Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00557/19.2BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/17/2020
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR; FUMUS BONI IURIS; APOIO SOCIAL RESIDENCIAL; LICENÇA DE FUNCIONAMENTO;
Sumário:I- Para aferir se uma providência deve ser decretada, há que determinar, cumulativamente, (i) se há um fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que a Requerente visa assegurar no processo principal [periculum in mora], (ii) se é provável que a pretensão formulada no processo principal pela Requerente seja julgada procedente [fumus boni iuris] [n.º 1], e, caso a resposta seja positiva, (iii) devem ser ponderados os interesses em presença quanto aos danos que resultariam do decretamento da providência e do seu não decretamento [n.º 2].

II- De entre estes parâmetros, não se deteta nenhum erro de julgamento de direito ao nível da inverificação do requisito do fumus boni iuris, pois, dimanando do probatório coligido nos autos - que, diga-se, não mereceu qualquer reparo por parte da aqui Recorrente - o estabelecimento da Recorrente, para além de ostentar inúmeras falhas de segurança das instalações, particularmente em matéria de segurança contra incêndios, não possui licença de funcionamento e/ou autorização provisória exigida por lei para o seu funcionamento, é seguro asseverar-se, como concluiu o Tribunal a quo, a confirmação da legalidade do ato suspendendo em sede de ação principal, tanto mais que a solução assumida se apresentava à luz da lei e do interesse público como a única alternativa decisória, absolutamente inevitável e incapaz de ser influenciada pelo contributo da Recorrente.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:T.T., LDA
Recorrido 1:INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I – RELATÓRIO

T.T., LDA, com os sinais dos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, datada de 04.11.2019, promanada no âmbito da presente Providência Cautelar de Suspensão de Eficácia de Ato Administrativo por si intentada contra o INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL - CENTRO DISTRITAL DE COIMBRA, também com os sinais dos autos, que indeferiu a presente providência cautelar.

Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões:
(…)
1. Por sentença datada de 04 de novembro de 2019, o Tribunal a quo julgou improcedente a ação cautelar intentada pela Autora e, em consequência, indeferiu a providência cautelar de suspensão de eficácia da decisão final, de 11 de julho de 2019, do Conselho Diretivo do Instituo da Segurança Social, IP, que ordenou à Requerente que procedesse ao encerramento do estabelecimento de apoio social, não lhe concedendo o decretamento provisório da autorização de funcionamento do referido estabelecimento.

2. Contudo, a ora Recorrente não pode concordar com tal decisão. Vejamos:

3. Desde logo deparamo-nos com o vício de violação do princípio da participação e de preterição da audiência prévia.

4. Com efeito, notificada para o exercício de audiência prévia, a Requerente, aqui recorrente, alegou os fundamentos de facto e de direito que entendeu pertinentes e, para prova daqueles, arrolou várias testemunhas, as quais a Requerida entendeu não ouvir por não constar os factos a que as mesmas iriam ser inquiridas.

5. Tal decisão não tem arrimo na lei e, ainda que se considerasse que, algures, se preceitua que quem arrola prova tem que, desde logo, comunicar que factos visa a mesma, sempre caberia a notificação da Requerente para esse efeito.

6. Ao não proceder desse jeito, quer ouvindo desde logo as testemunhas arroladas quer notificando a Requerente para indicar os pontos a que as mesmas, a Requerida e, bem assim o Tribunal a quo que lhe deu guarida, violou os princípios da participação ínsito no art. 12° CPA e da imparcialidade (art. 3° CPA), tornando o ato nulo nos termos do disposto no art. 161°-1 e 2, al. d) CPA.

7. Acresce que, e sem prescindir, a omissão do exercício do direito de audiência prévia inça de nulidade o procedimento administrativo conforme o abrigo do disposto no art. 163° CPA, arguida tempestivamente.

8. Mas, o ato administrativo padece outrossim do vício de falta de fundamentação, pois existe uma contradição na informação do relatório que serviu de base à audiência prévia e à sua decisão, que torna ininteligível, para o seu destinatário, o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato.

9. Compulsado o ato, verifica-se que a Requerida ordenou o encerramento definitivo do estabelecimento em causa com base em “situações de perigo”. A ora recorrente não consegue descortinar, a fim de cabalmente se defender e tomar as resoluções pertinentes, qual a efetiva e real situação do estabelecimento.

10. Ora, a fundamentação do ato não consubstancia apenas um dever da administração, é também um direito subjetivo do administrador a conhecer os fundamentos factuais e as razões legais que permitem à autoridade administrativa conformar-lhe negativamente a sua esfera jurídica.

11. Ora, a Requerida, na deliberação que impunha o encerramento do estabelecimento da ora Recorrente, justificou tal decisão por se verificar uma situação de potencial perigo, mas, a bem da verdade, não se verifica - nem foi feita prova nos autos nesse sentido - de notar que a Requerente alegou a realização de obras posteriores à ação inspetiva levada a cabo pela Requerida - nenhuma situação de perigo atual para a saúde, segurança e bem-estar dos utentes.

12. Pelo que, pretendendo a decisão de encerramento em crise, fundamentar-se em tal relatório, como parece, tal fundamentação é ininteligível, por contraditória, o que conduz à nulidade do ato, artigo 161° n.° 2 al. c) do CPA.

13. Dessarte, a decisão administrativa padece de nulidade em virtude de falta de fundamentação pelo que, ao assim não decidir, a sentença ora em crise violou o disposto nos art.°s 151°, 152° e 153°, todos do CPA.

14. Mais: a Requerida deveria ter aplicado o disposto no artigo 19° n.° 1 do DL 334/2004 de 4 de março ou então deveria ter fundamentado o porquê da não aplicação do disposto no referido artigo.

15. Essa falta de fundamentação, constitui um vício formal que prejudica a discussão das alegações, pois, não se sabe quais os factos concretos e juízos de que foi denegado o recurso ao artigo 19° DL 334/2004 de 4 de março para evitar o encerramento imediato do estabelecimento.

16. Tanto que, a fundamentação da Deliberação omite também quais as condições exigidas e inexistentes são insuscetíveis de serem cumpridas, ou, sendo suscetíveis de serem satisfeitas, tal não poderá ocorrer, verosimilmente, no período em que alega durar, inicial ou renovadamente, a autorização provisória.

17. Por fim, a decisão de encerramento do estabelecimento da Requerente é o meio mais gravoso e que causa maiores danos aos particulares.

18. No caso em concreto, não está só em questão as consequências do encerramento para a Requerente, mas também para os trabalhadores e utentes que ali se encontram, porquanto há um prejuízo maior para os particulares do que o prejuízo para os objetivos a realizar.

19. Ao ter decidido pelo encerramento do estabelecimento de apoio social, optou a Requerida por uma solução manifestamente desrazoável.

20. Ora, a douta sentença de que se recorre não acautela os princípios da proporcionalidade e o princípio da justiça, previstos nos arts. 7° e 8°, ambos do CPA, violando-os de forma clara, ao decretar o encerramento do estabelecimento, pois, apesar de terem sido detetadas algumas irregularidades, meramente formais, as mesmas não constituem um perigo imediato e urgente.

21. E desse modo, a decisão a quo deveria ter considerado, na sua fundamentação, os princípios acima enunciados, pois com o decretamento do encerramento do estabelecimento, o mesmo irá causar inúmeros transtornos aos trabalhadores, e, por conseguinte, desalojar os utentes comprovadamente satisfeitos.

22. Ambas as decisões sob escrutínio - a do ISS, IP e a do Tribunal a quo, ao decidir pelo encerramento do estabelecimento, violam de igual forma, o princípio da boa fé.

23. Há um desvio de poder por parte da Administração ao decidir encerrar definitivamente o estabelecimento de apoio social, por força das contradições demonstradas no relatório, e sendo certo, que o estabelecimento não apresenta condições suscetíveis de comprometer a saúde, segurança e bem-estar dos utentes.

24. Pese ainda, o erro de facto, que se coaduna com o erro relativo às circunstâncias relevantes para a decisão, pois as “falhas graves de funcionamento” (que não o são), são meramente formais e não substanciais.

25. Assim, sempre por esta via é ilegal o ato administrativo, tendo o tribunal de 1ª instância agido contra os princípios da proporcionalidade, da justiça e razoabilidade, da cooperação e da boa-fé ao julgar improcedente a ação cautelar.

26. Nestes termos, deve a decisão recorrida ser revogada, com as legais consequências.

(…)”.


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Notificado que foi para o efeito, o Recorrido apresentou contra-alegações que rematou da seguinte forma:

“(…)

1- No presente recurso a Recorrente vem sindicar a bondade da Sentença proferida pelo Tribunal a quo, datada de 04.11.2019, a qual julgou improcedente a ação cautelar por si intentada e, em consequência indeferiu a providência cautelar de suspensão de eficácia da decisão final, do Conselho Diretivo do Recorrido, por discordar dá mesma;

2- Em defesa da sua tese, argumenta que notificada para exercer o direito à audiência prévia, “alegou os fundamentos de facto è de direito que entendeu pertinentes e, para prova daqueles, arrolou testemunhas, as quais a Requerida entendeu não ouvir por não constar os factos a que as mesmas iriam ser inquiridas”, ao assim proceder o Recorrido e, bem assim o Tribunal a que lhe deu guarida, violaram os princípios da participação e da imparcialidade, eivando de nulidade o ato impugnado, nos termos do disposto nos n.°s 1 e 2, do artigo 161.° do CPA;

3- Acrescentando que, a omissão do exercício do direito de audiência prévia inça de nulidade o procedimento administrativo. Vejamos, então, se assim é;

4- A título prévio, chama-se à colação o artigo 121º do CPA, que com a epígrafe “princípio da participação”, prevê que “os órgãos da Administração Pública devem assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por Objeto a defesa das seus interesses, na formação das decisões que lhes digam respeito, designadamente através da respetiva audiência nos termos do presente Código”-,

5 - Sobre o direito à audiência prévia, estabelece o artigo 121º do mesmo diploma legal que “ ...os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta (n° 1) e em cujo exercício os interessados podem pronunciar-se sobre todas, as questões com interesse para a decisão, em matéria de facto e de direito, bem como requerer diligências complementares e juntar documentos" (n.° 2);

6 - Por seu turno, dispõe o artigo 125.° do CPA, que o órgão administrativo, após a audiência, pode efetuar, oficiosamente ou a pedido dos interessados, diligências complementares;

7- Pelo que, considerando o teor dos sobreditos preceitos legais, afigura-se, salvo melhor e douto entendimento, que a realização de diligências complementares, em sede de audiência prévia, não é vinculativa para o órgão administrativo, o qual apenas levará a efeito aquelas que se mostrem convenientes para a decisão administrativa a proferir;

8 - De onde se infere que ó responsável pelo procedimento, não tem que levar a cabo todas as diligências de prova que lhe sejam requeridas pelos interessados aquando do seu exercício de audiência prévia;

9 - Pelo que, contrariamente ao defendido pela Recorrente, a mera circunstância de não terem sido ouvidas, pela entidade Recorrida, as testemunhas por si arroladas em sede de audiência prévia, não consubstanciará uma violação do direito de audiência prévia, nem do direito de participação;

10- Atento o sobredito, contrariamente ao invocado pela Recorrente inexiste qualquer violação dó Princípio da Participação e/ou preterição da formalidade de Audiência Prévia;

11- Quanto à alegada violação do dever de fundamentação do ato administrativo, sempre se diga que o mesmo funciona como um meio fundamental de garantia de legalidade da atividade da Administração é também de defesa dos direitos dos administrados;

12- A fundamentação, ainda que sucinta, deve ser tal que permita não só esclarecer um destinatário médio, mas principalmente, que possibilite o controlo do ato, pois deve permitir “a reconstituição do iter cognoscitivo e valorativo” do órgão decisor, de forma a que se perceba os motivos que o levaram a decidir como decidiu e possibilitar ao: destinatário analisar á decisão e ponderar se com a mesma concorda ou não;

13 - Q que ocorreu, na presente situação;

14- Aliás, como se retira do RI, oportunamente, apresentado mostra-se nítido que a Recorrente apreendeu devidamente as razões de facto e de direito que conduziram à prática da decisão sindicada;

15 - E, ainda que assim não seja, encontrando-se a Recorrente representada ao longo de todo o processo pelo Ilustre Mandatário, Albano Dias Ferreira, nem sequer se coloca a hipótese de falta de perceção do mesmo, não só porque ultrapassa o conceito de “destinatário normal", mas também porque reagiu, eficazmente, conta a alegada lesividade do ato;

16 - Ademais, a falta, ininteligibilidade, incongruência ou insuficiência de fundamentação daquela deliberação suspendenda, a verificar-se implicaria, o que se diga desde já não se concebe, a sua anulabilidade e não como parece acreditar a Recorrente a sua nulidade;

17- De todo o modo, sempre se dirá que da fundamentação subjacente à decisão que determinou o encerramento administrativo do estabelecimento propriedade da Recorrente, resulta, de forma inequívoca a enunciação das razões de facto e de direito que conduziram àquela deliberação, em cumprimento do determinado nos artigos 152.°, n? 1, alínea a) :e. 153? do CPA, donde se conclui que, não padece o ato sindicado, do vício de falta de fundamentação que vem alegado;

18 - Por fim, a Recorrente argui uma putativa violação dos Princípios da proporcionalidade, da justiça, da razoabilidade e da boa-fé, relativamente a ambas as decisões sobre escrutínio, a do Recorrido e a do Tribunal a quo;

19 - Aquele propósito, cumpre destacar que é a própria lei, através do artigo 35º do Decreto-lei nº 64/2007, de 14 de março, que confere ao Recorrido a possibilidade de determinar o encerramento imediato dó estabelecimento nos casos em que este apresente '‘deficiências graves nas condições de instalação, segurança, funcionamento, salubridade, higiene e conforto que ponham em causa os direitos dos utentes ou a sua qualidade de vida”;

20 - Tal possibilidade traduz-se contrariamente ao pretendido pela Recorrente, numa vinculação da Administração ao encerramento imediato do estabelecimento case apure aquelas deficiências tidas como graves;

21- O estabelecimento em crise não reúne as condições mínimas de funcionamento exigidas por lei, para a concessão da respetiva licença de funcionamento;

22 - E, como se não bastasse, o edificado onde se encontra instalado o estabelecimento de apoio social também não dispõe de licença ou autorização que ateste a sua adequação, a emitir pela Câmara Municipal competente;

23 - Acrescente-se que todos os argumentos apresentados pela Recorrente, não são suscetíveis de afastar os factos descritos no processo administrativo, relativamente a falta de licenciamento do estabelecimento de apoio social por si explorado, a omissão do parecer prévio obrigatório da Autoridade Nacional de Proteção Civil e da Autoridade de Saúde, entre outras irregularidades, resultando manifesta também falta de fundamento da pretensão a formular na ação principal;

24 - Importa, também destacar que ao Tribunal a quo competia, apenas avaliar o fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação que advêm para a Recorrente á não concessão da presente providência, o que fez, não merecendo a fundamentação e decisão daquele Tribunal qualquer reparo, devendo ser mantida integralmente.

Pelo que, bem andou a decisão do Digníssimo Tribunal a quo que após uma análise sumária e perfunctória sobre o ato impugnado, pugnou pelo não decretamento da providência cautelar requerida pela Recorrente.

(…)”.


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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.

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O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu o parecer a que alude o artigo 146º, nº.1 do CPTA.

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Com dispensa de vistos prévios – artigo 36.º n.º 2 do C.P.T.A. – cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.

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II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, a questão essencial a dirimir resume-se a determinar se decisão judicial recorrida, ao julgar nos termos e com o alcance explanados no ponto I) do presente acórdão, incorreu em erro de julgamento de direito.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
Na decisão recorrida deram-se como provados os seguintes factos:
“(…)

A) Por ter rececionado três denúncias visando o estabelecimento denominado “Casa (...)”, propriedade da sociedade T.T. Lda., ora requerente, o Instituto da Segurança Social, I.P., entidade requerida, desencadeou o procedimento administrativo de fiscalização Proave n.° 201800015640 visando a averiguação das condições de instalação e funcionamento de um estabelecimento de apoio social a pessoas idosas com alojamento (Cfr. documentos de fls. 2 a 17 do PA, junto a fls. 176 e ss. do SITAF);

B) Em 13/12/2018, foi determinada uma ação de fiscalização na morada identificada nas referidas denúncias, com o objetivo de proceder à averiguação dos factos constantes das mesmas, para a qual foi designada uma equipa do Núcleo de Fiscalização de Equipamentos Sociais da Unidade de Fiscalização do Centro, constituída pelas inspetoras Isabel Cunha (instrutora do processo de averiguações) e Cristina Silva (Cf. documento de fls. 7 do PA, junto a fls. 176 e ss. do SITAF);

C) Em 14/03/2018, pela equipa inspetiva, foi elaborado o relatório realizado ao equipamento de apoio social da requerente, o qual se tem por integralmente reproduzido, e de onde se extrai o seguinte segmento e no qual se concluiu pelo seguinte (cf. despacho e relatório de fls. 18 a 30 do PA, junto a fls. 176 e ss. do SITAF):

“(...) FACTOS APURADOS

1. No 20/02/2019 foi realizada ação de fiscalização no imóvel sito na Rua (…), concelho de (...), distrito de (…), com o objetivo de o confirmar o exercício de uma atividade de apoio social a pessoas idosas suscetível de enquadramento legal bem como avaliar as respetivas condições de instalação e funcionamento.

2. A equipa inspetiva compareceu naquela morada pelas 10h00m, tendo sido recebida por M.H.G.F. que, após identificação e comunicação dos objetivos da ação inspetiva, confirmou o acolhimento de idosos na moradia em questão, autorizando o acesso ao interior das instalações e colaborando na prestação dos esclarecimentos sobre o exercício de atividade de apoio a idosos, embora tivesse informado que o seu marido, J.J.P.C., seria o responsável pela atividade. Efetuado contacto telefónico com este responsável informou da sua indisponibilidade para estar presente. No entanto, compareceu nas instalações objeto da averiguação cerca das 12h, no momento em que a equipa se preparava para abandonar o local, tendo, contudo, sido possível ainda o apuramento de algumas questões entretanto suscitadas.

3. No local, as inspetoras, acompanhadas por M.H.G.F., confirmaram a acolhimento de pessoas idosas, em regime de alojamento permanente, a quem são proporcionados cuidados de higiene pessoal e conforto, tratamento de roupas, alimentação, assistência medicamentosa e cuidados de saúde, garantindo igualmente a higiene das áreas funcionais da estrutura residencial.

4. Na presente ação inspetiva foram identificadas 7 pessoas idosas a residir no estabelecimento tendo a entidade averiguada apresentado os respetivos processos individuais. Os dados de identificação facultados foram posteriormente confirmados e complementados com a informação disponível no sistema de informação da segurança social (SISS-IDQ). (...)

5. A atividade de apoio social a idosos é promovida a título remunerado.

5.1. Pelos serviços prestados, a interlocutora durante a intervenção informou cobrarem-se mensalidades aos residentes que variam entre 900€ e 950€ (apenas o caso do utente J.T.F.) com emissão de recibos para efeitos fiscais, os quais porém não exibiu no decurso da ação, com a justificação de que são emitidos pelo seu contabilista através do portal das finanças. Não obstante, num dos Processos individuais, da utente A.N.M, foi encontrada uma fatura/recibo referente a um pagamento no valor de 950€ referente ao mês de fevereiro de 2019 relativo a "Serviço de apoio e alojamento a idosos”.

5.2. Foi informado pela interlocutora no decurso da ação que a atividade de apoio social estava a ser promovida através da sociedade por quotas T.T. Lda. cujo responsável/proprietário seria J.J.P.C..

5.2.1. A pesquisa ao Sistema de Informação da Segurança Social (SISS) não revelou registos de quais são os MOEs da sociedade "T.T. Lda."

5.2- 1.1 O Sistema de Informação supracitado revela a qualificação de J.J.P.C. como MOE de duas empresas, a saber a "T.G." — NISS: (…) (com início em 2009.07.22) e a "O.C.A.L., Lda." - NISS: (…) (com início em 2008.10.24).

5.2.1.2. J.J.P.C. tem registos de qualificações anteriores, já cessadas, nomeadamente como TCO da "H., Lda. - NISS: (…) (de 2006.08.01 a 2008.09.30) e como MOE do "Lar (…) Lda. - NISS: (…) (com cessação da atividade em 2007.09.06) e da J. C. C. T. L., . Lda. - NISS: (…) (de 2000.02.01 a 2015.07.03). com a referência —Extinção Justiça"

5.2.1.3. Os dados constantes da aplicação SISS revelam o início de atividade da empresa em referência, em 15.06.2015, pessoa coletiva que tem como Objeto "Atividades de Apoio Para Pessoas Idosas, com Alojamento".

5.2- 2 Foi consultado o Portal da Justiça, constando como último ato de registo ao contrato de sociedade da "T.T. Lda." efetuado em 27.02.2019 (após a intervenção realizada pela equipa da Unidade de Fiscalização do Centro) - a mudança de sede e a alteração do objeto da sociedade, ficando o contrato respetivo alterado de acordo com os seguintes elementos:

- Gerente da sociedade - J.J.P.C.

- Sede - Rua (…)

Objeto: Atividades de apoio social para pessoas Idosas com alojamento e sem alojamento; prestação de serviços de fisioterapia e massagem terapêutica; Comércio de produtos e equipamentos relacionados com as mencionadas atividades

5.3. As trabalhadoras que foram identificadas à data da ação inspetiva estão enquadradas no regime geral da Segurança Social como trabalhadoras por conta doutrem (TCO) ao serviço da empresa T.T Lda.:(...)

5.3.1. Constatou-se que M.G.S.S., a desempenhar tarefas na cozinha, se encontrava com uma incapacidade ao nível do membro superior, o qual estava imobilizado, não apresentando proteção e dificultando o desempenho cabal das suas funções.

5.3.1.1. A consulta ao SISS/ITPT não revela a perceção de subsídio de doença por parte da trabalhadora em questão.

5.3- 1.2 As duas trabalhadoras que se encontravam na cozinha a preparar a refeição não dispunham de vestuário próprio para o efeito, nomeadamente o Uso de touca a cobrir o cabelo. (...)

6. A atividade de apoio social a idosos é desenvolvida numa habitação tipo moradia, constituída por um piso térreo e composta pelas seguintes áreas funcionais:

- Gabinete onde se realizam as consultas médicas/enfermagem - Imagem i

- Instalações sanitárias de utilização geral;

- Dispensa - Imagem 2

- Área de receção (situada no espaço da saia de estar) a qual consiste num balcão .com computador) — 3

- Área de alojamento - 3 quartos:

• Um com três camas (com instalação sanitária - destinada aos banhos dos residentes) - imagem 6

• Um com duas camas - uma cama vaga - imagens 4 e 5

• Um com 6 camas (com instalação sanitária) - imagem 7

- Área ampla composta por uma cozinha tipo familiar e com um espaço destinado às refeições dos residentes - imagens 8 e 9

- Sala de estar, ocupando uma zona central da moradia, da qual se acede - através de passagens exclusivamente constituídas por degraus - para a área de alojamento, instalações sanitárias e para a cozinha. (...)

7. O estabelecimento de apoio social a idosos, sito na Rua (…), concelho de (…), distrito de Coimbra, funciona sem licença de funcionamento ou autorização provisória de funcionamento emitida pelo Centro Distrital de Segurança Social territorialmente competente, no caso vertente o Centro Distrital de Coimbra.

7.1. A atividade de apoio social a pessoas idosas ora averiguada é da responsabilidade de J.J.P.C., gerente da sociedade por quotas, "T.T, Lda."

7.2- - Colocada ao Cdist Coimbra a questão do licenciamento da entidade averiguada: foi informado que não existia nenhum pedido de licenciamento para a resposta social de ERPI nos nomes indicados T.T., LDA. / J.J.P.C..

7.1.1. Aliás, importa anotar que o responsável pela atividade não tem a sua situação regularizada perante a Segurança Social, com dívida decorrente da extinção da empresa da qual era gerente – H., Lda. No Portal da justiça consta o registo de Dissolução e Encerramento da Liquidação', inscrição n.° 2 ao ato societário, relativo àquela empresa - Ap. 288/20140422 UTC.

7.1.1.1. Ora, o início de atividade abrangida pelo Decreto-Lei n.° DL 64/2007, de 14 de março, no qual se inclui a estrutura residencial para pessoas idosas, está dependente da concessão da respetiva licença de funcionamento a emitir pelo Instituto da Segurança Social I.P. - artigo 11.° do DL 64/2007, de 14 de março, com as alterações introduzidas pelo DL n.° 33/2014, de 4 de marco. A licença de funcionamento depende da verificação das condições previstas nas alíneas do artigo 12.° daquele diploma legal, sendo uma delas, a regularidade da situação contributiva do requerente perante a administração fiscal e face à segurança social.

7.1.1.2. Este requisito não estará cumprido no caso concreto, pela falta de liquidação da dívida no âmbito do processo de dissolução e encerramento relativo a empresa da qual J.J.P.C. era gerente, pelo que, enquanto a situação não estiver regularizada, a entidade averiguada não poderá obter a licença de funcionamento para a promoção da resposta social em questão.

8. As instalações onde está a ser promovida a atividade de apoio social não dispõem de licença de utilização para estrutura residencial para pessoas idosas emitida pela Câmara Municipal territorialmente competente.

9. O equipamento não assegura as adequadas condições de segurança contra incêndios.

10. As instalações não asseguram as condições de acessibilidade necessárias a utentes com mobilidade condicionada, como é o caso da população idosa.

10.1. De considerar particularmente grave. o modo de acesso a divisões do imóvel, nomeadamente, a passagem da sala de estar para a área de alojamento dos residentes, que se faz integralmente através de degraus, não permitindo a circulação de cadeiras de rodas nem mesmo o acesso das pessoas idosas, caminhando. —Imagens 10 e 11.

10.1.1. Será oportuno mencionar que foi observado pela equipa inspetiva, no decurso da ação, a dificuldade de uma idosa que se deslocava com o auxílio de um andarilho e que pretendia ir para a sala de estar, tendo sido providencial o apoio de uma das trabalhadoras, que por acaso passava pelo local, evitando a sua queda.

10.1.2. Anote-se ainda a circunstância de os processos individuais dos utentes conterem alguns relatórios de episódios de urgência hospitalar relacionados com quedas dos residentes. (.)

10.2. Numa das instalações sanitárias utilizadas para os banhos dos residentes, o pavimento da base do chuveiro apresenta reduzidas dimensões e não se encontra rebaixado; as loiças sanitárias não permitem a aproximação frontal ao lavatório - imagens infra n° 12 e 13; (.)

11. O estabelecimento averiguado não foi objeto de vistoria pela Autoridade de Saúde não dispondo de documento que certifique que se encontram garantidas as normas de higiene e saúde legalmente exigíveis. (...)

12. Em relação às condições de funcionamento verificou-se o seguinte:

12.1. No que respeita ao quadro de pessoal afeto ao desenvolvimento da atividade de apoio social a idosos, cumpre referir que não estavam disponíveis os contratos de trabalho celebrados com as trabalhadoras. (…)

12.2. A alimentação é confecionada por M.G.S.S., que informou não dispor de ementas. A data da ação inspetiva foi possível verificar a refeição do almoço constituída por carne estufada com arroz de legumes.

12.2.1 Verificou-se que a recolha das amostras testemunha estava a cargo de M.G.S., com funções de cozinheira.

12.2.1.1 Observou-se que não foi efetuada a recolha no dia em a mesma faltou, no dia 18.02., o que revela que não esta prevista a sua substituição nesta tarefa específica, o que compromete o cumprimento deste procedimento, passível pôr em causa o controlo dos pontos críticos, em matéria de higiene e segurança alimentar.

12.3 Sobre os cuidados de saúde, M.H.F informou que são prestados por um médico de nome D. - do que se aferiu trata-se do Dr. B.D. - e por uma enfermeira de nome R. (não sabendo precisar qual o nome completo) - que irá ao estabelecimento todos os dias das 18h30 às 9h, medindo a tensão arterial aos residentes, a glicémia (à utente portadora de diabetes) e preparando a medicação com a ajuda de M.H.F. A data da ação nenhum dos idosos necessitava de cuidados de enfermagem específicos. (...)

13. Em matéria de organização técnico-administrativas da ação de fiscalização resultou que estavam organizados processos: individuais para cada residente, com documentos de identificação dos mesmos, elementos relativos a consultas médicas ou referentes a episódios hospitalares.

13.1 Apenas o processo individual de J.T.F. - utente que foi admitido recentemente - continha um contrato de prestação de serviços celebrado com a "Casa (…)" representada por J.J.P.C.. (...)

13 Não existia regulamento interno embora o contrato de prestação de serviços supra referido contivesse remissões para tal documento.

3.4 O estabelecimento não dispunha de livro de reclamações.

ENQUADRAMENTO LEGAL/CONCLUSÕES

A atividade de apoio social supra descrita é suscetível de ser enquadrada como estrutura residencial para pessoas idosas. (.)

2. O estabelecimento de apoio social fiscalizado funciona sem licença emitida pelo Instituto de Segurança S0cial I.P. (.)

3.O imóvel no qual funciona o estabelecimento de apoio social apresenta deficientes condições de instalação nos termos da legislação em vigor.

3.1. O edificado não dispõe de licença ou autorização de utilização que ateste a adequação do edifício ao desenvolvimento dos serviços de apoio social, cuja emissão é competência da Câmara Municipal, dependente de parecer prévio obrigatório do Instituto de Segurança Social, I.P., da Autoridade Nacional de Proteção Civil e da Autoridade de Saúde (nos termos dos artigos 6.° a 10.° do Decreto-Lei n.° 64/2007, de 14/03 na redação introduzida pela Decreto-Lei n° 33/2014, de 4/03).

3.2. Nos termos do artigo 18.° da Portaria n.° 67/2012, de 21 març0, a estrutura residencial é composta por áreas funcionais designadamente, receção, direção, serviços técnicos e administrativos, instalações para o pessoal, convívio e atividades, refeições, alojamento, cozinha e lavandaria, serviços de enfermagem, serviços de apoio — que devem obedecer a um conjunto de requisitos específicos definidos em anexo à citada Portaria. (...)

4. O estabelecimento fiscalizado não dispõe de equipamento de prevenção ou deteção de incêndio, não apresentando as necessárias condições de segurança exigidas pela legislação atualmente em vigor (D.L. n.° 220/2008, de 12.11, cujas condições técnicas foram concretizadas pela Portaria n.° 1532/2008, de 29.12, que aprovou o regulamento técnico de segurança contra incêndio em edifícios). O estabelecimento fiscalizado é enquadrável na utilização-tipo V "hospitalares e lares de. idosos" e integra locais de risco D — local de um estabelecimento com permanência de pessoas acamadas ou pessoas limitadas na mobilidade ou nas capacidades de perceção e reação a um alarme — prevista pelo art. 10.° do citado DL n.° 220/2008, de 12.11. (.)

5. O atuai regime jurídico aplicável a estabelecimentos de apoio social prevê e define a estrutura de recursos humanos a afetar ao respetivo funcionamento. (...)

5.2.1 Do que foi apurado e atentos os constrangimentos nessa avaliação decorrentes da ausência de registos dos trabalhadores afetos às atividades e serviços da resposta Social, a estrutura residencial para pessoas idosas não contempla no respetivo quadro uma direção técnica (assegurada, nos termos do n.° 1 do artigo 11.° da Portaria n.° 67/2012, de 21.03, por um técnico com formação superior em Ciências sociais e do comportamento, saúde ou serviços sociais e, preferencialmente, com experiência profissional para o exercício das funções) e não dispõe de um animador sociocultural ou educador social ou técnico de geriatria nas condições referidas na al. a) do artigo 12.° daquele diploma legal. Acresce a indefinição de funções atribuídas às três trabalhadoras que se encontravam ao serviço à data da intervenção, as quais executam tarefas indiferenciadas. (.)

CONCLUSÕES

1. O estabelecimento fiscalizado é suscetível de ser enquadrado como estrutura residencial para pessoas idosas atenta a natureza dos serviços prestados - alojamento, alimentação, cuidados de higiene pessoal e conforto, tratamento de roupa, higiene dos espaços, apoio no desempenho das atividades da vida diária e administração de fármacos - e considerando a capacidade do imóvel - à data da ação inspetiva as instalações permitiam o alojamento de onze pessoas idosas (num quarto sêxtuplo, num quarto duplo e num quarto, sendo que eram sete os residentes no equipamento à data da ação inspetiva (considerando que uma das pessoas idosas era mãe do responsável). Não obstante, o referido estabelecimento de apoio social não dispõe de licença de funcionamento para o efeito (a emitir peio Instituto de Segurança Social, IP., mais concretamente pelo respetivo Centro Distrital de Coimbra), licença legalmente exigível para o início e subsequente exercício da atividade.

2. O imóvel no qual funciona o estabelecimento não tem licença ou autorização de utilização para os fins atualmente prosseguidas, emitida pela Câmara Municipal territorialmente competente, verificando-se que não está assegurada a adequação das condições de instalação do imóvel ao desenvolvimento dos serviços de apoio social e cumprimento de condições de segurança contra riscos de incêndios e de normas de higiene e saúde.

3. O equipamento não obedece à legislação aplicável, designadamente no que toca à estrutura orgânica exigível para este tipo de equipamento de apoio social para pessoas idosas e também às normas técnicas em matéria de acessibilidades relativamente a pessoas com mobilidade condicionada, destacando-se as dimensões reduzidas dos quartos com camas encostadas à parede) e das instalações sanitárias (que não dispõem de espaço para manobras de rotação de cadeiras de rodas, ou para a prestação do serviço de higiene pessoa! aos. residentes).

4. A estrutura residencial para pessoas idosas objeto de fiscalização não assegura o cumprimento da legislação atualmente em vigor em matéria de segurança contra incêndios, anotando-se a ausência de meios de intervenção no combate a incêndios, v.g. extintores, detetores de incêndio, iluminação de emergência.

5. O estabelecimento fiscalizado não comprovou ter um quadro de pessoal coincidente com o previsto legalmente para o tipo de atividade prosseguida, facto pelo qual se entende não estar assegurada a prestação integral e adequada de todos os cuidados e serviços necessários aos residentes.

6. A inadequação e falta de condições de segurança das instalações (em especial, quanto às condições de instalação e acessibilidade e de incêndio) associada aos constrangimentos verificados em matéria de funcionamento, designadamente, deficiências detetadas ao nível da assistência medicamentosa e inadequação do pessoal para garantir a prestação de todos os cuidados e serviços conjugados com a situação de dependência dos idosos, são fatores que conferem especial gravidade às deficiências assinaladas no estabelecimento fiscalizado.

7. Nessa conformidade, tendo em consideração as situações de perigo identificadas, a especial vulnerabilidade da população idosa e a particular natureza da atividade promovida (que implica necessariamente o alojamento permanente), conclui-se que a manutenção em funcionamento do estabelecimento nas atuais condições, não tendo licença de funcionamento ou autorização provisória, põe em causa os direitos dos idosos aí residentes e a sua qualidade de vida.

PROPOSTA

Considerando a competência de encerramento de estabelecimentos de apoio social definida no n.° 1 do art° 36.° do Decreto-lei n.° 64/2007, de 14/03, republicado através do Decreto-lei n.° 33/2014, de 04/03 e a Orientação Técnica n.° 12/11, de 2011/06/11, propõe-se que seja dado conhecimento do presente projeto de relatório ao Conselho Diretivo do ISS, IP, para apreciação e deliberação sobre os pressupostos de facto e de direito que fundamentam a proposta de encerramento administrativo da estrutura residencial para idosos promovida pela sociedade por quotas «T.T. Lda.», cujo gerente é J.J.P.C.”.

D) Em 17/04/2019, pela Diretora do Departamento de Fiscalização foi proferido o despacho junto a fls. 18 do PA, do qual se extrai o seguinte excerto:

“Concordo com a apreciação, conclusões e propostas expressas no presente projeto de relatório e no parecer que antecede. (...)

Com efeito, em face das referidas circunstâncias é de considerar verificada a existência de um risco potencial para a qualidade de vida e para os direitos dos idosos utentes, que fundamenta o encerramento administrativo da ERPI identificada no presente projeto de relatório, nos termos previstos no artigo 35.° do Dec.-Lei n.° 64/2007, de 14 de março” (Cfr. fls. documento a fls. 18 do PA, junto a fls. 176 e ss. do SITAF);

E) Em 18/04/2018 foi proferido despacho do Presidente do Conselho Distrital da Segurança Social de Coimbra, concordando com o relatório elaborado (Cfr. fls. documento a fls. 18 do PA, junto a fls. 176 e ss. do SITAF); ,

F) Por ofício n.° 36231, de 23 de abril de 2019, a requerente tomou conhecimento da intenção de ordenar o encerramento administrativo imediato do estabelecimento de apoio social denominado “Casa (...)”, conferindo-lhe o prazo de dez dias úteis para o exercício do direito de audiência prévia, informando ainda sobre a possibilidade de extinção do procedimento de encerramento do estabelecimento caso ocorresse a cessação voluntária do mesmo (Provado por acordo; e Cfr. ofício e aviso de receção a fls. 31 a 33 do PA, junto a fls. 176 e ss. do SITAF);

G) Por requerimento rececionado, nos serviços da entidade requerida, em 14 de maio de 2019, e na sequência da notificação melhor descrita no ponto precedente, solicitou a requerente a prorrogação do prazo para exercício do seu direito de audiência prévia, “dada a complexidade da situação de facto impetrada, que não é verdadeira e, por isso, tem que ser cabalmente esclarecida e, ainda, a circunstância de o técnico que assessoria a requerente se encontrar ausente no estrangeiro, só regressando no dia 25 de maio” (Provado por acordo; e Cfr. documento de fls. 34 do PA, junto a fls. 176 e ss. do SITAF);

H) Por despacho de 20 de maio de 2019, do Diretor da Unidade de Fiscalização do Centro, foi deferida a prorrogação do prazo para pronúncia da Requerente até 31 de maio de 2019, nos termos propostos na informação n.° 77/NFES/2019, datada de 20 de maio de 2019, ou seja (Provado por acordo; informação de fls. 37 e 38 do PA, junto a fls. 176 e ss. do SITAF):

“(...) Através de comunicação com registo de entrada nesta Unidade de Fiscalização do Centro do SS, IP em 14.05.2019 foi requerida pela T.T., Ida, a prorrogação do prazo de resposta à audiência prévia. Este pedido é fundamentado com base (i) na complexidade da situação que alega não ser verdadeira (ii) a circunstância de o técnico que assessoria a requerente se encontrar ausente no estrangeiro, só regressando no dia 25 de maio.

Face ao exposto e atendendo a que a prorrogação do prazo da pronúncia dos interessados não implicará uma demora significativa que determine uma lesão dos interesses que se pretendem proteger, propõe-se o deferimento do requerimento de prorrogação do prazo de audiência prévia dos interessados até ao dia 31 de maio de 2019".

I) Por requerimento rececionado, nos serviços da Entidade Requerida, em 3 de junho de 2019, a requerente apresentou a sua pronúncia prévia, à qual juntou um documento e arrolou três testemunhas, e de cujo teor se destaca:

“1. Em primeiro lugar, requer-se a prorrogação do prazo para o exercício da audiência prévia dos interessados, pelo período de seis a doze meses.

2. Com efeito pretende a requerente obter a licença de funcionamento para o ERPI em causa, estimando-se que aquele seja o tempo necessário para tanto,

Sem prescindir,

3. Nos termos do disposto no art. 19° DL 64/2007, de 14.03, na redação aplicável, o qual define o regime de licenciamento e de fiscalização da prestação de serviços e dos estabelecimentos de apoio social, nos casos em que não se encontram reunidas as condições exigidas para a concessão de licença de funcionamento, mas seja previsível que as mesmas possam ser satisfeitas pode ser concedida uma autorização provisória de funcionamento, salvo se as condições de funcionamento forem suscetíveis de comprometer a saúde, segurança, bem-estar dos utentes e a qualidade dos serviços a prestar.

4. Do n.° 2 do mesmo comando resulta que A autorização referida no numero anterior é concedida por um prazo máximo de. 180 dias, prorrogável por igual período, por uma só vez, mediante requerimento fundamentado.

5. Ora, aquando da fiscalização ao estabelecimento em causa, foi este ISS informado que estava em processo de desenvolvimento o pedido de licença do mesmo, para capacidade de 13 utentes.

6. Sucede, porém, que o ISS, entidade que deve estar ao serviço da comunidade, e fazendo parte integrante do Estado Português e que deveria ter tido em Conta e ponderação tal informação antes de emitir a decisão de encerramento, não considerou tal situação nem curou perceber e a Situação dos utentes que frequentam o estabelecimento, o destino dos mesmos, os tratamentos necessários, as razões que subjazem à sua inserção no ERPI.

7. É que não podemos olvidar que os idosos que frequentam o ERPI ali se encontram ou porque não têm família e/ou as famílias não tem as condições necessárias para proporcionar os cuidados necessários.

8. Mais não resulta do relatório efetuado por este ISS qualquer prejuízo para o interesse público.

9. O estabelecimento em causa detém condições para prestar apoio aos idosos que ali se encontram.

10. As questões subjazem à decisão de encerramento meramente formais e/ou rápida Resolução.

11. Por outro lado, o ERPI em causa assegura o futuro de sete funcionários que ali prestam atividade por forma a garantir o sustento dos próprios e das suas famílias sendo certo que o encerramento do estabelecimento irá conduzir ao seu desemprego.

12. Nesta confluência, com fundamento no interesse dos utentes, no interesse dos trabalhadores e ainda com fundamento no interesse público, requer-se que seja concedida ao abrigo do disposto no 19° DL 64/2007, 14.03, na redação aplicável e para que o estabelecimento possa ser de utilidade social.

Sem prescindir,

13. O encerramento do estabelecimento de apoio social causará a degradação da esperança de vida dos utentes ali se encontram, derivada da falta de cuidados que os mesmos necessitam, causando, desse jeito, prejuízos de muito difícil recuperação e

14. Provocará a cessação dos contratos de trabalho dos seus funcionários,

15. pondo, dessa forma, em risco a subsistência dos trabalhadores e necessidades básicas dos respetivos agregados familiares que perderão a possibilidade de fazer face aos seus custos básicos para a sua vivência do dia-a-dia

16. Quanto ao interesse público não se vislumbram prejuízos em relação ao mesmo pois todos os utentes recebem cuidados de saúde necessários.

17. A situação que mais se adequa e convém aos utentes é a manutenção do espaço aberto.

18. Com efeito, todos os utentes contam com idade superior a setenta anos.

19. O encerramento do estabelecimento - da casa que consideram sua -, o afastamento um dos outros e dos funcionários, irá provocar uma brusca e repentina alteração dos hábitos que causará graves transtornos aos utentes.

20. Mais, na zona geográfica do estabelecimento, e mesmo no resto do concelho de Coimbra, não há lares que possam albergar, nas mesmas condições, os utentes deste estabelecimento.

21. pese, ainda, o erro de facto, que se coaduna com o erro relativo às circunstâncias relevantes para ã decisão, as falhas apontadas no relatório são meramente formais e substanciais.

22. Residem neste local e aí criaram hábitos como se em casa estivessem,

23. Aliás, para os utentes esta é a sua casa.

24. Mais, estão habituados aos trabalhadores que carinhosamente tratam de si, diariamente.

25. São idosos bastantes resistentes à mudança e sofrem com ela.

26. Ora a maioria dos utentes são da zona geográfica onde se insere o ERPI e a sua transferência para locais mais afastados irá comportar definhamento das relações familiares.

27. Com efeito, a deslocação dos utentes para local longínquo daquele que é o local de residência dos seus familiares irá implicar que estes, por falta de meios económicos e de tempos os visitem menos.

28. Em suma, os prejuízos privados são de elevado grau, de extrema gravidade e não podem ser ignorados, inexistindo qualquer interesse público que deva prevalecer sobre eles.

29. Ante o exposto, deve ser deferido o prazo para exercício do direito de audiência de interessados ou sem prescindir, ser concedida autorização provisória ou, sem prescindir, decidir-se pela manutenção”.

(Provado por acordo; Cfr. documento de fls. 40 a 57 do PA, junto a fls. 176 e ss. do SITAF);

J) Em 26 de junho de 2019, foi elaborada a informação n.° 63/NFES/2019, na qual, considerando que as alegações apresentadas pela requerente não eram passíveis de alterar os factos constantes do projeto de relatório quanto à proposta de encerramento administrativo do estabelecimento, reiterou-se a mesma, propondo que fosse dado conhecimento ao Conselho Diretivo do Instituto da Segurança Social, IP, do relatório para efeitos de apreciação e deliberação, destacando-se do seu teor o seguinte segmento:

“(…)

1. Introdução (...)

1.2. Para efeitos de audiência prévia foi apresentada, através de carta que deu entrada nesta UFC em 2019.06.03, a resposta subscrita por Albano Dias Ferreira, advogado do interessado no presente processo administrativo, na qual se aduziram os argumentos que no seu entendimento obstariam ao prosseguimento do projeto de decisão respeitante ao encerramento administrativo do equipamento supra identificado, conforme melhor se encontra descrito no projeto de relatório, oportunamente notificado à referida entidade, e que por uma questão de economia processual damos inteiramente por reproduzido, para todos os efeitos legais.

1.2.1 Vem requerer o deferimento do pedido de prorrogação do prazo para o exercício do direito de audiência prévia. pelo período de seis a doze meses; que seja concedida autorização provisória de funcionamento ou, "sem prescindir, decidir-se pela manutenção": Junta prova documental (um documento intitulado "Proposta de Prestação de Serviços" de 8 de maio de 2019 — de J.F.O. /S.F., Lda.) e prova testemunhal (1- M.C.P.A.P.R., residente na R. (…); 2 – L.M.A.C., residente na R. (…); 3 - M.G.S.S., residente do Cisnado, 3140-567 Tentúgal).

2. Apreciação da resposta e da prova apresentada

2.1. Nas alegações apresentadas em sede de audiência prévia, o interessado no procedimento, sem prejuízo de vir requerer a prorrogação do prazo para o exercício do direito de audiência prévia pelo período de seis a doze meses, e, concomitantemente, a concessão de autorização provisória de funcionamento, nos termos do disposto no artigo 19.° do DL 64/2007, de 14.03, aduz o seguinte na exposição respetiva:

2.1.1. Que "...aquando da fiscalização ao estabelecimento em causa, foi este ISS informado que estava em processo de desenvolvimento o pedido de licença do mesmo, para capacidade de 13 utentes." — ponto 5- da exposição

2.1.1.1. Importa referir que (...) foi colocada ao Centro Distrital de Coimbra a questão do licenciamento da atividade, tendo sido informado em 11.03.2019 que não existia nenhum pedido de licenciamento para a resposta social de ERPI em nome de "T.T., LDA" ou de J.J.P.C..

2.1.2 Nos restantes pontos da resposta e que constituem o respetivo articulado não se Contrapõem argumentos que contrariem o teor do projeto de relatório, nomeadamente, os fundamentos de facto e de direito que se apresentaram no mesmo e que fundaram a intenção de ordenar o encerramento. administrativo e imediato do estabelecimento de apoio social.

2.1.2.1. Com efeito, não são refutadas as deficiências detetadas, designadamente, ao nível das acessibilidades ou as que se referem à ausência de meios de deteção e combate a incêndios, ou as que respeitam ao funcionamento da resposta social decorrentes da ausência de um quadro de pessoal adequado e consentâneo com os rácios legais.

É apenas mencionado que ".não resulta do relatório ..qualquer prejuízo para o interesse público"; que o estabelecimento em causa detém condições para prestar apoio aos idosos que ali se encontram"; que as questões que subjazem à decisão de encerramento são meramente formais e/ou de rápida resolução." - pontos 8 a 10.

Invocam-se os interesses dos utentes, dos trabalhadores e o interesse público, sem que sejam apresentadas circunstâncias que afastem os perigos potenciais que foram em tempo sinalizados pela equipa inspetiva e que determinaram a intenção de ordenar o encerramento administrativo do estabelecimento ínsitos no projeto de relatório constante da informação 29/NFES/2019, de 14.03 v.g- pontos 6, 7, 11, 12

2.2 Quanto ao pedido de prorrogação do prazo para o exercício do direito de audiência de Interessados com a concessão de uma autorização provisória de funcionamento ao abrigo do artigo 19.° do DL n.° 64/2007, de 14.03, importa referir o seguinte:

2.2.1. Nos termos dos preceitos legais aplicáveis (nomeadamente art. 11°e seguintes do DL 64/2007 na redação do DL 33/2014), a licença de funcionamento ou autorização provisória a emitir pelo Instituto de Segurança Social, I. P. é condição legalmente exigível para a abertura e funcionamento de equipamentos de apoio social.-

2.2.1.1. Ora, na situação é decisivo ter presente que, até ser alvo da presente ação inspetiva originada por denúncia, o interessado nunca requereu a emissão licença ou de autorização provisória de funcionamento para o equipamento de apoio social que foi objeto da intenção de encerramento, tendo apesar disso, iniciado e mantido o respetivo funcionamento à margem da lei. A pretensão do ora interessado consubstancia assim uma tentativa de legalização assente numa lógica de facto consumado que é passível de colocar em causa a segurança dos utentes acolhidos.

2.2.1.1.1. É que a segurança dos residentes continua a não estar assegurada e a manutenção das condições atuais põem em causa de forma grave os direitos dos residentes e a sua qualidade de vida, assinalando-se nomeadamente a inexistência de equipamentos e/ou medidas de prevenção contra incêndios; a existência de degraus nas zonas de acesso entre a sala de estar e a área de alojamento; a ausência de grades nas camas dos residentes; a inadequação das instalações sanitárias em termos de dimensões e de acessibilidades, deficiências que comprometem a integridade física dos residentes.

2.2.1.1.2. Acresce referir a inexistência de licença ou autorização de utilização, parecer prévio e obrigatório do Instituto da Segurança Social, IP, da Autoridade Nacional de Proteção Civil e da Autoridade de Saúde, que, contrariamente ao que é defendido na resposta em análise, não constituem requisitos meramente formais, pois são as entidades supra referidas que garantem a adequação das condições do equipamento para o exercício da atividade, no âmbito, nomeadamente, da saúde e segurança das. pessoas alojadas. Aliás, a inexistência de licenciamento ou de autorização provisória para o funcionamento do estabelecimento de apoio social fiscalizado seria fundamento bastante para deliberação de encerramento, atenta a necessidade de proteção dos interesses e direitos dos cidadãos. (...).

2.3. Na sua resposta no âmbito da audiência prévia o interessado junta documento intitulado "Proposta de Prestação de Serviços" e indica testemunhas.

2.3.1 De facto, no exercício do dever de instrução que cumpre ao responsável pela direção do procedimento administrativo este deve procurar averiguar todos os factos cujo conhecimento seja adequado e necessário à tomada de uma decisão legal e justa dentro de prazo razoável, podendo; para o efeito, recorrer a todos os meios de prova admitidos em direito" (cfr. n.° 1 do artigo 115.° do CPA).

Acresce que no exercício do direito de audiência previa os interessados podem requerer diligências complementares e juntar documentos (cfr. n.° 2 do artigo 121° do CPA). Como prevê o artigo 125.° do CPA, podem ser efetuadas, oficiosamente ou a pedido dos interessados, as diligências complementares que se mostrem convenientes." Decorre da presente norma que a realização das diligências complementares não é vinculativa para o órgão administrativo, o qual apenas considerará aquelas que se mostrem convenientes para a decisão administrativa a proferir.

2-3.1.1 Com a indicação da prova testemunhal, o interessado não invocou a qualidade em que essas pessoas poderiam intervir no procedimento não elucidando o que se pretendia provar com essa diligência complementar, e por isso não se justificaria a eventual audição das testemunhas identificadas na resposta ora apreciada.

2.3.1.2. Em relação à "proposta de prestação de serviços" apresentada pelo interessado, com a referência "Legalização e Projeto de Obras", o mesmo não constitui documento de prova que afaste as condições irregulares de instalação do estabelecimento em apreço, que possa alterar a intenção de ordenar o encerramento administrativo do estabelecimento.

3. Conclusões

Em face da matéria apreciada no ponto anterior e tendo presente tudo quanto se apurou e fundamentou em sede de projeto de relatório, são de considerar improcedentes as alegações apresentadas concluindo-se que não foram apresentados argumentos ou meios de prova que refutassem os factos descritos no projeto de relatório relativamente à atividade exercida designadamente, no que se refere à inadequação das instalações, ausência de condições de segurança e quadro de pessoal inadequado em ordem a garantir a prestação de cuidados e serviços aos idosos acolhidos no estabelecimento, factos que fundamentam o encerramento administrativo do estabelecimento naquelas instalações.

Enquadrada a atividade promovida pela entidade averiguada como estrutura residencial para pessoas idosas, resposta social cujas condições de funcionamento estão legalmente definidas, a avaliação das circunstâncias em que tal atividade é promovida e respetiva ponderação em termos de gravidade é feita necessariamente tendo por referência tais exigências legais (em particular, licenciamento, condições de acessibilidades, condições de segurança contra incêndios e quadro de pessoal), pelo que a decisão de encerramento de estabelecimento de apoio social que não cumpra tais exigências tem fundamento legal, cumprindo integralmente os princípios a que a Administração se encontra vinculada.

A especial gravidade das deficiências detetadas no estabelecimento fiscalizado (resultante da inexistência de licença de funcionamento e falta de condições de segurança das instalações, particularmente em matéria de segurança contra incêndios) é potenciada pelo especial estado de vulnerabilidade dos utentes acolhidos e pela particular natureza da atividade promovida (que implica o respetivo alojamento permanente), donde se conclui que a manutenção em funcionamento nas atuais condições de tal estabelecimento, não estando legalizado, põe em causa os direitos dos idosos aí residentes e a sua qualidade de Vida.

A inexistência de licenciamento de funcionamento constitui fundamento bastante para encerramento administrativo de estabelecimentos de apoio social abrangidos pelo regime atualmente em vigor, atentas as competências do Instituto da Segurança Social. IP e as finalidades que presidem ao processo de licenciamento, em especial assegurar condições de segurança e bem-estar dos cidadãos abrangidos, constituindo um poder-dever a que os serviços estão legalmente obrigados.

De facto, verificou-se à data da ação inspetiva - o que não veio a ser afastado/corrigido pela entidade averiguada atendendo à resposta da mesma em sede de audiência de interessados que:

- As instalações não obedecem genericamente aos requisitos impostos para as áreas funcionais, nos termos previstos no artigo 18° da Portaria 67/2012, de 21 de marco, e concretamente no Anexo I à referida portaria. Assinale-se com especial relevância a inadequação da área de alojamento e da cozinha, contrariando o disposto nas alíneas f) e g) e fichas 6 e 7 do Anexo I à Portaria supracitada.

- Os quartos, com destaque para o quarto com 6 camas, não oferecem condições de conforto e privacidade mínimas, contrariando o disposto na ficha 6 do Anexo I daquela portaria.

- O equipamento não tem condições de acessibilidade adequadas especialmente a pessoas com mobilidade reduzida, anotando-se em particular os acessos existentes na área de alojamento/sala de estar e instalações sanitárias, cfr. melhor descrito no projeto de relatório.

- O estabelecimento não possui parecer da Autoridade Nacional de Proteção Civil, contrariando o disposto no n° 2 do artigo 8.° do mesmo diploma, nem dispõe de equipamentos de deteção e combate a incêndios, designadamente extintores: sinalização de emergência, detetores de incêndio, botes de alarme e central de alerta,

- No que diz respeito às condições de salubridade/higienosanitárias, não existe o devido certificado conforme o disposto no n.° 3 do artigo 8° do Decreto-Lei n.° 64/2007 de 14 de março

- Constatou-se ainda a inexistência de licença de utilização emitida pela Câmara Municipal, em incumprimento do artigo 10.° do Decreto-Lei n.° 64/2007, de 14 de março”.

(Cfr. deliberação de fls. 58 a 62 do PA, junto a fls. 176 e ss. do SITAF):

K) Por deliberação n.° 134, do Conselho Diretivo do Instituto da Segurança Social, IP., datada de 11 de julho de 2019, a qual se tem por integralmente reproduzida, foi determinado o encerramento imediato do estabelecimento social propriedade da Requerente, destacando-se o seguinte segmento:

-Após a análise dos autos do processo administrativo que correu os seus trâmites na Unidade de Fiscalização do Centro, o Conselho Diretivo do Instituto da Segurança Social, IP, delibera:

1. Ordenar o encerramento administrativo imediato do estabelecimento de apoio social denominado - Casa (...) "(---).

2. Fixar o prazo de 30 dias para a cessação da atividade, devendo a entidade responsável fazer tudo que for necessário para respeitar esse prazo.

3. Mandar notificar a entidade gestora responsável e afixar um aviso na porta principal de acesso ao estabelecimento, que aí se deve manter pelo prazo de 30 dias.

4. Informar a entidade gestora responsável de que apenas pode exercer atividade após a obtenção da respetiva licença de funcionamento, devendo para tanto dirigir-se ao Centro Distrital da sua área de residência ou consultar o endereço www.seg-social.pt.

Defesa dos direitos e da qualidade de vida das utentes

A deliberação tomada tem por fundamento deficiências graves nas condições de instalação, segurança, funcionamento e conforto do estabelecimento, representando um perigo potencial para os direitos dos utentes e a sua qualidade de Vida, conforme se indica no relatório da Unidade de Fiscalização, que se anexa.

Consequências do incumprimento da deliberação:

A entidade gestora responsável deve também ser informada de que, caso o estabelecimento seja reaberto ou a atividade de apoio social continue de forma ilegal será sujeita a procedimento criminal pelo crime de desobediência.

O aviso desta deliberação deve estar afixado durante 30 dias

O teor desta deliberação consta de um aviso afixado na porta principal de acesso ao estabelecimento. Quem impedir a afixação desse aviso será sujeito a procedimento criminal pelo crime de resistência ou coação sobre funcionário. Quem o remover deliberadamente antes do fim do prazo de 30 dias será sujeito a procedimento criminal pelo crime de arrancamento; destruição ou alteração de editais”.

(Cfr. deliberação de fls. 62 e 63 do PA, junto a fls. 176 e ss. do SITAF)

L) Em 25 de julho de 2019, foi a requerente notificada pessoalmente, na pessoa do seu proprietário J.J.P.C., da deliberação melhor identificada no ponto precedente, tendo ainda sido verificado o seguinte:

“(...) No âmbito da realização da presente diligência, foi observado pela equipa inspetiva - e confirmado pelo notificado - que tinha admitido mais pessoas idosas após a ação de fiscalização efetuada em 20/02/2019,

Em 20 de fevereiro de 2019 encontravam-se alojadas na estrutura residencial 7 pessoas idosas. Em 25 de julho de 2019 foram observadas 12 pessoas idosas na sala de estar. Recorde-se que capacidade instalada à data da intervenção correspondia a 11 camas (um quarto com três camas; um quarto com duas camas; um quarto com 6 camas).

Anote-se que no momento da chegada da equipa se encontrava estacionada no local uma carrinha funerária em razão de ter falecido uma utente de nome Madalena em resultado de uma paragem cardiorrespiratória - informação dada pelo proprietário e pela trabalhadora supra identificada. Será de referir que em 20 de fevereiro de 2019 nenhuma pessoa com este nome se encontrava acolhida na estrutura residencial em apreço.

As trabalhadoras que estavam a dar apoio no estabelecimento eram R.M.M.C. e M.G.S.S.. O proprietário informou que M.H.G.F. estava a trabalhar na clínica apesar de continuar a prestar serviço no estabelecimento averiguado (…)” (Cfr. auto de diligência de fls. 63 e 66 do PA, junto a fls. 176 e ss. do SITAF).

M) Em 9 de setembro de 2019, uma equipa inspetiva dos serviços da Entidade Requerida deslocou-se ao estabelecimento de apoio social a pessoas idosas denominado “Casa (...)”, propriedade da Requerente, por forma a verificar o cumprimento da ordem de encerramento emanada da deliberação melhor identificada no ponto 9, tendo verificado o seguinte:

“(…)

- (…) As pessoas idosas que estavam a residir na habitação em apreço à data da presente diligência eram em número de 13 - uma pessoa a mais relativamente às que se encontravam aquando da notificação de encerramento realizada em 25 de julho p.p.

A estrutura da moradia estava a ser objeto de alterações, tendo algumas delas sido já concretizadas.

A área de alojamento das pessoas idosas, cfr. fotos em anexo, estava assim constituída:

- um quarto com 3 camas;

- um quarto com 2 camas;

- um quarto com 2 camas;

- um quarto com 4 camas (a);

- um quarto com 3 camas (a).

(a) A área que inicialmente comportava um total de seis camas, foi, entretanto, dividida, constituindo-se atualmente em dois quartos (um quádruplo e um triplo).

Assim, observou-se que capacidade do equipamento existente inicialmente, à data da ação inspetiva efetuada em 20.02.2019, então constituído por 11 camas instaladas, foi ampliada, comportando atualmente uma capacidade correspondente a 14 camas.

Quanto ao número de pessoas idosas residentes no estabelecimento, aumentou sucessivamente de 7 pessoas - à data da primeira intervenção - para 12, em 25 de julho de 2019 - data da notificação da ordem de encerramento - e para 13 pessoas à data da verificação da ordem de encerramento realizada em 9 de setembro de 2019.

Foram facultados os nomes de cinco pessoas idosas residentes no estabelecimento admitidos em 31 de julho de 2019, após a notificação da ordem de encerramento (obtenção do NISS através de consulta em gabinete, com recurso ao SISS): (...)

Relativamente ao pessoal, de acordo com informação de H.F., e do que foi dado observar, encontravam-se ao serviço R.M.M.C., M.H.G.F., M.M.P. e M.L.C., sobre a qual foi esclarecido tratar-se da irmã do proprietário.

Questionada H. F. sobre M.G.S.S., que na primeira intervenção trabalhava no estabelecimento, foi informado que se encontrava a gozar férias (…)”.

(Cfr. auto de diligência de fls. 78 e 79 do PA, junto a fls. 176 e ss. do SITAF).

(…)”.


*
III.2 - DO DIREITO
Vem a Recorrente interpor o presente recurso jurisdicional da sentença do T.A.F. de Coimbra, que indeferiu a pretensão cautelar de suspensão de eficácia decisão final do Conselho Diretivo do Instituto da Segurança Social, IP, que ordenou o encerramento do estabelecimento da Recorrente de apoio social, sito na Rua (…), por entender que “(…) não se afigura provável a procedência destes vícios na ação principal (…)”, ou seja, por falta de verificação do requisito do fumus boni iuris.
Vejamos.
É univocamente entendido pela doutrina e foi consagrado pela lei adjetiva e pela jurisprudência que o âmbito do recurso jurisdicional se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, pelo respetivo recorrente, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matéria que nelas não tiver sido versada, com ressalva óbvia dos casos que imponham o seu conhecimento oficioso.
Ora, analisada a argumentação da Recorrente, facilmente se constata que se limita a reiterar a posição sustentada na ação e já enfrentada, em toda a linha, pelo Tribunal a quo no domínio dos vícios imputados ao ato suspendendo, de forma que pouco mais a acrescentar.
Na verdade, resulta da sentença supra transcrita que a Senhora Juíza a quo apreciou os elementos carreados para os autos tendo concluído, fundada e acertadamente, pela inexistência de vícios quanto ao ato suspendendo.
Como ressalta cristalinamente do artigo 11º do Decreto-Lei nº. n.º 64/2007, de 14.03, que veio definir o regime jurídico de instalação, funcionamento e fiscalização dos estabelecimentos de apoio social geridos por entidades privadas, é condição sine qua non para o inicio de atividade por parte destes estabelecimentos a titularidade da respetiva licença de funcionamento ou autorização provisória.
Sendo que, nos termos das disposições combinadas do artigo 35º e 36º, nº.1. ambos do mesmo diploma legal, o Conselho Diretivo do Instituto da Segurança Social, I. P., mediante deliberação fundamentada, pode determinar o encerramento imediato do estabelecimento nos casos em que apresente deficiências graves nas condições de instalação, segurança, funcionamento, salubridade, higiene e conforto, que ponham em causa os direitos dos utentes ou a sua qualidade de vida, o que implica, automaticamente, a caducidade da licença ou da autorização provisória de funcionamento, bem como a cessação dos benefícios e subsídios previstos na lei.
No caso concreto, o tecido fáctico coligido nos autos – que, diga-se, não mereceu qualquer reparo por parte da aqui Recorrente - é inequívoco na afirmação de que o estabelecimento da Recorrente, para além de ostentar inúmeras falhas de segurança das instalações, particularmente em matéria de segurança contra incêndios, não possui licença de funcionamento e/ou autorização provisória exigida por lei para o seu funcionamento.
De igual modo, é perentório ao assumir que não se encontra em curso nenhum processo de licenciamento, nem qualquer processo de autorização provisória de funcionamento.
Sendo este os contornos fácticos imutáveis do caso a decidir, dos quais este Tribunal Superior não se pode desviar, é nosso entendimento que a decisão suspendenda encontra-se perfeitamente legitimada à luz do bloco legal aplicável.
De facto, e como bem se assinala na sentença recorrida, ressalta do aresto do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 24 de agosto de 2014, Processo n.° 11432/14, “(...) se outros requisitos não se mostrassem incumpridos, só o facto do estabelecimento não possuir licença de funcionamento, tal determinaria o seu encerramento, sob pena de se sedimentar um clima de impunidade permissiva, sempre pernicioso”.
O que serve para concluir que o julgamento realizado pelo Tribunal em quo no domínio em análise - que concluiu no sentido da confirmação da legalidade do ato suspendendo em sede de ação principal – mostra-se inteiramente bem realizado, nada havendo a objetar neste capítulo.
E este julgamento tem direta repercussão nos demais vetores sustentadores do recurso interposto pela Recorrente.
Efetivamente, mercê da ocorrência de situação de manifesta laboração do estabelecimento de apoio social sem a respetiva licença de funcionamento e/ou autorização provisória e da ausência de qualquer processo de regularização de tal falha em curso, necessariamente se impõe concluir no sentido da ausência da utilidade da análise dos demais fundamentos invocados pela Recorrente no âmbito do presente recurso.
Com efeito, ainda que se verificassem os invocados vícios de (i) preterição da audiência prévia, (ii) falta de fundamentação, e (iii) ofensa dos princípios da proporcionalidade, da justiça, da boa-fé, sempre a eventual suspensão de eficácia [ou desintegração jurídica] do ato suspendendo poderia deixar de ser decretada, visto que a solução assumida se apresentava à luz da lei e do interesse público [cfr. artigo 35º do citado Decreto- Lei nº. n.º 64/2007] como a única alternativa decisória, absolutamente inevitável e incapaz de ser influenciada pelo contributo da Recorrente.
Tanto mais que os princípios invocados constituem limites interno ao exercício administrativo de poderes discricionários, pelo que a sua violação não é configurável no uso de poderes vinculados.
Desta feita, na exata medida em que o ato suspendendo exerceu poderes estritamente vinculados no que respeita ao encerramento administrativo dos estabelecimentos de apoio social gerido por privados, tal como gizados no supra apontado artigo 35º do citado Decreto- Lei nº. n.º 64/2007, imediatamente se conclui que não poderia tal ato ofender tais princípios, já que estes, enquanto ordenadores da atividade administrativa e a sua hipotética ofensa, só releva no âmbito da atividade discricionária.
Tem aqui expressão máxima o princípio geral de direito que se exprime pela fórmula latina “utile per inutile non vitiatur”, que habilita o julgador, mormente, o juiz administrativo a poder negar relevância anulatória ao erro da Administração [seja por ilegalidades formais ou materiais], mesmo no domínio dos atos proferidos no exercício de um poder discricionário, quando, pelo conteúdo do ato e pela incidência da sindicação que foi chamado a fazer, possa afirmar, com inteira segurança, que a representação errónea dos factos ou do direito aplicável não interferiu com o conteúdo da decisão administrativa, nomeadamente, ou porque não afetou as ponderações ou as opções compreendidas (efetuadas ou potenciais) nesse espaço discricionário, ou porque subsistem fundamentos exatos bastantes para suportar a validade do ato [v.g., derivados da natureza vinculada dos atos praticados conforme à lei], ou seja ainda porque inexiste em concreto utilidade prática e efetiva para o impugnante do operar daquela anulação visto os vícios existentes não inquinarem a substância do conteúdo da decisão administrativa em questão não possuindo a anulação qualquer sentido ou alcance [cfr. aresto produzido por este Tribunal Central Administrativo Norte, de 22.06.2011, no processo nº. 462/2000 – Coimbra].
Nestas condições, não existe justificação racional para, nestas condições de inoperância, conferir eficácia invalidante ao ato suspendendo com base nos invocados vícios pela Recorrente.
Desta feita, por inultrapassável inverificação do requisito relativo ao periculum in mora, a presente providência não pode ser decretada.
O que conduz à improcedência do pedido, e não ao indeferimento da providência cautelar, como, erradamente, decidiu o Tribunal recorrido, pois esta refere-se à decisão de extinção da instância sem julgamento de resolução do mérito, o que não sucede nos autos.
Deve, portanto, ser negado provimento ao recurso jurisdicional, e mantida a sentença recorrida, com a atual fundamentação, e com esta última correção.
* *
IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em NEGAR PROVIMENTO ao recurso jurisdicional “sub judice”, e manter a sentença recorrida, todavia, alterando o indeferimento da providência cautelar para a improcedência do pedido cautelar.
Custas pela Recorrente.
Registe e Notifique-se.
* *
Porto, 17 de janeiro de 2020,


Ricardo de Oliveira e Sousa
Fernanda Brandão
Helder Vieira