pedido não tem qualquer pertinência uma vez que a sua necessidade não resulta do julgamento proferido na 1ª instância (art.º 651º/1 CPC).

1) Posto isto, podemos agora encarar a questão da nulidade da sentença, arguida pelo Recorrente (conclusões 9 a 11).
A nulidade da sentença ocorre porque o julgador adquiriu para o processo factos novos instrumentais ou complementares não alegados pelas partes e deles fez uso sem previamente os comunicar à parte que deles não beneficiou do contraditório, diz o recorrente ERFP.

Os «factos novos» a que alude o recorrente são precisamente os factos respeitantes à não entrega do imóvel na sequência do pagamento do preço pela aquisição do imóvel efectuado pela reclamante C....

A questão da nulidade poderia efectivamente colocar-se se os factos em questão resultassem de esclarecimento, aditamento ou correcção e não fossem submetidos às regras do contraditório que a lei impõe (arts. 3º/5 e 590º/5 do NPCP).

Mas não é esse o caso, como se viu. Os factos em questão não têm qualquer «novidade», resultando apenas de erro de julgamento de facto, o que não é fundamento de nulidade da sentença (art.º 615º CPC).

2) Quanto ao erro de julgamento de facto e de direito, ou como pressupostos equívocos podem conduzir a decisão errada (conclusões 1 a 5, 12, a 19, 22 a 27).

Em vários passos da sentença se descortina que o MMº juiz «a quo» decidiu como se não tivesse havido entrega do imóvel adquirido pela reclamante. Assim, a título de exemplo, vejamos as seguintes passagens:

«Por outro lado, a quantia que entregou à Fazenda Pública, e que agora quer que lhe seja restituída, não constitui um “pagamento coercivo” que possa reverter para a execução fiscal sem qualquer contrapartida a favor da agora Reclamante…» (fls. 12 da sentença - realce nosso).
(…)
«Na realidade, trata-se de uma quantia depositada à ordem da execução fiscal a título do preço de aquisição de um imóvel que lhe foi adjudicado no procedimento de venda coerciva, o que pressupõe que em contrapartida lhe deveria ter sido entregue o imóvel que essa quantia se destinou a pagar…» (fls. 13 da sentença - realce nosso).
(…)
«…é indubitável que a requerida quantia de € 70.400,00 não pertence aos executados nem à Fazenda Pública, pelo que, na falta de entrega da coisa a cuja aquisição se destinava, deve a mesma quantia ser restituída ao seu legítimo dono: a Reclamante. Sob pena de a Fazenda Pública se apropriar injustificadamente de quantia de outrem» (fls. 13 da sentença – sublinhado nosso).

Vai daí, partindo do pressuposto de que a reclamante tinha pago o preço do imóvel e não o «recebera» da AT, a sentença considerou verificado o enriquecimento sem causa por banda desta, que embolsou o dinheiro da venda mas não entregou o imóvel, determinando por, fim, a anulação do acto reclamado com todas as consequências legais.

Em face do que ficou exposto, é manifesto o erro de facto em que laborou a sentença, o qual inquinou toda a subsequente fundamentação de direito e respectiva decisão.

Ora o despacho reclamado foi proferido na sequência do pedido formulado pela C... ao ECSF pedindo «a reabertura do processo, no intuito de poderem ser colmatadas todas as incongruências verificadas, e devolvido o produto o produto da venda que o Serviço de Finanças detém actualmente em seu poder indevidamente à aqui credora».

Isto porque sendo a reclamante C... credora com garantia real (hipotecária) sobre os executados, o seu crédito seria graduado à frente do crédito de IRS em cobrança no processo de execução fiscal. Logo, o preço que pagou pela aquisição do imóvel ser-lhe-ia devolvido quando houvesse pagamento segundo a ordem de graduação.

Antes de prosseguirmos, afigura-se-nos pertinente clarificar que no caso de haver pagamento à reclamante em função da posição que na graduação de créditos lhe coubesse, o preço que pagou pela aquisição do imóvel não lhe seria devolvido (ou restituído como também se diz na sentença). Poder-lhe-ia ser entregue quantia de igual montante (€ 70.400,00), mas isso em resultado do pagamento do seu crédito, e não como «devolução» do preço que pagou.

Parece-nos importante clarificar a linguagem, porque se falamos em «devolução», ou «restituição» do dinheiro em vez de pagamento do crédito reclamado, confundimos realidades jurídicas diferentes e acabamos por ficar enredados num labirinto conceptual desnecessário. Aliás, parece-nos que não fora algum equívoco na linguagem utilizada, sobretudo da C... ao falar na «devolução» do dinheiro, tudo resultaria mais claro.

Prosseguindo.
Como resulta dos factos provados, a reclamação de créditos no âmbito da qual a C... pretendia ver graduado o seu crédito, e que recebeu o n.º 613/09.5BEAVR foi extinta por inutilidade superveniente da lide em consequência de informação prestada pelo Serviço de Finanças de que fora efectuado o pagamento voluntário da quantia exequenda.

O TAF onde corria a reclamação de créditos (antes da nova redacção dada ao art. 245º pela Lei n.º 55-A/2010, de 31/12) ordenou a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide por decisão de 5/7/2011.
Esta decisão foi notificada à C... por ofício de 12/1/2012 (factos provados 16º e 17º), que com ela se conformou.

Mas tendo em conta o disposto no art.º 265º/3 do CPPT, prevenindo situações como a presente, a lei determina que o pagamento voluntário não sustará o concurso de credores se for requerido após a venda e só terá lugar, na parte da dívida exequenda não paga, depois de aplicado o produto da venda ou o dinheiro penhorado, no pagamento dos créditos graduados.

Comentando o preceito, diz Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado, IV, Áreas Editora, 2011, pp. 251 que «…se o pagamento for requerido após a venda e existirem créditos graduados, a liquidação tem de abranger também estes créditos, determinando-se a parte da dívida exequenda que não pode ser paga com essas quantias, salvo se o requerente exibir título extintivo de algum desses créditos, que então não é compreendido (n.º 3 do presente art. 265º e art. 917 n.º 1, do CPC). Por outro lado, se, na mesma hipótese, ainda não estiver feita a graduação dos créditos reclamados que tenham de ser liquidados, a execução prossegue somente para verificação e graduação desses créditos e só depois se faz a liquidação (art. 917.°, n.° 1, do CPC, que está em consonância com o n.° 3 deste art. 265.° do CPPT)».

E porque é que é necessário prosseguir a reclamação de créditos, em caso de pagamento voluntário depois da venda?

Pela simples razão de que o «credor reclamante só pode ser pago na execução pelos bens sobre que tiver garantia e conforme a graduação do seu crédito», como expressamente determina o art. 873º/2 do anterior CPC e 796º/2 do NCPC «ex vi» do art. 2º/e) do CPPT.

Ora a C... não reagiu contra a decisão de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide nos autos de reclamação de créditos.
E assim, não viu o seu crédito graduado.

E como o seu crédito não foi graduado, não pode obter pagamento na execução pelo produto da venda do bem penhorado. Extinto o incidente de verificação e graduação de créditos por inutilidade superveniente da lide, tudo se passa como se não tivessem sido apresentadas reclamações de créditos.

Nem se descortina qualquer base legal para que a AT satisfaça o pedido da reclamante e «reabra» o processo de execução fiscal com vista à graduação de créditos que foi declarada extinta por inutilidade superveniente da lide no tribunal.

Não reagindo contra a extinção daquela instância por inutilidade superveniente da lide, o trânsito em julgado da decisão implica o encerramento da discussão (art.º 620 e 621 do CPC).

E nem sequer há factos novos que possam justificar a renovação do pedido e subsequente renovação da instância (art.º 621º CPC).

A questão que agora se coloca é se, uma vez que não pode obter pagamento do seu crédito na execução, há que indagar se o valor pago pela aquisição do imóvel lhe pode ser devolvido.

Mas devolvido (e agora falamos de devolução no seu sentido próprio) como? Com que fundamentos jurídicos?

Não tendo sido requerida a anulação da venda, não se vê com que fundamentos poderá a reclamante C... defender a «devolução» do preço que pagou pela aquisição do prédio.

A título de enriquecimento sem causa da AT não será, pois não se pode dizer que a AT se locupletou com o preço da venda, não o integrou no seu património (art. 473º/1 do Código Civil)

E nem sequer falta causa justificativa para que a reclamante tenha entregue o respectivo valor monetário. Este constitui a contrapartida pela adjudicação do imóvel inscrito na matriz predial da freguesia da Gafanha da Nazaré, concelho de Ìlhavo, sob o artigo ... e integração da respectiva propriedade na esfera jurídica da C..., carecendo de sentido a afirmação da recorrida segundo a qual pagou um bem que já era seu por força da garantia real registada a seu favor (art. 39 e 71 das contra alegações e conclusão T).

Assim, e para concluir, não existindo credores com garantia real graduados, e estando o processo de execução fiscal extinto pelo pagamento voluntário, sem possibilidade legal de reabertura, a quantia arrecadada com a venda do imóvel não pertence à reclamante, nem à AT, mas sim ao património dos executados.

Nestas condições, e sdr por diferente opinião, afigura-se-nos que o despacho reclamado deve ser mantido.

IV DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em revogar a sentença recorrida e em consequência julgar improcedente a reclamação deduzida pela Caixa Económica….

Custas pela reclamante.

Porto, 30/09/2014.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Pedro Vergueiro
Ass. Vital Lopes