Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00394/07.7BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/25/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Rosário Pais
Descritores:PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO; FATURAS FALSAS; SENTENÇA EM PROCESSO CRIME; ÓNUS DA PROVA
Sumário:I - É com a p.i. (ou com o articulado respetivo em que se aleguem os factos correspondentes) que deve ser junta toda a prova que for possível, mas poderá ser feita, posteriormente, a junção de documentos até ao encerramento da discussão da causa na instância.

II – Excecionalmente, podem ser apresentados documentos com as alegações de recurso, quando: (i) não tenham podido ser apresentados até ao termo do prazo para apresentação das alegações a que se refere o artigo 120.º do CPPT (encerramento da discussão da causa na 1.ª instância); (ii) se destinem a provar factos posteriores aos articulados ou a sua junção se tenha tornado necessária, por virtude de ocorrência posterior; (iii) a sua apresentação apenas se revele necessária devido ao julgamento proferido em 1ª instância.

III - Nos termos do n.º 1 do artigo 13.º do CPPT, incumbe aos juízes dos tribunais tributários a direção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer, sem que, contudo, se possa substituir às partes através da realização de prova que às mesmas compete produzir.

IV - A decisão proferida no processo crime não é relevante para o desfecho da impugnação da liquidação, sabendo-se que as exigências probatórias em processo crime são bem vincadas do que no processo judicial tributário e que não tem aqui a força de caso julgado ou, sequer, a autoridade de caso julgado, por inexistir relação de prejudicialidade do processo crime relativamente ao processo judicial tributário.

V - Estando em causa indícios de faturação falsa, a AT não tem que provar a falsidade das faturas, bastando-lhe demonstrar os indícios de falsidade e que estes são consistentes, sérios, credíveis e reveladores de que determinada operação comercial titulada por uma fatura não é real; feita essa prova, cabe ao contribuinte o ónus da prova da veracidade dessa transação.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:F., Lda
Recorrido 1:Fazenda Pública
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO

1.1. F., Lda., devidamente identificada nos autos, vem recorrer da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga em 11.11.2009, pela qual foi julgada improcedente a impugnação judicial das liquidações adicionais de IRC dos anos de 2001 e 2002, resultantes da desconsideração, como custos, de diversas faturas que a AT considerou não titularem efetivas operações económicas.

1.2. O Recorrente F., Lda. terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões:

«A) É objecto do presente recurso a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 23 de Novembro de 2009, que julgou improcedente a impugnação judicial relativa à liquidação adicional de IRC, referente aos exercícios de 2001 e 2002, e respectivos juros compensatórios, no montante global de € 61.106,75 (sessenta e um mil cento e seis Euros e setenta e cinco cêntimos).
B) Considera a Recorrente que a decisão que julgou improcedente a Impugnação Judicial, e que delimita o objecto do presente recurso, deverá ser revista, porquanto procedeu o Juiz a quo a uma errada apreciação da prova que tinha ao seu dispor nos autos, bem como a uma errada aplicação do Direito
C) No que se reporta à valoração da matéria de facto trazida aos presentes autos, cumpre antes de mais sublinhar que a decisão do Tribunal a quo assentou, exclusivamente, na consideração do Relatório de Inspecção Tributária. Tendo sido desconsiderada toda a prova, quer documental, quer testemunhal, apresentada pela Impugnante.
D) Designadamente, não foi considerada pelo Tribunal a quo a sentença junta pela Impugnante, proferida no Processo singular n.º 272/04.1, que correu termos no 1º Juízo Criminal de Vila Nova de Famalicão, na qual foi a Recorrente absolvida da prática de um crime fraude fiscal, com o argumento de que “não se mostra certificado o respectivo trânsito em julgado.
E) Nesta conformidade, procedeu o Tribunal a quo a uma errada valoração da prova, na medida em que não foram aplicados, como se imponha, os princípios da investigação, da descoberta da verdade material e, ainda, da verdade declarativa.
F) Porquanto, não se revelando bastante a prova produzida pelas partes, é dever do juiz ordenar que estas ou outras entidades procedam às diligências adequadas a uma melhor e mais clara formação da sua convicção, de modo a evitar situações em que, por certo facto não ser demonstrado pela parte sobre a qual recai o ónus da prova de modo suficientemente claro, seja a decisão fundada na insuficiência da prova, ainda que o contrário não haja sido demonstrado, sem que antes sejam requeridas quaisquer diligências ao abrigo do art. 13.º do CPPT.
G) Nesta conformidade, não compreende a Recorrente, nem tão pouco pode aceitar, a desconsideração pelo Juiz a quo da sentença proferida no Processo singular n.º 272/04.1, que absolveu a Recorrente da prática de um crime fraude fiscal, só porque não se mostra certificado o respectivo trânsito em julgado.
H) Pois, sempre recaía sobre o Juiz o poder-dever de lançar mão dos mecanismos previstos nos arts. 99.º da LGT e 13.º do CPPT.
I) Todavia, o Tribunal a quo optou não só por seguir a via mais cómoda, mas também a via errada e, sem mais delongas, desconsiderar um documento de extrema relevância para a decisão da causa.
J) Note-se que, quer as partes envolvidas no referido processo-crime, quer a matéria factual aí submetida a julgamento, encontra-se intrinsecamente relacionada com a matéria dos presentes autos com o é possível constatar pelo teor da sentença proferida em sede criminal.
K) Deste modo, realizada audiência de julgamento em sede criminal, destacam-se, com relevância para apreciação do presente recurso, os seguintes factos CONSIDERADOS COMO NÃO PROVADOS:
6. Que em data que não foi possível precisar, mas no período compreendido entre os anos de 2000 e 2002, nesta comarca, todos os arguidos acima referidos, de comum acordo, decidiram fabricar e utilizar facturas fictícias e falsas com vista a obter da Fazenda Nacional vantagens fiscais e retenções indevidas de impostos, à custa do erário público, dos contribuintes e do Estado.
7. Que em execução do plano que haviam delineado e em obediência ao mesmo desígnio criminoso comum, os arguidos S., R., F. emitiram e passaram a favor do arguido F., com quem se conluiaram, diversas facturas que espelhavam prestações de serviço simuladas relativas à fabricação de máquinas, transacções ou vendas não ocorridas, pelo que foram, indevidamente, considerados os seguintes custos:
1 –No ano de 2000, o montante de e 104 193,89;
2 –No ano de 2001, o montante de e 55 543,04;
3 – No ano de 2002, o montante de e 102 100,17.
8. Que em conformidade com o exposto, a sociedade “F. Lda.”, deduziu, indevidamente, o IVA constante das referidas facturas(...).
8. (...) tais documentos eram facturas com conteúdo falso e fictício, dado que não correspondiam a qualquer transacção comercial ou prestação de serviços efectivamente ocorrida, designadamente construção de máquinas, ou qualquer outra prestação.
10 Que no entanto, uma vez na posse das facturas, que sabiam ser falsas, os arguidos, na execução do plano traçado, e apesar de saberem que não eram verdadeiras, fizeram-nas constar da respectiva escrita e contabilidade da empresa pertencente ao arguido F., registando-as e apresentando-as à Administração Fiscal, para efeitos de declaração de IVA correspondente.
11. (...) não só tais valores não correspondem a custos fiscais, como a administração fiscal teve que proceder ao apuramento do lucro tributável (...).
12. Que com o plano que se acaba de descrever, visavam os arguidos obter vantagens patrimoniais através da dedução indevida de IVA, apropriando-se dos valores deste imposto, constantes das facturas acima descritas.
L) Decorre ainda da motivação da sentença proferida em instância criminal o seguinte: “... se quanto à prova documental existem nos autos inúmeras cópias de cheques e recibos alusivos a pagamentos efectuados pela F., o que só se compreende se os serviços tiverem sido efectivamente prestados, por outro lado, a única testemunha inquirida, inspectora tributária que fez a inspecção à F. Lda., depôs de forma absolutamente genérica, sem saber alicerçar a conclusão a que chegou, na sequência de uma denúncia de outra repartição de finanças: a de que todos os negócios espelhados nas facturas referentes às entidades em causa eram simulados, aderindo assim acriticamente ao que lhe noticiaram, sem saber identificar quais as facturas que retratavam negócios simulados, o que se impunha, tanto mais que segundo a testemunha referiu, as empresas em causa exerciam de facto actividade, sendo ademais absolutamente subjectivo o critério apresentado de que os valores apresentados eram elevados em relação à capacidade das empresas.” (sublinhado nosso)
M) Posto isto, verificamos que no caso ora em apreço, o Tribunal a quo, ao valorar apenas o Relatório de Inspecção Tributária, limitou-se a entender que as afirmações e as correcções efectuadas pela Administração Fiscal gozavam de uma presunção de veracidade que caberia à Recorrente ilidir, não cuidando de analisar se a fundamentação se mostrava capaz de as sustentar. Abstendo, inclusive, de analisar e se pronunciar sobre os documentos juntos pela Impugnante.
N) Assim, de tudo quanto acima se expôs é possível concluir pela violação dos princípios da oficialidade e da investigação pelo Tribunal a quo, pelo que deverão V. Exas. proceder à anulação dos termos subsequentes a essa omissão, incluindo a própria decisão recorrida.
O) Acresce que, para além do Tribunal a quo não considerar a aludida sentença e os demais documentos juntos pela Impugnante, verifica-se uma errada valoração da prova atendida.
P) Veja-se que, relativamente à Recorrente, nenhum dos factos que lhe são apontados pela Administração Fiscal, permite concluir que as transacções comerciais que manteve com os contribuintes S., S. Lda., e F. Lda. foram simuladas
Q) Resulta apenas que, de facto, manteve transacções comerciais com aqueles contribuintes; que as pagou com cheque ou dinheiro; e que o descritivo das facturas era sempre semelhante, e que por vezes era dactilografado e outras aposto manualmente.
R) Por outro lado, note-se que o significado da expressão utilizada pela Administração Fiscal – “extrapolando” – reproduz fielmente naquilo em que se traduz o Relatório de Inspecção Tributária e toda a prova atendida pelo Tribunal a quo.
S) Extrapolar - significa tirar uma conclusão com base em dados reduzidos ou limitados; generalizar a partir de dados fragmentários; aplicar algo a outro domínio para então inferir possibilidades ou hipóteses.
T) Assim sendo, como é, e se bem entendemos o raciocínio da Administração Fiscal, e do Tribunal a quo, a conclusão de indícios reveladores da existência de facturação que tem por base negócios simulados, consubstanciando condutas ilegítimas que visam a obtenção de vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem a diminuição das receitas tributárias, resulta do facto de os três contribuintes acima mencionados nunca terem pago IVA, enviarem declarações de IVA com valores muito baixos face aos das facturas, revelarem incapacidade de sustentar um nível de actividade elevado, e no facto de terem afirmado que o seu elevado volume de facturação não titulava qualquer transacção, que lhe era solicitado a troco do pagamento do IVA, e que relativamente aos cheques dos clientes os levantavam e devolviam a diferença.
U) Isto é, a conclusão da Administração Fiscal e do Juiz a quo, nos presentes autos, assentou, apenas e só, nas irregularidades verificadas nos contribuintes S., S. Lda., e F. Lda. e na afirmação das pessoas que praticavam as irregularidades, de natureza contabilística, fiscal e outras.
V) Acresce que, refere a Administração Fiscal que as facturas emitidas pelos citados contribuintes titulam operações simuladas, só que não identifica quais as facturas a que se refere.
W) Note-se que, nunca a Administração Fiscal pôs em causa a existência de actividade pelos contribuintes S., S. Lda., e F. Lda. Tendo apenas lançado a dúvida quanto à sua capacidade para sustentar um nível de actividade tão elevado, atendendo aos recursos técnicos e humanos disponíveis.
X) Assim sendo, nunca poderia a Administração Fiscal extrapolar da parte para o todo. Ou seja, o simples facto de os contribuintes terem afirmado que cometeram irregularidades, referindo que as facturas que emitiram titulam operações simuladas, não quer significar que todas as transacções por ele efectuadas, sem excepção, são operações simuladas.
Y) Pois, de facto não o são. Aqueles contribuintes não só exerciam actividade como, efectivamente, estabeleceram transacções comerciais com a aqui Recorrente, como decorre de toda a documentação junta aos autos e da prova testemunhal produzida.
Z) Nesta conformidade, teria a Administração Fiscal de cuidar quais as facturas que não titulavam operações efectivamente realizadas. Todavia, tratou tudo de forma igual.
AA) Por outro lado, indiciou a Administração Fiscal que os preços praticados eram elevados, mas também neste caso não especificou quais as facturas em causa e qual a comparação realizada.
BB) De facto, tal como refere a sentença proferida em sede criminal, “as empresas em causa exerciam de facto actividade, sendo ademais absolutamente subjectivo o critério apresentado de que os valores apresentados eram elevados em relação à capacidade das empresas.” (sublinhado nosso).
CC) Ora, aceitar-se que estas premissas permitam validar correcções como as que aqui estão em causa seria introduzir uma elevada incerteza nas operações económicas. E se é certo que não é necessário que a Administração Fiscal realize a prova que os preços não correspondem aos efectivamente praticados, não é menos verdade que terá de alicerçar a sua fundamentação na existência de indícios sérios e objectivos que permitam concluir pela simulação dos preços praticados e das operações realizadas.
DD) E foi essa demonstração que a Administração Fiscal não fez. Limitando-se, antes, a emitir juízos generalistas, acríticos e sem qualquer sustentação factual firme e fundamentada.
EE) Veja-se, que a Administração Fiscal não põe em causa a realização de actividade pelos contribuintes, não estabelece qualquer comparação entre os valores pagos pela Impugnante e os valores normais de mercado para operações com esta natureza, assim como não apresenta qualquer indício que permita demonstrar que parte dos valores entregues pela Recorrente voltou à sua esfera jurídica.
FF) E, ainda que fosse dado como certo que os valores relativos ao pagamento das facturas em causa saíram da sociedade Recorrente e não foram registados no contribuinte, a declaração dos contribuintes S., S. Lda., e F. Lda., por si só, não permite legitimar a conclusão que voltaram a dar entrada na empresa que adquiriu os serviços.
GG) Posto isto, impunha-se outro tipo de análise, que permitisse confirmar ou infirmar as declarações daquele contribuinte que esses valores foram novamente entregues às sociedades com quem contratavam.
HH) Não tendo a Administração Fiscal justificado a conclusão que o preço das facturas é simulado o acto não se encontra devidamente fundamentado. Pelo que deve ser considerada ilegal a liquidação adicional realizada.
II) Assim, pelas razões expostas verifica-se uma errada valoração da prova por parte do Tribunal a quo uma vez que os factos descritos no Relatório de Inspecção Tributária não permitem, por si só, concluir que as transacções efectuadas entre aqueles contribuintes e a Recorrente titulavam operações simuladas.
JJ) Antes permite verificar que os três contribuintes citados cometeram irregularidades fiscais, contabilísticas e outras. Todavia, não poderá a Recorrente ser prejudicada só pelo simples facto de ter tido a má sorte de ter mantido relações comerciais com os referidos contribuintes. Tanto mais que a Recorrente desconhecia, nem tinha como evitar, a prática de todas as irregularidades apontadas àqueles contribuintes.
KK) Acresce que, a sentença recorrida padece de uma errada aplicação do Direito ao caso em apreço, porquanto o artigo 23.º do Código do IRC não permite fundamentar o acto de liquidação impugnado.
LL) O artigo 23.º dá-nos a noção de custo para efeitos fiscais, enumerando, a título exemplificativo, as situações que podem constituir custos ou perdas do exercício, definindo como critério essencial que sejam indispensáveis para a realização de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para manutenção da fonte produtora.
MM) A regra estabelecida no IRC é a de que os custos registados contabilisticamente são dedutíveis, só assim se dando cumprimento ao imperativo constitucional de tributação do rendimento real.
NN) Existem, no entanto, e como é sabido, determinados custos aceitáveis do ponto de vista contabilístico que não relevam do ponto de vista fiscal.
OO) Foram apontados quatro motivos concretos de desconsideração ou não dedutibilidade de certos custos: (i) motivos de cariz técnico-prático; (ii) exigência de separação entre o património societário e o património pessoal dos sócios; (iii) a veia ética do Direito Tributário e por último (iv) as exigências formais que o princípio da documentação comunica ao Direito Tributário. [Conforme ANTÓNIO MOURA PORTUGAL, ob. cit. pg. 79 a 82]
PP) Nenhum destes motivos legitimará a não consideração do custo ou perda que aqui se discute.
QQ) Veja-se que o artigo 23.º do Código do IRC determina que se consideram custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
RR) Isto é, não se questiona a existência do custo, apenas se determina que certos custos em que o sujeito passivo incorreu não terão relevância fiscal.
SS) Por outro lado, o n.º 2 do mesmo artigo não permite que sejam aceites como custos as despesas ilícitas, designadamente as que decorram de comportamentos que fundadamente indiciem a violação da legislação penal portuguesa, mesmo que ocorridos fora do alcance territorial da sua aplicação. Isto é: não são aceites custos que respeitem a operações ilícitas.
TT) Os documentos que habitualmente se designam por “facturas falsas” não são documentos que traduzam uma operação ilícita mas sim uma operação que não existiu. Nestas situações as facturas não correspondem às transacções reais. As operações comerciais expressas no documento, ou não se realizaram, ou ocorreram em moldes diferentes do descrito. Alguém faz constar da sua contabilidade uma factura emitida por outra entidade que não corresponde a uma transacção efectivamente realizada.
UU) Não há qualquer ilicitude com a operação, aliás nem sequer existe qualquer operação tributável, o que existe é um comportamento ilícito com o objectivo de obter uma vantagem patrimonial indevida.
VV) FIGUEIREDO DIAS e COSTA ANDRADE, “O CRIME DE FRAUDE FISCAL NO Novo DIREITO PENAL TRIBUTÁRIO PORTUGUÊS (CONSIDERAÇÕES SOBRE A FACTUALIDADE TÍPICA E O CONCURSO DE INFRACÇÕES), RPCC, ano 6, fasc. 1, pp.100/01, citados no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 99P735 de Uniformização de Jurisprudência, www.dgsi.pt descrevem a simulação inserta nas facturas falsas como o “acordo com os fornecedores ou com terceiros (em que) os agente económicos simulam a celebração de contratos que não têm qualquer correspondência na realidade”.
WW) Na opinião da Recorrente, não é esta a situação contemplada no artigo 23.º, n.º 2, do Código do IRC.
XX) De forma simplificada, poder-se-á afirmar que o artigo 23.º, n.º 2, do Código do IRC, afasta a dedutibilidade de custos constantes de documentos regularmente emitidos mas que respeitem a operações ilícitas, e não de documentos que em si mesmos sejam ilícitos.
YY) Esta norma permite, por exemplo, afastar a possibilidade de deduzir o custo relativo ao frete de um navio para transporte de substâncias cujo comércio seja proibido, situação em que existe um gasto, um encargo que, no entanto, não se considera relevante para efeitos fiscais, mas não legitima a desconsideração de um custo que efectivamente não ocorreu, pelo que não terá aplicação em situações como aquela que aqui se discute já que este artigo pressupõe que existam um encargo contabilisticamente relevante mas fiscalmente irrelevante o que não sucede nas situações de facturas que não traduzam operações efectivas.
ZZ) Razões pelas quais se verifica o vício de falta de fundamentação válida susceptível de conduzir á anulação da liquidação adicional
Termos em que deve a douta sentença ser revogada, sendo substituída por uma decisão de anulação do acto administrativo impugnado, assim se fazendo inteira e costumada justiça.»
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1.3. A Recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.
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1.5. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer com o seguinte teor:
«Vem interposto recurso jurisdicional da sentença do TAF de Braga que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pela ora recorrente contra a liquidação de IRC, relativa aos exercícios de 2001 e 2002, e respectivos juros compensatórios.
Inconformada com o decidido na sentença, dela vem recorrer a impugnante, fundamentando-se, em síntese, no seguinte:
1. A sentença enferma de erro de julgamento da matéria de facto, porque na apreciação crítica dos meios de prova disponibilizados não foi relevada a absolvição criminal no âmbito do processo comum singular n.º 272/04.1 do Tribunal Judicial de V.N Famalicão, na qual foi dada como não provada a utilização, na contabilidade da impugnante, de facturas fictícias emitidas pelos contribuintes “S., S. Lda e F.” , para documentar custos fictícios, dos anos de 2001 e 2002, no montante total de 157.643,33 Euros.
2. Por outro lado, o Tribunal “ a quo “ limita-se a valorar o relatório da inspecção tributária, atribuindo-lhe uma presunção de veracidade das correcções tributárias que fez, sem analisar a prova documental junta na impugnação, nem o teor da absolvição efectuada no âmbito da processo comum singular n.º 272/04.1.
3. E que, de facto, os fundamentos invocados pela AT, no relatório inspectivo, para efectuar as correcções tributárias ora impugnadas, não permitem concluir no sentido de serem simuladas as transacções subjacentes às facturas contabilizadas e emitidas pelos contribuintes supra referidos,
4. pois que nunca a AT pôs em causa que os ditos contribuintes exerceram a respectiva actividade, tendo apenas lançado a dúvida quanto à sua capacidade económica em nível de actividade tão elevado, atendendo aos recursos técnicos e humanos disponíveis, não podendo, assim, extrapolar no sentido de que todas as operações tituladas pelas facturas em crise na contabilidade da impugnante são simuladas.
5. Assim, competia à AT fazer prova de quais as facturas que não titulavam operações efectivamente realizadas, mas não o fez, antes comprovou tão só que os emitentes das facturas cometeram ilegalidades fiscais, contabilísticas e outras, mas não justifica que as operações subjacentes às facturas são simuladas, nem mesmo que o preço nelas aposto é simulado.
6. Pelo exposto, e em conclusão, a correcta valoração da prova produzida impõe dar como assente que não são simuladas as 2) a operações subjacentes às facturas, cujos valores foram desconsiderados como custos e justificaram as correcções tributárias efectuadas.
7. Por fim, também a sentença padece de errada aplicação do direito, mais concretamente da aplicabilidade ao caso “subjudicio” do art. 23.º do CIRC, porquanto na previsão deste normativo não cabe o fundamento da liquidação impugnada, porque o referido preceito afasta a dedutibilidade de custos constantes de documentos legalmente emitidos, mas que respeitam a operações ilícitas, e não de documentos que, na óptica da AT, são em si mesmos ilícitos, como sucede no caos em apreço.
A nosso ver o recurso não merece provimento.
A recorrente assenta a procedência do recurso na verificação de erro de julgamento da matéria de facto, derivado não só da incorrecta apreciação crítica da prova produzida, mas ainda, e principalmente, da irrelevância dada à absolvição criminal operada no processo comum singular n.º 272/04.1, nos termos da qual é afastada a prova de que as facturas dos custos desconsiderados pela AT para efectuar a liquidação impugnada, são falsas.
Como fundamento para a procedência do recurso invoca também o erro de julgamento em matéria de direito, na medida em que o fundamento da ilegalidade da dedução dos custos, no caso em apreço„ não cabe na previsão legal do art. 23.º do CIRC.
Começando pela apreciação do pretenso erro de julgamento da matéria de facto temos:
Os elementos probatórios veiculados pelo relatório inspectivo são mais que suficientes para permitir formar a certeza jurídica de que a AT tinha fundamentos sérios e credíveis no sentido de legitimar a desconsideração dos custos correspondentes às facturas contabilizadas pela impugnante, por não corresponderem a operações comerciais verdadeiras.
A fundamentação plasmada na sentença recorrida para dessa forma concluir é válida, lógica e congruente, não suscitando qualquer dúvida, nem qualquer dos reparos que aponta a recorrente.
Assim sendo, e perante a conclusão segura de que é legítima a actuação da AT, por ter reunido e demonstrado “factos-índice” de que as operações referidas nas facturas não documentam os custos contabilizados a coberto delas, compete ao contribuinte demonstrar a existência dos factos que alegou como fundamento do seu direito de ver tais custos relevados negativamente na sua matéria colectável, não lhe bastando criar dúvidas obre a sua veracidade, ainda que fundada, pois neste caso o referido ónus – “in dúbio contra fisco” — não tem aplicação, por só funcionar contra o fisco, quando seja este a afirmar a existência dos factos tributários e respectiva qualificação e não quando, como no caso, é ao contribuinte que compete demonstrar a existência dos factos em que se finda o seu direito de ver determinados custos relevados negativamente na sua matéria colectável.
Então, competindo ao contribuinte, ora recorrente, a demonstração dos referidos factos, vemos que para o fazer apresentou apenas os depoimentos das testemunhas C. e G., os quais são vagos e genéricos, e portanto, totalmente inidóneos para comprovar as alegadas transacções subjacentes às facturas em apreciação.
E também é sobejamente sabido que em matéria de facturas falsas, e uma vez que compete ao contribuinte a prova da realidade das operações subjacentes às facturas, a prova testemunhal desacompanhada de outra prova, de índole documental, designadamente relativa aos meios de pagamento, a documentar os transportes e a formalizar as encomendas, é insuficiente para conseguir esse ónus probatórios — cf., entre outros, o acórdão do TCAN de 24.01.2008, recurso n.º 01834.04.
Tudo isto para concluir que os elementos probatórios disponibilizados pela impugnante foram correctamente analisados, bem como correcto foi o juízo crítico que os mesmos mereceram ao “Tribunal “a quo”, ao decidir-se pela inidoneidade de os mesmos formarem a certeza jurídica sobre a realidade das operações tituladas pelas facturas desconsideradas como suporte de documentação dos custos, tal como pretendia a impugnante.
E, salvo o devido respeito, o juízo probatório sobre a matéria de facto em apreciação nos presentes autos, não é minimamente posto em causa pela absolvição criminal operada no âmbito do processo comum singular n.º 272/04.1.
Se bem que a referida lide processual penal também foi chamada a pronunciar-se sobre a falsidade das facturas em apreciação nos presente autos, o que é certo é que o juízo emitido foi no sentido de que não se provou que as mesmas sejam falsas, o que é totalmente diferente da conclusão pretendida pela recorrente, que é no sentido de que as operações subjacentes às mesmas facturas são verdadeiras.
Esse sentido decisório – o de que as operações subjacentes às facturas são reais – não decorre da absolvição operada no referido processo comum singular, e era na presente lide tributária que deveria ser feito, e totalmente a cargo da impugnante.
Por outro lado, não se compreende muito bem a tramitação operada no mencionado processo crime, culminando com a respectiva sentença, transitada em julgado, quando nos termos das disposições conjugadas dos art.s 47.º e 489, ambos do RGIT, se impunha a suspensão do processo penal tributário até ao trânsito em julgado da sentença proferida na presente impugnação judicial, já que neste processo tributário se discutia uma situação tributária relativa à impugnante, de cuja definição dependia a qualificação criminal dos factos no referido processo penal tributário, e a sentença proferida no processo tributário, uma vez transitada, constitui caso julgado para o conexo processo penal tributário.
Finalmente, não se compreende o que pretende a recorrente quando pugna no sentido de que a fundamentação da liquidação impugnada não cabe na previsão legal do art. 23.º do CIRC.
Os custos legalmente dedutíveis para efeitos de IRC têm de ser comprovados, conforme estatui o referido normativo.
Se a contabilização dos mesmos (custos), e a respectiva relevância fiscal, se faz através do registo de facturas falsas, irreleva saber se essas facturas são falsas quanto aos respectivos elementos intrínsecos, antes relevando saber se as transacções que titulam são verdadeiras ou não.
Daí que, com toda a propriedade, a liquidação impugnada, decorrente da desconsideração como custos dos valores constantes das facturas falsas referidas nos presentes autos, se fundamentam na inexistência dos custos, registados contabilisticamente a coberto das ditas facturas
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Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 657.º, n.º 4, do CPC, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.
*
2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente, cumpre apreciar e decidir, em primeiro lugar, se é admissível o documento (certidão do trânsito em julgado da sentença proferida no processo crime) apresentado já em sede de recurso e, depois, se foi violado o princípio do inquisitório e se a sentença recorrida enferma dos erros de julgamento de facto (por errada valoração da prova produzida e desvalorização da prova apresentada pela Recorrente) e de direito (por errada aplicação do artigo 23.º do CIRC).

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. DE FACTO
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
«a) A Impugnante exerce a actividade económica com o código CAE 029540 – Fabricação de máquinas para indústria têxtil, vestuários e diversos.
b) A contabilidade da Impugnante foi objecto de uma acção inspectiva externa levada a efeito pela administração tributária e na sequência da qual foi elaborado o Relatório de Inspecção Tributária de fls. 40 a 59 do processo administrativo e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
c) Nesse Relatório, sob a epígrafe “Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria colectável”, escreveu-se o seguinte: “(...) III.1. S.: (...) 1. Estamos na presença de um sujeito passivo que nunca pagou qualquer valor de IVA apurado nas declarações periódicas do IVA enviadas ao SAIVA; 2. Foi verificado que o sujeito passivo utilizou duas ou mais séries de facturas com a mesma numeração (...); 3. O sujeito passivo adquiria os livros de facturas em diversas gráficas ou tipografias, que por vezes se situavam em locais muito distantes da sua sede social, nomeadamente na freguesia de Lavra, Matosinhos; 4. O sujeito passivo, tendo em conta o referido no anterior ponto 2), enviou ao SAIVA no decorrer do ano de 1999 e 2000 as declarações periódicas com valores muito inferiores (pequenos) face aos valores emitidos nas facturas; 5. Por consulta junto dos serviços de segurança social foi obtida informação de que o sujeito passivo apenas teve um trabalhador ao seu serviço no período compreendido entre Fevereiro e Agosto de 2000; 6. O sujeito passivo no decurso da acção apresentou aos serviços de inspecção apenas o livro de facturas com a numeração de 1001 a 1050; 7. O conhecimento de que o sujeito passivo trabalhava sozinho na sua garagem; 8. A exagerada discrepância entre o valor elevado das facturas entretanto recolhida nos clientes e aquilo que efectivamente foi declarado pelo contribuinte demonstra, sem margem para qualquer dúvida, a sua incapacidade para sustentar o nível de actividade tão elevado, atendendo aos recursos técnicos e humanos disponíveis; 9. A confissão do sujeito passivo ainda que verbal aos serviços de inspecção de que efectivamente se tratava da emissão de elevado volume de facturação que não titulava qualquer transacção, que lhe era solicitado a troco do pagamento do IVA. Relativamente aos cheques dos clientes, disse que os levantava e devolvia a diferença de imediato. 10. Na emissão das facturas para os clientes o sujeito passivo não respeitava nem a sua ordem sequencial nem a cronologia das datas. 11. As aquisições/consumos de mercadorias e matérias-primas necessárias no exercício da sua actividade eram manifestamente insuficientes para o volume de facturação não declarado pelo contribuinte. (...) Extrapolando a análise para o caso em concreto, verificamos as seguintes situações, a saber: - a existência de transacções comerciais com o citado contribuinte que totalizaram respectivamente os valores de Esc.12.789.000.000$00 e Esc.1.638.000$00, nos exercícios de 2000 e 2001; - de acordo com o sócio-gerente as facturas teriam sido liquidadas com dinheiro e não por cheque; ­da análise aos elementos das facturas e dos recibos verificamos que o descritivo era sempre semelhante, sem discriminar quantidades e preço unitário, sendo que pertencem a um livro não exibido pelo fornecedor e emitidas quer manualmente, quer dactilografadas; - salientamos que as facturas emitidas manualmente apresentam diversos tipos de caligrafia. 111.2. S., Lda.: (...) 1. Estamos na presença de um sujeito passivo que nunca enviou quaisquer declarações periódicas do IVA enviadas ao SAIVA, nem apresentou qualquer declaração periódica de rendimentos; 2. No dia da visita às instalações o pessoal ao serviço da empresa era de 5 trabalhadores, incluindo os 2 sócios, que também exerce funções de produção; 3. O sujeito passivo no decurso da acção apresentou aos serviços de inspecção apenas o livro de facturas com a numeração 001 a 200, do qual faltava cerca de 17 facturas; 4. Apresenta instalações espaçosas, tendo no entanto poucas máquinas as quais apresentavam na generalidade sinais de desgaste; 5. A exagerada discrepância entre o valor elevado das facturas entretanto recolhida nos clientes e aquilo que efectivamente foi declarado pelo contribuinte demonstra, sem margem para qualquer dúvida, a sua incapacidade para sustentar o nível de actividade tão elevado, atendendo aos recursos técnicos e humanos disponíveis; 6. A confissão do sujeito passivo ainda de que efectivamente se tratava da emissão de elevado volume de facturação que não titulava qualquer transacção, que lhe era solicitada a troco do pagamento do IVA. Relativamente aos cheques. Relativamente aos cheques dos clientes, disse que os levantava e devolvia a diferença de imediato. 10. Na emissão das facturas para os clientes o sujeito passivo não respeitava nem a sua ordem sequencial nem a cronologia das datas. 11. As aquisições/consumos de mercadorias e matérias-primas necessárias no exercício da sua actividade eram manifestamente insuficientes para o volume de facturação não declarado pelo contribuinte. (...) Extrapolando a análise para o caso concreto, verificamos as seguintes situações, a saber: - o descritivo das facturas é sempre semelhante e mantém-se igual ao das facturas em nome individual, não havendo guias de remessa entre as empresas de forma confirmar os movimentos de peças; - a existência de transacções comerciais com o citado contribuinte que totalizaram respectivamente, os valores de €23.044,46 e €102.100,17 nos exercícios de 2001 e 2002 (...); - de acordo com o sócio gerente as facturas teriam sido na sua maioria pagas com cheque. Tal apenas terá acontecido para as facturas emitidas no exercício de 2002, conforme cópia dos cheques apresentados pelo sócio gerente e anexadas no processo; - as facturas emitidas no exercício de 2001 de acordo com o sócio gerente terão sido pagas em dinheiro; - analisando as cópias dos cheques verificamos que todos terão sido levantados ao balcão, mas nalguns casos com uma diferença entre a data de emissão e o seu levantamento de 3 a 10 dias úteis; - verificamos que a data de emissão das facturas e a data dos recibos era a mesma, sendo os cheques emitidos com data posterior de pelo menos um mês (...). 111.3 – F., Lda. (...) 1. Estamos perante um sujeito passivo que não enviou as declarações periódicas do IVA ao SAIVA; 2. Apresenta pagamentos em falta de IVA; 3. Falta de apresentação das declarações de rendimentos mod. 22 e as respectivas declarações anuais; 4. A empresa encontra-se encerrada, tendo o sócio gerente informado que o pessoal se desvinculou entre Janeiro e Fevereiro de 2002; 5. Através da circularização de clientes foram detectadas inexactidões, nomeadamente: - facturas respeitantes a vendas não registadas, mas na posse e contabilizadas pelos clientes respectivos; facturas contendo a indicação “anulada”, tendo-se comprovado que se encontram registadas na contabilidade dos clientes. (...) Extrapolando a análise para o caso em concreto, verificamos as seguintes situações, a saber: - a existência de transacções comerciais com o citado contribuinte que totalizaram respectivamente, os valores de Esc.8.100.000$00 e Esc.4.877.380$00, nos exercícios de 2000 e 2001, acrescidos de IVA à taxa de 17% (...); - de acordo com o sócio-gerente as facturas foram pagas por dinheiro; - a data da emissão das facturas e a data dos recibos é a mesma; o descritivo das facturas é sempre semelhante, trata-se na sua maioria de serviços de torno e frezagem, salientamos ainda que as facturas emitidas em 2000 apresentam-se devidamente discriminadas, já o mesmo não acontece no exercício de 2001. (...)”.
d) Na sequência do procedimento externo de inspecção referido, foi o lucro tributável corrigido para os seguintes valores: Ano de 2000 – 127.315,94 euros; Ano de 2001 –78.881,60 euros; ano de 2002 – 135.087,67 euros.
e) Corrigida a matéria colectável nos termos apontados, a administração tributária procedeu às liquidações de IRC dos anos de 2001 e 2002 cujas demonstrações constam de fls. 64 e 71 do processo administrativo e que aqui se dão por reproduzidas no seu teor.
f) O prazo de pagamento voluntário das referidas liquidações terminou em 24/12/2004 (IRC do ano de 2001) e 29/12/2004 (IRC do ano de 2002).
g) Em 7 de Janeiro de 2005, a Impugnante apresentou reclamação graciosa contra as liquidações de IRC dos anos de 2001 e 2002 referidas na alínea anterior.
h) Essa reclamação graciosa foi indeferida pelo despacho de 13 de Dezembro de 2006, do senhor Director de Finanças Adjunto de Braga, por delegação, o qual se encontra a fls. 16 e 17 dos presentes autos e aqui se dá por reproduzida.
i) A decisão que indeferiu a reclamação graciosa foi notificada à Impugnante em 8 de Fevereiro de 2007.
j) A petição inicial da presente impugnação judicial foi apresentada em 23 de Fevereiro de 2007.
2.2. Matéria de facto não provada
Da que era relevante para a discussão da causa não se provou a demais matéria de facto que foi alegada pela Impugnante.
2.3. Motivação da decisão sobre a matéria de facto
A decisão sobre a matéria de facto assentou na análise da prova documental junta aos autos, em especial o Relatório da Inspecção Tributária.
Quanto à prova testemunhal produzida, consideramos que a mesma não teve força persuasiva suficiente para permitir que o Tribunal desse como provados os factos que foram alegados pela Impugnante nomeadamente que as facturas por si contabilizadas e desconsideradas pela administração tributária correspondem a efectivas prestações por parte dos respectivos emitentes.
Com efeito, a testemunha C. não mostrou qualquer conhecimento relativamente às concretas operações tituladas pelas facturas.
Por outro lado, a testemunha G., empregada de escritório, prestou um depoimento impreciso, vago e genérico, referindo as relações da Impugnante com diversos fornecedores, incluindo aqueles que figuram como emitentes das facturas, mas não conseguindo precisar os factos concretos relativos às alegadas transacções aqui em causa, nomeadamente porque não cabia na suas funções assistir às cargas e descargas nas instalações da Impugnante.
Ao que acresce que, em situações como a que se encontra em litígio, mais do que a prova testemunhal releva a prova documental, nomeadamente a concernente a meios de pagamento, a documentos de transporte, a formalização de encomendas e outros.
Ora, no caso, esse fundamental complemento documental do único depoimento testemunhal produzido nos autos não foi feito.
Na análise conjugada de todos os meios de prova à luz das regras da experiência comum, resultou a decisão sobre a matéria de facto que antecede.
Finalmente, refira-se que a sentença proferida no processo comum singular nº 272/04.1 do 1º Juízo Criminal de Vila Nova de Famalicão não foi considerada porquanto não se mostra certificado o respectivo trânsito em julgado.».

3.1.2. Aditamento à matéria de facto
Com interesse para a presente decisão, importa relevar os seguintes factos / ocorrências processuais:

k) No final da inquirição de testemunhas, ocorrida em 28.01.2009, foram as partes notificadas para apresentarem alegações escritas, nos termos do artigo 120.º do CPPT, no prazo de 20 dias – cfr. fls. 91 a 93 do suporte físico dos autos.

l) Na mesma data foi junta aos autos cópia certificada da sentença proferida no âmbito do processo crime n.º 272/04.1IDBRG e depositada em 23.12.2008 – fls. 79 a 88 do suporte físico dos autos.

m) Em 16.03.2010 a Recorrente juntou aos autos certidão emitida pelos Juízos de Competência Criminal de Vila Nova da Famalicão, em 01.02.2010, atestando que a sentença referida no ponto antecedente transitou em julgado, relativamente à Recorrente, em 23.01.2009 – fls. 201 a 211 do suporte físico dos autos.

3.2. DE DIREITO

3.2.1. Admissibilidade do documento junto na fase de recurso
Como se sabe e resulta do n.º 3, do artigo 108.º, do CPPT e 523.º n.º 1 do CPC, atual artigo 423.º do CPC, é com a p.i. (ou com o articulado respetivo em que se aleguem os factos correspondentes) que deve ser junta toda a prova que for possível, mas poderá ser feita, posteriormente, a junção de documentos até ao encerramento da discussão da causa na instância (cfr. n.º 2 do artigo 523.º do CPC).

Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento e os documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados ou cuja apresentação se tenha tomado necessária por virtude de ocorrência posterior, podem ser oferecidos em qualquer estado do processo (cfr. artigo 524.º n.ºs 1 e 2 do CPC, atual artigo 425.º do CPC).
Como refere o Ilustre Juiz Conselheiro JORGE LOPES DE SOUSA, são três os fundamentos excecionais justificativos da apresentação de documentos com as alegações de recurso: (i) quando os documentos não tenham podido ser apresentados até ao termo do prazo para apresentação das alegações a que se refere o artigo 120.º do CPPT (encerramento da discussão da causa na 1.ª instância); (ii) quando os documentos se destinem a provar factos posteriores aos articulados ou a sua junção se tenha tornado necessária, por virtude de ocorrência posterior; (iii) quando a sua apresentação apenas se revele necessária devido ao julgamento proferido em 1ª instância (Cfr. Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, IV volume, anotação 15 ao artigo 279.º, págs. 341 a 344.).

No caso que nos ocupa, a p.i. foi apresentada em 23.02.2007, o prazo para apresentar alegações nos termos do artigo 120.º do CPPT terminou em 17/02/2009 (28.01.2009 + 20 dias, conforme notificação ocorrida em sede de inquirição de testemunhas), a sentença do processo crime foi depositada em 23.12.2008 e o respetivo trânsito em julgado ocorreu, relativamente à Recorrente, em 23.01.2009. A sentença em causa foi junta aos autos em 28/01/2009, mas a certificação do respetivo trânsito em julgado apenas foi emitida em 01.02.2010, já após ter sido proferida a sentença aqui em crise e a interposto o presente recurso.

Ora, o documento em questão podia ter sido apresentado até ao termo do prazo para alegações escritas, nos termos do artigo 120.º do CPPT, não se tornou necessário por virtude da ocorrência de circunstância posterior nem, tão pouco, apenas se revelou necessário devido ao julgamento prolatado em 1.ª instância, razões por que não pode o mesmo ser agora admitido.

3.2.2. Violação do princípio do inquisitório
Nos termos do n.º 1 do artigo 13.º do CPPT, incumbe aos juízes dos tribunais tributários a direção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer. Portanto, o tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigure úteis para conhecer a verdade material relativamente aos factos alegados, sem que, contudo, se possa substituir às partes através da realização de prova que às mesmas compete produzir.

Como se refere no acórdão deste TCA Norte, de 14/04/16, processo nº 912/15.7 BEVIS, “os art.º s 99.º da LGT e 13.º do CPPT não descaracterizam nem invalidam, o princípio base do processo tributário do impulso processual, quer do contribuinte/sujeito passivo quer da Fazenda Pública, nomeadamente quanto à prova dos factos que pretende que o tribunal reconheça.
O princípio do inquisitório tem por objetivo superar insuficiências de alegação e de prova das partes, mas move-se dentro dos limites fixados dos factos alegados e do conhecimento oficioso.
Decorre do art.º 99.º da LGT e dos art.ºs 13.º e n.º 1 do 113.º do CPPT se a questão a decidir não for apenas de direito e o processo não fornecer os elementos necessários para decidir questões de factos suscitadas, deverão ser realizadas diligências de prova que forem julgadas necessárias, pois, para além das diligências requeridas, o tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer”.

Trata-se do princípio da investigação ou do inquisitório que consiste na atribuição ao Tribunal do poder de ordenar as diligências que entender necessárias para a descoberta da verdade, pelo que a falta de realização oficiosa das diligências instrutórias úteis para o conhecimento dos factos alegados ou de factos suscetíveis de serem conhecidos também oficiosamente, constitui uma violação daquele normativo legal que impõe o dever de proceder a todas as apontadas diligências.

No caso sub judice, estava em causa saber se a AT observou o ónus probatório a seu cargo, isto é, se carreou, ou não, indícios suficientes da falsidade das faturas por si desconsideradas, para o que a Recorrente pretendia fosse levado em conta o teor da sentença proferida no processo crime, na qual se considerou serem genéricas as declarações prestadas pela Inspetora Tributária em sede de audiência de julgamento.

Ora, desde logo, não se nos afigura que a decisão proferida no processo crime seja relevante para o desfecho da presente impugnação, sabendo-se que as exigências probatórias em processo crime são bem vincadas do que no processo judicial tributário.

Na verdade, e como é comummente aceite, estando em causa indícios de faturação falsa, a AT não tem que provar a falsidade das faturas, bastando-lhe demonstrar os indícios de falsidade e que estes são consistentes, sérios e reveladores de uma alta probabilidade de que as faturas são «falsas», para cumprir o seu encargo probatório.

Nesta medida, a prova que, na perspetiva do juiz criminal, é insuficiente para condenar os arguidos pela prática do crime de fraude fiscal, pode ser suficiente para, em sede de processo de impugnação, abalar a presunção de veracidade dos documentos constantes da contabilidade do sujeito passivo e reverter para este o encargo de provar a materialidade das operações questionadas pela AT.

Por isso, a decisão final do processo crime não tem aqui a força de caso julgado ou, sequer, a autoridade de caso julgado. Relembremos que o caso julgado material pode refletir uma dupla função, negativa ou positiva; a função negativa do caso julgado material está inerente à exceção de caso julgado, consubstanciando-se no impedimento de a mesma causa ser apreciada pelo Tribunal numa nova ação. Já a função positiva respeita à chamada autoridade do caso julgado, através da qual se obsta a que a situação jurídica material definida por sentença ou acórdão transitados em julgado possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença ou acórdão. Ou seja, a autoridade do caso julgado impõe à segunda decisão de mérito o decidido na primeira como sendo seu pressuposto indiscutível, subjacente a uma relação de prejudicialidade entre o objeto de ambas as decisões. Distinto do caso julgado material é o caso julgado formal, que encontra acolhimento no artigo 620.º do CPC, cujo n.º 1 determina que“[a]s sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo”.

Aplicando estes conceitos ao caso que ora nos ocupa, resulta manifesto que não se verifica caso julgado material (na vertente negativa) ou formal, sendo de realçar a inexistência de relação de prejudicialidade do processo crime relativamente ao processo judicial tributário; aliás, de acordo com o que dispõe o artigo 47.º do RGIT, antes poderá ser prejudicial a decisão do processo tributário relativamente ao processo crime. Só assim se compreende a imposição legal de suspensão do processo crime se estiver pendente processo judicial tributário “em que se discuta a situação tributária de cuja definição depende a qualificação criminal dos factos imputados”.

Nesta perspetiva das coisas, não vemos que a decisão do processo crime fosse relevante para o desfecho da presente impugnação, donde que era desnecessário diligenciar por saber o teor da decisão final, transitada em julgado, daquele processo e, assim, o ato omitido era desnecessário, não se mostrando, pois, incumprido o dever de inquisitório e investigação a cargo do Juiz.

3.2.2. Erro de julgamento de facto

Sustenta a Recorrente que a sentença recorrida enferma de erro do julgamento de facto porquanto (i) apenas levou em linha de conta a factualidade constante do RIT, desatendendo a prova documental e testemunhal por si produzida, mais referindo que (ii) a AT não evidenciou indícios suficientes da falsidade das operações tituladas pelas faturas em crise.
(i) É certo que, no julgamento de facto, o Juiz deve atender a toda a prova produzida, independentemente de quem a ofereça, apreciando-a criticamente, quer no que respeita à sua valia para a formação da convicção do julgador, quer em conjugação com a demais prova produzida, designadamente para determinar qual deve preponderar, sendo caso disso.
Na situação em apreço, o Meritíssimo Juiz apreciou a prova testemunhal produzida, considerando que a mesma “não teve força persuasiva suficiente para permitir que o Tribunal desse como provados os factos que foram alegados pela Impugnante nomeadamente que as facturas por si contabilizadas e desconsideradas pela administração tributária correspondem a efectivas prestações por parte dos respectivos emitentes”.
Mais foi considerada a prova documental, consubstanciada na sentença proferida no processo crime, não se lhe atribuindo relevo probatório por não ter sido certificado o respetivo trânsito em julgado. E a verdade é que o valor probatório desta sentença apenas poderia relevar em função de outra prova, testemunhal ou documental, produzida nos presentes autos, pois «O princípio da eficácia extraprocessual das provas, consagrado no art.522º, nº1 do Código de Processo Civil, significa que a prova produzida (depoimentos e arbitramentos) num processo pode ser utilizada contra a mesma pessoa num outro processo, para fundamentar uma nova pretensão, seja da pessoa que requereu a prova, seja de pessoa diferente, mas apoiada no mesmo facto.» - cfr. acórdão do STJ, de 12/10/2004, proferido no procº05B691. Ora, no processo crime a prova não é feita contra a ATA, que ali não tem qualquer intervenção, pelo que tal prova não pode ser aqui aproveitada contra esta.
Face ao exposto, é patente que o Juiz a quo valorou toda a prova produzida, nos termos que deixou expostos na sentença recorrida.

(ii) Entende também a Recorrente que o Meritíssimo Juiz a quo “limitou-se a entender que as afirmações e as correcções efectuadas pela Administração Fiscal gozavam de uma presunção de veracidade que caberia à Recorrente ilidir, não cuidando de analisar se a fundamentação se mostrava capaz de as sustentar.”. Já na petição inicial a Recorrente havia alegado que «5º - Na acção inspectiva que originou as ditas liquidações não se cuidou verdadeiramente de indagar – como deveria ter sido feito, nomeadamente, ouvindo testemunhas, verificando se os rácios do contribuinte em causa são desajustados a média do sector, etc. – se as transacções postas em causa pelos Senhores Inspectores foram, no caso (…) concreto, efectivamente realizadas ou não.// 6º - O caminho seguido foi outro: verificada a existência na contabilidade do impugnante de facturas de sujeitos passivos suspeitos de fraude fiscal, logo se concluiu que todas aquelas transacções não eram verdadeiras e teriam, portanto, que ser desconsideradas do ponto de vista fiscal.// 7º - Trata-se de uma conclusão que, para além de não estar fundadamente demonstrada, o contribuinte não pode aceitar uma vez que não corresponde efectivamente à realidade dos factos.».

Vejamos, então, o que ficou vertido na sentença a este respeito:
«A questão que aqui importa decidir é a de saber se a administração tributária actuou em conformidade com a lei ao desconsiderar determinadas facturas contabilizadas pela impugnante e ao corrigir, em conformidade, os lucros tributáveis apurados em sede de IRC.
No entender da administração tributária, a Impugnante declarou custos nos anos de 2001 e 2002 que foram suportados em documentos que titulam operações que não se realizaram.
A este propósito, a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores encontra-se firmada no sentido de que, estando em causa a correcção de liquidações de IRC por desconsideração de facturas reputadas pela administração tributária de falsas, são as seguintes regras relativamente à repartição do ónus da prova:
- Porque a liquidação adicional de IRC tem por fundamento o não reconhecimento dos custos declarados pelo contribuinte, compete à administração tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, tendo o juízo da administração tributária assentado na consideração de que as operações e o valor mencionado nas facturas em causa não correspondem à realidade, terá de ser ela a demonstrar a existência de indícios sérios de que as operações referidas nas facturas foram simuladas;
- Feita essa prova, compete ao contribuinte o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito de ver determinados custos reflectidos na determinação do lucro tributável nos termos dos artigos 17º e 23º do CIRC, não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade, ainda que fundada, pois neste caso o art. 100.º do CPPT não tem aplicação; na verdade, o ónus consagrado no art. 100.º, n.º 1, do CPPT, contra a administração tributária (de que a dúvida quanto à existência e quantificação do facto tributário deve ser decidida contra a administração tributária: in dubio contra Fisco) apenas existe quando seja esta a afirmar a existência dos factos tributários e respectiva quantificação e não quando, como in casu, é ao contribuinte que compete demonstrar a existência e quantificação dos factos tributários em que se funda o seu direito – seguimos o acórdão TCA Norte 24 Jan. 2008, Processo 01834/04 Viseu. Neste mesmo sentido, entre muitos outros, acórdão STA 17 Abr. 2002, Processo 26635 e acórdão STA 7 Mal. 2003 (Pleno), Processo 1026/02.

Isto dito, começaremos por averiguar se a administração tributária fez a prova que lhe competia da verificação dos pressupostos de correcção da matéria tributável por desconsideração de custos.

A este propósito, convirá referir que a administração não se pode limitar a uma fundamentação formal do juízo que formula quanto à dedução indevida por parte do sujeito passivo. Exige-se-lhe, ademais, que demonstre o bem fundado desse juízo, provando os indícios que o sustentam dessa forma possibilitando a conclusão de ser correcta a sua fundamentação material.

Como se refere no acórdão STA 17 de Abr. 2002, “para emitir o seu juízo sobre se se deve ter por materialmente fundamentada a consideração da administração, o tribunal não se pode ater apenas à existência de uma fundamentação formal e aos elementos nela externados, [...] mas terá de formar o seu próprio juízo probatório sobre a correspondência à realidade fáctico-jurídica dos elementos em que a administração disse apoiar a sua consideração e aferir, então, sobre eles se esta deve ter-se por correcta”.

Em todo o caso, deve ter-se presente que não se exige à administração tributária a prova directa da simulação. Como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indirecta, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” – assim, Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág. 154.

Os indícios são definidos por Castro Mendes como aqueles factos que “permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” – citado por José Luís Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, 2ª edição, pág. 311.

No caso dos autos, como resulta da matéria de facto provada, a administração tributária considerou que as facturas contabilizadas pela Impugnante, não correspondem a efectivas operações, com base nos seguintes factos indiciários:
Quanto às facturas em que figura como emitente S.:
- Trata-se de um sujeito passivo que nunca pagou qualquer valor de IVA apurado nas declarações periódicas do IVA enviadas ao SAIVA;
- Esse sujeito passivo utilizou duas ou mais séries de facturas com a mesma numeração e adquiria os livros de facturas em diversas gráficas ou tipografias, que por vezes se situavam em locais muito distantes da sua sede social;
- O referido S., enviou ao SAIVA no decorrer do ano de 1999 e 2000 as declarações periódicas com valores muito inferiores face aos valores emitidos nas facturas;
- Por consulta junto dos serviços de segurança social foi obtida informação de que o S. apenas teve um trabalhador ao seu serviço no período compreendido entre Fevereiro e Agosto de 2000;
- O conhecimento de que o sujeito passivo trabalhava sozinho na sua garagem;
- A exagerada discrepância entre o valor elevado das facturas entretanto recolhida nos clientes e aquilo que efectivamente foi declarado pelo contribuinte
- Na emissão das facturas para os clientes o S. sujeito passivo não respeitava nem a sua ordem sequencial nem a cronologia das datas.
- As aquisições/consumos de mercadorias e matérias-primas necessárias no exercício da sua actividade eram manifestamente insuficientes para o volume de facturação não declarado pelo contribuinte.
Por outro lado, no respeitante à concreta situação da Impugnante, verificou a administração tributária:
- A existência de transacções comerciais (…) com o citado contribuinte que totalizaram respectivamente os valores de Esc.12.789.000.000$00 e Esc.1.638.000$00, nos exercícios de 2000 e 2001; -
- De acordo com o sócio-gerente da Impugnante as facturas teriam sido liquidadas com dinheiro e não por cheque;
- Da análise aos elementos das facturas e dos recibos verificamos que o descritivo era sempre semelhante, sem discriminar quantidades e preço unitário, sendo que pertencem a um livro não exibido pelo fornecedor e emitidas quer manualmente, quer dactilografadas;
- As facturas emitidas manualmente apresentam diversos tipos de caligrafia.
- S., Lda.:
A respeito deste emitente, a administração tributária apurou que se trata de um sujeito passivo que nunca enviou quaisquer declarações periódicas do IVA enviadas ao SAIVA, nem apresentou qualquer declaração periódica de rendimentos.
Por outro lado, no dia da visita às instalações o pessoal ao serviço da empresa era de 5 trabalhadores, incluindo os 2 sócios, que também exercem funções de produção.
Foi detectada uma exagerada discrepância entre o valor elevado das facturas entretanto recolhida nos clientes e aquilo que efectivamente foi declarado pelo contribuinte.
Relativamente aos cheques dos clientes, o sujeito passivo disse que os levantava e devolvia a diferença de imediato.
Finalmente, na emissão das facturas para os clientes o sujeito passivo não respeitava nem a sua ordem sequencial nem a cronologia das datas e as aquisições/consumos de mercadorias e matérias primas necessárias no exercício da sua actividade eram manifestamente insuficientes para o volume de facturação não declarado pelo contribuinte.
Por outro lado, no respeitante à facturas da S., Lda. contabilizadas pelas Impugnante, foi verificado:
- O descritivo das facturas é sempre semelhante e mantém-se igual ao das facturas em nome individual, não havendo guias de remessa entre as empresas de forma confirmar os movimentos de peças;
- A existência de transacções comerciais com o citado contribuinte que totalizaram respectivamente, os valores de €23.044,46 e €102.100,17 nos exercícios de 2001 e 2002 (...);
- De acordo com o sócio gerente as facturas teriam sido na sua maioria pagas com cheque. Tal apenas terá acontecido para as facturas emitidas no exercício de 2002, conforme cópia dos cheques apresentados pelo sócio gerente e anexadas no processo;
- As facturas emitidas no exercício de 2001 de acordo com o sócio gerente terão sido pagas em dinheiro;
- Os cheques terão sido levantados ao balcão, mas nalguns casos com uma diferença entre a data de emissão e o seu levantamento de 3 a 10 dias úteis; -
- A data de emissão das facturas e a data dos recibos era a mesma, sendo os cheques emitidos com data posterior de pelo menos um mês.
– F., Lda.
Relativamente a este emitente, a administração tributária recolheu os seguintes indícios:
- Trata-se de um sujeito passivo que não enviou as declarações periódicas do IVA ao SAIVA nem as declarações de rendimentos modelo 22 e as respectivas declarações anuais;
- A empresa encontra-se encerrada, tendo o sócio gerente informado que o pessoal se desvinculou entre Janeiro e Fevereiro de 2002;
- Através da circularização de clientes foram detectadas inexactidões, nomeadamente: - facturas respeitantes a vendas não registadas, mas na posse e contabilizadas pelos clientes respectivos; facturas contendo a indicação “anulada”, tendo-se comprovado que se encontram registadas na contabilidade dos clientes.
No concernente às facturas deste fornecedor contabilizadas pela Impugnante, verificou-se:
- A existência de transacções comerciais com o citado contribuinte que totalizaram respectivamente, os valores de Esc.8.100.000$00 e Esc.4.877.380$00, nos exercícios de 2000 e 2001, acrescidos de IVA à taxa de 17%;
- De acordo com o sócio-gerente as facturas foram pagas por dinheiro;
- A data da emissão das facturas e a data dos recibos é a mesma; o descritivo das facturas é sempre semelhante, sendo que as facturas emitidas em 2000, apresentam-se devidamente discriminadas, já o mesmo não acontecendo no exercício de 2001.

Destes factos de natureza indiciária, resulta, em nosso entender, fundada a conclusão da administração tributária no sentido de que as operações tituladas pelas facturas contabilizadas pela Impugnante não são verdadeiras, não foram efectivamente realizadas e, ao invés, são simuladas.

Daqueles factos recolhidos pela administração pode concluir-se, pode extrair-se, através de regras da experiência comum, que as operações que as facturas pretendem documentar, não se realizaram.

Com efeito, a administração tributária recolheu indícios concernentes aos emitentes que se verificou serem incumpridores das respectivas obrigações fiscais perante o Estado, não disporem de estruturas humanas e logísticas que lhe permitissem prestar todos os serviços que facturavam, apresentarem discrepâncias entre os montantes facturados e as mercadorias adquiridas que, claramente, apontam no sentido de que não terão prestado serviços ou fornecido mercadorias.

Por outro lado, no que concerne às facturas concretamente contabilizadas pela lmpugnante, os indícios recolhidos ao nível a forma de pagamento, em dinheiro ou através de cheques levantados ao balcão e ao modo como as facturas aparecem preenchidas, também apontam, claramente, à luz das regras da experiência para transacções não reais.

Assim, pensamos que a prova indiciária recolhida pela administração tributária têm força bastante que permitem concluir pela existência de indícios seguros e sérios de que ocorre simulação das operações aqui em causa.

Nesta circunstância, impunha-se à Impugnante, nos termos que vimos, fazer a prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito de ver determinados custos reflectidos na determinação do lucro tributável nos termos dos artigos 17º e 23º do CIRC.
(…).».
Pois bem, no que concerne ao ónus da prova nestas situações de “faturas falsas” temos entendido, em sintonia com a jurisprudência que, reiterada e uniformemente, vem sendo seguida nos nossos Tribunais, que «(…) o ónus da prova se reparte, em processo onde o contribuinte impugne a actuação da AT, desconsiderando operações consubstanciadas em determinadas facturas existentes na escrita daquele, no sentido de caber a esta (AT) a prova dos pressupostos da sua actuação e àquele (contribuinte) a prova de que as questionadas operações tiveram, efectivamente, lugar. Ou, numa outra formulação, obtendo a AT indícios sérios e credíveis de que determinada operação comercial titulada por uma factura não é real, cabe ao contribuinte o ónus da prova da veracidade dessa transacção» (neste sentido, Ac. TCAN de 24-01-2008, Proc. nº 02887/04 - VISEU, www.dgsi.pt ).

De notar que a administração tributária não precisa de demonstrar a falsidade das faturas, bastando-lhe evidenciar a consistência daquele juízo (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27-10-2004, processo n.º 810/04), invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas faturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade - artigo 75.º da Lei Geral Tributária.

Tal significa que, quando está em causa a correção de liquidações de IRC por desconsideração dos custos documentados por faturas reputadas de falsas pela AT, e porque a liquidação de IRC tem por fundamento o não reconhecimento de custos declarados pelo sujeito passivo, compete à administração tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, tendo o juízo da administração tributária assentado na consideração de que as operações e o valor mencionado na fatura em causa não corresponde à realidade, haverá de demonstrar a existência de indícios sérios de que a operação referida na fatura foi simulada, sendo que, como já ficou dito, feita essa prova, compete ao sujeito passivo o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito a fazer refletir negativamente os custos declarados na determinação da respetiva matéria tributável nos termos que decorrem dos artigos 17.º, n.º 1, e 23.º do CIRC, não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade, ainda que fundada, pois neste caso o artigo 100.º do CPPT não tem aplicação; na verdade, o ónus consagrado no artigo 100.º, nº 1, do CPPT, contra a administração tributária (de que a dúvida quanto à existência e quantificação do facto tributário deve ser decidida contra a administração tributária: in dubio contra Fisco) apenas existe quando seja esta a afirmar a existência dos factos tributários e respetiva quantificação e não quando, como in casu, é ao contribuinte que compete demonstrar a existência e quantificação dos custos em que alega ter incorrido e que pretende ver refletidos no apuramento do lucro tributável – neste sentido, cfr. acórdão deste TCAN de 25/01/2018, proc. 02318/06.0BEPRT.

É que, «(…) embora a regularidade formal da escrita constitua presunção da sua veracidade - estendida aos seus elementos de apoio (art. 75º da LGT) -, tal presunção cessa no caso da existência de indícios sérios de que as operações escrituradas se não realizaram. Daí que, como se disse, provando a AT a existência de indícios sérios e credíveis de que tais operações não são verdadeiras, cabe ao contribuinte o ónus da prova da veracidade das mesmas.» – cfr. acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA de 27/02/2019, proc. 01424/05.2BEVIS.

Assim, compete à AT evidenciar a existência de factos que, segundo as máximas da experiência comum, são seriamente indiciadores de que as operações tituladas pelas faturas não correspondem a transações comerciais efetivamente ocorridas. A prova exigível à AT é, portanto, a da existência de “indícios fundados” (objetivos, sólidos e consistentes) que traduzam uma probabilidade elevada de que os documentos não titulam operações reais, não se lhe impondo a “prova provada” de que por detrás dos documentos não está a realidade que refletem – cfr. neste mesmo sentido, o ac. do TCAS de 11/10/2018, proc. 1594/09.0BELRA.

Descendo ao caso dos autos, temos que a AT reuniu indícios de que os emitentes das faturas acima identificados, pese embora exercessem atividade, emitiram faturas que não correspondiam a efetivas operações económicas. A AT recolheu, junto daqueles emitentes, declarações em que os mesmos admitiam a «emissão de elevado volume de facturação que não titulava qualquer transacção», a par de outros indícios desse facto; porém, e tanto quanto é possível extrair do teor do RIT, a AT não procurou saber quais, de entre as faturas emitidas por aqueles operadores económicos, correspondiam a operações efetivas ou eram meras “faturas de favor”. Aparentemente, a AT bastou-se com aqueles indícios para questionar a veracidade de todas as faturas, indiscriminadamente.

Ora, manifestamente, tal conduta não respeita o dever de inquisitório e de busca da verdade material que o artigo 58.º da LGT impõe à ATA e fragiliza, irremediavelmente, a as conclusões que, de forma precipitada, extraiu.

Não podemos, por isso, considerar que os indícios recolhidos junto dos emitentes das faturas em causa evidenciam uma forte probabilidade de as faturas constantes da contabilidade da Recorrente não titularem operações efetivas.

Vejamos, agora, os indícios recolhidos junto da contabilidade da Recorrente:
- quanto às faturas emitidas por S.: montante das operações (para as quais inexiste evidência de o fornecedor não ter capacidade de as realizar); pagamentos em dinheiro; descritivo genérico das faturas, sem discriminar quantidades e preço unitário, pertencentes a livro não exibido pelo fornecedor e manuscritas com diferentes caligrafias;
- quanto às faturas emitidas por S., Lda, os indícios são idênticos (com exceção da não apresentação do livro das faturas), acrescendo aqui o facto de não existirem “guias de remessa entre as empresas”;
- quanto às faturas emitidas por F., Lda, os indícios também são idênticos aos apontados relativamente ao primeiro dos indicados fornecedores (também com exceção da não apresentação do livro das faturas), acrescentando-se aqui que a data da emissão das faturas é igual à da emissão dos recibos e que as faturas do ano de 2000 se encontram devidamente discriminadas.

A nosso ver, estes factos não configuram indícios sérios e seguros da falsidade das operações tituladas pelas faturas em crise pois se, por um lado, se podem verificar quanto a faturas falsas, a verdade é que não deixam de ser comuns e de se verificarem também relativamente a faturas que titulam reais operações económicas. Não estamos, portanto, e mais uma vez, perante factos que evidenciem uma elevada probabilidade de as faturas em causa não titularem operações reais.

Consequentemente, impõe-se concluir que a AT não se desembaraçou do seu encargo probatório, pelo que também não foi devolvido à Recorrente o ónus de provar que as operações tituladas pelas ditas faturas efetivamente tiveram lugar, devendo, sem necessidade de mais indagações, proceder o presente recurso, restando prejudicado o conhecimento das demais questões aqui suscitadas.

4. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, em consequência, julgar a impugnação procedente.
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Custas a cargo da Fazenda Pública, em ambas as instâncias, pois nelas sai vencida (cfr. artigo 527.º, n.º 1 e 2, do CPC), as que não abrangem a taxa de justiça devida nestes autos, uma vez que não apresentou contra-alegações.
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Porto, 25 de março de 2021

Maria do Rosário Pais - Relatora
Tiago Afonso Lopes de Miranda - 1.º Adjunto
Cristina da Nova - 2.ª Adjunta