Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00293/21.0BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/10/2023
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:PROCEDIMENTO DISCIPLINAR;
RECURSO HIERÁRQUICO NECESSÁRIO;
INIMPUGNABILIDADE DO ACTO; ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

Relatório
DR. AA, com domicílio profissional no Instituto Superior de Contabilidade e Administração de ..., Quinta ..., ..., ... ..., propôs ação administrativa contra o INSTITUTO SUPERIOR DE CONTABILIDADE E ADMINISTRAÇÃO DE ... (ISC...), com sede no lugar já identificado, formulando os seguintes pedidos:
a) que seja declarada a nulidade de todo o procedimento disciplinar, pela irregularidade da nomeação do instrutor, pela caducidade do direito de instaurar o procedimento disciplinar, pela nulidade da acusação por falta de notificação ao arguido ou pela prescrição da sanção – o que determina o arquivamento do procedimento disciplinar;
b) ainda que assim se não entenda, que seja declarada nula a sanção aplicada, por manifesta falta de fundamentação e violação das regras de direito probatório, nos termos supra alegados;
c) para a hipótese de se considerar que incorreu na prática da infração disciplinar, que seja declarado que a sanção aplicada é claramente excessiva, violando o princípio da proporcionalidade, devendo sopesar-se as circunstâncias concretas em que a mesma alegadamente foi praticada, bem como todas as circunstâncias atenuantes a favor do A., devendo a mesma ser reduzida aos justos limites.



Por Saneador sentença proferido pelo TAF de Coimbra foi julgada verificada a excepção dilatória de inimpugnabilidade do acto impugnado e absolvido o Réu da instância.
Deste vem interpor recurso.
Alegando, o Autor formulou as seguintes conclusões:
1.ªApós as várias Reformas Constitucionais (1989 e 1997) e do Conten­cioso Administrativo, foi consagrado o direito fundamental à tutela jurisdicional efectiva administrativa (artigo 268.°, n.° 4, da CRP 1976), assim se exigindo que, perante um acto administrativo, dotado de eficácia externa e aptidão de lesividade, seja dada prevalência, em plano arrimado, à posição jusfundamental e administrativa do particu­lar, passando, para segundo plano, a tutela da legalidade e do interes­se público, ainda que sempre compatibilizáveis ou compatibilizadas, com aqueloutro desiderato.

2.ª - Em harmonia com o artigo 268.°, n.° 4, da CRP 1976, deve entender que, por regra, as impugnações administrativas (recurso, recurso hie­rárquico e/ou reclamação) são facultativas e, ainda que sejam “neces­sárias”, tal não preclude, imediatamente, ao produzir efeitos jurídico-públicos, na esfera de um particular, que tal administrado, lesado nos seus direitos fundamentais, deite mão logo da impugnação judicial; ou que, deitando mão da impugnação judicial, a mesma possa ser obstaculizada pela não impugnação administrativa, já que isso seria colocar como «pressuposto de admissibilidade da impugnação judicial», um pressuposto adicional que, caso não se verifique, levaria a perda de um direito fundamental à tutela jurisdicional administrativa.

3.ª - No caso dos autos, estamos perante uma decisão administrativa, no contexto da impugnação judicial de uma condenação, em processo disciplinar, ocorrido no contexto do exercício de trabalho em funções públicas, mas no quadro de instituições de Ensino Superior, com esta­tuto autonómico próprio e em que inexiste «organização administrati­va hierarquizada», pois que não se verifica uma relação de infra-supra-organização, entre vários entes administrativos ou os entes ad­ministrativos e o órgão superior da Administração Pública (o Governo – ex vi artigo 182.°, da CRP 1976). Na verdade,

4.ª - O Presidente do Instituto Politécnico de ... é distinto do Presi­dente do Instituto Superior de Contabilidade e Administração de ...­, sendo esta última uma unidade orgânica daquela entidade, mas tendo, esta face àquela, autonomia administrativa, financeira e estatu­tária. E, por isso, entre ambas as instituições míngua qualquer relação de supra-infra-hierarquização organizacional, razão pela qual dos ac­tos dos Presidentes há lugar, directa, como consta dos Estatutos, a impugnação judicial. Com efeito,

5.ª - Por Despacho Normativo do Gabinete do Ministro da Ciência, Tecno­logia e Ensino Superior n.° 21/2021, de 20 de Julho, foram homolo­gadas alterações aos Estatutos do Instituto Politécnico de ... [Diário da República, 2.ª série, N.° 139, de 20 de Julho de 2021: (28-68)], e, posteriormen­te, o Instituto Politécnico de ..., por Despacho n.° ...21, de 11 de Junho, viria a proceder à homologação dos Estatutos do Instituto Superior de Contabilidade e Administração de ... [Diário da República, 2.ª série, N.° 112, de 11 de Junho de 2021: (279-307)]. Ora,

6.ª - O ISC..., como se pode verificar pelo artigo 1.°, n.° 1, dos Estatutos do ISC... [https://www.], aprovados pelo Despacho n.° ...21, de 11 de Julho, do IPC, «O Instituto Superior de Contabilidade e Administração de ... (ISC...) é uma Unidade Orgânica de Ensino (UOE) do Instituto Poli­técnico de ... (IPC), e adota a designação de Instituto Superior de Contabilidade e Administração de ...»; e que, por força do n.° 3, alíneas a): «a) O ISC... dispõe de autonomia científica, peda­gógica, cultural, administrativa e disciplinar;»; e na alínea d): «d) Nos termos da autonomia administrativa do ISC..., os atos do presi­dente estão apenas sujeitos a impugnação judicial, salvo nos casos previstos na lei;».

7.ª - O IPC, segundo o artigo 5.°, dos seus Estatutos, aprovados pelo Des­pacho Normativo do Gabinete do Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior n.° 21/2021, de 20 de Julho, no seu n.° 1, refere: «O Instituto Politécnico de ... é uma pessoa coletiva de direito pú­blico, dotada de autonomia estatutária, pedagógica, científica, cultu­ral, administrativa, financeira, disciplinar e patrimonial.»; e o seu n.° 5 refere: «Nos termos da sua autonomia administrativa, os atos do presidente do Instituto Politécnico de ..., dos presidentes das UOE, do diretor da UOI, e dos diretores das UOA estão apenas su­jeitos a impugnação judicial, salvo nos casos previstos na lei».

8.ª - O que significa que a condenação disciplinar, apenas proferida pelo Presidente do ISC..., e não, como erroneamente e falsamente se diz na decisão judicial, pelo Presidente do IPC, não é alvo de RECURSO TUTELAR, nem é passível de RECURSO HIERÁRQUICO NECES­SÁRIO, por existir TOTAL AUTONOMIA DISCIPLINAR, em cada UNIDADE ORGÂNICA, componente do IPC, e, de igual modo, também dentro deste último, em matéria disciplinar, apenas se pode recorrer para o Tribunal. Ora,

9.ª - Não oferece qualquer dificuldade esta geografia organizacional, aten­ta a existência de entes administrativos, integrantes da Administração directa ou central ou de outros organismos ou entes, passíveis de tute­la de legalidade e superintendência, cuja orgânica está encadeada e hierarquizada até aos membros do Governo, só que, aqui, no Ensino Superior ou Universitário, em que os entes administrativos possuem autonomia, fixando-se na chamada administração autónoma ou inde­pendente, não se afigura possível aplicar sequer o regime dos artigos 224.° e 225.°, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.

10.ª - Sem prejuízo de que não resulta, contrariamente ao decidido, dos ar­tigos 224.° e 225.°, da LGTFP, a existência de um qualquer recurso hierárquico necessário, quer por a inexistência de infra-supra-hierarquização entre o ISC... – IPC e MINISTÉRIO DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E ENSINO SUPERIOR, quer porque o próprio artigo 224.° faz uso de um elemento gramatical que é inequívoco sobre o ca­rácter facultativo e não necessário do recurso, ao referir: «podem ser impugnados hierárquica ou tutelarmente, nos termos do Código do Procedimento Administrativo, ou jurisdicionalmente». E, portanto,

11.ª - O uso, na letra da lei, das expressões «podem» e «ou», sugerem, ine­quivocamente, uma não obrigatoriedade ou simples faculdade; ao passo que, depois, a expressão “ou”, significa uma possibilidade alternativa equivalente, sem preferência ou prevalência de uma das op­ções. Acresce que,

12.ª - Nenhum arguido, em processo sancionatório público, mormente no penal, contra-ordenacional ou disciplinar, pode ser definitivamente condenado, sem ter tido a possibilidade de o seu caso ter sido analisa­do por duas instâncias (judiciais) distintas, sob pena de lesão dos arti­gos 20.°, n.°s 1, 4 e 5, 32.°, n.°s 1 e 10, e 202.°, e 209.°, da CRP 1976. E, por isso,

13.ª - O «duplo grau de recurso» significa que nenhum arguido pode ser condenado, definitivamente, sem ter podido ver sindicado o seu caso por duas instâncias judiciais diferenciadas, o que, assim sendo, no ca­so, jamais poderia ocorrer, por razões formais e uma incorrecta pers­pectivação do recurso hierárquico, da natureza jurídica do ente admi­nistrativo decisor, da directa impugnabilidade judicial das decisões do Presidente do ISC..., etc.

14.ª - A indicação da jurisprudência convocada, pela M.ma Juíza “a quo” não é aplicável ao presente caso e não envolve o caso de um trabalha­dor em funções públicas que tenha a qualidade de Docente do Ensino Superior, de tal modo que, olvida a «autonomia» das Universidades e dos Politécnicos, construindo uma hierarquia, com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, que não existe. Ademais,
15.ª - O recorrente tem presente os argumentos que o ilustre constitucionalista e administrativista – Conselheiro Guilherme da Fonseca – ver­teu, em ambos os arestos, com linhas argumentativas, ainda hoje, per­tinentes e utilizáveis, no contexto do dirimir da dúvida interpretativa, existente hoje, relativamente à (des)conformidade da impugnação administrativas necessária (recurso hierárquico), cuja não utilização implica a perda ou o «efeito-de-bloqueio», da ida para a impugnação judicial, não obstante o vertido e a força gramatical (e “espírito do le­gislador”), posto nos artigos 51.°, n.° 1, 52.°, n.° 1, e 53.° e 54.°, do CPTA.

16.ª - O recorrente tem presente os ensinamentos de Vasco Pereira da Silva, salientados na motivação do presente recurso e que aqui se dão por reproduzidos, o qual, em consonância com M. Aroso de Almeida, afirma que o CPTA não exige, em termos gerais, que os actos admi­nistrativos tenham sido objecto de prévia impugnação administrativa para que possam ser objecto de impugnação contenciosa.

17.ª - O legislador, com a Reforma do Contencioso Administrativo, levada a cabo recentemente, projectou o direito processual administrativo pa­ra o controlo da relação jurídica e respectivo procedimento, dando-se a sua «subjectivização», visível em vários institutos e preceitos do CPTA (artigos 2.°, 4.°, 6.°, 8.°, 38.°, 51.°), assim se proibindo, como ocorreu nos autos, que a “forma” se sobreponha ao “mérito” e, com isso, se afasta, irremediavelmente, qualquer possibilidade de tutela jurisdicional adequada e efectiva, célere e justa, como o impõe os arti­gos 20.°, n.°s 1, 4 e 5, e 268.°, n.° 4, da CRP 1976.

18.ª - O legislador alargou a impugnabilidade dos actos administrativos, visto que a mesma passa a ser determinada em função da eficácia ex­terna e da lesão dos direitos dos particulares (artigo 51.°, n.° 1, do CPTA), em concretização do direito fundamental de impugnação dos actos administrativos lesivos dos particulares, no âmbito de um Con­tencioso Administrativo plenamente jurisdicionalizado e de natureza predominantemente subjectiva, porque destinado a garantir a tutela integral e efectiva dos particulares, consagrado no artigo 268.°, n.° 4, da CRP 1976.

19.ª - O critério da impugnabilidade dos actos (eficácia externa e lesividade – artigo 51.°, n.° 1, do CPTA) depende da função e da natureza da im­pugnação: primo, no caso de tutela de um direito assume uma função subjectiva, ou seja, a tutela plena e efectiva do particular e, em segun­do plano, a tutela da legalidade e do interesse público; secundo, se se tratar de uma acção para defesa da legalidade e do interesse público, em que a função do meio processual é predominantemente objectiva e, então, a recorribilidade depende da eficácia externa do acto admi­nistrativo.

20.ª - O entendimento, como aquele que resulta da douta decisão recorrida “a quo”, segundo a qual não se afigura possível a impugnação judici­al, por meio da acção administrativa especial, de uma decisão admi­nistrativa de condenação em pena disciplinar, viola o princípio consti­tucional da plenitude da tutela dos direitos dos particulares, em maté­ria processual administrativa, como o indica o artigo 268.°, n.° 4, da CRP 1976.

21.ª - O artigo 51.°, n.° 1, do CPTA, consagrou a impugnabilidade conten­ciosa de qualquer acto administrativo que seja susceptível ou tenha aptidão de lesividade dos direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares ou que seja dotado de eficácia externa, pelo que o ac­to do Presidente do ISC..., assim como uma similar decisão do Mi­nistro, ambos, possuem tal aptidão “lesividade” e “eficácia externa”, pelo que, ambos, sem relação de recíproca dependência, são, autono­mamente, impugnáveis, junto dos tribunais Administrativos e Fiscais, por força do disposto no artigo 268.°, n.° 4, da CRP 1976.

22.ª - Deverá, pois, ser revogada a douta decisão recorrida, pois que, ao de­cidir com decidiu, violou, entre outros, o art.° 51°, n° 1, do CPTA, e 268°, n° 4, da CRP.

NESTES TERMOS E NOS DEMAIS QUE SUPRIRÃO,

DEVE O PRESENTE RECURSO DE APELAÇÃO SER ADMITIDO, JUL­GADO PROCEDENTE POR PROVADO E, EM CONSEQUÊNCIA, SER PROFERIDO ACÓRDÃO QUE REVOGUE A DOUTA DECISÃO RECORRIDA, E ORDENE O PROSSEGUIMENTO DOS AUTOS, DE ACORDO COM A SUA NORMAL TRAMITAÇÃO.

ASSIM DECIDINDO SERÁ FEITA,
J U S T I Ç A.
O Réu juntou contra-alegações, sem conclusões, finalizando assim:
Nestes termos e nos melhores de Direito, a Recorrida está convicta de que, apreciando a situação factual e de Direito, subsumindo-a nos comandos legais aplicáveis, tudo no mais alto e ponderado critério, não deixarão de negar provimento ao presente recurso, mantendo a decisão impugnada.

Assim se fazendo JUSTIÇA!

O Senhor Procurador Geral Adjunto não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
Fundamentos:
De Facto -
Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1) Por despacho do Presidente do ISC... de 13/07/2020, foi determinada a instauração de processo disciplinar contra o A., tendo em vista “esclarecer o sentido do comportamento do docente AA, designadamente por eventual violação do dever de obediência e de diligência, uma vez que, apesar das descritas repetidas solicitações para entrega dos exames, não o fez” (cfr. doc. de fls. 28 e 29 do processo administrativo).
2) Em 05/03/2021 o Presidente do ISC... proferiu decisão final no âmbito do processo disciplinar instaurado contra o A., nos termos da qual lhe foi aplicada a sanção de suspensão pelo período de 90 dias, suspensa na sua execução pelo prazo de um ano (cfr. doc. de fls. 129 e 130 do processo administrativo).
3) O A. foi pessoalmente notificado da decisão final que antecede em 16/03/2021 (cfr. doc. de fls. 137 do processo administrativo).
4) A petição inicial da presente ação deu entrada em juízo no dia 06/07/2021 (cfr. doc. de fls. 1 do suporte físico do processo).
De Direito -
Atente-se no discurso fundamentador da decisão:

Como se sabe, a impugnabilidade ou recorribilidade do ato é um pressuposto processual específico das pretensões dedutíveis segundo a forma de ação administrativa de pretensão conexa com atos administrativos.
Segundo o n.° 1 do art.° 51.° do CPTA, “ainda que não ponham termo a um procedimento, são impugnáveis todas as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta (...)”.
Assim sendo, exige-se não só que o ato impugnado defina situações jurídicas e tenha, em si mesmo, um conteúdo decisório, como também que possua eficácia externa, isto é, que seja capaz de produzir ou constituir efeitos nas relações jurídicas externas, de que é exemplo a sua potencialidade lesiva de direitos ou interesses legalmente protegidos dos respetivos destinatários. Portanto, para ser contenciosamente impugnável, a decisão administrativa em causa não tem de ser lesiva de direitos ou interesses legalmente protegidos do autor, bastando-lhe ter eficácia externa atual, ou, pelo menos, que seja seguro ou muito provável que a virá a ter (cfr., neste sentido, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 25/02/2010, proc. n.º 01204/09.6BEBRG, publicado em www.dgsi.pt).
Através da presente ação, o A. impugna o ato administrativo consubstanciado na decisão do Presidente do ISC..., tomada em 05/03/2021, pela qual lhe foi aplicada a sanção disciplinar de suspensão, por remissão, além do mais, para os fundamentos e proposta constantes do relatório final elaborado pelo instrutor do procedimento disciplinar.
E não é sequer controvertido que ao procedimento em crise é aplicável o disposto na LGTFP (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada em anexo à Lei n.º 35/2014, de 20/06). Ora, em matéria de meios impugnatórios da decisão punitiva, dispõe o art.º 224.º da LGTFP que “os atos proferidos em processo disciplinar podem ser impugnados hierárquica ou tutelarmente, nos termos do Código do Procedimento Administrativo, ou jurisdicionalmente”. Acrescenta o art.º 225.º do mesmo diploma legal que o trabalhador e o participante podem interpor recurso hierárquico ou tutelar dos despachos e das decisões que não sejam de mero expediente, proferidos pelo instrutor ou pelos superiores hierárquicos daquele” (n.º 1), sendo que o recurso se interpõe “diretamente para o respetivo membro do Governo, no prazo de 15 dias, a contar da notificação do despacho ou da decisão, ou de 20 dias, a contar da publicação do aviso a que se refere o n.º 2 do artigo 214.º” (n.º 2). Ademais, “o recurso hierárquico ou tutelar suspende a eficácia do despacho ou da decisão recorridos, exceto quando o seu autor considere que a sua não execução imediata causa grave prejuízo ao interesse público” (n.º 4) (sublinhado nosso).
Ou seja, decorre dos normativos acima citados que ao trabalhador é concedida a possibilidade de impugnar a decisão punitiva quer administrativamente (mediante recurso hierárquico ou tutelar, consoante os casos), quer contenciosamente. Ainda assim, não deixou o legislador de consignar, de modo expresso, que o recurso hierárquico ou tutelar, uma vez interposto, determina a suspensão da eficácia da decisão recorrida.
Aqui chegados, a questão que se coloca – e que é fulcral para a procedência ou improcedência da exceção invocada – é a de saber como se coordenam ou conjugam os meios impugnatórios administrativos e jurisdicionais ao dispor do trabalhador.
Por outras palavras, importa, antes de mais, averiguar, à luz das disposições legais aplicáveis (nomeadamente, a LGTFP e o CPA):
- se estamos em presença de um recurso administrativo necessário – caso em que o trabalhador se vê obrigado a interpor o referido recurso junto da entidade competente antes de recorrer à via judicial para impugnar o ato punitivo primário, o que significa que apenas poderá impugnar, junto dos tribunais, o ato final (naturalmente, desfavorável) que vier a ser proferido no âmbito do recurso administrativo apresentado, não podendo impugnar diretamente, nos tribunais, o ato punitivo primário;
- se estamos em presença de um recurso administrativo facultativo – caso em que o trabalhador pode optar, livremente, por recorrer do ato punitivo primário seja para a própria Administração (recurso hierárquico ou tutelar), seja para os tribunais, em simultâneo ou não, pois que a impugnação administrativa não é condição prévia para a abertura da via contenciosa.
E sobre esta questão já se pronunciou a nossa jurisprudência, em situações em tudo semelhantes à dos presentes autos.
Pode ler-se, com efeito, no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 31/01/2020 (proc. n.º 00600/18.2BECBR, publicado em www.dgsi.pt), o seguinte:
A questão chave é a de saber se na/para reação contra decisão disciplinar punitiva o recurso hierárquico se afigura como facultativo ou necessário.
A decisão recorrida teve o recurso hierárquico interposto como facultativo, com apoio jurisprudencial. E, em regra, as reclamações e os recursos têm caráter facultativo (art.º 185, n.º 2, do CPA).
Todavia.
Como se sabe, apesar de, com a reforma introduzida com o CPTA, ter acabado o princípio da tripla definitividade do ato administrativo, para ser impugnável contenciosamente, tal não significa que não continuem a haver casos especialmente previstos na lei, em que se mantenha a precedência obrigatória de impugnação administrativa.
E entendemos ser esse aqui o caso.
A lei 35/2014, de 20/06 (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas), prevê no seu art.º 225.º:
1 - O trabalhador e o participante podem interpor recurso hierárquico ou tutelar dos despachos e das decisões que não sejam de mero expediente, proferidos pelo instrutor ou pelos superiores hierárquicos daquele.
2 - O recurso interpõe-se diretamente para o respetivo membro do Governo, no prazo de 15 dias, a contar da notificação do despacho ou da decisão, ou de 20 dias, a contar da publicação do aviso a que se refere o n.º 2 do artigo 214.º
3 - Quando o despacho ou a decisão não tenham sido notificados ou quando não tenha sido publicado aviso, o prazo conta-se a partir do conhecimento do despacho ou da decisão.
4 - O recurso hierárquico ou tutelar suspende a eficácia do despacho ou da decisão recorridos, exceto quando o seu autor considere que a sua não execução imediata causa grave prejuízo ao interesse público.
5 - O membro do Governo pode revogar a decisão de não suspensão referida no número anterior ou tomá-la quando o autor do despacho ou da decisão recorridos o não tenha feito.
6 - Nas autarquias locais, associações e federações de municípios, bem como nos serviços municipalizados, não há lugar a recurso tutelar.
7 - A sanção disciplinar pode ser agravada ou substituída por sanção disciplinar mais grave em resultado de recurso do participante.
Por outro lado, o art.º 3.º do DL n.º 4/2015, de 7/1, que aprova o novo CPA, dispõe no seu art.º 3.º:
1 - As impugnações administrativas existentes à data da entrada em vigor do presente decreto-lei só são necessárias quando previstas em lei que utilize uma das seguintes expressões:
a) A impugnação administrativa em causa é «necessária»;
b) Do ato em causa «existe sempre» reclamação ou recurso;
c) A utilização de impugnação administrativa «suspende» ou «tem efeito suspensivo» dos efeitos do ato impugnado.
2 - O prazo mínimo para a utilização de impugnações administrativas necessárias é de 10 dias, passando a ser esse o prazo a observar quando seja previsto prazo inferior na legislação existente à data da entrada em vigor do presente decreto-lei.
3 - As impugnações administrativas necessárias previstas na legislação existente à data da entrada em vigor do presente decreto-lei têm sempre efeitos suspensivos da eficácia do ato impugnado.
4 - São revogadas as disposições incompatíveis com o disposto nos n.os 2 e 3.
Assim, e na consideração também desta conjugada leitura, é fora de dúvida que se «Os atos proferidos em processo disciplinar podem ser impugnados hierárquica ou tutelarmente, nos termos do Código do Procedimento Administrativo, ou jurisdicionalmente» (artigo 224.º da LTFP), uma tal disjunção também não importa consagração de uma direta e imediata impugnabilidade, e antes resulta que estamos perante recurso hierárquico necessário (derivando, por força do art.º 189.º, n.º 1, do CPA: «1. As impugnações administrativas necessárias de atos administrativos suspendem os respetivos efeitos»).
Neste sentido, os Acs. do STA, de 08/06/2017, proc. n.º 0647/17, e de 13-03-2019, proc. n.º 0358/18.5BESNT.
É, pois, de ter a decisão do recurso hierárquico como ato impugnável” (sublinhado nosso).
Também o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 18/09/2020 (proc. n.º 00843/15.0BEAVR-S1, publicado em www.dgsi.pt) discorreu do seguinte modo:
A nossa Lei Fundamental garante aos administrados o direito a impugnarem junto dos tribunais administrativos quaisquer atos ou condutas desenvolvidos pela Administração Pública que os lesem na sua esfera jurídica e independentemente da sua forma [artigo 268.º, n.º 4 da CRP].
Para a definição do que constitui ou deve ser conceptualizado como ‘ato administrativo impugnável’ importa considerar, desde logo, o comando constitucional enunciado no n.º 4 do artigo 268.º da CRP.
Ora, o C.P.T.A., no seu artigo 51.º, veio definir, como princípio geral, o que é tido como ato contenciosamente impugnável, colocando o acento tónico na ‘eficácia externa’, prevendo-se no preceito legal que ‘(...) ainda que inseridos num procedimento administrativo, são impugnáveis os atos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja suscetível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos (...)’ [n.º 1].
Naquela definição parece mostrar-se pressuposto um conceito material de ato administrativo que se mostra enunciado no artigo 148.º do C.P.A., mas, no entanto, como refere J.C. VIEIRA DE ANDRADE ‘... o conceito processual de ato administrativo impugnável não coincide com o conceito de ato administrativo, sendo, por um lado, mais vasto e, por outro, mais restrito. É mais vasto apenas na dimensão orgânica, na medida em que não depende da tradicional qualidade administrativa do seu Autor ... - artigo 51.º, n.º 2. É mais restrito, na medida em que só abrange expressamente as decisões administrativas com eficácia externa, ainda que inseridas num procedimento administrativo, em especial os atos cujo conteúdo seja suscetível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos (artigo 51.º, n.º 1) - devendo entender-se que atos com eficácia externa são os atos administrativos que produzam ou constituam (que visem constituir, que sejam capazes de constituírem) efeitos nas relações jurídicas administrativas externas, independentemente da respetiva eficácia concreta ...º [in A Justiça Administrativa - Lições, 2011, 11.ª edição, págs. 182/183].
Daí que se compreendam ou insiram no conceito legal de ‘ato impugnável’ todos os atos lesivos de direitos e interesses legalmente protegidos, assim se respeitando a garantia constitucional impositiva, garantia essa que acaba, todavia, por ser estendida pelo legislador ordinário a todos aqueles atos que, mesmo não sendo lesivos de direitos subjetivos e de interesses legalmente protegidos, são dotados de eficácia externa.
Atos com eficácia externa são todos os atos administrativos que determinem a produção de efeitos externos, independentemente da sua eficácia.
Tudo isto para concluir que a impugnabilidade do ato depende apenas deste consubstanciar uma (i) decisão materialmente administrativa de autoridade cujos efeitos (ii) se projetem para fora do procedimento onde o ato se insere.
No caso concreto, a Autora vem peticionar a invalidação da decisão disciplinar de aplicação de multa graduada em € 500,00 da autoria do Instituto dos Registos e Notariado, IP, tendo, no decurso do pleito, ampliado o objeto da instância à decisão da Senhora Ministra de Justiça, datada de 02.10.2015, que indeferiu o recurso tutelar oportunamente apresentado da decisão disciplinar proferida em 1° grau que lhe aplicou a pena disciplinar de multa, na quantia de 500 €.
Neste domínio, cabe notar que, no aresto de 08.06.2017, tirado no processo n°. ...7, consultável em www.dgsi.pt, o Supremo Tribunal Administrativo foi chamado apreciar a questão de saber se se justificava [ou não] admitir revista de decisão do TCA Sul que considerou que o recurso previsto no art.° 225° da Lei 35/2014, de 20/6, tinha natureza necessária face ao disposto no art.° 3°, 1, c) do Dec. Lei 4/2015, de 7 de janeiro.
Considerou-se nesse aresto que:
«(...) O TCA Sul entendeu que o recurso previsto neste preceito tinha a natureza de impugnação administrativa necessária, citando a propósito o disposto no art.° 3°, n.° 1, al. c) do Dec. Lei 4/2015, de 7 de janeiro que aprovou o CPA, donde consta - para o que agora nos interessa - que as impugnações administrativas existentes à data da sua entrada em vigor só são necessárias quando previstas em lei que utilize uma das seguintes expressões: “(...) a utilização de impugnação administrativa ‘suspende’ ou ‘tem efeito suspensivo’ dos efeitos da impugnação”.
Como decorre da simples leitura do art.° 225°, n.° 4, acima transcrito, o recurso ali previsto ‘suspende’ os efeitos da decisão impugnada, o que, portanto, torna a decisão do TCA Sul fundamentada e juridicamente plausível, sem que se justifique, nesta parte, a admissão de um recurso de revista excecional. (...)».
Em reforço deste entendimento, ressalte-se o expendido no teor do aresto do S.T.A., de 13.03.2019, tirado no processo 0358/18.5BESNT, em que se afirma:
«(…) dispõe o art.° 224° da LTFP – Lei 35/2014 de 20.06 - sob a epígrafe “Meios impugnatórios” que «Os atos proferidos em processo disciplinar podem ser impugnados hierárquica ou tutelarmente, nos termos do Código do Procedimento Administrativo, ou jurisdicionalmente», e o art.° 225°, sob a epígrafe “Recurso hierárquico ou tutelar”, que:
«1 - O trabalhador e o participante podem interpor recurso hierárquico ou tutelar dos despachos e das decisões que não sejam de mero expediente, proferidos pelo instrutor ou pelos superiores hierárquicos daquele.
2 - O recurso interpõe-se diretamente para o respetivo membro do Governo, no prazo de 15 dias, a contar da notificação do despacho ou da decisão, ou de 20 dias, a contar da publicação do aviso a que se refere o n° 2 do artigo 214°.
(...)
4 - O recurso hierárquico ou tutelar suspende a eficácia do despacho ou da decisão recorridos, exceto quando o seu autor considere que a sua não execução imediata causa grave prejuízo ao interesse público.
5 - O membro do Governo pode revogar a decisão de não suspensão referida no número anterior ou tomá-la quando o autor do despacho ou da decisão recorridos o não tenha feito.
(...)» - sub. nossos.
Dispõe, ainda o art.° 3° do DL n° 4/2015 de 07.01 [que aprova o Novo Código de Procedimento Administrativo/versão 2015], que:
«1. As impugnações administrativas existentes à data da entrada em vigor do presente decreto-lei só são necessárias quando previstas em lei que utilize uma das seguintes expressões:
(...)
c) A utilização de impugnação administrativa «suspende» ou «tem efeito suspensivo» dos efeitos do ato impugnado.
(...)».
Por último, diz-nos o n° 1 do art.º 189° do CPA/2015 que «1. As impugnações administrativas necessárias de atos administrativos suspendem os respetivos efeitos».
Assim, como resulta da conjugação do teor das normas transcritas, o meio impugnatório gracioso interposto pelo recorrente em 01.09.2017 do Despacho de 31.07.2017 do Diretor Geral de Reinserção e Serviços Prisionais que, decidindo o procedimento disciplinar n° contra si instaurado, lhe aplicou a pena de demissão, assume a natureza de recurso hierárquico necessário, como decidido no acórdão recorrido (...)».
(...)
Reiterando toda esta linha jurisprudencial, entendemos ser forçosa a conclusão de que o recurso hierárquico ou tutelar previsto no art.° 225° da Lei 35/2014, de 20/6 [Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas] tem natureza necessária.
Quer isto dizer que a pena disciplinar de multa visada nos autos apenas se tornará dotada de eficácia externa e potencialmente lesiva, quando a entidade tutelar tiver ensejo de analisar e decidir o recurso para ela interposto no caso concreto.
Do exposto decorre que o ato com eficácia externa, lesivo dos interesses legalmente protegidos da Autora, sem margem para qualquer dúvida, é a decisão da Senhora Ministra de Justiça, datada de 02.10.2015, que indeferiu o recurso tutelar oportunamente apresentado da decisão disciplinar proferida em 1° grau que lhe aplicou a pena disciplinar de multa, na quantia de 500 €, e não a decisão disciplinar proferida em 1° grau pelo Recorrente (sublinhado nosso).
Veja-se, ainda, em sentido idêntico, o recente acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 25/03/2022 (proc. n.º 00592/20.8BECBR, publicado em www.dgsi.pt), que deixou expresso que, “por força do regime previsto nos artigos 224° e 225°, n° 4 da Lei de Trabalho em Funções Púbicas, a impugnação administrativa das decisões disciplinares sob a forma de recurso hierárquico ou tutelar, com atribuição expressa de efeito suspensivo da eficácia do ato recorrido, por disposição expressa do artigo 3°, n° 1, al. c) do DL 4/2015 de 07.01, diploma que aprovou a revisão do CPA, assume a natureza de impugnação necessária, tal como estabelece o art.° 189°, n° 1, CPA/revisão de 2015”. Mais adiante, conclui que, “na verdade, tendo em conta que recurso previsto no art.° 225.°, n.° 4, da LGTFP, suspende a eficácia da decisão recorrida, o mesmo assume natureza necessária, sendo impugnável apenas o ato que cabe proferir em sede de recurso tutelar e não a decisão proferida pelo Conselho Diretivo da entidade demandada. Daí que, verificando-se, no caso concreto, a precedência obrigatória de impugnação administrativa – o que não sucedeu, já que o Apelante não interpôs recurso tutelar para a Ministra da Saúde –, é inimpugnável a decisão de aplicação de sanção disciplinar que lhe foi notificada em 03/11/2020”.
Considerando o entendimento jurisprudencial acima descrito – que acompanhamos na íntegra – e volvendo ao caso dos autos, não temos dúvidas de que o recurso hierárquico ou tutelar previsto no art.º 225.º da LGTFP assume natureza necessáriasituação em que, por determinação expressa da lei, se impunha ao A. a interposição prévia de impugnação administrativa [in casu, recurso tutelar para o/a Ministro/a da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, enquanto órgão da pessoa coletiva que exerce poderes de tutela sobre o R. IPC, nos termos do art.º 199.º, n.º 1, alínea c), do CPA, do art.º 11.º, n.º 5, da Lei n.º 62/2007, de 10/09, que aprovou o regime jurídico das instituições de ensino superior, e do art.º 24.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 169-B/2019, de 03/12, que aprovou o regime da organização e funcionamento do XXII Governo Constitucional], para, dessa forma, obter o ato administrativo final ou definitivo, isto é, a última palavra da Administração, o único ato que seria, pois, impugnável em sede contenciosa, junto dos tribunais.
O certo é que, como resulta do probatório, tendo sido pessoalmente notificado da decisão punitiva tomada pelo Presidente do ISC... em 16/03/2021, o A. não interpôs, como se lhe impunha, caso discordasse do ato, o competente recurso tutelar, tendo optado por instaurar imediatamente a presente ação, impugnando aquela decisão. No entanto, como resulta de tudo o que acima ficou exposto, o único ato contenciosamente impugnável seria o ato proferido no âmbito do recurso tutelar necessário (e que, eventualmente, confirmasse a condenação constante do ato punitivo primário), não sendo, pois, impugnável jurisdicionalmente a decisão do Presidente do ISC... de 05/03/2021, aqui em causa, pela qual foi aplicada ao A. a sanção disciplinar de suspensão.
Deste modo, é forçoso concluir que se verifica, no caso concreto, a exceção de inimpugnabilidade do ato, a qual é uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso, que
obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância, nos termos do art.º 89.º, n.os 2 e 4, alínea i), do CPTA.

X
É objeto de recurso esta decisão que, julgando procedente a exceção (dilatória) de inimpugnabilidade do ato administrativo impugnado, absolveu da instância o Réu.
O Recorrente sustenta as suas alegações no entendimento de que o Tribunal a quo não andou bem ao considerar que existe “infra-supra-hierarquização” entre a Entidade Demandada e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES).
Considerou ainda que o aresto em recurso não efetuou uma correta interpretação do disposto nos artigos 224.º e 225.º da LTFP, porquanto - no entendimento do Apelante - não é possível deles extrair a existência de qualquer recurso hierárquico ou tutelar necessário.
Cremos que carece de razão.
Na óptica do Recorrente, a decisão impugnada, jamais poderia ser alvo de recurso hierárquico ou tutelar necessário, porquanto a Entidade Demandada (assim como as suas UOE) goza(m) de autonomia disciplinar, nos termos dos seus Estatutos.
Tal raciocínio, não pode, salvo melhor opinião, lograr provimento, atenta a forma como se organiza a nossa Administração Pública.
Com efeito, não há dúvidas de que Instituto Politécnico de ... é uma pessoa coletiva de direito público, com a natureza de instituto público, em concreto de estabelecimento público.
Os institutos públicos «são pessoas coletivas públicas, de substrato institucional, criadas pelo Governo, para assegurar um conjunto específico de funções administrativas estaduais, que não revistam carácter empresarial». No âmbito da sua variedade organizativa, os institutos públicos podem apresentar-se como serviços personalizados, estabelecimentos públicos e fundações públicas de direito público. (Cfr. Lições de Direito Administrativo, 5ª edição, Imprensa da Universidade de ..., 2017, pp.112-113).
São, nomeadamente, estabelecimentos públicos, «as instituições de carácter cultural ou de carácter social, que prestam serviços, em regra, abertos ao público – Universidades e Institutos Politécnicos Públicos, Centros de Investigação Científica, e Hospitais Públicos não sujeitos a uma lógica de organização empresarial, i.e., que não sejam entidades públicas empresariais. (Cfr. ob. cit. idem). Inserindo-se, assim, para efeitos de organização administrativa, no âmbito da Administração Indireta do Estado rectius no «setor das administrações indiretas públicas».
É consabido que a Administração Estadual Indireta integra pessoas coletivas públicas dotadas de autonomia administrativa e financeira, criadas com o objetivo de prosseguirem fins do Estado e sujeitas à sua superintendência e tutela.
Estas entidades e organismos constituem uma forma de descentralização funcional, correspondendo à necessidade de criação de centros autónomos de decisão e gestão para a prossecução de certos fins do Estado, os quais, em virtude da sua complexidade, não podem ser adequadamente desenvolvidos por intermédio de órgãos e serviços integrados na própria pessoa coletiva pública Estado.
E, não obstante, deterem autonomia, o Estado tem sobre aquelas entidades um poder de superintendência (competência de orientação genérica da sua atuação) e um poder de tutela (competência de controlo da legalidade e mérito da respetiva atividade).
Em conformidade com o exposto – não obstante a(s) autonomia(s) de que dispõem – as instituições de ensino superior públicas estão, nos termos do disposto, no n.º 5 do art. 11.º do RJIES, sujeitas a tutela ou a fiscalização governamental, e a acreditação e a avaliação externa, nos termos da lei.
A qual, in casu, é levada a cabo pelo MCTES, nos termos do disposto no n.º 4 do art. 24.º do Decreto-Lei n.º 169-B/2019, de 03/12, que aprovou o regime da organização e funcionamento do XXII Governo Constitucional. Razão pela qual não poderá lograr provimento a leitura de que a Entidade Demandada não se encontra sob qualquer tutela governamental e que, como tal as decisões – em matéria disciplinar – não são passiveis de qualquer recurso hierárquico ou tutelar.
Acresce que, com a Reforma de 2015, o legislador consagrou um conceito mais restrito de acto administrativo: i.e., de decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos, numa situação individual e concreta (cfr. art. 148º do CPTA).
Identificando o conceito material de acto administrativo com o conceito processual de acto impugnável, previsto no n.º 1 do art. 51º CPTA – norma que estatui o princípio geral da impugnabilidade dos atos administrativos com eficácia externa, especialmente daqueles cujo conteúdo seja suscetível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos.
Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 185.º do CPA, o recurso hierárquico é, em regra, facultativo, mas pode ser necessário, quando, por determinação legal expressa, seja pressuposto da impugnação judicial ou da condenação à prática do acto.
O que sucede no caso sub judice.
Refere o n.º 4 do art. 225.º da LTFP (aprovada em diploma anexo à Lei n.º 35/2014, de 20 junho, que «o recurso hierárquico ou tutelar suspende a eficácia do despacho ou da decisão recorridos, exceto quando o seu autor considere que a sua não execução imediata causa grave prejuízo ao interesse público».
Por seu turno, dispõe a al. c) do n.º 1 do art. 3.º do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro (que aprovou o novo Código do Procedimento Administrativo), que, nas impugnações administrativas existentes à data da entrada em vigor desse diploma só são necessárias quando previstas em lei que utilize, inter alia, as expressões “suspende” ou “tem efeito suspensivo” dos efeitos do ato impugnado.
Ora, sendo a LTFP anterior à aprovação e entrada em vigor do novo CPA, tal significa que a impugnação administrativa era, assim, necessária (neste sentido, Ac. do STA de 08/06/2017, processo n.º 0647/17; Ac. TCAN de 31/01/2020, processo n.º 00600/18.2BECBR; Ac. TCAN de 18/09/2020, processo n.º 00843/15.0BEAVR-S1 e Ac. TCAN de 25/03/2022, processo n.º 00592/20.8BECBR).
Do exposto, e concatenando a factualidade levada ao probatório (e não questionada) conclui-se que o Autor não apresentou qualquer recurso tutelar para o Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, ao abrigo e com fundamento na al. c) do n.º 1 do art. 199.º do CPA, como legalmente lhe era exigido.
Por último, «quanto à conformidade com a Constituição da previsão legal de impugnações administrativas necessárias, o Tribunal Constitucional e o STA, entendem (e quanto a nós bem) que não há inconstitucionalidade, porque se trata da fixação, por lei, de um pressuposto processual que constitui um mero condicionamento ou, quando muito, de uma restrição legítima (justificada e proporcional) do direito de acesso aos tribunais, cujo conteúdo essencial não é tocado» (Cfr. ob. cit. p. 245.).
Do falado Acórdão deste TCAN de 25/03/2022, processo n.º 00592/20.8BECBR) retiramos o seguinte:
(…)
6. Pretende o Apelante que essa interpretação viola o disposto nos artigos 7.º do CPTA e 20.º, n.º4 da CRP.

Mas claramente sem razão.
O artigo 7.º do CPTA, sob a epígrafe “Promoção do acesso à justiça” dispõe que: «Para efetivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronuncias sobre o mérito das pretensões formuladas».
Consagrou-se neste preceito o denominado “princípio
do pro actione” segundo o qual os Tribunais, em caso de dúvida, têm a incumbência de interpretar as normas processuais num sentido que favoreça a emissão de uma pronúncia sobre o mérito das pretensões formuladas.
Por seu turno, no artigo 20.º da CRP, que tem como epigrafe “Acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva”, prevê-se que:
«1.A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
2.Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.
3.A lei define e assegura a adequada proteção do segredo de justiça.
4.Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.
5.Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.»
3.2.7. A decisão proferida pelo Tribunal ao considerar que da interpretação conjugada do disposto no artigo 225.º da LGTP e do artigo artº 3º, nº 1, al. c) do DL 4/2015 de 07.01, diploma que aprovou a revisão do CPA, resulta que o recurso hierárquico a interpor da decisão disciplinar sancionatória assume a natureza de impugnação necessária, tal como estabelece o artigo 189º, nº 1 do CPA/revisão de 2015, não viola qualquer uma das normas identificadas.
A previsão legal por parte do legislador ordinário de situações em que os recursos de certos atos administrativos são de caráter necessário, não constitui nenhuma violação aos princípios do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva.
3.2.8.Como se sabe, o recurso hierárquico constitui um meio de impugnação de um ato administrativo, que tenha sido praticado por um órgão subalterno, perante o respetivo superior hierárquico, a fim de obter deste a sua revogação, modificação ou a substituição por outro e, como dispõe o artigo 185.º, n.º1 do CPA, será necessário ou facultativo «conforme dependa, ou não, da sua prévia utilização a possibilidade de acesso aos meios contenciosos de impugnação ou condenação à prática de ato devido», sendo que os recursos terão em regra caráter facultativo, só assim não sendo se « a lei os denominar como necessários» ( n.º2).
O recurso hierárquico assenta, por conseguinte, numa ideia de hierarquia administrativa, ou seja, «de uma estrutura organizada em níveis verticalmente subsequentes, dispostos a partir de uma base em direção ao topo»- (cfr.
Ricardo Azevedo Saldanha, in Introdução ao Processo Administrativo Comum, ... Editora, p. 239.)- ou seja, num «modelo de organização administrativa constituído por um conjunto de órgãos e agentes com atribuições e competências diferenciadas, ligados por um vínculo de subordinação que confere ao superior os poderes de direção, superintendência e disciplinar, impondo ao subalterno os deveres e sujeições correspondentes»- (Cfr. Diogo Freitas do Amaral, in Conceito e Natureza do Recurso Hierárquico, 2.ª Edição, Almedina, 2005, p. 58. Sobre a noção de hierarquia administrativa, v. ainda PAULO OTERO, Conceito e Fundamento da Hierarquia Administrativa, ... Editora, pp. 25 e segs.)
A não ser que exista disposição legal que disponha de modo diferente, todos os atos administrativos praticados por órgãos sujeitos a poderes de hierarquia de outros órgãos (i.e, subalternos), podem ser objeto de recurso hierárquico.
Note-se que nos termos do n.º 4 do artigo 268.º da CRP, «4. É garantido aos administrados tutela jurisdicional efetiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer atos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de atos administrativos legalmente devidos e a adoção de medidas cautelares adequadas».
3.2.9.Sabemos que a eliminação das características da definitividade e da executoriedade do ato administrativo deu aso a que alguma doutrina (minoritária) considerasse como inconstitucionais as normas que condicionavam a possibilidade de acesso aos meios contenciosos de impugnação dos atos administrativos à sua prévia impugnação administrativa necessária, por entenderem que a inexigibilidade da definitividade do ato administrativo permitiria o acesso imediato à via contenciosa, tendo em conta a lesividade do mesmo.
Neste sentido, pronunciou-se Vasco Pereira da Silva, segundo o qual, do que se trata é «de retirar todas as consequências do direito fundamental de impugnação contenciosa de atos administrativos (artigo 268.º, n.º 4, da Constituição), desde que lesivos dos particulares o qual (…) feriu de inconstitucionalidade as disposições legais que estabelecem o recurso hierárquico necessário»- (cfr.
O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise – Ensaio sobre as Ações no Novo Processo Administrativo, 2.ª Edição, Almedina, p. 347.).
3.2.10. Porém, outra parte da doutrina (maioritária), na qual nos revemos, vem sustentando a conformidade constitucional da exigência da impugnação administrativa necessária.
É o caso de José Carlos Vieira de Andrade ( in
Justiça Administrativa (Lições), 9.ª Edição, Almedina, p. 306,)- para o qual, em tais casos, tratar-se-á de «situações em que o ato, apesar de ser, em si, um ato impugnável, não constitui a última palavra da Administração, por existir um órgão competente para a decisão que ainda se não pronunciou – situações que, por força da “regra” que decorre dos n.os 4 e 5 do artigo 59.º do CPTA, hoje apenas são configuráveis quando haja uma determinação expressa da lei nesse sentido (lei em sentido material)». Refere o mesmo que:
«[A] exigência legal deste pressuposto em casos determinados não contraria o n.º 4 do artigo 268.º da Constituição, tratando-se, quanto a nós, de um condicionamento legítimo do direito de ação contra atos lesivos de direitos ou de interesses legalmente protegidos – não estamos sequer, em rigor, perante uma verdadeira restrição, dado que não se impede o exercício posterior do direito de ação contra aquele mesmo ato, seja quando não haja pronúncia autónoma do órgão recorrido, seja mesmo quando haja ato expresso que decida o recurso» - ( cfr.
Ob. cit., p. 307).
Igual entendimento é também perfilhado por Mário Aroso de Almeida (cfr.
Manual de Processo Administrativo, 2010, Almedina, p. 303. V. do autor, O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2.ª Edição, Revista e atualizada, Almedina, pp. 138-139), para quem o CPTA «(…) não exige, em termos gerais, que os atos administrativos tenham sido objeto de prévia impugnação administrativa para que possam ser objeto de impugnação contenciosa. Das soluções consagradas nos artigos 51.º e 59.º, n.ºs 4 e 5, decorre, por isso, a regra de que a prévia utilização de vias de impugnação administrativa não é necessária para aceder à via contenciosa (…).
O CPTA não tem, porém, o alcance de afastar as múltiplas determinações legais avulsas que instituem impugnações administrativas necessárias. Na ausência de determinação legal expressa em sentido contrário deve, pois, entender-se que os atos administrativos com eficácia externa são imediatamente impugnáveis perante os tribunais administrativos, sem necessidade da prévia utilização de qualquer via de impugnação administrativa. As decisões administrativas continuam, no entanto, a estar sujeitas a impugnação administrativa necessária nos casos em que isso esteja expressamente previsto na lei, em resultado de opção consciente e deliberada do legislador, quando este a considere justificada».
Por fim, também Sérvulo Correia- ( in “O incumprimento do dever de decidir”,
Cadernos de Justiça Administrativa, N.º 54, novembro/dezembro 2005, p.17)- sustenta que «O afastamento do requisito da definitividade vertical enquanto pressuposto de ordem geral da impugnabilidade contenciosa dos atos administrativos não impede a existência de procedimentos especiais em que se continuem a impor formas de impugnação administrativa necessária com a natureza de reclamação ou de recurso administrativo ou de outros tipos».
Nesta matéria, também o Tribunal Constitucional se tem pronunciado pela não inconstitucionalidade dos preceitos legais que estabelecem a obrigatoriedade da interposição de recurso hierárquico como condição prévia para acesso aos meios de impugnação contenciosa ou de condenação à prática de ato devido- (cfr. Acórdãos n.ºs 468/99, 548/99, 329/2000, 99/2001, 185/2001, 283/2001, 235/2003, 188/2004 e 564/2008, todos disponíveis em
www.tconstitucional.pt/tc/acordaos. ).
Na mesma linha, figura a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, conforme se retira dos acórdãos que supra se indicaram, e como bem se sintetiza no sumário do Acórdão de 04/06/ 2009 (Pleno da Secção do Contencioso Administrativo), proferido no processo n.º 0377/08, onde se lê:
«O art.º 51, n.º 1, do CPTA, introduzindo um novo paradigma de impugnação contenciosa de atos administrativos lesivos, convive com a existência de impugnações administrativas necessárias, não só quando a lei o disser expressamente, como também em todos aqueles casos, anteriores à vigência do CPTA, que contemplavam impugnações administrativas, previstas na lei, comummente tidas como necessárias» - (cfr. ainda Ac. do STA, de 28/12/2006, processo n.º0161/06 e jurisprudência aí referenciada e Ac. do TCAS, de 18/12/2010,
Cadernos de Justiça Administrativa, N.º 87, maio/junho 2011, pp. 42 e segs.).
3.2.11.Logo, a interpretação conjugada do disposto nos artigos 225.º da LTFP e artigo 3.º, n.º1, al. c) do D.L. n.º 4/2015, de 07/12, no sentido de estabelecer que o recurso hierárquico ou tutelar previsto no art.º 225º da Lei 35/2014, de 20/6 ( LGTFP ) tem natureza necessária, é a interpretação correta a extrair daqueles preceitos, pelo que o Tribunal
a quo ao assim entender não cometeu nenhuma violação do princípio do pro actione, previsto no artigo 7.º do CPTA, sequer esse entendimento pode ser visto como a proibição do Apelante de acesso à justiça e aos tribunais, e uma tutela efetiva, nos termos do disposto nos artigos 20.º, n.º4 e 268.º da CRP.
Esclarecedor a este respeito, é o que se escreve no Acórdão do TC n.º 564/2008, que reproduzindo a fundamentação constante do Acórdão n.º 425/99, adianta:«(…) não se vê que da consagração desta garantia de proteção jurisdicional, dirigida à proteção dos particulares através dos tribunais, e deste direito de impugnação dos atos administrativos lesivos, haja que decorrer a impossibilidade do condicionamento, pelo legislador, de tal recurso contencioso a um recurso hierárquico dos atos administrativos proferidos por órgãos subalternos da Administração – ou, o que é o mesmo, que dela decorra uma obrigatória impugnabilidade jurisdicional imediata desses atos, independentemente da sua reapreciação por órgãos superiores.
Do artigo 268.º, n.º 4, da Constituição não resulta […] “a ideia de que todo o ato que não aquiesça às pretensões de um cidadão é imediatamente recorrível para os tribunais”.
Desde logo, um ato administrativo da autoria de um subalterno, como ato precário, suscetível de ser alterado por órgãos superiores, não reveste também caráter lesivo como última palavra da Administração sobre a matéria, que não possa ser corrigido pela própria Administração. A reação contra a potencial lesão resultante desse ato, igualmente precária, não tem, pois, que poder efetivar-se imediatamente através do recurso aos tribunais, podendo tal reação ser condicionada à reapreciação pela própria Administração.
Por outro lado, da obrigatoriedade de um prévio recurso hierárquico não resulta a inviabilização, ou, sequer, a inadequação da tutela de direitos e interesses dos particulares. Apenas se impõe a necessidade de impugnação hierárquica prévia para atos de órgãos subalternos, ficando em qualquer caso assegurado o posterior recurso contencioso.

Já, aliás, com a 2.ª revisão constitucional se pretendeu, na definição dos atos administrativos, um afastamento dos conceitos de definitividade e de executoriedade, anteriormente utilizados, prevendo-se a garantia de recurso contencioso contra quaisquer atos, agora formulada como garantia de “tutela jurisdicional efetiva”. Todavia, como se salienta na doutrina, ‘a garantia constitucional não obsta a que a lei imponha, entre outras condições de procedibilidade, a necessidade de impugnação administrativa prévia de certos atos administrativos praticados por órgãos subalternos (atos não definitivos), nem a que exija uma necessidade concreta de proteção judicial do particular, por vezes inexistente em casos de atos já constituídos mas ainda não eficazes – será esse (...) o sentido e o alcance atual do artigo 25.º da LPTA, ao exigir que os atos sejam “definitivos e executórios” [J. C. Vieira de Andrade,
A Justiça Administrativa (Lições), ..., 1999, pág. 96].

A tutela jurisdicional efetiva dos administrados não resulta, nem inviabilizada, nem, sequer, restringida pela previsão de tal via hierárquica necessária como meio de, em primeira linha, tentar obter a satisfação do interesse do administrado pela revisão do ato administrativo praticado pelo órgão subalterno da Administração, previamente ao, sempre assegurado, recurso jurisdicional. Trata-se, apenas, de um condicionamento legítimo do direito de recurso contencioso, ficando sempre ressalvada a garantia da tutela judicial em todos os casos concretos (veja-se a
ob. cit., págs. 181 e segs.).»

Assim, estando-se perante caso de recurso hierárquico ou tutelar previsto no art.º 225.º da LGTFP, com natureza necessária, por determinação expressa da lei, impunha-se ao Apelante que previamente tivesse interposto recurso tutelar para o/a Ministro/a da (…), enquanto órgão da pessoa coletiva que exerce poderes de tutela ou superintendência sobre apelada, nos termos do art.º 199.º, n.º 1, alínea c), do CPA para, por esta via, obter o ato administrativo final- a última palavra da Administração- , o único ato que seria, pois, impugnável em sede contenciosa, junto dos tribunais.

(…).
Em suma,
-Decorre dos autos que foi oficiosamente suscitada a exceção de inimpugnabilidade do ato impugnado, nomeadamente por não ter sido interposto, pelo Autor, em momento prévio à propositura da presente ação, recurso administrativo necessário da decisão disciplinar aqui posta em crise;
-Como se sabe, a impugnabilidade ou recorribilidade do ato é um pressuposto processual específico das pretensões dedutíveis segundo a forma de ação administrativa de pretensão conexa com atos administrativos;
-Segundo o n.° 1 do art.° 51.° do CPTA, “ainda que não ponham termo a um procedimento, são impugnáveis todas as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta (...)”;
-Assim sendo, exige-se não só que o ato impugnado defina situações jurídicas e tenha, em si mesmo, um conteúdo decisório, como também que possua eficácia externa, isto é, que seja capaz de produzir ou constituir efeitos nas relações jurídicas externas, de que é exemplo a sua potencialidade lesiva de direitos ou interesses legalmente protegidos dos respetivos destinatários. Portanto, para ser contenciosamente impugnável, a decisão administrativa em causa não tem de ser lesiva de direitos ou interesses legalmente protegidos do autor, bastando-lhe ter eficácia externa atual, ou, pelo menos, que seja seguro ou muito provável que a virá a ter;

-Através da presente ação, o Autor impugna o ato administrativo consubstanciado na decisão do Presidente do ISC..., tomada em 05/03/2021, pela qual lhe foi aplicada a sanção disciplinar de suspensão, por remissão, além do mais, para os fundamentos e proposta constantes do relatório final elaborado pelo instrutor do procedimento disciplinar;
-Não é controvertido que ao procedimento em crise é aplicável o disposto na LGTFP (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada em anexo à Lei n.º 35/2014, de 20/06);
-Em matéria de meios impugnatórios da decisão punitiva, dispõe o art.º 224.º da LGTFP que “os atos proferidos em processo disciplinar podem ser impugnados hierárquica ou tutelarmente, nos termos do Código do Procedimento Administrativo, ou jurisdicionalmente”;
-Acrescenta o art.º 225.º do mesmo diploma legal que “o trabalhador e o participante podem interpor recurso hierárquico ou tutelar dos despachos e das decisões que não sejam de mero expediente, proferidos pelo instrutor ou pelos superiores hierárquicos daquele” (n.º 1), sendo que o recurso se interpõe “diretamente para o respetivo membro do Governo, no prazo de 15 dias, a contar da notificação do despacho ou da decisão, ou de 20 dias, a contar da publicação do aviso a que se refere o n.º 2 do artigo 214.º” (n.º 2).
-Ademais, “o recurso hierárquico ou tutelar suspende a eficácia do despacho ou da decisão recorridos, exceto quando o seu autor considere que a sua não execução imediata causa grave prejuízo ao interesse público” (n.º 4);
-Ou seja, decorre dos normativos acima citados que ao trabalhador é concedida a possibilidade de impugnar a decisão punitiva quer administrativamente (mediante recurso hierárquico ou tutelar, consoante os casos), quer contenciosamente. Ainda assim, não deixou o legislador de consignar, de modo expresso, que o recurso hierárquico ou tutelar, uma vez interposto, determina a suspensão da eficácia da decisão recorrida;
-Para a decisão do pleito importa, antes de mais, averiguar, à luz das disposições legais aplicáveis (nomeadamente, a LGTFP e o CPA):
-se estamos em presença de um recurso administrativo necessário – caso em que o trabalhador se vê obrigado a interpor o referido recurso junto da entidade competente antes de recorrer à via judicial para impugnar o ato punitivo primário, o que significa que apenas poderá impugnar, junto dos tribunais, o ato final (naturalmente, desfavorável) que vier a ser proferido no âmbito do recurso administrativo apresentado, não podendo impugnar diretamente, nos tribunais, o ato punitivo primário;
-se estamos em presença de um recurso administrativo facultativo – caso em que o trabalhador pode optar, livremente, por recorrer do ato punitivo primário seja para a própria Administração (recurso hierárquico ou tutelar), seja para os tribunais, em simultâneo ou não, pois que a impugnação administrativa não é condição prévia para a abertura da via contenciosa;
-A decisão recorrida, alicerçada na jurisprudência que citou, considerou, e quanto a nós bem, que na/para reação contra decisão disciplinar punitiva o recurso hierárquico se afigura como necessário;
-Quer isto dizer que a pena disciplinar visada nos autos apenas se tornará dotada de eficácia externa e potencialmente lesiva, quando a entidade tutelar tiver ensejo de analisar e decidir o recurso para ela interposto no caso concreto;
-Do exposto decorre que o recurso hierárquico ou tutelar previsto no art.º 225.º da LGTFP assume natureza necessária – situação em que, por determinação expressa da lei, se impunha ao Autor a interposição prévia de impugnação administrativa [in casu, recurso tutelar para o/a Ministro/a da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, enquanto órgão da pessoa coletiva que exerce poderes de tutela sobre o R. IPC, nos termos do art.º 199.º, n.º 1, alínea c), do CPA, do art.º 11.º, n.º 5, da Lei n.º 62/2007, de 10/09, que aprovou o regime jurídico das instituições de ensino superior, e do art.º 24.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 169-B/2019, de 03/12, que aprovou o regime da organização e funcionamento do XXII Governo Constitucional], para, dessa forma, obter o ato administrativo final ou definitivo, isto é, a última palavra da Administração, o único ato que seria, pois, impugnável em sede contenciosa, junto dos tribunais;
-O certo é que, como resulta do probatório, tendo sido pessoalmente notificado da decisão punitiva tomada pelo Presidente do ISC... em 16/03/2021, o Autor não interpôs, como se lhe impunha, o competente recurso tutelar, tendo optado por instaurar imediatamente a presente ação, impugnando aquela decisão;
-O único ato contenciosamente impugnável seria o ato proferido no âmbito do recurso tutelar necessário (e que, eventualmente, confirmasse a condenação constante do ato punitivo primário), não sendo, pois, impugnável jurisdicionalmente a decisão do Presidente do ISC... de 05/03/2021, aqui em causa, pela qual foi aplicada ao Autor a sanção disciplinar de suspensão;
-A decisão recorrida enunciou a lei aplicável e decidiu em conformidade com o correspondente quadro normativo, em termos com os quais nos identificamos, pelo que se manterá na ordem jurídica.

Decisão
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente.
Notifique e DN.
Porto, 10/02/2023

Fernanda Brandão
Hélder Vieira
Alexandra Alendouro