Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00011/05.0BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/13/2017
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:MÉTODOS INDIRECTOS
CRITÉRIO DE QUANTIFICAÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO
DECISÃO DE FIXAÇÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL
PERITO INDEPENDENTE
Sumário:I – Só ocorre a nulidade da sentença, por falta de fundamentação de facto e/ou de direito, quando essa falta seja absoluta.
II - Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação (artigo 74.º, n.º 3 da LGT).
III - No domínio de utilização de métodos indirectos, a actuação da Administração Tributária não se limita à demonstração da ocorrência dos respectivos pressupostos, antes se lhe impõe que fundamente, ainda e também, os critérios de que venha a lançar mão na quantificação da matéria tributável. Contudo, do ponto de vista do erro na quantificação, as insuficiências no método são sempre substanciais, isto é, devem evidenciar um excesso de quantificação.
IV – Devemos entender que o “método presuntivo eleito” se mostra inteligível e fundamentado se o contribuinte o contestou cabalmente, não tendo o eventual vício de falta de fundamentação impedido o contribuinte de alegar o resultado excessivo.
V - Intervindo perito independente na Comissão de Revisão da matéria tributável, não havendo acordo nesta e elaborando o perito independente o seu parecer, importa que a decisão de fixação que venha a ser tomada nos termos do n.º 6 do artigo 92.º da LGT observe o disposto no n.º 7 do mesmo artigo – que impõe que a decisão que vier a ser tomada pela Administração Tributária deve obrigatoriamente fundamentar a adesão ou rejeição, total ou parcial, do seu parecer – sob pena de anulabilidade desta.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:Sociedade..., Lda.
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, proferida em 30/03/2015, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela SOCIEDADE…, LDA., NIPC 5…, com sede em…, Oliveira de Frades, contra a liquidação adicional de IRC e Juros Compensatórios respeitantes ao exercício de 2000.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
A. Vem o recurso interposto da sentença que julgou procedente a impugnação da liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 2000 (e respetivos juros compensatórios), por indevida fundamentação do critério de quantificação da matéria coletável.
B. A referência meramente enunciativa dos vícios tipo na petição inicial não equivale à sua concreta alegação.
C. O Tribunal a quo propôs-se conhecer o vício de erro na quantificação da matéria tributável, na sequência de entendimento que a alegação da impugnante apenas suporta a violação de lei por erro nos pressupostos de facto no recurso aos métodos indiciário e a sua falta de fundamentação, erro na quantificação da matéria coletável, falta de fundamentação no relatório de inspeção, preterição de formalidades legais e prescrição, por o vício de falta de fundamentação determinar, não a nulidade, mas a mera anulação do ato.
D. A sentença, decisão judicial proferida pelos Tribunais no exercício da sua função jurisdicional, no caso posto à sua apreciação, dirime um conflito de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativo-tributárias; tem por obrigação conhecer do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto.
E. O ditame, neste caso concreto, foi de falta de fundamentação do critério da quantificação da matéria coletável: “ terá que se concluir que a metodologia ou critérios utilizados não espelham um critério de quantificação consentâneo com a capacidade contributiva da impugnante”, alegadamente porque “não traz ao conhecimento os dados técnicos utilizados e a sua adequabilidade à estrutura produtiva da impugnante, o relatório é omisso quanto às perdas resultantes das quebras, não considera os custos e em que medida eles seriam ou não consideráveis, com alimentação das galinhas, pessoal, água, medicamentos, entre outros”.
F. Não alcançamos a linha de pensamento que permitiu ao Mmo Juiz a quo tal conclusão: desde logo, por referência a que factualidade provada? E com base em que normativos legais?
G. A sentença, para além de transcrever quase integralmente o relatório inspetivo e de citar doutrina e jurisprudência respeitantes a questões relativamente pacificadas, não opera verdadeiramente uma subsunção dos factos ao direito, o que induz ao erro de julgamento:
H. Os valores aqui impugnados (decorrentes, apenas, de métodos indiretos) são os resultantes da decisão do órgão competente para a fixação da matéria tributável (diferem dos constantes da pág. 20 do relatório, por consideração dos inventários de ovos contabilizados pelo sujeito passivo, cfr. documento 8 anexo à PI) – ponto 6 da fundamentação de facto.
I. Ocorreu intervenção de perito independente em sede de comissão de revisão, cujo parecer consta do doc. 6 anexo à PI. Como valorou (se é que o fez) o Mmo Juiz a quo tal parecer, uma vez que dá como provada a comissão de revisão (sem acordo) e a suspensão do processo sem garantia – pontos 5 e 9 da fundamentação de facto?
J. Sendo o perito independente sorteado entre as personalidades constantes de listas distritais, organizadas pela Comissão Nacional de Revisão e competindo à Comissão Nacional de revisão contribuir para a uniformidade dos critérios técnicos utilizados na determinação da matéria tributável por métodos indiretos, entendemos, que tal parecer mereceria, por banda do Mmo Juiz a quo, alguma atenção, sob pena de se excluir, sem fundamento, prova pericial que dos autos consta.
K. O procedimento de avaliação indiciária da matéria tributável assenta em duas fases: a da qualificação e a da quantificação. A fase da qualificação traduz-se na aferição da existência ou não dos pressupostos do recurso à tributação por métodos indiciários e agrega todo o processo de validação ou invalidação dos dados disponibilizados pelo contribuinte, incluindo a avaliação da qualidade das omissões ou incorreções verificadas, do ponto de vista da sua importância e extensão e a avaliação da credibilidade da escrita face a tais omissões ou incorreções e, consequentemente, da sua capacidade de transmitir ou emanar a verdade fiscal daquele contribuinte.
L. De acordo com o parecer do perito independente (Doc. 6 anexo à PI, fls. 2/7, item 3.11.1): “Verificou-se que o registo de aquisições de aves, o registo regular e contínuo da produção diária de ovos, das quebras, dos roubos (se os houve), da variação das existências, dos consumos de ração e das vendas, nem refletem cabalmente a realidade como instrumentos de medida e informação dessa realidade (para poderem desempenhar um papel essencial como suporte na determinação do lucro tributável de modo a que a contabilidade possa servir de base a uma tributação pelo lucro real e efetivo), por não obedecer a regras elementares na sua organização de modo a permitir comprovar e quantificar o lucro real e efetivo apurado pelo sujeito passivo, nem evidenciam o cumprimento escrupuloso das regras e princípios da organização da contabilidade.”
M. Do art. 84º da LGT resulta exigível que no domínio da avaliação indireta têm de ser demonstráveis técnico-cientificamente as presunções ou estimativas que foram utilizadas no cálculo da matéria tributável, isto é, o percurso lógico seguido na avaliação para chegar ao resultado apurado terá de poder ser demonstrado integralmente de forma objetiva, quer quanto aos elementos utilizados, quer quanto ao método de cálculo que tiver sido usado.
N. Sendo a atividade da impugnante exercida em condições diversas das habituais no setor (desde logo, em pavilhões adaptados de suinicultura), optou a Sr.ª Inspetora por se não socorrer dos designados rácios do setor, pois tinha ao seu dispor (ou disso estava convicta) todas as informações fornecidas pelo gerente da própria impugnante (nomeadamente no que respeita ao número de galinhas por pavilhão, quantidades de ração consumida, idades médias de postura, pesos médios das galinhas, cfr. anexos ao relatório de inspeção).
O. Os designados rácios do setor são uma compilação de dados recolhida e tratada pela Administração Fiscal, resultante dos valores declarados pelos contribuintes; como tal, e fazendo apelo às cautelas recomendadas na sua utilização enunciadas no ponto 4.5 de fls. 4/7 do seu relatório pelo perito independente, têm somente em conta os dados declarados (nos casos em que o são); e o enquadramento declarado pelos contribuintes, isto é, basta que (factualmente falando) se verifique qualquer diferença no modo de exercício da actividade para que tal possa influir em termos comparativos.
P. Entendeu o perito independente e, aparentemente, também o Juiz a quo, “suficientemente evidenciada e comprovada pela AT a verificação dos pressupostos da aplicação dos métodos indiretos de determinação da matéria tributável … quanto ao Sp…podia e devia ter aproveitado para melhor carrear matéria que permitisse melhorar o procedimento utilizado pela AT no projeto de relatório, e colaborado diligentemente fornecendo quaisquer outros dados que permitissem recurso a melhor métodos ou critério para atingir o objetivo da determinação da matéria tributável, provando eventual excesso na respetiva quantificação bem como outras ocorrências relevantes, mas, tendo tido essa oportunidade para o fazer, não parece tê-lo feito cabalmente nem da melhor forma…O itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela AT neste assunto afigura-se-me, na generalidade e na circunstância, como consequência lógica, necessária, coerente e pertinente, embora melhorável…”
Q. Em sede de fundamentação fático-jurídica da sentença ora sindicada, conclui o Mmo Juiz a quo que a metodologia ou critérios utilizados não espelham um critério de quantificação consentâneo com a capacidade contributiva da impugnante – mas qual era verdadeiramente tal capacidade contributiva, atentas, quer as deficiências apontadas na contabilidade (existência de saldos credores de caixa, utilização da conta bancária da impugnante para efetuar pagamentos e depósitos da F... – único cliente de ovos nos anos de 200 a 2002, utilização de documentos internos para suporte de registo dos pagamentos da F..., utilização de documentos internos para suportar o registo de pagamentos a fornecedores), quer a promiscuidade de contas bancárias entre a aqui impugnante e a empresa F... (da qual era gerente comum G…), as quais impossibilitam a análise económica da empresa através dos meios financeiros por ela gerados?
R. Não cremos que a sentença esclareça. E, não esclarecendo, não vemos como pode preconizar a aplicação de critério com ela consentâneo; se desconhecemos a capacidade contributiva da impugnante (face às circunstâncias evidenciadas no relatório inspetivo e à ausência de qualquer fundamentação fática em sede probatória), como aferimos do melhor critério?
S. Afirma o Mmo Juiz a quo que a AT “não traz ao conhecimento os dados técnicos utilizados e a sua adequabilidade à estrutura produtiva da Impugnante”; atente-se, contudo no anexo XI ao relatório da ação inspetiva: de acordo com fls. 14 do dito foram obtidos através da internet e são referentes ao tipo de galinha evidenciado na contabilidade (Lohmann BroWn), utilizados nos cálculos efetuados;
T. Não se mostrando registados na contabilidade nem tão pouco tendo sido demonstrados acontecimentos relevantes (nomeadamente em sede probatória) a ponto de justificar desvios significativos face aos valores médios do setor quanto à produção de ovos e consumo de rações, sobretudo se tivermos em linha de conta que foram considerados os inventários de ovos contabilizados pelo sujeito passivo.
U. Pretende ainda o Mmo Juiz que “quanto à produção e venda de ovos, o relatório é omisso quanto às perdas resultantes das quebras, perda de peso dos ovos” – foram, não obstante, considerados os inventários de ovos contabilizados pelo sujeito passivo – Existiam perdas? Qual a sua dimensão? Não estão reveladas nos inventários de ovos contabilizados pela impugnante e que foram considerados pela AT?
V. Não apurando a factualidade subjacente a tais questões, como pode a sentença pronunciar-se no sentido de omissão por banda da AT?
W. Conclui ainda o Mmo Juiz a quo (sem que se perceba como) que a AT não considerou “os custos e em que medida eles seriam ou não consideráveis, com alimentação das galinhas, pessoal, água, medicamentos, entre outros” – nesta sede o que decorre do laudo do perito da AT (fls. 5/11 do doc. 8 anexo à PI) é que “não foram encontrados pela Administração fiscal indícios de omissões nos registos de custos”; ou, nas palavras da própria impugnante (articulado 11 Quanto ao “Ponto 4.2 – Margens declaradas…, alínea d) “ …a administração tributária não apresenta qualquer custo que porventura não tenha sido registado na escrita comercial e fiscal da impugnante.”
X. Se é facto que a impugnante (articulado 66 da PI) alega que “durante o período que medeia entre a 17ª e a 21ª semana as galinhas geram custos com a sua alimentação, eletricidade, pessoal, água, medicamentos, etc…”, também não é menos verdade que em momento algum os concretiza, nunca os quantifica ou faz sequer prova efetiva da sua existência (nem da razão de ser para que os ditos só ocorram entre aquelas 5 semanas de vida das galinhas).
Y. As questões referenciadas supra prendem-se, indubitavelmente, com a quantificação e no que esta fase respeita, por se reportar à escolha de um método de quantificação da matéria coletável, bem como à demonstração dos resultados correspondentes, se integra no âmbito do conhecimento do vício de erro na quantificação.
Z. Por definição e pela própria natureza das coisas, os métodos indiciários não são métodos exatos, apenas métodos de aproximação da realidade, sempre suscetíveis de alguma aleatoriedade, admissível desde que se não torne evidente a probabilidade de inexatidão. Assim, uma vez especificados e demonstrados os pressupostos da tributação por métodos indiciários, passa a competir ao contribuinte o ónus de prova da ilegitimidade do ato, seja por erro nos pressupostos para a avaliação por métodos indiciários, seja por erro na quantificação da respetiva matéria coletável.
AA. Não desconhece a Fazenda Pública o princípio da livre apreciação da prova – mas que apreciação foi feita nos presentes autos, posto que se não demonstram, nem a desconsideração das quebras, nem a desconsideração dos custos? Sequer a sua existência!
BB. No caso em apreço, concluir pela insuficiente fundamentação do critério de quantificação é indiciador de erro no julgamento (de direito, como de facto).
CC. Sempre o contribuinte teria o ónus de provar a inexistência dos pressupostos legais para a tributação por métodos indiciários ou que a realidade é completamente distinta do resultado a que conduziu a utilização das regras apontadas pela Fiscalização, que o critério utilizado é ostensivamente desadequado e/ou inadmissível, que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada.
DD. Mas o critério utilizado na quantificação só poderá ser posto em causa por prova suscetível de demonstrar inequivocamente que assenta em factos que não correspondem à verdade ou adota método errado; ou, nas palavras do perito independente, quando, em resultado de anomalias e incorreções na contabilidade, haja lugar a determinação do lucro tributável por métodos indiretos, “o ónus de fazer a comprovação desses elementos cabe ao contribuinte que tenha substituído o meio justificativo normal por outro, devendo, portanto, suportar as consequências inerentes” (veja-se o ponto 3.12 do relatório do perito independente).
EE. Constitui jurisprudência assente “sendo característico das situações apontadas por lei como de impossibilidade de avaliação direta da matéria tributável o aparecimento de dúvidas sobre a quantificação real, inerentes e consequentes da utilização de métodos indiretos, que, atuando indicadores, sempre e só podem alcançar um valor aproximado do que provavelmente a matéria tributável efetiva terá tido, só é viável e legalmente sustentável uma decisão no sentido da anulação do ato tributário impugnado, por alegado erro em sede de quantificação da matéria tributável, caso o impugnante, sem reticências ou necessários reparos, demonstre, comprove, a ocorrência de “erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada…não aproveita ao impugnante uma atuação processual e, sobretudo, probatória, direcionada e orientada com o objetivo de suscitar dúvida, ainda que fundada, sobre a quantificação do facto tributário. É imprescindível um desempenho pautado pela concreta e circunstanciada alegação de factos que, uma vez provados, sejam idóneos a comprovar, a demonstrar, com uma certeza adequada e passível de ampla aceitação, a aduzida errónea ou excessiva quantificação da matéria tributável” (Acórdão do TCAS, de 18/10/2010; Pº 04334/10).
FF. No caso vertente, desconhecemos, por completa ausência de exame crítico das provas, os juízos probatórios que se fizeram sobre os factos alegados que levaram à conclusão que a metodologia ou critérios utilizados não espelham um critério de quantificação consentâneo com a capacidade contributiva da impugnante, carecendo, assim, de fundamentação os critérios e a quantificação adotados – preconizaria o Mmo Juiz, como pretende a impugnante, como critério de determinação do lucro tributável, o recurso aos designados rácios? E como os compatibilizaria com o facto de a atividade da impugnante ser exercida em condições diversas das habituais no sector (desde logo, em pavilhões adaptados de suinicultura)?
GG. Como é que a impugnante comercializava ovos desde Setembro de 2000, quando a contabilidade apenas evidenciava duas aquisições de galinhas – uma em Outubro, outra em Dezembro desse mesmo ano; ou, dito de outra forma: que correlação estabelece (se é que o faz) o Tribunal a quo entre a venda a dinheiro nº 15 (ponto 8 dos factos provados) com a fatura a que alude o ponto 7 dos factos provados, relativa a 22. 750 pintos fêmeas?
HH. A sentença recorrida enferma, assim, do vício que assaca ao critério utilizado pela AT, ou seja, insuficiente fundamentação (de facto e de direito) e, se a fundamentação se destina a esclarecer as partes, primacialmente a vencida, sobre os motivos da decisão, não só para ficar convencida de que não tem razão, mas também porque o conhecimento daqueles é necessário ou, pelo menos, conveniente, para impugnar eficazmente a decisão em recurso ou arguir nulidades, designadamente a derivada de eventual contradição entre os fundamentos e a decisão.
II. Não se mostrando a fundamentação, in casu, minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu, deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação; pelo que a sentença deverá ser anulada, em conformidade com o preceituado nos art.º 123º, nº 2 e 125º do CPPT.
Termos em que, nos melhores de direito e sempre com o mui Douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser dado provimento ao presente recurso, anulando-se a sentença recorrida, com as legais consequências.
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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em nulidade por falta de fundamentação, concretamente por falta de especificação dos fundamentos de facto, e se enferma de erro de julgamento, de facto e de direito, ao concluir pela insuficiente fundamentação do critério de quantificação da matéria tributável determinada por métodos indirectos.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Da sentença prolatada em primeira instância, consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
A) FACTOS PROVADOS:
Com interesse para a decisão a proferir considero provados os seguinte s factos:
1. A Impugnante encontra-se coletada para a atividade de avicultura – cfr. fls. 61 do PA anexo aos presentes autos, que se dão por integralmente reproduzidas, o mesmo se dizendo em relação às demais, que infra se referem.
2. Em cumprimento das Ordens de Serviço n.ºs 30366 e 33889, de 06/12/2002 e 15/10/2003, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Viseu, levaram a cabo uma ação de inspeção ao Impugnante, relativa aos exercícios de 2000 a 2002, que teve início em 10/10/2003 e fim em 28/11/2003. – cfr. fls. 60 do PA.
3. Da ação de inspeção resultou o Projeto de Relatório de Inspeção Tributária, do qual consta com interesse para a decisão, o seguinte: “(…)
“II DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
Do levantamento e das análises levadas a efeito, relevam-se as irregularidades e anomalias detectadas:
1) Correcções relativas a IRC
1.1 - Ano de 2002
No exercício de 2001 tendo por base mero documento interno, registou na conta 31611102, em Dezembro, o montante de 132.181,44€ inerente à compra de galinhas velhas, conforme fotocópia de documento em anexo I, tis 1.
Questionado o sócio gerente da firma o Sr. G... perante tal aquisição, veio a argumentar que se trata de compras de galinhas a Espanha no ano de 1999, que por lapso a factura veio em nome da firma F..., Lda , da qual também é sócio. É estranho que tendo a aquisição sido efectuada em 1999, só tenham transferido as galinhas em Dezembro de 2001 para o s.p. em análise. Solicitada a factura da aquisição a Espanha pela F..., a mesma não foi apresentada, tendo apenas sido exibido extracto de conta de compras 3612 - galinhas poedeiras em que o último movimento de compra se reporta ao ano de 1999. Solicitado o documento suporte desta aquisição não foi apresentado.
No entanto, dado o período de vida útil das galinhas, não poderia esta compra de galinhas ser contabilizada no exercício de 2001.
No ano de 2001, a contabilização indevida da compras de galinhas não tem reflexos no resultado do exercício, dado que as mesmas foram levadas a existências finais. No ano de 2002, vão influenciar negativamente o GMV ao serem consideradas nas existências inicias de mercadorias, pelo que é neste exercício que se propõe a respectiva correcção do valor de 132.181,44€, nos termos do artigo 23° do CIRC, por não ser um custo comprovadamente indispensável para a realização dos proveitos, pois ficou demonstrado que no exercício de 2001 não ocorreu qualquer aquisição de galinhas.
2) Correcções relativas a IVA
2.1- Ano de 2001
Neste exercício através do documento interno nº 307 de caixa do mês de Dezembro, deduziu indevidamente imposto no montante de 6.609,07€, dado tratar-se de mero documento interno, sem forma legal e conforme já referido no ponto anterior não ocorreu qualquer aquisição de galinhas, anexa-se, fotocópia de documento suporte da dedução de imposto, em anexo I, fls 1.
Assim, nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 e no n° 3 do artigo 19° do CIVA só confere direito à dedução o imposto suportado com a aquisição de bens e mencionado em facturas ou documentos equivalentes processados de forma legal, respeitando designadamente os requisitos exigidos pelo artigo 35° do mesmo diploma.
Pelo antes referido, propõe-se a correcção do imposto deduzido no período 01.12 no valor de 6.609,07€
IV MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
4.1 - Rendimentos declarados - IRC
O contribuinte apresenta prejuízos na sua actividade em anos consecutivos, desde o ano de 1996 a 2002, com excepção do ano de 2001 q ue apresenta lucro tributável.
4.2 - Margens declaradas
Numa análise superficial às margens evidenciadas pela contabilidade, constamos que no exercício de 2000 a margem bruta declarada é negativa, o que não se justifica dado que na contabilidade não estão evidenciados todos os custos, nomeadamente as compras de galinhas, conforme quadro seguinte:
      Rubricas
      Ano de 2000
      Ano de 2001
      Ano de 2002
      Vendas
      64.488,12€
      327.303,93€
      298.126,25€
      CMVC
      67.536,36€
      284.439,53€
      281.952,09€
      Margem bruta.
      -3.048,23€
      42.864,40€
      16.174,26€
      % sobre custo
      -5%
      15%
      6%

4.3 - Irregularidades em caixa e bancos

No ano de 2002 tendo por base meros documentos internos, não idóneos é debitado o caixa por valores elevados, de modo a regularizar os saldos credores revelados pela contabilidade, conforme docs. Internos nºs 13, 23, 24,26, 29, 31 e 39 .
No ano de 2001 tendo por base meros documentos internos, procede a pagamentos a terceiros e sócios e amortizações de empréstimos, sem que tenham subjacente os respectivo documentos de quitação, conforme documentos internos nº 216, 217, 218, 306 e 308 do diário de caixa.
Á semelhança do ano anterior, também em 2002 procede a pagamentos a terceiros através de meros documentos internos, conforme documentos internos nº 9 e 10 dos meses de Setembro e Outubro, respectivamente do diário de caixa.
No ano de 2002, tendo por base o extracto remetido pelo banco é debitada a conta 1203 por crédito da conta 25511 pelo valor de 74.940,00€, sem que tenha qualquer documento subjacente que prove o empréstimo do sócio e como deu entrada este valor na conta da empresa, conforme documento interno nº 1 do diário de bancos de Abril.
No ano de 2002 do controle efectuado a todos os depósitos, verificou-se que estes não coincidem com os valores recebidos dos clientes, bem como são efectuados pagamentos através do banco que nada têm a haver com as transacções efectuadas pela empresa. Questionado o responsável pela firma veio a esclarecer que tais movimentos respeitam à firma F..., Lda (da qual também é sócio gerente), em que a conta de bancos é comum às duas empresas.
Em resumo podemos concluir que as situações descritas, tais como: saldos credores de caixa; pagamentos a sócios e fornecedores (documentos internos) podem indiciar várias situações como omissão de vendas, omissão de compras, assim como impossibilita a análise da parte económica da empresa através dos meios financeiros por ela gerados.
4.4 - Irregularidades na conta de clientes
Nos anos em análise relativamente à venda dos ovos o s.p. só dispõe de um cliente o F.... Lda, a conta deste em todos os exercícios é saldada tendo por base mero documento interno, conforme documente interno nº 305 de 2001.
4.5 - Irregularidades na conta de compras
A título informativo refere-se que no ano de 1999 a actividade desenvolvida pelo s.p. era a comercialização de pintos do dia. A actividade de comercialização de ovos teve início em Setembro de 2000.
Da análise aos elementos de escrita, verificou-se que só apenas no ano de 2000 é revelada na contabilidade a compras de galinhas a Espanha, que foram:
-15000 galinhas Pollita Lohmann Morena com um dia em 19/10 e
- 9985 galinhas Pollita Lohmann Morena com 17 semanas em 05/12.
Conforme esclareceu o já referido sócio gerente da firma as galinhas começam a pôr ovos por volta das 21 semanas, o que significa que as galinhas atingem a idade de postura em 2001.
Conforme já referido anteriormente, o início da comercialização dos ovos é em Setembro de 2000, período em que também são registadas as primeiras compras de matérias primas para a produção de ração.
A ração é produzida pela s.p. nas suas instalações, que resulta da combinação das matérias primas em quantidades pré-determinadas no processo de fabrico, não havendo desperdícios, donde que a quantidade de ração obtida é idêntica aos quilos da matéria prima que no mês de Setembro é de 119116 quilos, conforme mapa em - anexo II, fls 1.
Considerando um consumo por galinha nova de 115 gramas (conforme declarou o sócio gerente da firma em auto de declarações em anexo III, fls1), o que significa que para o início da actividade tendo por base a compra de ração no mês, podia alimentar 34526 galinhas, que resulta de ((119116 kg/30 dias)/115 gramas). No entanto, não se encontram contabilizadas neste mês qualquer compra de galinhas. Apesar de não estar contabilizada a compra de galinhas existe a contabilização e venda de ovos, pelo que se conclui a existência de omissão de compra de galinhas.
Aliás conforme já referido a primeira compra e única revelada na contabilidade foi em Dezembro de 2000, as quais atingem a Idade de postura (21 semanas) no ano seguinte.
4.6 - Análise das facturas de venda das galinhas velhas
Conforme já referido as rações para as galinhas são produzidas pelo s.p. nas suas instalações adquirindo para o efeito diversas matérias primas tais como: milho; trigo; supertrouw; metionina; bagaço de soja; carbonato; fosfato; óleo de soja; soja e outras, as quais combinadas em determinadas quantidades é obtida a ração, onde não há desperdícios.
Do levantamento de todas as quantidades de matérias primas compradas no ano de 2002 (a última compra de matéria prima foi em 15/04 de milho) e as existências iniciais (não tem existências finais - dado que em Dezembro declarou a venda de matérias primas não utilizadas, que foram fosfato e metionina) obtemos o consumo do ano de 604997 quilos de ração, conforme mapa em anexo IV, f1s 1.
No ano de 2002 através das facturas nº 176, 185, 186, 187 e 188 vendeu todas a s galinhas que disponha nos pavilhões (informação fornecida pelo s.p.). Nas facturas não é discriminado a quantidade de galinha, apenas menciona os quilos de galinhas vivas, sendo o peso total destas de 84785 kg. Questionado o já referido sócio gerente acerca da quantidade de galinhas vendidas, veio a argumentar que não sabe, apenas que as galinhas pesavam entre 800 a 1200 gramas cada, conforme declarou (auto de declarações em anexo III).
O consumo da galinha velha (considerou-se velha porque a única compra de galinhas relevada na contabilidade foi em 2000 e como tal já têm mais que um ano) é de 120 a 125 gramas por dia (elemento fornecido e declarado pelo responsável da firma), o que significa que, e tendo em conta o período em que os bandos de galinhas foram sendo vendidos, obtemos o seguinte consumo destas:
      Galinhas – unidades
      Doc. venda/Data venda
      Permanência (2002)
      Consumo diário
      Total consumo-Kg
      13725
      F. 176-20/02/2002
      51 dias
      120 gr
      83997
      17570
      F. 185-08/04/2002
      98 dias
      120 gr
      206623
      10642
      F. 186-24/04/2002
      114 dias
      120 gr
      145583
      28717
      F. 187/188-10106/2002
      150 dias
      120 gr
      516906
      70654
      953109
..
Notas: 1 - As quantidades de galinhas foram obtidas dividindo os quilos de galinhas vivas evidenciados em cada factura pelo peso médio declarado pelo s.p. de cada galinha de 1200 gramas.
2 - A factura 187 foi considerada com a mesma data que a 188, dado que não consta desta evidenciada a data de emissão
Conforme resulte da leitura do quadro anterior, para o período de permanência das 70654 galinhas (que resulta do peso unitário fornecido pelo s.p., era necessário 2 quantidade de ração de 953109 quilos, quando consta evidenciado na contabilidade o consumo de ração de apenas 604997 quilos (compras + existências iniciais - existências finais), donde se conclui que o peso unitário por galinha fornecido pelo s.p. não se ajusta ao consumo de ração evidenciado na contabilidade e demonstrado no quadro anterior, pois resultariam também unidades de galinhas alojadas (70654) superior à capacidade máxima dos pavilhões (40000), dado também fornecido pelo s.p. em auto de declarações.
4.7- Irregularidades na conta de venda de ovos
4.71- Exercício de 2000
Conforme já referido aquando das irregularidades explanadas na conta de compras, a primeira compra de galinhas é registada em Dezembro de 2000, galinhas que nos meses de Janeiro e Abril de 2001 atingem a postura (21 semanas). Não obstante, no mês de Setembro de 2000 o contribuinte regista as primeiras vendas de ovos, do que se conclui a existência de compra d e galinhas em Setembro, sem a respectiva contabilização.
No ano de 2000, as quantidades de dúzias de ovos registadas na respectiva conta de vendas, conforme mapa em anexo V, fls 1, não é homogénea ao longo dos meses, sendo de:
      Meses
      Total dúzias ovos registadas
      Setembro
      14555
      Outubro
      26980
      Novembro
      20780
      Dezembro
      45255
      Total
      107570

Conforme já referido no ponto anterior o s.p. contabilizou a compra de galinhas em Outubro e Dezembro, no entanto estas compras não influenciam a quantidade de ovos vendidos, dado que a idade de postura destas ocorre apenas no ano seguinte. Assim, e também conforme já referido no ponto anterior o s.p. adquiriu galinhas em Setembro que omitiu à contabilidade, facto que se confirma com o mapa de postura acima transcrito. A compra omitida terá que se referir a galinhas com idade próxima da idade de postura (21 semanas - dado fornecido pelo s.p.), pois existe comercialização de ovos no mês de Setembro e é muito inferior à do mês de Outubro, o que significado que a produção de ovos está a aumentar, estando também a aumentar a idade de postura. Assim, a quantidade de ovos comercializados em Novembro deveria ter sido superior às quantidades declaradas para o mês anterior, pois a produção de ovos aumenta com a idade dos bandos.
4.7.2- Exercício de 2001
À semelhança do ano anterior também no ano de 2001 as quantidades de dúzias ovos comercializados não são uniformes ao logo dos meses, conforme quadro seguinte e mapa em anexo VI, fls 1.
      Meses
      Total dúzias ovos registadas
      Janeiro
      43300
      Fevereiro
      40160
      Março
      57500
      Abril
      53900
      Maio
      50610
      Junho
      42310
      Julho
      47370
      Agosto
      46615
      Setembro
      28740
      Outubro
      40960
      Novembro
      78620
      Dezembro
      35540
      Total
      565625
A quantidade de ovos comercializada em Janeiro deveria ser superior à quantidade declarada em Dezembro do ano anterior, pois o bando adquirido em Dezembro de 2000 (5/12) com 17 semanas atinge neste mês a idade de postura.
No mês de Abril também a postura deveria ser superior à do mês anterior, pois o bando adquirido em Outubro com 1 dia de idade atinge a idade de postura neste mês.
No mês de Novembro não se detectaram motivos na contabilidade para que a quantidade de ovos comercializados neste mês seja superior à dos restantes.
4.7.3- Exercício de 2002
As quantidades vendidas neste exercício constam do quadro seguinte e anexo VII, fls 1:
      Meses
      Total dúzias ovos registada
      Janeiro
      46610
      Fevereiro
      36010
      Março
      31170
      Setembro
      128364
      Dezembro
      245966
      Total
      488120
Nos meses de Setembro e Dezembro estão contabilizadas quantidades bastante elevadas de ovos de 374330 dúzias, para as quais não consta revelado na contabilidade a sua origem, pois a venda do último bando de galinhas ocorre em 10/06, conforme factura nº 188, e para além desta data não há aquisição de matérias primas para ração.
4.8- Irregularidades na emissão dos documentos de venda
Da análise aos documentos de venda (facturas) é notório relativamente a alguns a falta de rigor na sua emissão, por exemplo:
Da factura nº 187 do ano de 2002 não consta evidenciada a data de emissão da mesma, o que contraria o disposto no artigo 35° do CIVA;
A factura 177 é emitida com a data de 5/02 e a factura 176 com a data de 20/02, ambas de 2002.
4.9 - Controle quantitativo das matérias primas
Nos anos em análise, 2000, 2001 e 2002, procedeu-se ao levantamento de todas as compras de quilos de matérias primas em cada exercício, conforme mapas em anexo IX, fls 3.
No decurso da acção inspectiva o responsável pela empresa o Sr. G... forneceu o formulário (em anexo X, fls 1) utilizado na produção da ração, de onde consta evidenciado as quantidades de cada matéria prima utilizada para obter a ração, com base no referido formulário, e para a obtenção de 1000 kg de ração, são necessárias as seguintes quantidades:
      Matéria-prima
      Quantidade
      Em %
      Milho
      478,478kg
      47,8478
      Trigo/Cevada
      118.307kg
      11,8307
      Soja
      267.935kg
      26,7935
      Óleo de soja
      18.12kg
      1,812
      Bicarbonato
      1.50kg
      0,15
      Sal
      2.175kg
      0,2175
      Fosfato
      10.457kg
      1,0457
      Carbonato
      97.108kg
      9,7108
      Metionina
      0.891kg
      0.0891
      Caforil vermelho
      0.030kg
      0.003
      Super V530
      5Kg
      0.5
      Total
      1000Kg
      100%
Se compararmos em termos percentuais o peso das referidas matérias relevadas na contabilidade com o do formulário da produção, conforme mapa abaixo, concluímos que a variação não é significativa
Os mapas em anexo IX dão conta do consumo de matérias primas por ano, donde resultam
os seguintes valores:
ano de 2000 - 365964 kg
ano de 2001 - 1502409 kg
no ano de 2002 - 604997 kg
4.10 - Em resumo, as irregularidades dos registos são:
Irregularidades na emissão dos documentos de venda;
Irregularidades na movimentação da conta de caixa e bancos;
Irregularidades nas compras - omissão de compras;
Irregularidades na rubrica de compras, ao considerar custos suportados por documentos sem forma legal;
Dedução indevida de IVA, dado tratar-se de dedução tendo por base documento sem forma legal;
Margens de lucro bruto negativas;
Prejuízos declaradas desde o início de actividade, com excepção do ano de 2001.
Estes elementos demonstram a falta de credibilidade da escrita, designadamente quanto ao volume de negócios para efeitos de IRC e IVA, nos exercícios objecto de análise (2000 a 2002).
A insuficiência de elementos e irregularidades acima descritas e constantes na organização escriturai, impossibilitam a quantificação directa e exacta da matéria tributável, preenchendo assim, as condições legais previstas no artigo 88° da LGT, designadamente na sua alínea a), pelo que se propõe a aplicação dos métodos indirectos (alínea b) do artigo 87° da LGT).
V CRITÉRIOS E CÁLCULOS DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
Face ao referido no capítulo anterior, donde resultou a impossibilidade de comprovação directa e exacta da matéria tributável bem como do volume de negócios declarado para efeitos de IRC, propõe-se a sua determinação da base tributável por métodos indirectos (alínea b) do artigo 87° e alínea a) do artigo 88° da LGT e artigo 84° do CIVA), cujos critérios de cálculos seguidamente se apresentam, em cumprimento do disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 90° da LGT.
Na impossibilidade de se obter através da contabilidade e também porque os dados fornecidos pelo s.p. não têm consistência, conforme demonstrado nos pontos anteriores. Foram obtidos através da internet dados técnicos referentes ao tipo de galinha evidenciado na contabilidade (galinha Lohmann Brown), que foram utilizados nos cálculos efectuados.
5.1 - Critérios
5.1.1- Ano de 2000
Conforme já explanada no capítulo anterior, apenas em Dezembro de 2000 é relevado na contabilidade a compras de galinhas: 15000 com um dia e 9985 com 17 semanas.
Conforme mapa em anexo IX consta evidenciado o consumo de ração, e no ponto anterior a venda de ovos a partir do mês de Setembro, donde se conclui a omissão de compra de galinhas neste mês, cuja quantidade será apurada da seguinte forma:
foi apurado o consumo total de ração;
foi determinado o consumo total de ração das galinhas contabilizadas em função da idade e nº de dias de permanência desde a data da compra até 31/12;
foi considerado o consumo médio diário por galinha de 115 gramas (dados recolhidos na internet anexo XI);
ao consumo total de ração foi deduzido o consumo total de ração das galinhas contabilizadas, que dividido pelo consumo diário médio se obtém o total de galinhas omitidas (quantidade estimada);
a quantidade estimada de galinhas omitidas, foi valorizada com base no preço de compras da galinhas contabilizadas com 17 semanas, que, dado terem sido vendidas em 2002 serão consideradas em existências até à sua venda. Sendo apenas reconhecido o custo neste exercício (2002);
dado o início de postura em Setembro considerou-se que a idade das galinhas omitidas é de 21 semanas;
relativamente à produção de ovos foram utilizados também os dados técnicos para determinação da postura da galinha alojada.
5.1.2 - Ano de 2001
Neste exercício tendo por base os bandos de galinhas apurados no ano de 2000, irse-á apurar por cada galinha, tendo em conta a idade (em semanas) o total da produção de ovos, com base nos dados técnicos referidos.
Como existe apenas a venda das galinhas em 2002, considerou-se após as 80 semanas um mês para depena com consumo zero de ração e após a depena considerar a percentagem de postura que tinha às 80 semanas.
Também foi considerado uma taxa de mortalidade da galinha de 7, cujo valor teve por base o peso médio por galinha viva no f im da postura, que se verificou em 2002, e o peso constante das facturas de venda, que originou os seguintes cálculos:
determinação da quantidade de galinhas em função das quantidades (quilos) constantes das factura de venda:
      Factura nº
      Data
      Kg galinhas vivas (a)
      Peso médio Galinhas (b)
      Galinhas - unidades=a/b
      176
      20/02
      16470
      2kg.
      8235
      185
      08/04
      21085
      2kg
      10542
      186
      24/04
      12770
      2kg
      6385
      187
      Sem data
      16470
      2kg
      8235
      188
      10/06
      17990
      2kg
      8995
      Total
      84785
      42392
Nota: o peso médio por galinha (2kg) foi obtido através dos dados em anexo XI.
determinação da mortalidade
      Quantidade estimada
      45731 (a)
      Quantidade vendida
      42392(b)
      Diferença (mortalidade)
      3339
      Diferença (mortalidade em )
      7,3
Notas: a) os bandos de 15000+9985+20746
b) conforme quadro anterior
5.1.3 - Ano de 2002
No ano de 2002, utilizando o mesmo critério que para 2001, não foram detectadas divergências entre o valor dos ovos apurados produzidos por galinha e as quantidades declaradas em venda, pelo que não se propõe qualquer correcção a este exercício.
Neste exercício foram vendidas a totalidade das galinhas que incluí a quantidade estimada, cuja compra foi omitida na contabilidade. Dado tratar-se de uma compra omitida, o seu valor foi estimada 'tendo por base o preço unitário de compra registado na contabilidade, conforme factura de compra n° 1238 de 2000.12.05.
5.2 - Cálculos
5.2.1- Ano de 2000
Consumo total de ração - 365964kg.
Determinação do consumo das galinhas contabilizadas.
      Galinhas
      Idade
      Data aquisição
      Dias ano Consumo (a)
      Consumo médio ração
      Total (c)
      9985
      17 semanas
      5/12
      27 dias
      54,29gr(b)
      14636,31 kg
      15000
      1 dia
      19/10
      74 dias
      54,29gr(b)
      60261,90kg
      Total
      74898, 21kg
Notas. a) Penado entre a data de aquisição e 31 /12 .
b) Da 1° à 20° semana o consumo médio por galinha é de 7,60kg, a que corresponde o consumo médio por dia de 54,29gr (conforme elementos técnicos recolhidos e em anexo XI)
c) Consumo total = n° galinhas x dias consumo x consumo médio diário
Diferença entre o consumo total de ração e consumo das galinhas determinado no quadro anterior.
      Consumo total de ração
      Consumo quadro anterior
      Diferença
      365964Kg
      122dias
      291065,79Kg
Determinação da quantidade das galinhas omitidas
      Consumo ração (a)
      Dias ano Consumo (b)
      Consumo diário (c)
      Galinhas =((a/b)) c Em unidades
      291065,79kg
      122 dias
      115gr
      20746
Apuramento dos ovos produzidos pelas galinhas omitidas (tendo por ba se os dados técnicos da internet), considerou-se a idade das galinhas de 21, dado o início de postura em Setembro.
      Bando
      Idade das galinhas em 31/12
      Total ovos produzidos
      20746
      39 semanas
      110
As galinhas contabilizadas atingem a idade de postura no ano seguinte: o bando das 9985 em Janeiro e o bando de 15000 em Abril.
5.2.2 - Ano de 2001
Tendo por base os bandos de galinhas apurados através do consumo de ração para o ano anterior e a taxa de mortalidade de 7,3, ir-se-á apurar a idade das galinhas em 31/12 e os respectivos ovos acumulados por galinha alojada (poedeira) - conforme elementos em anexo XI.
De acordo com os dados técnicos em anexo XI (página 2 da fls 3) a produção de ovos por galinha às 80 semanas de idade é de 326,8 ovos.
Para o apuramento dos ovos acumulados por galinha ir-se-à utilizar o seguinte critério (apenas para o bando de 20746 galinhas): após as 80 semanas de postura, consideramos o mês de depena (neste período as galinhas não põem ovos), no final do qual postura da galinha é de 60 (dados técnicos); em Dezembro de 2001 a idade das galinhas é de 91 semanas (39 semanas de 2000 + 52 semanas de 2001), assim resultam os seguintes valores:
      Idade semanas
      Ovos acumulados por galinha
      80
      326,80
      39
      (110) (a)
      Restante período após depena – 7 semanas
      60% postura
Nota:(a)- idade das galinhas em 2001.01.01- 39 semanas, tendo já sido considerado o valor acumulado de ovos por galinha de 110 no ano anterior, pelo que se irá deduzir neste exercício (b)- as 7 semanas resultam de: 91{ semanas em 2001.12.31)-4 semanas depena Relativamente as compras de galinhas registadas na contabilidade e de acordo com os dados técnicos recolhidos em anexo XI:
as com 17 semanas - 9985 galinhas (compradas em 5/12/2000) a idade em 2 de Janeiro de 2001 é de 21 semanas, logo os ovos acumulados por galinha alojada em 31/12, às 72 semanas é de 292 ovos.
as com 1 dia - 15000 galinhas (compradas em 19/10/2000) a idade em 2000.12.31 é de 10 semanas,
logo em 31/12/2001 a idade é de 63 semanas a que corresponde o número de 248 de ovos acumulados por galinha alojada.
A) Correcção das vendas de ovos
Tendo em conta:
a quantidade de galinhas apurada;
e os restantes valores apresentados na contabilidade da empresa.
Propõe-se que a seguinte quantidade de dúzias de ovos:

      Rubricas
      Ano de 2000
      Quantidade de dúzias de ovos declarada
      107570
      Número de galinhas (a)
      20746
      Valor acumulado por galinha (b)
      110
      Valor apurado de ovos = (a)*(b)- unidades
      2282060
      Valor proposto de venda de ovos em dúzias
      190172
      Correcção proposta às Quantidades vendidas
      82602
      Preço médio de venda declarado venda dúzia ovo
      0.60€
      Correcção proposto às vendas
      49.561,20€
Ano de 2001
      Rúbricas
      Unidades
      Dúzias
      Quantidade de dúzias de ovos declarada
      565625
      Bando de 20746 galinhas – ovos em unidades (a)
      4734805
      Bando de 9985 galinhas – ovos em unidades (b)
      2702780
      Bando de 15000 galinhas – ovos em unidades (c)
      3448440
      Total apurado em unidades / dúzias = a+b+c
      10886025
      907169
      Valor proposta de venda de ovos em dúzias
      907169
      Preço médio de venda declarado venda dúzia ovo (d)
      0,58€
      Correcção proposto às vendas (e)
      198.095,52 €
Notas: (a) = «20746 galinhas x 216,80) + 20746*49 dias*60 postura (ovos acumulados por galinhas)) x taxa de mortalidade de 7,3%
(b) = (9985 galinhas x 292 (ovos acumulados por galinha» x taxa de mortalidade de 7,3
(c) = (15000 galinhas x 248 (ovos acumulados por galinha» x taxa de mortalidade de 7,3
(d)= (120+115+130+125+110+105+100+95+140)/9=115$56 em euros 0.58
(e)= quantidades apuradas x preço médio de venda
5.2.3 -Ano de 2002
Tendo por base o bando de galinhas apurado e o preço unitário de compra, ir-se-á estimar o custo das galinhas, conforme cálculos abaixo discriminados:
      Quantidade de galinhas
      20746
      Preço unitário
      2,24€
      Custo estimado
      46.471,04€
B) Resumo das correcções e cálculos dos impostos em falta
As correcções propostas encontram-se resumidas nos quadro seguintes:
em termos de IRC • resultado tributável

      Rubricas
      Ano de 2000
      Ano de 2001
      Ano de 2002
      Correcções meramente aritméticas
      132.181,44€
      Vendas presumidas
      49.561,20€
      198.095,52€
      Custo estimado das galinhas apuradas
      46.471,04€
      Total das correcções
      49.561,200
      198.095,52€
      85.710,400
      Resultado fiscal declarado
      Lucro tributável
      8.458,14€
      Prejuízo para efeitos fiscais
      31. 740,89€
      28.873,43€
      Resultado fiscal proposto
      Lucro tributável
      17.820,31€
      206. 553, 66€
      56.836,97€

Valores que servirão de base ao preenchimento dos DC 22 oficiosos, respectivos.
em termos de IVA
a) métodos indirectos
As correcções efectuadas ao volume de negócios foram obtidas com recurso é estimativas, nos termos do artigo 84° do CIVA. Estas correcções implicam 2 liquidação adicional de IVA.
      Rubricas
      Ano de 2000
      Ano de 2001
      Vendas de mercadorias omitidas
      49.561,20€
      198.095,52€
      Taxa de imposto
      5
      5
      Imposto em falta
      2.478,06€
      9.904,78€
O imposto em falta foi repartido uniformemente por todos os períodos de imposto, conforme quadro seguinte:
      Rubricas
      Ano de 2000
      Ano de 2001
      Imposto em falta
      2.478,06€
      9.904,78€
      Janeiro
      206,51€
      825,40€
      Fevereiro
      206,51€
      825,40€
      Março
      206,51€
      825,40€
      Abril
      206,51€
      825,40€
      Maio
      206,51€
      825,40€
      Junho
      206,51€
      825,40€
      Julho
      206,51€
      825,40€
      Agosto
      206,51€
      825,40€
      Setembro
      206,51€
      825,40€
      Outubro
      206,51€
      825,40€
      Novembro
      206,51€
      825,40€
      Dezembro
      206,51€
      825,40€
Valores que servirão de base ao preenchimento dos modelos 382, respectivos, para arrecadação do imposto em falta.”. – cfr. fls. 57 a 79 do PA.
4. Exercido o direito de audição pela impugnante, a AT pronunciou-se nos seguintes termos:
VIII Direito de Audição - Fundamentações
Tendo sido notificado em 2003.03.12, através de carta registada (ofício n° 18987), para exercer o direito de audição, conforme prevê o artigo 60° da L.G.T. e o artigo 60° do R.C.P.I.T., este foi exercido dentro do prazo dado (dez dias).
No prazo previsto para o exercício do direito de audição o contribuinte vem a dizer o seguinte:
1 - É falso que o s.p. tenha registado na conta 321611102, em Dezembro de 2002, com base num documente interno no montante de 132 181 44€ a aquisição de galinhas velhas
2 - Pois, encontrava-se anexado ao anexo I do relatório, a venda a dinheiro nº 15, datada de 31/12/01.
3 - pelo que o exercício do direito à dedução do IVA foi correctamente exercido, já que se encontra suportado em documento original emitido na forma legal.
4 - Por outro lado é falso que o sócio gerente da ouvida tenha fundamentado que se tratava de galinhas adquiridas a Espanha no ano de 1999.
5 - Neste sentido a resposta constante do Auto de declarações em que o gerente diz textualmente liA quantidade de galinhas que foi comprada pela F... não sabe, bem como o ano em que foram adquiridas.
6 - Todavia, as galinhas (pintos do dia, pois só assim se poderá admitir que cada unidade tenha custado 90$00) foram adquiridas à F..., Lda, conforme a V.D. nº 15 o atesta.
7 - Sendo que esta as adquiriu à firma M..., Lda em 24/05/2000.
8 - Por outro lado este bando foi abatido no ouvido em 2002.
9 - Assim o bando foi materialmente adquirido em 2000, facturado em 2001 e abatido em 2002.
10 - Em termos de IR, a compra ser registada em 2000 ou 2001 transmite o mesmo resultado fiscal.
11 - Por outro lado, como o abate do bando ocorre em 2002, a perda deve ser considerada neste exercício.
12 - Pelo exposto requer o S.P. a reapreciação do Projecto de conclusões do relatório da inspecção com o objectivo de se repor a realidade dos factos.
Comentários ao exercício do direito de audição:
No decurso da acção inspectiva foram propostas correcções meramente aritméticas e métodos indirectos, tendo apenas o sujeito passivo contestado as meramente aritméticas.
Conforme já referido no projecto de relatório no ponto 1.1 do capítulo, no exercício de 2001 tendo por base mero documento interno (o nº 307), o s.p. registou na conta 31611102, em Dezembro, o montante de 132.181,44€ inerente à compra de galinhas velhas (conforme consta evidenciado no referido documento interno)
A venda a dinheiro n° 15 agora apresentada é copia do documento do fornecedor (conforme contabilização que consta evidenciado neste - conta 7111103), o que significa que o s.p. não tem na sua posse o documento original.
Pelo antes referido e nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 19° do CIVA só confere direito à dedução do imposto o suportado com a aquisição de bens e mencionado em facturas ou documentos equivalentes processados de forma legal, respeitando designadamente os requisitos exigidos pelo artigo 35° do CIVA (a quantidade dos bens e o preço unitário).
As cópia dos documentos anexadas ao exercício do direito de audição não permitem estabelecer qualquer relação, isto porque do documento em anexo I não constam evidenciadas quer as quantidades quer os preços unitários.
Face ao exposto, as correcções inicialmente propostas propõe-se que se mantenham inalteráveis, conforme mapa do capítulo do projecto de relatório.” Cfr. fls. 105/107 verso do PA.
5. Em 3/6/2004, teve lugar a reunião da Comissão de Revisão, não tendo logrado acordo – Cfr. fls. 19 a 28 do PA.
6. À Impugnante foi dirigida a notificação da fixação do lucro tributável/imposto/volume de negócios, através do ofício registado c/ AR n.º 2991 de 26/02/2004 – Fls. 49 do PA.
7. Com data de 24/05/2000, a sociedade M..., Lda, emitiu em nome da sociedade F..., Lda, a fatura n.º 303477/1, referente a “pintos femeas” na quantidade de “22750”, no valor total de, incluindo IVA, 2.149.875$00 – cfr. fls. 35 dos autos.
8. Com data de 30/02/2001, a sociedade F..., Lda, emitiu em nome da impugnante, a Venda a Dinheiro 015, referente a “Venda de Galinhas que vieram por engano facturadas à F..., mas que foram para a Soc…”, no montante 27.825.000, incluindo IVA – cfr. fls. 36 dos autos.
9. Em 27/02/2005, foi instaurado o Processo de Execução Fiscal da dívida impugnada, tendo sido suspenso sem garantia por Despacho de 09/06/2005 – Cfr. fls. 140 dos autos.
10. Em consequência da ação de inspeção, foram emitidas as seguintes liquidações adicionais de IRC:
      TRIBUTO
      PERIODO
      N.º LIQUIDAÇÃO
      VALOR €
      DATA COMPENSAÇÃO
      DATA LIMITE DE PAGAMENTO
      IRC/JC
      2000
      20048310001005
      2.538,85
      21/09/2004
      27/10/2004
– Cfr. fls. 31 a 33 dos autos.
11. A petição de impugnação nos presentes autos deu entrada em 20/01/2006– cfr. fls. 3 dos autos.
B) FACTOS NÃO PROVADOS:
Inexistem outros factos, para além dos que foram dados como provados, que revelem interesse para a boa decisão da causa.
C) MOTIVAÇÃO:
A convicção do Tribunal quanto aos factos provados resultou da análise crítica e conjugada do teor dos documentos não impugnados juntos aos autos e do PA, conforme referido em cada ponto do probatório e também da posição assumida pelas partes, na parte dos factos alegados não impugnados e corroborados pelos documentos juntos, aplicando-se o princípio cominatório semi-pleno, pelo qual se deram como provados os factos admitidos por acordo pelas partes, assim como as regras gerais de distribuição do ónus da prova.
A matéria de facto não provada redundou na ausência de prova produzida para o efeito.
Quanto à prova testemunhal produzida, as testemunhas inquiridas responderam de forma espontânea às questões que lhe foram colocadas, revelando conhecerem a atividade da impugnante e, no essencial, confirmaram o que vem alegado pela impugnante.”

Por estar documentalmente demonstrada nos autos, adita-se a seguinte factualidade, nos termos do artigo 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, pela sua pertinência para o conhecimento do recurso:

12. Na sequência da reunião da Comissão de revisão referida em 5., na falta de acordo entre os peritos, em 14/06/2004, o substituto legal do Sr. Director de Finanças de Viseu proferiu decisão para fixação da matéria tributável com o seguinte teor – cfr. fls. 18 e 18 verso do processo administrativo apenso aos autos:

*
2. O Direito

A Recorrente invoca, na conclusão II das suas alegações de recurso, nulidade da sentença por falta de fundamentação, parecendo inculcar a ideia, atento o contexto das restantes alegações, que estará, concretamente, a invocar falta de especificação dos fundamentos de facto.
A sentença/decisão pode padecer de vícios de duas ordens:
1-Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e, então, a consequência é a sua revogação;
2-Por outro lado, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artigo 615.º, do Código de Processo Civil, na redacção da Lei n.º 41/2013, de 26/6.
Nos termos do preceituado no citado artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
No que concerne ao núcleo essencial da arguição, há que ter em atenção que, como é sabido, só se verifica tal nulidade quando ocorre falta absoluta de fundamentação - Acórdão do S.T.A., de 16-11-2011, Proc. n.º 0802/10, www.dgsi.pt - , sendo que tal como refere o Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, página 140 “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.”.
Porém, como refere Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 5ª ed., Vol. I, pág. 909, “deverão considerar-se como falta absoluta de fundamentação os casos em que ela não tenha relação perceptível com o julgado ou seja ininteligível, situações em que se está perante uma mera aparência de fundamentação.
Com efeito, a fundamentação destina-se a esclarecer as partes, primacialmente a que tiver ficado vencida, sobre os motivos da decisão, não só para ficar convencida de que não tem razão, mas também porque o conhecimento daqueles é necessário ou, pelo menos, conveniente, para poder impugnar eficazmente a decisão em recurso ou arguir nulidades, designadamente a derivada de eventual contradição entre os fundamentos e a decisão.
Por isso, quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação”.
Dispõe o n.º 1 do artigo 125.º do CPPT, em linha com o disposto no n.º 1 do artigo 615.º do CPC, que «Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer».
Por outro lado, nos termos do n.º 2 do artigo 123.º do CPPT, «O juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões».
Como vimos, o STA tem vindo a entender, em consonância com a doutrina, que só ocorre a nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto e/ou de direito, quando essa falta seja absoluta.
Ora, a sentença recorrida julgou a presente impugnação procedente, por se verificar o vício de falta de fundamentação, dado ter constatado que o critério de quantificação da matéria tributável adoptado não estava devidamente fundamentado e, consequentemente, que também o cálculo da matéria tributável não o estaria.
Para chegar a esta conclusão, o tribunal recorrido apoiou-se na motivação constante do relatório de inspecção, cujo teor se encontra transcrito na decisão da matéria de facto.
Assim, estando em causa o vício de falta de fundamentação, importam as razões constantes do acto, que podem mostrar-se espelhadas no relatório de inspecção tributária, sendo esta a base factual vertida na sentença (pontos 3. e 4. do probatório) que sustentou, depois, a subsunção ao direito constante da decisão recorrida.
Assim sendo, resultam claros os motivos factuais da decisão, em termos de a Recorrente os poder apreender e tomar uma opção esclarecida de conformação ou impugnação da decisão.
Saber se a fundamentação é a correcta ou adequada já não é questão que se inclua na eventual nulidade sentença por falta de fundamentação, antes se incluindo no âmbito de eventual erro de julgamento.
O facto de ter existido uma outra fundamentação do acto que fixou a matéria tributável, na sequência do pedido de revisão e da falta de acordo entre os peritos no âmbito da reunião da Comissão de Revisão, dado que o acto final foi proferido em 14/06/2004, conforme teor transcrito no ponto 12. aditado à decisão da matéria de facto, e de o tribunal recorrido não ter considerado esta factualidade para retirar a ilação que consta na sentença, não é suficiente para ferir de nulidade a mesma, podendo, quando muito, situar-se ao nível do erro de julgamento.
Improcede, assim, a invocada nulidade da sentença, por falta de especificação dos fundamentos que justificam a decisão – cfr. artigo 125.º do CPPT e alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.

A Recorrente defende, ainda, que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento, de facto e de direito, ao concluir pela insuficiente fundamentação do critério de quantificação da matéria tributável determinada por métodos indirectos.
Na verdade, a impugnante assacou vários vícios ao acto impugnado, tendo o tribunal recorrido iniciado o seu conhecimento pela “falta de fundamentação do critério utilizado para quantificar a matéria tributável”, dando por prejudicado o conhecimento das demais questões, atenta a procedência deste vício de falta de fundamentação.
Efectivamente, a impugnante assaca, genericamente, ao relatório de inspecção o vício de falta de fundamentação, defendendo não estar motivado nem justificado o recurso à aplicação dos métodos indirectos na situação concreta.
A sentença recorrida não se debruçou sobre esta fase qualitativa, tendo avançado para o conhecimento do vício na fase quantitativa, centrando-se na insuficiência da fundamentação do critério de quantificação adoptado, que julgou procedente.
Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 85.º da LGT a avaliação indirecta é uma forma subsidiária da avaliação directa de determinação do lucro tributário dos contribuintes, apenas podendo ser aplicada aquela primeira forma de avaliação nos casos expressamente previstos na lei e quando estejam reunidos os pressupostos legalmente estabelecidos para o efeito (cfr. artigo 81.º, n.º 1 da LGT).
O recurso a métodos indirectos de determinação da matéria colectável é uma ultima ratio, apenas podendo ser aplicado quando não seja possível que esta avaliação seja feita por via da avaliação directa, em conformidade com o princípio constitucional segundo o qual a tributação das empresas recai fundamentalmente sobre o seu rendimento real (cfr. artigo 104.º, n.º 2 da CRP).
Dito de outra forma, tendo a avaliação indirecta carácter subsidiário em relação à avaliação directa (cfr. artigo 85.º, n.º 1, da LGT) e excepcional (cfr. artigo 81º da LGT, n.º1 da LGT), cabe à Administração Tributária (AT) a demonstração da verificação dos pressupostos do recurso à avaliação indirecta da matéria tributável, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação (cfr. artigo 74.º, n.º 3, da LGT) – vide, entre outros, o Acórdão do STA, de 17/03/2010, processo n.º 01211/09.
A Recorrente não se conforma com a decisão que julga verificada a falta de fundamentação do critério de quantificação, pois defende que, nesta fase, caberia ao contribuinte provar o excesso na respectiva quantificação.
Assim, à fase dita qualitativa sucede uma outra fase, a de quantificação, designada deste modo por se reportar à escolha de um método de quantificação da matéria colectável, bem como à demonstração dos resultados correspondentes.
Nesta sede de avaliação indirecta, o ónus da AT não se consome na necessidade do elencar, e provar, das razões que lhe subjazem, enquanto conduta vinculada que lhe está imposta. Na realidade, o ónus que impende sobre a AT, em tais casos, para além do da demonstração dos necessários e legais pressupostos do recurso à avaliação indirecta, exige, ainda e também, que, simultânea e complementarmente, fundamente adequada e criteriosamente as circunstâncias em que faça suportar a matéria tributável que, no uso daqueles, vier a quantificar.
Efectivamente, sendo embora, em tais casos, opção do legislador abdicar de um grau de certeza na tributação, por falta de colaboração do contribuinte, como única solução de evitar a evasão fiscal e de fazer repartir, na medida do possível, a carga fiscal entre todos que revistam, casuisticamente, a qualidade de sujeitos passivos, não deixa, a actuação da AT, neste domínio, no entanto, de ter como baliza o princípio de que a metodologia em causa há-de permitir alcançar, na medida do possível, a tributação daquele pelo seu lucro real/efectivo.
Apelando, à jurisprudência do TCA Sul, nomeadamente, do acórdão de 18/06/2002, proferido no âmbito do recurso n.º 6.388/02 - ainda que por reporte ao artigo 81.º do CPT, mas com aplicabilidade ao preceituado no artigo 84.º/3 da LGT - “(...) cabendo à AF o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indiciários, é a ela que cumpre demonstrar que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, competindo-lhe, por isso, especificar os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria colectável e indicar os critérios utilizados na sua determinação, fazendo assentar o volume da matéria colectável presumida em dados objectivos, racionais e fundamentados, aptos a inferir os factos tributários [...].
Na verdade, tendo a determinação da matéria tributável por métodos indiciários de ser feita por aproximação à realidade que se procura apurar, é necessário que se demonstre que teve por suporte elementos de facto possíveis e prováveis, extraídos de parâmetros gerais e comuns, adequados à situação. E, por isso, a AF tem de utilizar elementos de facto conhecidos que, segundo as regras da experiência, pautadas por critérios de razoabilidade e de normalidade e tendo em linha de conta as especificidades próprias da actividade do contribuinte, conduzam à extrapolação dos factos conhecidos ou à aproximação da realidade que se procura alcançar.
A AF tem, assim, de indicar e justificar os critérios que utiliza na determinação da matéria tributável por métodos indiciários, por forma a que o contribuinte deles fique ciente e apto a discutir a valorimetria aplicada, isto é, para que possa provar que os critérios utilizados são desadequados e/ou inadmissíveis para a sua actividade, que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada. (…)” Permitindo, assim, extrapolar uma adequada ponderação da decisão.
Só, então, passará a caber ao contribuinte, e como acima referido, demonstrar a falta de aderência à realidade da matéria colectável que veio a ser fixada, e sendo caso disso, a medida em que tal sucedeu, sob pena de a dúvida sobre tal matéria se ter de revelar desfavorável à sua pretensão, já que, como é axiomático a sua existência não será, então, mais do que o resultado de uma conduta violadora do princípio da colaboração, que lhe está imposto, com transparência e verdade e que, nessa medida, a tornam infundada – cfr., no mesmo sentido, o acórdão do TCA Sul, de 15/07/2009, proferido no âmbito do processo n.º 02834/09, e o acórdão do TCA Norte, de 11/06/2013, no processo n.º 6122/12.
Reiterando esta ideia de fundamentação subjacente ao presente recurso, por facilidade, passamos a transcrever parcialmente o acórdão do TCA Sul, de 16/03/2010, proferido no âmbito do processo n.º 3543/09:
“(…) Isto porque, como acima se deixou dito, a actuação da AF não se pode ficar pela demonstração da ocorrência dos pressupostos legitimadores do recurso à metodologia indiciária, antes se lhe impõe, ainda e também, que, desde logo do ponto de vista substancial, fundamente os critérios de que venha a lançar mão naquela tarefa de quantificação se apresentem como os mais adequados ao alcançar da matéria tributável mais próxima da realidade, sem embargo de, o que se vem de dizer, não invalidar que, nesta matéria mas a jusante, ser sobre o contribuinte que recai um ónus de prova positivo de que a matéria tributável fixada pela AT não tem aderência à efectivamente verificada. (…)”
A avaliação indirecta propriamente dita integra a escolha de um dos métodos de quantificação enunciados no artigo 90.º, n.º 1, da LGT ou outro que, em concreto, se revele mais adequado a uma efectiva aproximação à verdadeira situação tributária do sujeito passivo. Entendemos, portanto, que os factores quantitativos propostos naquele normativo não têm carácter taxativo, pois ali se diz que a determinação da matéria tributável por métodos indirectos «poderá» ter em conta aqueles elementos, e não que «só poderá» ter em conta aqueles elementos. Por outro lado, a própria finalidade da tributação indirecta explica a não taxatividade dos critérios: se o objectivo é a maior aproximação possível à verdade fiscal daquele contribuinte e existe um método que se revele, em concreto, mais adequado a viabilizar essa aproximação, deverá ser esse o método a utilizar pela A.T., ainda que não conste do elenco do artigo 90.º da LGT.
O erro sobre a escolha do método de quantificação ou sobre a sua aplicação que conduza a um excesso de quantificação pode gerar, portanto, o vício de violação de lei, por erro na quantificação.
No entanto, e como tem sido entendido, de forma uniforme, pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, do ponto de vista do erro na quantificação, as insuficiências no método são sempre substanciais, isto é, devem evidenciar um excesso de quantificação. Dito de outro modo: não é pelo facto de no método de quantificação não se levar em conta este ou aquele item que fica demonstrado o erro na quantificação, a não ser que resulte daí ipso facto que os resultados apurados sejam excessivos.
Importa, por isso, que o sujeito passivo venha ao processo demonstrar a interferência sensível destes factores no resultado da quantificação.
Não bastará, assim, constatar que a AT não utilizou todos os dados ao seu dispor para alcançar a tributação real ou mais próxima da realidade económica, importando que se demonstre que a AT podia ter ido mais longe e reduzido, por alguma forma, a margem de erro que estas formas de avaliação sempre comportam. Isto porque, sabendo-se as dificuldades objectivas que sempre são encontradas pela AT nesta quantificação, há necessidade, tão-só, de uma aproximação feita através de elementos possíveis e prováveis, ou seja, aceita-se um juízo de probabilidade em substituição do convencimento sobre a respectiva realidade.
No caso sub judice, como referimos, está em causa a fundamentação da decisão de tributação por métodos indirectos.
O artigo 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa dispõe que os actos administrativos carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos.
O artigo 77.º, n.º 1 da LGT determina que a fundamentação deve consistir, no mínimo, numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão, ou numa declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas.
Por força do n.º 2 do mesmo artigo, a fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
O artigo 125.º, n.º 1 do CPA determina que a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão, neste caso, parte integrante do respectivo acto, equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
Ora, é sabido que a consagração constitucional deste dever de fundamentação expressa, integrado nas chamadas garantias dos administrados, tem em vista assegurar a quem seja afectado nos seus direitos ou interesses, o direito de conhecer as razões que terão determinado a adopção da decisão administrativa que lhe diz respeito.
A jurisprudência e a doutrina têm consagrado o entendimento de que um acto se encontra suficientemente fundamentado quando dele é possível extrair qual o percurso cognoscitivo seguido pelo agente para a sua prática – cfr., entre muitos outros, o acórdão do STA, de 23/05/2012, proferido no âmbito do recurso n.º 0870/11. Ponto é, portanto, que a fundamentação responda, às necessidades de esclarecimento do contribuinte, informando-o do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto de liquidação, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática.
Acresce transcrever o julgado no acórdão do STA, de 11/12/2007, no âmbito do recurso n.º 615/04, «(…) o grau de fundamentação há-de ser o adequado ao tipo concreto do acto e das circunstâncias em que o mesmo foi praticado, de molde a satisfazer a divergência existente entre a posição da Administração Fiscal e a do contribuinte».
E, o vício da falta de fundamentação dos actos administrativos, como vem sendo salientado pela doutrina e pela jurisprudência, é de natureza formal e não substancial, enfermando o acto de falta ou insuficiência de fundamentação quando não externa de modo claro, suficiente e congruente, as razões de facto e de direito que o determinaram e o seu sentido decisório.
Do que prescreve o artigo 77.º, n.º 1 da LGT decorre que a fundamentação do acto tributário pode basear-se em várias peças do processo administrativo; posto é que elas sejam expressamente identificadas.
No caso dos autos, como bem alerta a Recorrente, o tribunal recorrido somente considerou a motivação constante no relatório de inspecção tributária, tendo ignorado a decisão do pedido de revisão. De todo o modo, o tribunal “a quo” centrou-se unicamente no critério adoptado para quantificar a matéria tributável, tendo julgado que o mesmo não se apresentava suficientemente fundamentado nos seguintes termos:
“(…) Do que se observa do relatório de inspeção que origina as liquidações impugnadas, ali é referido que “O Apuramento dos ovos produzidos pelas galinhas omitidas (tendo por base os dados técnicos da internet.
Desde logo não traz ao conhecimento os dados técnicos utilizados e a sua adequabilidade à estrutura produtiva da impugnante, o que não permite aquilatar, desde logo, da correção da metodologia adotada no relatório.
Depois e ainda quanto à produção e venda de ovos, o relatório de inspeção é omisso quanto às perdas resultantes das quebras, perda de peso dos ovos.
Por outro lado, quanto à determinação da realização resultante da venda de galinhas, não considera ou, pelo menos não indica se considerou e em caso afirmativo em que medida os custos, se eles seriam ou não consideráveis, como alimentação das galinhas, pessoal, água, medicamentos, entre outros.
E mesmo que se pudesse considerar que tais custos já se encontram refletidos nos valores apurados nas vendas das galinhas, por conhecer fica, então, em que medida tais custos influenciaram o preço de venda determinado no relatório de inspeção.
Não se vislumbrando, pois, fundamento suficiente para se concluir no relatório, inspetivo, como se conclui, pelas omissões aí tratadas, isto porque seria bem mais avisado que a inspeção tributária melhor explicasse o seu raciocínio, a metodologia utilizada e o porquê de não considerar o que anteriormente fica referido.
Logo, terá que se concluir que a metodologia ou critérios utilizados não espelham um critério de quantificação consentâneo com a capacidade contributiva da impugnante, carecendo, assim, de fundamentação os critérios e a quantificação adotados.
E os quadros/tabelas elaborados pela Administração Tributária, não são suficientes para fundamentar o critério utilizado para quantificar a matéria coletável do Impugnante.
De facto, a Administração Tributária, tinha que explicar porque razão não considerou a perda de por quebra e perda de peso dos ovos, os custos coma manutenção das galinhas e consequentemente da produção e em face do exposto fica por se entender em que medida os critérios adotados não são os mais consentâneos com a atividade da impugnante, pois, na parte da quantificação, recai sobre a AT o ónus não só de indicar, como também de fundamentar os critérios utilizados, levando em consideração os fatores que possam influir na definição desses critérios e consequentemente na determinação da matéria tributável por métodos indiretos, tendo o volume da matéria coletável presumida, obrigatoriamente, de assentar em dados objetivos, racionais e fundamentados, ou seja, em dados aptos a inferir os factos tributários, e não meras hipóteses abstratas, suspeitas ou suposições.
É inquestionável que, a Administração Tributária na fundamentação deverá explanar as operações de apuramento da matéria tributável, ou seja, qual o critério utilizado na determinação da matéria tributável, neles introduzindo as variáveis aptas à obtenção da real capacidade tributária do sujeito passivo, explicando os motivos pelos quais no recurso a regras de experiência comum tomou as opções escolhidas, de forma a permitir a perceção das mesmas a um destinatário comum que vá ser confrontado com o Relatório de Inspeção.
Dito por outras palavras, para cumprir o dever de fundamentação que sobre si impende, não basta à Administração Tributária referir o critério que utilizou, tem ainda de enunciar os elementos que permitam ao contribuinte e ao Tribunal, ficar a conhecer o processo lógico subjacente ao mesmo para que possa sindicar a validade do mesmo. Como se referiu supra, um dos objetivos do dever de fundamentação é a defesa do contribuinte, na medida em que a fundamentação é indispensável para que o contribuinte que não concorde com o ato o possa contestar.
Ora, no caso em apreço, conforme supra exposto não foi o que aconteceu. A avaliação indireta é a ultima ratio fisci e exige uma cuidada fundamentação quanto à opção pela sua utilização e, também, quanto à quantificação da matéria coletável. A Administração Tributária não desvendou o raciocínio que está subjacente à determinação do montante supra referido, não permitindo ao contribuinte contestá-lo, nem ao Tribunal sindicá-lo.
Não se verifica assim, que o critério da quantificação da matéria coletável esteja devidamente fundamentado e consequentemente o cálculo da matéria tributável da impugnante, procedendo o vício de falta de fundamentação. (…)”
Avançando para esta única questão apreciada na sentença recorrida, observa-se que está concretizado o modo de determinação da matéria colectável, identificado o critério utilizado, bem como as normas legais que o prevêem, especificando e demonstrando a forma do respectivo cálculo (cfr. ponto V do relatório final de inspecção tributária):
“(…) Face ao referido no capítulo anterior, donde resultou a impossibilidade de comprovação directa e exacta da matéria tributável bem como do volume de negócios declarado para efeitos de IRC, propõe-se a sua determinação da base tributável por métodos indirectos (alínea b) do artigo 87° e alínea a) do artigo 88° da LGT e artigo 84° do CIVA), cujos critérios de cálculos seguidamente se apresentam, em cumprimento do disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 90° da LGT.
Na impossibilidade de se obter através da contabilidade e também porque os dados fornecidos pelo s.p. não têm consistência, conforme demonstrado nos pontos anteriores. Foram obtidos através da internet dados técnicos referentes ao tipo de galinha evidenciado na contabilidade (galinha Lohmann Brown), que foram utilizados nos cálculos efectuados.
5.1 - Critérios
5.1.1- Ano de 2000
Conforme já explanada no capítulo anterior, apenas em Dezembro de 2000 é relevado na contabilidade a compras de galinhas: 15000 com um dia e 9985 com 17 semanas.
Conforme mapa em anexo IX consta evidenciado o consumo de ração, e no ponto anterior a venda de ovos a partir do mês de Setembro, donde se conclui a omissão de compra de galinhas neste mês, cuja quantidade será apurada da seguinte forma:
foi apurado o consumo total de ração;
foi determinado o consumo total de ração das galinhas contabilizadas em função da idade e nº de dias de permanência desde a data da compra até 31/12;
foi considerado o consumo médio diário por galinha de 115 gramas (dados recolhidos na internet anexo XI);
ao consumo total de ração foi deduzido o consumo total de ração das galinhas contabilizadas, que dividido pelo consumo diário médio se obtém o total de galinhas omitidas (quantidade estimada);
a quantidade estimada de galinhas omitidas, foi valorizada com base no preço de compras da galinhas contabilizadas com 17 semanas, que, dado terem sido vendidas em 2002 serão consideradas em existências até à sua venda. Sendo apenas reconhecido o custo neste exercício (2002);
dado o início de postura em Setembro considerou-se que a idade das galinhas omitidas é de 21 semanas;
relativamente à produção de ovos foram utilizados também os dados técnicos para determinação da postura da galinha alojada.
(…)
5.2 - Cálculos
5.2.1- Ano de 2000
Consumo total de ração - 365964kg.
Determinação do consumo das galinhas contabilizadas.
      Galinhas
      Idade
      Data aquisição
      Dias ano Consumo (a)
      Consumo médio ração
      Total (c)
      9985
      17 semanas
      5/12
      27 dias
      54,29gr(b)
      14636,31 kg
      15000
      1 dia
      19/10
      74 dias
      54,29gr(b)
      60261,90kg
      Total
      74898, 21kg
Notas. a) Penado entre a data de aquisição e 31 /12 .
b) Da 1° à 20° semana o consumo médio por galinha é de 7,60kg, a que corresponde o consumo médio por dia de 54,29gr (conforme elementos técnicos recolhidos e em anexo XI)
c) Consumo total = n° galinhas x dias consumo x consumo médio diário
Diferença entre o consumo total de ração e consumo das galinhas determinado no quadro anterior.
      Consumo total de ração
      Consumo quadro anterior
      Diferença
      365964Kg
      122dias
      291065,79Kg
Determinação da quantidade das galinhas omitidas
      Consumo ração (a)
      Dias ano Consumo (b)
      Consumo diário (c)
      Galinhas =((a/b)) c Em unidades
      291065,79kg
      122 dias
      115gr
      20746
Apuramento dos ovos produzidos pelas galinhas omitidas (tendo por base os dados técnicos da internet), considerou-se a idade das galinhas de 21, dado o início de postura em Setembro.
      Bando
      Idade das galinhas em 31/12
      Total ovos produzidos
      20746
      39 semanas
      110
As galinhas contabilizadas atingem a idade de postura no ano seguinte: o bando das 9985 em Janeiro e o bando de 15000 em Abril. (…)”
Determina o n.º 4 do artigo 77.º da LGT, para o que aqui importa, que a decisão da tributação pelos métodos indirectos especificará os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directas e exacta da matéria tributável e bem assim indicará os critérios utilizados na avaliação da matéria tributável, exigências estas, do ponto de vista estritamente formal, satisfatoriamente cumpridas no relatório de inspecção, sendo claro e esclarecedor o motivo do recurso a tais métodos (cfr. o ponto IV do relatório inspectivo) e bem assim o critério eleito para a avaliação indirecta e a forma como se determinaram os valores corrigidos (cfr. o ponto V do referido relatório).
O critério eleito pela AT para proceder à avaliação indirecta da matéria tributável – descrito e concretizado no ponto V do relatório da inspecção e transcrito no ponto 3 do probatório fixado – resulta, conforme fundamentação, do cumprimento do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 90.º da LGT, tendo por base dados recolhidos na internet referentes ao tipo de galinha evidenciado na contabilidade da impugnante (galinha Lohmann Brown) e que se encontram totalmente disponíveis no Anexo XI ao relatório inspectivo, a fls. 94 a 96 do processo administrativo apenso.
Nesta conformidade, não é correcto afirmar, como o efectuou o Meritíssimo Juiz “a quo”, que a AT não trouxe ao conhecimento os dados técnicos utilizados, pois os mesmos constam do Anexo XI.
Entendemos que o “método presuntivo eleito” se mostra fundamentado em factos concretamente apurados, não estando a Administração Tributária impedida de a ele recorrer, pois que nada impede que a Administração conjugue vários dos “elementos” que a lei indica que “poderá ter em conta” na avaliação indirecta, pois que lhe cabe, dentro dos limites da lei, eleger o critério que repute mais adequado à determinação da matéria tributável, cabendo ao Tribunal verificar a sua correcta interpretação e aplicação em caso de litígio entre a Administração Tributária e o sujeito passivo (cfr. ANA PAULA DOURADO, «Manifestações de Fortuna», in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano II, n.º 4 (Inverno), p. 278) – cfr. Acórdão do STA, de 05/12/2012, proferido no âmbito do processo n.º 0477/12.
Por outro lado, o facto, referido na sentença recorrida, de o relatório de inspecção ser omisso quanto às perdas resultantes das quebras, perda de peso dos ovos e quanto à falta de indicação dos custos, como alimentação das galinhas, pessoal, águas, medicamentos, entre outros, poderá contender com o erro na quantificação, mas não com falta de fundamentação, pois os dados técnicos referidos na internet foram conjugados com os elementos conhecidos, ficando claro como foram realizados os cálculos.
Não obstante, lembramos que, do ponto de vista do erro na quantificação, as insuficiências no método são sempre substanciais, isto é, devem evidenciar um excesso de quantificação. Logo, não é pelo facto de no método de quantificação não se levar em conta este ou aquele item que fica demonstrado o erro na quantificação, a não ser que resulte daí ipso facto que os resultados apurados sejam excessivos.
Importa, por isso, que o sujeito passivo venha ao processo demonstrar a interferência sensível destes factores no resultado da quantificação.
E a Recorrida tentou realizar esta prova, atacando, ponto por ponto, os elementos factuais que serviram de base ao critério adoptado, demonstrando que o compreendeu:
Efectivamente, insurgiu-se contra o facto de a AT não ter considerado qualquer montante para desperdícios, sabendo-se que os ovos são produtos naturais, perecíveis, que se partem e, quando saem das posturas, nem todos reúnem as condições para serem embalados e vendidos (cfr. artigo 93.º da petição inicial); nem considerou qualquer percentagem para mortandades (cfr. artigo 62.º do mesmo articulado).
Afirmou, expressamente, que o critério utilizado pela AT para determinar a omissão de compra de galinhas está errado e é viciado (cfr. artigo 54.º da petição inicial), pois o número de galinhas existente na exploração em condições de realizarem posturas de ovos em Setembro de 2000 é de 22.750 galinhas que foram adquiridas em 24/05/2000 pela F..., Lda. à firma M..., Avícola Internacional, Lda., conforme consta da escrita comercial e fiscal (cfr. artigo 55.º da petição inicial).
Invocou, ainda, que o teste que a administração tributária fez ao consumo de ração está errado e viciado, já que não existe uma relação directa entre a adquisição das matérias-primas, a sua transformação e/ou consumo, pois o impugnante tem silos onde armazena tanto as matérias-primas como a ração produzida (cfr. artigos 56.º e 57.º da petição inicial).
Alegou, também, que as primeiras galinhas não são da estirpe dos dados técnicos (“Hitos de Producción Lhomann Brown 1991”) – cfr. artigo 59.º da petição inicial – que o consumo médio diário por galinha de 115 gramas é errado porque este valor ocorre no período de produção – cfr. artigo 60.º da petição inicial – e que o consumo médio por galinha não é de 7,600 kg, mas antes vai até 8,000 Kg para as galinhas com idade até às 20 semanas de vida – cfr. artigo 61.º da petição inicial.
Insurgiu-se, também, contra a idade das galinhas (cfr. artigos 63.º a 66.º da petição inicial), afirmando existir contradição entre o critério utilizado pela AT para proceder a valorização das galinhas de 17 semanas e a idade que depois lhe atribui, 21 semanas, já que a postura de ovos se iniciou no mês de Setembro (cfr. artigo 68.º do mesmo articulado).
Toda esta alegação é demonstrativa de que a impugnante/Recorrida bem entendeu o critério de quantificação adoptado, somente não concorda com ele, por levar a um excesso de quantificação da matéria tributável no seu caso concreto.
A sentença recorrida também motiva a sua conclusão de verificação do vício de falta de fundamentação no facto de a AT não ter trazido ao conhecimento a adequabilidade dos dados técnicos utilizados à estrutura produtiva da impugnante, não permitindo, por isso, aquilatar a correcção da metodologia adoptada no relatório.
Embora, no Capítulo V do relatório de inspecção, se tenha enunciado e especificado os critérios de quantificação da matéria tributável em termos precisos e sem qualquer obscuridade, é verdade que a AT não dá a conhecer os pressupostos em que terão assentado os mencionados dados técnicos. Tal poderá contender com a suficiência da fundamentação, dado que, com essa informação omitida se poderia aferir, com outra facilidade, acerca da fiabilidade e adequação dos critérios utilizados nos cálculos efectuados.
No fundo, tudo passa por saber se a especificação das condições concretas de exploração que estão subjacentes ao modelo técnico de produção de ovos elegido pela AT como critério de quantificação tinha ou não de integrar a fundamentação do acto.
Em tese, tal afigura-se-nos relevante, dado que a indicação dos pressupostos e das condições subjacentes aos dados técnicos acolhidos permitiriam melhor sindicar a correcção do critério eleito para a situação concreta, observando de forma mais imediata o paralelismo das situações.
Contudo, a posição assumida pela ora Recorrida na sua impugnação permite-nos um recuo, dado daí transparecer que entende tais dados técnicos como a regra, a situação-tipo, em circunstâncias normais e ideais, como se fosse equiparável a uma “média”.
Realmente, a impugnante acrescentou na sua petição inicial que a produção de ovos utilizada pela AT se refere a dados teóricos fornecidos pelos produtores de galinhas, a qual só é possível alcançar-se em condições ideais quer de alimentação quer de alojamento, condições que a exploração da impugnante não reúne, pelo que as produções reais de ovos alcançadas, na óptica da Recorrida, se afastam significativamente das produções teóricas anunciadas, pois os pavilhões da impugnante, antes de serem reconvertidos estavam afectos à pecuária, cobertos em lusalite, sem ar forçado ou sistema de aquecimento/refrigeração, o que faz com que o ambiente vivido no seu interior seja demasiado quente no Verão e demasiado frio no Inverno, condicionando fortemente o desempenho das galinhas poedeiras.
Julgamos, assim, que o método adoptado pela AT para a determinação da matéria tributável por métodos indirectos é inteligível (e foi compreensível para a impugnante), não ocorrendo, pois, vício de falta de fundamentação do acto, tanto mais que não impediu o contribuinte de alegar eventual resultado excessivo.
Com efeito, a Recorrida alegou o impacto das condições concretas de exploração (aí se incluindo a quebra associada ao sistema de recolha de ovos do local das posturas) no desvio dos resultados da actividade face a condições ideais de exploração, apesar de não o ter minimamente concretizado, mas sempre tendo em vista possibilitar a verificação do afastamento significativo dos resultados apurados pela AT face à sua realidade.
Reiteramos, então, que mesmo que o critério eleito possa conduzir a um excesso na quantificação da matéria colectável apurada, o certo é que cabe ao contribuinte o ónus da prova do excesso da quantificação (cfr. a parte final do n.º 3 do artigo 74.º da LGT).
Nesta conformidade, a sentença recorrida, que diferentemente decidiu, incorreu, pois, em erro de julgamento não podendo manter-se na ordem jurídica, assim se concedendo provimento ao recurso.

Passando, agora, ao conhecimento das questões cujo conhecimento a sentença deu por prejudicado (artigo 665.º, n.º2 do CPC), começaremos pela ilegalidade da decisão de fixação da matéria tributável por violação do disposto no n.º 7 do artigo 92.º da LGT, dado que a decisão da matéria de facto não permite um conhecimento cabal do alegado erro na quantificação da matéria tributável.
Sobre esta questão já este tribunal, no passado dia 29/06/2017, no âmbito do processo n.º 1054/05.9BEVIS, se pronunciou de forma favorável à impugnante; estando em causa o mesmo relatório de inspecção tributária, a mesma decisão de fixação da matéria tributária, mas respeitante a liquidação de IRC do exercício de 2001, enquanto que os presentes autos respeitam ao exercício do ano 2000.
Em função da sua semelhança em relação ao caso sub judice e por economia de meios, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito (cfr. artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil), cabe ter presente o exposto no mencionado Acórdão deste Tribunal de 29/06/2017, Processo n.º 1054/05.9BEVIS, que se debruçou precisamente sobre a ilegalidade da decisão de fixação da matéria tributável por violação do disposto no n.º 7 do artigo 92.º da LGT, nos termos que passamos a transcrever:
“(…) Alega a impugnante que a decisão proferida pelo Sr. Director de Finanças de Viseu no procedimento de revisão mostra-se inquinada do vício de violação de lei por infracção ao disposto no n.º 7 do art.º92.º da LGT, já que, não fundamenta de forma expressa, concreta e objectiva quais os motivos que o levaram à rejeição total do parecer do Perito Independente e, outrossim, nem expressa concreta e objectivamente os motivos inscritos pelos peritos independente e do contribuinte.
Dispõe o art.º92.º da LGT:
«1 - O procedimento de revisão da matéria colectável assenta num debate contraditório entre o perito indicado pelo contribuinte e o perito da administração tributária, com a participação do perito independente, quando houver, e visa o estabelecimento de um acordo, nos termos da lei, quanto ao valor da matéria tributável a considerar para efeitos de liquidação.
2 - O procedimento é conduzido pelo perito da administração tributária e deve ser concluído no prazo de 30 dias contados do seu início, dispondo o perito do contribuinte de direito de acesso a todos os elementos que tenham fundamentado o pedido de revisão.
3 - Havendo acordo entre os peritos nos termos da presente subsecção, o tributo será liquidado com base na matéria tributável acordada.
4 - O acordo deverá, em caso de alteração da matéria inicialmente fixada, fundamentar a nova matéria tributável encontrada.
5 - Em caso de acordo, a administração tributária não pode alterar a matéria tributável acordada, salvo em caso de trânsito em julgado de crime de fraude fiscal envolvendo os elementos que serviram de base à sua quantificação, considerando-se então suspenso o prazo de caducidade no período entre o acordo e a decisão judicial.
6 - Na falta de acordo no prazo estabelecido no n.º 2, o órgão competente para a fixação da matéria tributável resolverá, de acordo com o seu prudente juízo, tendo em conta as posições de ambos os peritos.
7 - Se intervier perito independente, a decisão deve obrigatoriamente fundamentar a adesão ou rejeição, total ou parcial, do seu parecer.
8 - No caso de o parecer do perito independente ser conforme ao do perito do contribuinte e a administração tributária resolver em sentido diferente, a reclamação graciosa ou impugnação judicial têm efeito suspensivo, independentemente da prestação de garantia quanto à parte da liquidação controvertida em que aqueles peritos estiveram de acordo»
Como decorre do n.º 7, à posição assumida pelo perito independente é atribuído um especial relevo, derivado da posição de isenção que assume no procedimento de revisão, pelo que a não aceitação na decisão da posição por ele assumida tem de ser obrigatoriamente fundamentada – vd. Leite de Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, “Lei Geral Tributária”, Encontro de Escrita, 4.ª ed., 2012, a pág.815.
Também o STA tem vindo a entender que «Nas situações em que o perito independente intervém no procedimento de revisão da matéria tributável (artigo 91.º, n.º 4, da LGT) e não há acordo na Comissão quanto ao valor da matéria tributável a considerar para efeitos de liquidação, a lei pretende que haja uma particular ponderação e reflexão sobre a posição assumida por esse perito, obrigando, para o efeito, a um acrescido dever de fundamentação da decisão de fixação da matéria tributável, pela enunciação das razões que levaram à adesão ou rejeição, total ou parcial, do seu parecer, independentemente do seu conteúdo (artigo 92.º, n.º 7, da LGT).
Não constando da decisão de fixação da matéria tributável a fundamentação da rejeição do parecer do perito independente, em violação do disposto no n.º 7 do artigo 92.º da LGT, ocorre vício que inquina a legalidade desse acto e de todos os actos consequentes, incluindo o de liquidação» - vd. Ac. de 30/11/2010, proferido no proc.º0512/10 e, na mesma linha decisória, o anterior Ac. de 13/10/2010, proferido no proc.º0511/10.
No caso em apreço e como se alcança do probatório e dos autos, o perito independente teve intervenção no procedimento de revisão e elaborou o extenso parecer junto aos autos a fls.31 do PA [aqui fls. 23 a 28 do PA].
Ora, da decisão de fixação da matéria tributável a fls. 56 do PA [nestes autos, fls. 18 e 18 verso do PA], cujo teor é reproduzido no ponto K) da matéria assente no probatório [aqui ponto 12 aditado à decisão da matéria de facto], consta como única referência ao parecer do perito independente, a seguinte:
«Relativamente ao parecer do Perito Independente vai no sentido de que se encontra “suficientemente evidenciada e comprovada pela AT a verificação dos pressupostos da aplicação dos métodos indirectos de determinação da matéria tributável”, mas que “…o lucro assim avaliado indirectamente não deverá afastar-se em percentagem sobre as vendas, sem justificação, do rácio respectivo para o sector, região e período…”».
Claro está que na transcrita referência não se pode encontrar a fundamentação da decisão de rejeição do parecer do perito independente. O que se encontra nessa referência não chega, sequer, a ser a síntese daquilo que foi sustentado pelo perito independente no seu extenso e denso parecer, em que expressa reservas ao critério de quantificação e sugere critérios alternativos, a seu ver, mais ajustados à realidade do contribuinte.
Como vimos, sendo requerida, por qualquer das partes (cf. n.º 4 do art.º91.º da LGT), a intervenção de perito independente e intervindo este, na falta de acordo na comissão de revisão impõe a lei não apenas que a sua posição seja tida em conta, como dispõe relativamente às posições dos peritos das partes (cf. n.º6 do art.º92.º da LGT), mas que seja obrigatoriamente fundamentada a adesão ou rejeição, total ou parcial, do seu parecer.
Não se encontrando na decisão de fixação da matéria tributável a fundamentação da decisão de rejeição do parecer do perito independente, em termos explícitos ou implícitos, mostra-se violado o disposto no n.º 7 do art.º92.º da Lei Geral Tributária, sendo de anular a decisão de fixação da matéria tributável e os actos consequentes dessa decisão, incluindo o acto de liquidação impugnado. (…)”
Transpondo para os presentes autos, forçoso é, igualmente, julgar a impugnação judicial procedente, anular a decisão de fixação da matéria tributável e os actos consequentes dessa decisão, incluindo o acto de liquidação de IRC, juros compensatórios e juros de mora, referente ao exercício do ano 2000.
Fica, por isso, prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas na impugnação judicial.

Conclusões/Sumário

I – Só ocorre a nulidade da sentença, por falta de fundamentação de facto e/ou de direito, quando essa falta seja absoluta.
II - Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação (artigo 74.º, n.º 3 da LGT).
III - No domínio de utilização de métodos indirectos, a actuação da Administração Tributária não se limita à demonstração da ocorrência dos respectivos pressupostos, antes se lhe impõe que fundamente, ainda e também, os critérios de que venha a lançar mão na quantificação da matéria tributável. Contudo, do ponto de vista do erro na quantificação, as insuficiências no método são sempre substanciais, isto é, devem evidenciar um excesso de quantificação.
IV – Devemos entender que o “método presuntivo eleito” se mostra inteligível e fundamentado se o contribuinte o contestou cabalmente, não tendo o eventual vício de falta de fundamentação impedido o contribuinte de alegar o resultado excessivo.
V - Intervindo perito independente na Comissão de Revisão da matéria tributável, não havendo acordo nesta e elaborando o perito independente o seu parecer, importa que a decisão de fixação que venha a ser tomada nos termos do n.º 6 do artigo 92.º da LGT observe o disposto no n.º 7 do mesmo artigo – que impõe que a decisão que vier a ser tomada pela Administração Tributária deve obrigatoriamente fundamentar a adesão ou rejeição, total ou parcial, do seu parecer – sob pena de anulabilidade desta.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, conhecendo em substituição, julgar a impugnação judicial procedente e anular a liquidação de IRC/2000, juros compensatórios e juros de mora impugnada.
Custas somente em primeira instância a cargo da Fazenda Pública.
Porto, 13 de Julho de 2017
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Paula Moura Teixeira
Ass. Fernanda Esteves