Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02781/15.8BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/01/2016
Tribunal:TAF de Braga
Relator:João Beato Oliveira Sousa
Descritores:ISENÇÃO CUSTAS; PER
Sumário:É de conceder à Autora isenção de custas judiciais nos termos do art. 14º, nº 1, al. u) do RCP, face à circunstância de se encontrar em processo especial de revitalização (PER). *
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:CSM & Filhos, SA
Recorrido 1:V... - Empresa de Água e Saneamento de Guimarães e Vizela, E.I.M, SA e Outros
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Outros despachos
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
CSM & Filhos, SA, veio interpor recurso do despacho interlocutório de 23-11-2015 que determinou a notificação da Requerente para proceder ao pagamento da taxa de justiça devida nos presentes autos e da sentença de 18-12-2015 pela qual o TAF de BRAGA julgou verificada a excepção dilatória inominada de falta de pagamento da taxa de justiça e consequentemente absolveu da instância a entidade requerida na presente providência cautelar intentada contra o Banco Comercial Português, SA, e contra a C... - Companhia de Seguros de Créditos, SA, sendo Contra-interessada V... - Empresa de Água e Saneamento de Guimarães e Vizela, E.I.M, SA, como preliminar de acção administrativa especial de impugnação do acto administrativo e condenação à prática do acto devido.
*
Em alegações a RECORRENTE formulou as seguintes CONCLUSÕES:
A. Vem o presente recurso interposto i) Do despacho interlocutório proferido em 23.11.2015, (expediente que constitui as páginas 703 e ss. do SITAF), nos termos do qual, o Tribunal a quo determinou a notificação da Autora (aqui Recorrente) para, no prazo de 10 dias, proceder ao pagamento da taxa de justiça devida nos presentes autos e junção de respetivo documento comprovativo – despacho interlocutório; b) Da Sentença absolutória de fls. 827 e sgs., proferida pelo Tribunal a quo, datada de 18.12.2015, nos termos do qual se determina a verificação de exceção dilatória inominada, por falta de pagamento da taxa de justiça e junção do respetivo comprovativo, com a consequente absolvição da entidade requerida da instância, nos termos dos artigos 278.º, n.º 1, al. e), 576.º, n.º 1 e 2, 577.º e 578.º, todos do CPC – sentença de absolvição da instância.

B. Em 14.12.2015, a Recorrente interpôs recurso do despacho datado de 23.11.2015, que, considerando não haver fundamento para a aplicação da isenção de custas prevista na al. u) do n.º 1 do art.º 4.º do RCP, notificou a ora Recorrente para que procedesse ao pagamento da taxa de justiça devida nos autos no prazo de 10 dias, bem como à junção do respetivo documento comprovativo, a subir em separado, de imediato e com efeito suspensivo da decisão recorrida

C. Em virtude de ter sido proferido despacho de não admissão de recurso, em 18.12.2015, a Recorrente apresentou, em 04.01.2016, reclamação da decisão de não admissão de recurso perante o TCA-Norte, nos termos do n.º 6 do artigo 641.º e do artigo 643.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi n.º 3 do artigo 144.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), e da al. h) do n.º 2 do artigo 644.º do Código de Processo Civil (CPC), a qual se encontra atualmente pendente no TCA-Norte.

D. Sucede que, e porque a mesma ainda não foi objeto de apreciação pelo TCA-N, e isto porque o Tribunal a quo proferiu decisão de absolvição da instância sem deixar decorrer o prazo para trânsito em julgado da decisão por ele proferida de não admissão do anterior recurso interposto (e obviamente não aguardando pela decisão que o Tribunal superior irá proferir no âmbito daquela Reclamação),

E. Vê-se a aqui Recorrente obrigada a apresentar agora novamente recurso do despacho proferido a 23.11.2015 – estando ainda pendente decisão sobre a Reclamação apresentada relativamente à sua anterior não admissão.

F. A Sentença recorrida foi necessariamente proferida antes da decisão do TCA-Norte, pelo que não se poderá aceitar que a ora Recorrente, não tenha procedido ao pagamento da taxa de justiça dentro do prazo, já que, conforme exposto, os efeitos do Despacho de 23.11.2015 encontrar-se-iam suspensos até que o TCA-Norte se pronunciasse quanto à reclamação apresentada em 04.01.2016.

G. A sentença recorrida padece de erro de julgamento, porquanto, na data em que esta foi proferida, a ora Recorrente ainda estava em prazo para proceder ao pagamento da mesma.

H. Por outro lado, e mesmo que se admita que o efeito suspensivo do Despacho de 23.11.2015 findou com o Despacho que indeferiu a interposição do Recurso, a Sentença ainda assim não deverá proceder, uma vez que na data em que o Recorrente foi notificado desta decisão ainda estava a decorrer o prazo para o pagamento da taxa de justiça.

I. A sentença recorrida padece de vício de erro de julgamento previsto nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil (aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA), por estar sustentada em pressupostos de facto e de direito que não se verificaram, devendo, em consequência ser a mesma revogada.

J. Tal como consta do despacho, este tem como causa uma pronúncia (parecer) emitida pelo Ministério Público, num outro processo autónomo do presente, nomeadamente no âmbito do processo cautelar nº 2382/15.0BEBRG, que corre também por apenso ao processo nº 2382/15.0BEBRG-A, ou seja, a questão atinente à isenção das custas processuais não foi invocada pela parte contrária do presente processo, nem pelo MP, pelo que não podia o Tribunal conhecer da referida questão.

K. Tal invocação já não seria possível nesta fase, considerando que a oportunidade para tal já havia precludido, ao abrigo do princípio da concentração da defesa na contestação (Oposição), prevista no artigo 573º do CPC, aplicável ex vi artigo 1º do CPTA.

L. Para além de ter ficado prejudicada a invocação da referida questão, ficou também prejudicada a respetiva apreciação pelo Tribunal a quo, devendo, em consequência, ter sido desentranhado o requerimento apresentado pela Requerida, na parte em que respeita à alegação da não aplicabilidade da isenção prevista na al. u) do n.º 1 do artigo 4.º do RCP.

M. Conforme resulta provado nos autos, o Tribunal a quo emitiu o despacho de 23.11.2015 após ter proferido despacho de admissão liminar da providência – ou melhor, depois da citação do Recorrido, e mesmo depois de as partes terem apresentado todos os articulados nos autos.

N. Com efeito, a Recorrente alegou e provou, de facto e de Direito, a aplicabilidade do regime de isenção de custas previsto na al. u) do n.º 1 do artigo 4.º do RCP em sede de RI, não tendo o Tribunal a quo suscitado a respetiva inaplicabilidade – pelo contrário, admitiu a providência, porquanto se verificavam todos os pressupostos e formalidades legais, ordenou a citação da Recorrida e tramitou os autos em conformidade.

O. Do exposto resulta que: (i) o Tribunal a quo considerou regularizada a situação dos autos relativamente a custas, e por isso, não foi a mesma rejeitada pela secretaria, tendo sido admitida liminarmente e ordenou a citação da aqui Recorrida; (ii) nem o Ministério Público (com legitimidade processual), nem a Recorrida (sem legitimidade processual, porquanto não tem qualquer interesse legítimo), interpuseram recurso do despacho de admissão liminar da providência, nos termos requeridos e invocados pela Requerente, tendo-se conformado com o mesmo; (iii) pelo que se verificou o respetivo trânsito em julgado e consequente consolidação do mesmo na ordem jurídica.

P. Acresce que, o princípio da segurança jurídica, o qual enformando o processo judicial, determina que certas questões/matérias processuais (legalmente e taxativamente previstas, como é o caso da liquidação das custas judiciais) devam ser suscitadas e principalmente decididas em certas e determinadas fases do processo, e uma vez consolidadas fica precludida a sua apreciação/reapreciação em momento posterior, prevendo a lei mecanismos próprios a ser deduzidos em momento oportuno para efeitos de apreciação das referidas questões/matérias, os quais uma vez apreciados e decididos, excutem o poder jurisdicional sobre os mesmos.

Q. No caso dos autos, está em causa a emanação de um despacho liminar, que decidiu no sentido da regularidade total da instância (de acordo com os pressupostos e formalidades legalmente previstas), incluindo, necessariamente, a verificação, in casu, dos pressupostos de aplicação do regime de isenção de custas invocado pela Requerente em sede de RI.

R. Ora, estabelece o artigo 116.º do CPTA que sobre o RI recai o despacho de admissão/rejeição liminar, para efeitos do qual deverá o juiz aferir se em concreto estão reunidos os pressupostos para que o Tribunal possa apreciar a causa, cabendo ao juiz verificar os fundamentos especificamente previstos no n.º 2 do artigo 116.º do CPTA, bem como o cumprimento dos pressupostos de natureza geral que constituem condição para que o Tribunal possa conhecer de qualquer causa que lhe seja submetida, independentemente da jurisdição em causa ou do meio processual utilizado.

S. De entre os pressupostos processuais de natureza geral encontra-se o pagamento da taxa de justiça, o qual deverá ser verificado, desde logo, pela secretaria do Tribunal – vide alínea d) do n.º 1 do artigo 80.º do CPTA, de igual forma, na lei processual civil, alínea f) do artigo 558.º do CPC.

T. In casu, a secretaria considerou regular a apresentação do RI, porquanto não a recusou, tendo, o Tribunal a quo validado e consolidado judicialmente tal entendimento ao proferir despacho de admissão liminar, dando por verificados todos os pressupostos, de natureza geral e especial, dos quais dependia o prosseguimento normal dos autos, seguindo-se a ordem de citação.

U. Caso o Tribunal a quo entendesse não estar regularizada a apresentação do RI com a invocação da aplicação do regime de isenção de custas previsto na alínea u) do n.º 1 do artigo 4.º do RCP, caber-lhe-ia invocar e fundamentar a inaplicabilidade do referido regime, e, consequentemente, conceder prazo para pagamento da taxa de justiça, nos termos do artigo 6.º n.º 2 do CPC, aplicável ex vi, do artigo 1.º do CPTA, pelo que, não o tendo feito, esgotou o poder jurisdicional sobre a referida matéria, tendo-se a mesma consolidado na ordem jurídica, considerando não ter sido objeto de recurso, nem pelo Ministério Público (que teria legitimidade processual), nem pelo Recorrido (que nunca teria legitimidade processual).

V. Em consequência, formou-se caso julgado formal da decisão de admissão liminar da providência (onde de apreciou da regularidade do processo quanto a custas), nos termos do número 1 do artigo 620.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, pelo que se esgotou o poder jurisdicional do Tribunal a quo no que respeita à apreciação da questão da isenção de custas invocada pela ora Recorrente – conforme resulta do entendimento do STA.

W. Pelo exposto, o despacho de 23.11.2015 padece de vício de erro de julgamento, nos termos da alínea d) do número 1 do artigo 615º do CPC, aplicável ex vi artigo 1º do CPTA, quando o Tribunal a quo, em violação de caso julgado formal, firmado quanto ao despacho de admissão liminar, julga poder conhecer (intempestivamente) da questão invocada pela Recorrida, quanto à aplicabilidade da isenção prevista na al. u) do n.º 1 do artigo 4.º do RCP.

X. Considerando que o Tribunal a quo¸ apreciou a questão de saber se a isenção prevista na al. u) do n.º 1 do artigo 4.º do RCP e, sem dar à Recorrente qualquer oportunidade de pronúncia, procedeu à notificação da Autora para que procedesse ao pagamento da taxa de justiça, violando de forma manifesta a ostensiva o seu direito ao exercício do contraditório (cfr. artigo 3.º, n.º 3, do CPC), foi proferida uma decisão-surpresa, o que gera a nulidade da decisão proferida nos termos do disposto no artigo 195.º do CPC.

Y. Acresce que, ainda que se considerasse que o Tribunal a quo poderia conhecer, na atual fase do processo, da questão (intempestivamente) invocada pela Recorrida quanto à aplicabilidade da isenção prevista na al. u) do n.º 1 do artigo 4.º do RCP, não poderia o Tribunal decidir no sentido da inaplicabilidade da referida isenção.

Z. Conforme decorre do alegado e provado pela Recorrente nos autos, esta encontra-se em Processo Especial de Revitalização (doravante, PER) que corre termos sob o n.º 1529/14.9BEPRD, no Juízo da Secção de Comércio da Instância Central da Comarca de Porto Este, tendo o respetivo plano sido homologado por douto despacho de 18.05.2015.

AA. Considerou o tribunal a quo que, uma vez que a Recorrente se submeteu ao PER, já não lhe será aplicável a isenção prevista na al. u) do n.º 1 do artigo 4.º do RCP, porquanto o mesmo se trata de “um expediente claramente distinto da insolvência e mesmo da recuperação da empresa”.

BB. No entanto, e ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, ínsito no douto despacho por si proferido, deverá entender-se que o PER se enquadra na previsão da alínea u) do número 1 do artigo 4º do RCP, in fine, porquanto se trata de um “processo de recuperação de empresa”.

CC. Com efeito, o PER foi desenhado na nossa lei como um processo de recuperação de empresa de natureza extrajudicial, visando, nos termos do n.º 1 do artigo 17.º-A do CIRE, “permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com este acordo conducente à sua revitalização” (sublinhado e realce nossos).

DD. Sucede que a redação da alínea u) do número 1 do artigo 4º do RCP se mantém inalterada desde a primeira versão do diploma, aprovada em 2008 [à data, alínea t)] - altura em que o PER não existia na nossa ordem jurídica, tendo sido pensada essencialmente para o plano de recuperação de empresa previsto no número 3 do artigo 192.º do CIRE, pelo que, e tendo em conta os critérios de interpretação expostos no n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil – especialmente o da interpretação à luz das “condições específicas do tempo em que é aplicada” (interpretação atualista) – deve entender-se que o termo “processo de recuperação de empresa” abarca também o PER, tal como este está desenhado no nosso ordenamento.

EE. Tal interpretação é a única consentânea com o princípio da igualdade – situações de facto iguais deverão merecer a aplicação do mesmo regime jurídico.

FF. Acresce que, tal entendimento é sufragado pelo Tribunal da Relação do Porto, o qual admitiu expressamente a aplicação da isenção prevista na al. u) do n.º 1 do artigo 4.º do RCP a entidades em situação de insolvência ou em processo de recuperação de empresa instaurado, nomeadamente, Plano Especial de Revitalização.

GG. A isenção que resulta da alínea u) do n.º 1 do artigo 4.º do RCP é, nos presentes autos, aplicável à Recorrente face à circunstância de a mesma se encontrar em processo especial de revitalização.

HH. Entende ainda o despacho de 23.11.2015 que “não há pois fundamento para aplicar a isenção de custas prevista na al. u), do nº 1 do art. 4º do RCP aos casos em que a parte esteja em situação de revitalização, sobretudo após a aprovação e homologação do respetivo plano”.

II. Contudo, entende a Recorrente não assistir razão ao Tribunal a quo neste aspeto do douto despacho de 23.11.2015, porquanto o mesmo faz uma interpretação errada da isenção da al. u) do n.º 1 do artigo 4.º do RCP visto que esta é aplicável não apenas na fase processual até à aprovação e homologação do plano de revitalização, mas também durante o seu cumprimento – de acordo com as regras e prazos homologados.

JJ. De outra forma, nem faria sentido o regime de isenção vigorar dentro deste curto período de tempo, até porque o despacho de admissão obsta ao prosseguimento e instauração de ações de cobrança durante o período das negociações, logo pouco ou nada estaria abrangido por este regime de isenção, não sendo de admitir que o legislador tenha criado um regime de isenção sem que o mesmo tivesse qualquer aplicabilidade prática.

KK. A intenção do legislador aquando da previsão desta isenção foi a de acautelar situações financeiras difíceis e não dificultar a viabilização de empresas durante o processo de recuperação, as quais poderiam ser agravadas mediante a adstrição ao pagamento de custas judiciais - pressupostos que se verificam, não apenas relativamente ao processo de insolvência, mas também relativamente ao PER.

LL. Sucede que, no âmbito do processo de insolvência, a declaração da insolvência faz cessar essa situação e dá lugar à emergência de uma nova realidade jurídica, a massa insolvente, a qual já não se encontrará isenta de custas.

MM. No caso do PER, a homologação do plano aprovado no seu âmbito não faz cessar a situação financeira de insolvência eminente que determinou a abertura do referido processo, nem dá lugar à emergência de uma nova realidade jurídica, pelo que as condições que determinam a concessão da isenção mantêm-se até integral cumprimento do referido plano, pelo que, se conclui, mais uma vez, face ao supra exposto, que a isenção que resulta da alínea u) do n.º 1 do artigo 4.º do RCP é aplicável à Recorrente.

NN. Pelo exposto, o despacho de 23.11.2015 padece de vício de erro de julgamento, quando o Tribunal a quo, em violação do disposto na al. u) do n.º 1 do artigo 4.º do RCP, decidiu não ser aplicável in casu a isenção de custas prevista naquele dispositivo, apesar de a ora Recorrente se encontrar em processo especial de revitalização, com o respetivo plano homologado.

OO. Com efeito, nos presentes autos de providência cautelar a Recorrente pretende evitar o acionamento de garantias bancárias por parte da Recorrida, destinadas à correção de alegados defeitos de obra, que a Recorrente não consente existirem, reclamando esta, aliás, a receção definitiva da obra.

PP. Obviamente que a Recorrente estando em PER acusa uma situação financeira frágil, que certamente constitui uma dificuldade no acesso ao direito e à justiça.

QQ. De forma a evitar situações de injustiça material, atento o facto de as pessoas coletivas que se encontrem em situações económico-financeiras frágeis (que não podem gozar de apoio judiciário) poderem ficar impedidas de aceder à justiça para tutelar os seus direitos e interesses legítimos, o legislador consagrou este regime de isenção, visando abranger todas as empresas que se encontrem em recuperação.

RR. Contrariando tais regras, as decisões recorridas violam, entre outros, o disposto nos artigos 573.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1º do CPTA, no n.º 1 do artigo 620.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA artigo 3.º n.º 3 do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, e na al. u) do n.º 1 do artigo 4.º do RCP.

Termos em que,

E nos melhores de Direito, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas, deverá o presente recurso jurisdicional ser julgado procedente, revogando-se a sentença absolutória de 18.12.2015, assim como o despacho de 23.11.2015, por se verificarem os vícios de erro de julgamento e de nulidade da decisão proferida, e, por conseguinte, considerar-se que a Recorrente está isenta do pagamento da taxa de justiça, ao abrigo da alínea u) do número 1 do artigo 4º do RCP, devendo os autos cautelares prosseguirem os seus ulteriores termos.
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A Contra-Interessada V..., SA contra alegou conforme fls. 629 e seguintes do processo físico concluindo que deve ser o recurso julgado totalmente improcedente.
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O MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu o douto parecer de fls. 692 e seguintes (processo físico) no sentido de que deverá este Tribunal “ad quem”:

1) Rejeitar o recurso do douto despacho interlocutório proferido em 23/11/2015, atenta a sua inadmissibilidade legal;

2) Conceder parcial provimento ao recurso jurisdicional da decisão proferida em 18/12/2015, que julgou verificada a exceção dilatória inominada da falta de pagamento da taxa de justiça devida e da junção do respetivo documento comprovativo e, em consequência, absolveu a entidade requerida da instância e

3) Revogar a citada decisão judicial recorrida, devendo os autos baixar ao TAF de Braga, a fim de aí prosseguirem os seus ulteriores termos até final, se nada mais a tanto vier a obstar.
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FACTOS
Os factos atendíveis na decisão são consubstanciais aos actos praticados nestes autos numa sequência que o Tribunal “a quo” sintetiza deste modo:

CSM & Filhos, SA, com sede na Rua …, intentou a presente providência cautelar contra o Banco Comercial Português, SA, com sede na …, e contra a C... – Companhia de Seguros de Créditos, SA, com sede na Avenida …, como preliminar de acção administrativa especial de impugnação do acto administrativo e condenação à prática do acto devido.
Indicou como Contra-interessada a V... – Empresa de Água e Saneamento de Guimarães e Vizela, E.I.M, SA, com sede na Rua ….
No requerimento inicial, alegou estar isenta de custas judiciais, nos termos do art. 14º, nº 1, al. u) do RCP, face à circunstância de se encontrar em processo especial de revitalização que corre termos sob o nº 1529/14.9BEPRD, na secção de comércio da Instância Central da Comarca de Porto Este, o qual foi homologado por despacho de 18.05.2015.
O requerimento inicial foi liminarmente admitido, a entidade demandada foi citada e deduziu oposição.
Por despacho de 23.11.2015 (fls. 425 e ss. do suporte físico), considerando-se não haver fundamento para aplicar a isenção de custas prevista na al. u), do nº 1 do art. 4º do RCP, foi ordenada a notificação da Autora para, no prazo de 10 dias, proceder ao pagamento da taxa de justiça devida nos presentes autos e junção do respectivo documento comprovativo.
Notificada do referido despacho por ofício datado de 24.11.2015, a Autora não documentou nos autos o pagamento da taxa de justiça no prazo concedido.
A 14.11.2015, via mail, veio a Autora interpor recurso do despacho de 23.11.2015, o qual foi rejeitado por despacho proferido nesta data.
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DIREITO
Recurso do despacho de 23-11-2015
Por despacho da Relatora, de 08-04-2016, proferido no Apenso A, ou seja, no Proc. 2781/15.8BEBRG-A e já transitado em julgado, foi indeferida a reclamação contra o despacho do TAF de Braga, de 18.12.2015 (fls. 545-547 do processo físico), que não admitiu o recurso apresentado pela Reclamante contra o despacho interlocutório de 23-11-2015, em que se determinou a notificação da Requerente para proceder ao pagamento da taxa de justiça e juntar o respectivo documento comprovativo.
Transcreve-se daquele despacho de 08-04-2016 o seguinte excerto:

«No entanto, verifica-se que, em concreto, tal apelação autónoma não se mostra imprescindível para assegurar a utilidade do recurso. Note-se que, na mesma data do despacho interlocutório contra o qual se pretende recorrer autonomamente, foi proferida decisão final que, com fundamento na falta de pagamento da taxa de justiça, julgou verificada exceção dilatória inominada, e, consequentemente, absolveu a entidade requerida da instância. O que significa, por um lado, que a Reclamante pode de imediato interpor recurso do despacho interlocutório com o recurso que vier a interpor da decisão final (por aquele e esta terem a mesma data); e, por outro, que esta decisão final como que “consumiu” o efeito do despacho interlocutório (que se limitara a ordenar o pagamento da taxa de justiça), pois baseando-se no mesmo fundamento daquele (falta de pagamento da taxa de justiça em consequência de não ter considerado haver isenção) determinou a absolvição da instância, com a consequente extinção da instância, caso venha a transitar em julgado (e consequente inutilidade do recurso autónomo contra o despacho interlocutório, caso este fosse admitido autonomamente e a Reclamante não interpusesse recurso da decisão final).»

Confirma-se a irrecorribilidade do despacho visado e rejeita-se este recurso.
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Recurso da decisão final
A única questão submetida a recurso é se a Requerente beneficia da invocada isenção de custas prevista no artigo 4º/1/u) do RCP e, consequentemente, se a decisão recorrida incorre em erro de julgamento ao decidir pela negativa.
Lê-se na decisão recorrida:

«Notificada a Autora do despacho de 23.11.2015 - que considerou não haver fundamento para aplicar a isenção de custas invocada no requerimento inicial (al. u), do nº 1 do art. 4º do RCP), e lhe concedeu o prazo de 10 dias para proceder ao pagamento da taxa de justiça devida nos presentes autos e à junção do respectivo documento comprovativo –, a Autora não deu cumprimento ao mesmo.
Estamos pois perante a instauração de uma acção para a qual a Autora não está isenta de custas e, notificada para proceder ao seu pagamento, não o fez.
A falta de pagamento da taxa de justiça e junção do respectivo documento comprovativo constitui uma irregularidade formal que configura uma excepção dilatória inominada, a conhecer oficiosamente pelo Tribunal, que obsta a que se conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância – cfr. artigos 278º, nº 1, al. e), 576º, nº 1 e 2, 577º e 578º, todos do CPC.
Pelo exposto, julgo verificada a aludida excepção dilatória inominada, e, consequentemente, absolvo a entidade requerida da instância.»
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No referido despacho de 23-11-2015, fazendo sua a argumentação constante de um parecer do MP, o TAF considerou:

«A Autora instaurou o presente processo cautelar, alegando estar isenta de custas judiciais, nos termos do art. 14º, nº 1, al. u) do RCP, face à circunstância de se encontrar em processo especial de revitalização que corre termos sob o nº 1529/14.9BEPRD na secção de comércio da Instância Central da Comarca de Porto Este, o qual foi homologado por despacho de 18.05.2015.

Estabelece o art. 14º, nº 1, al. u) do RCP que estão isentas de custas “As sociedades civis ou comerciais, as cooperativas e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada que estejam em situação de insolvência ou em processo de recuperação de empresa, nos termos da lei, salvo no que respeita às acções que tenham por objecto litígios relativos ao direito do trabalho.”

O Ministério Público, no âmbito do processo cautelar nº 2382/15.0BEBRG, que corre também por apenso ao processo nº 2382/15.0BEBRG-A, emitiu o seguinte parecer, ao qual aderimos:

(…)

Em nosso entender, decorre do exposto que a isenção prevista no artº 4º, nº 1, alínea u), do RCP, só é aplicável às sociedades comerciais que se encontrem em situação de insolvência ou em processo de recuperação de empresa, não sendo aplicável às que apresentem plano especial de revitalização pois que estas n em se encontram em situação de insolvência judicialmente declarada nem em processo de recuperação em cumprimento de um plano de insolvência ou de recuperação de empresa judicialmente homologado.”

Em síntese, trata-se de um expediente claramente distinto da insolvência e mesmo da recuperação da empresa, tanto mais que na revitalização, as custas ficam a cargo da devedora (cfr. art. 17ºF, nº 7 do CIRE).

Não há pois fundamento para aplicar a isenção de custas prevista na al. u), do nº 1 do art. 4º do RCP aos casos em que a parte esteja em situação de revitalização, sobretudo após a aprovação e homologação do respectivo plano.»

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É contra esta tese que militam a generalidade das conclusões da Recorrente no presente recurso.

Idêntica questão foi apreciada no Acórdão de 18-11-2015 da 2ª Secção do STA, Rec. 0918/15, em termos que dão inequívoco suporte à tese da Recorrente, como decorre do sumário que se transcreve:

«I - Em sede de oposição à execução fiscal, beneficia da isenção de custas prevista na alínea u) do n.º 1 do art. 4.º do Regulamento das Custas Processuais a sociedade oponente que esteja sujeita a um Plano Especial de Revitalização (PER).

II - O PER, que tem como finalidade permitir aos devedores que se encontrem em situação económica difícil ou situação de insolvência iminente, mas que sejam passíveis de recuperação, negociar com os seus credores e obter um acordo judicialmente homologado e eficaz para com todos os seus credores, constitui um processo de recuperação de empresa para os efeitos previsto no referido preceito legal.»

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O STA sintetiza a sua judiciosa argumentação cuja leitura integral se recomenda, acessível em www.dgsi.pt, do seguinte modo:

«Como resulta do que deixámos dito, a revitalização mais não é do que uma fase do processo de insolvência, destinada a propiciar a recuperação dos devedores em situação económica difícil ou insolvência iminente a sua recuperação mediante acordo com os seus credores sem que seja decretada a sua insolvência.

Afigura-se-nos, pois, que não há razão para que não se aplique a referida isenção às sociedades comerciais sujeitas a um PER, tanto mais que, hoje, será esse o meio judicial para a sua recuperação, sendo certo que o CIRE não contempla processo denominado de recuperação de empresa, contrariamente ao que sucedia no Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 132/93, de 23 de Abril (Alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 157/97, de 24 de Junho, 315/98, de 20 de Outubro, 323/2001, de 17 de Dezembro, e 38/2003, de 8 de Março).

Por outro lado, salvo o devido respeito e como bem realçou a Recorrente, do art. 17.º-F, n.º 7, do CIRE (segundo o qual compete ao devedor o pagamento das custas devidas pela homologação judicial do plano de recuperação), não pode retirar-se argumento algum em favor da tese da decisão recorrida. Na verdade, também as custas do processo de insolvência ficam a cargo da sociedade declarada insolvente (cfr. art. 304.º do CIRE), o que não impede a sociedade que esteja em “situação de insolvência” de beneficiar da isenção prevista na alínea u) do n.º 1 do art. 4.º do RCP. Na verdade, uma coisa são as custas do processo de insolvência e outra é a isenção concedida à sociedade em “situação de insolvência” nos litígios judiciais em que seja parte.

Afigura-se-nos, pois, que a prossecução da oposição à execução fiscal não pode ficar dependente do pagamento da taxa de justiça ou da comprovação do deferimento do pedido de apoio judiciário. Por esse motivo, o recurso será provido.»

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No entanto, no caso em apreço, a Contra Interessada objecta ainda o seguinte:

«Conforme decorre do disposto no artigo 4º n.º 1 al u) do RCP a isenção pressupõe que as sociedades estejam em processo de recuperação de empresa.

Já se encontra demonstrado nos presentes autos que a recorrente já não se encontra em processo de recuperação, porquanto o mesmo já foi extinto face à aprovação e homologação do plano de recuperação.

Logo, também por essa razão não se encontram reunidos os requisitos para que recorrente beneficie da isenção prevista da alínea u do n.º1 do art. 4 º do R.C.P..

Assim, face ao todo vindo de expor, resulta que carece de fundamento o alegado pela recorrente, pelo que deve o presente recurso ser julgado improcedente e a decisão em causa ser mantida sem qualquer reparo.»

Esta objecção em nada infirma a força persuasiva do acórdão do STA citado, uma vez que também nesse caso a sociedade recorrente estava sujeita a plano de revitalização aprovado pelos credores e homologado judicialmente.

Bem se compreende esta solução, pela razão invocada na conclusão MM da Recorrente, supra transcrita. Essencialmente, diga-se, porque o objectivo do instituto PER, diversamente da insolvência, não é liquidar patrimónios mas sim recuperar económica e financeiramente empresas desvitalizadas, sendo certo que o plano aprovado com os credores é ainda um meio instrumentalizado à prossecução desse objectivo.

Objectivo com o qual, finalmente, a isenção de custas se adequa racionalmente, sem qualquer reserva, tanto mais que não será cortando as asas à recuperação das empresas que, a prazo, serão implementadas as receitas fiscais.

Deste modo o recurso merece provimento.

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DECISÃO

Pelo exposto acordam em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e ordenar a remessa dos autos ao TAF para que o processo aí prossiga os seus trâmites.
Custas pela Contra Interessada.
Porto, 1 de Julho de 2016
Ass.: João Beato Sousa
Ass.: Helder Vieira
Ass.: Alexandra Alendouro