Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00831/13.1BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/31/2018
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Ana Paula Santos
Descritores:IRS, MAIS VALIAS, CESSÃO DE QUOTAS; VALOR NOMINAL, INCORPORAÇÃO DE RESERVAS, ENTRADAS EM DINHEIRO, FUNDAMENTAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO
Sumário:
I - A AT tem o dever legal de fundamentar os actos de liquidação (cfr. o art. 268º da CRP, bem como os arts. 21º do CPT, 125º do CPA e 77º da LGT).
II - A fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma sucinta, não pode deixar de ser clara, congruente e de contemplar os aspectos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto.
III-As mais-valias são tributadas em sede de IRS, categoria G (Incrementos patrimoniais), pela diferença entre o valor de aquisição das quotas sociais e o da sua realização, à data desta, com os abatimentos devidos;
IV- Tendo o cedente, procedido ao aumento do capital social da sociedade quer mediante incorporação de reservas, quer mediante entrega dos correspondentes montantes na caixa social da sociedade, impunha-se à AT que esclarecesse como determinou o valor de aquisição dessa quota, uma vez que o valor nominal desta foi aumentado quer com deslocação patrimonial do respectivo património pessoal para o da sociedade, quer com recurso a património societário. Pelo que não o tendo feito , padece o acto impugnado de falta de fundamentação. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:HAS
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Pronunciou-se no sentido da procedência do presente do recurso, no entendimento, em suma, de que “os actos de liquidação se encontram devidamente fundamentados no relatório de inspecção, sendo perfeitamente compreensíveis as razões de facto e de direito que estiveram na base das correcções efectuadas.(...)”
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
A FAZENDA PÚBLICA, inconformada, vem interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por HAS contra o despacho de indeferimento do recurso hierárquico que havia deduzido contra a decisão que negou provimento à reclamação graciosa que teve por objeto a liquidação de IRS relativo aos ano de 2008, na qual se apurou o valor a pagar de 16.499,91€,,
Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem “ispsi verbis”:
1 - Por douta sentença de 13/10/2014, proferida pela Meritíssima Juíza a quo, a referida Impugnação Judicial foi julgada procedente, por provada, determinando a anulação da liquidação de IRS do ano 2008 e respetivos juros, bem como a decisão que indeferiu o recurso hierárquico deduzido pelo impugnante/recorrido, decisão esta com a qual não pode a Fazenda Pública concordar.
2 - Sendo que aquela liquidação resultou de uma correção à matéria coletável do imposto e exercício acima indicado, feita pela Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Coimbra, referente a mais valias obtidas pela transmissão de uma quota, pertença do ora Recorrido, na sociedade " GMDC, Lda".
3 - Com efeito, entendeu e concluiu a Mma Juíza do Tribunal " a quo", que na declaração de IRS de 2008 do ora Recorrido, este "(...) fez constar, a titulo de valor de aquisição, o valor nominal da quota (150.000,00€) mas a AT alterou esse montante para 2.493,99€ sem, no entanto, indicar qualquer
razão de facto para essa alteração."
4 — Motivo pelo qual o Tribunal "a quo" considerou que a liquidação de imposto e juros em crise, bem como as decisões que negaram provimento à reclamação graciosa e ao recurso hierárquico deduzidos pelo impugnante, ora Recorrido, enfermavam do vicio de forma por falta de fundamentação, tendo determinado a sua anulação, ficando prejudicado o conhecimento dos demais vícios suscitados pelo impugnante.
5 - Ora, e com todo o respeito que é devido, que é muito, a Recorrente não pode concordar com tal decisão, isto porque, dos factos dados como provados no probatório da douta sentença, alicerçados nas provas documentais do processo administrativo, bem como das decisões de indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico, até demonstram, no nosso humilde entendimento, que o ato de liquidação está suficientemente fundamentado.
6 — Isto é, apurou-se em sede de procedimento inspetivo, que o sujeito passivo, ora Recorrido, no ano de 2008, cedeu a quota que detinha na sociedade em causa nos autos, que representava 50% do capital social e este declarou, no anexo G, da Mod. 3, como valor da aquisição, o valor nominal da quota à data da cessão — 150.000,00E - quando deveria ter declarado o valor nominal de aquisição — 2.493,99€ - o que motivou o apuramento de um rendimento inferior ao que legalmente seria devido.
7 - E ao contrário do que é dito na douta sentença, e que muito humildem ente não aceitamos, o relatório da inspeção, bem como a as decisões de indeferimento da reclamação graciosa e recurso hierárquico explicitam de uma forma bastante simples da razão de se ser da correção dos valores de 150.000€ ( indicado pelo Recorrido) para 2.493,99€ ( corrigido pela Inspeção tributária).
8 - Ou seja, é explicado que aquele valor de 2.493,99€ é o valor nominal, reportado à data de aquisição, e que este valor resultou da unificação ocorrida em 11 de Fevereiro de 1999, relativo a duas quotas. — conforme documentos de fls. 35 a 42 do PA.
9 - Que com a cessão da quota, que ocorreu em 30 de Maio de 2008, cujo valor de realização (preço) foi de 450.000,00€ e que constava da titularidade do ora reclamante desde 06 de Outubro de 1992, o ora Recorrido obteve uma mais valia no montante de 447.506,01, cujo imposto apurado foi de 44.750,60€
10 - E uma vez que existia uma liquidação inicial que originou um imposto a pagar no valor de 30.000,00€, foi feito o acerto de contas com aquela primeira liquidação, sendo que a diferença de valores é de 14.750,60€, acrescendo a este valor de imposto os juros compensatórios no valor de 1.616,50€, que perfaz o valor total de 16.367,11€ — conforme documento a fls. 17 do Processo Administrativo (PA).
11 - E o relatório final da Inspeção Tributária, e ao contrário do que é decidido judicialmente, encontra-se devidamente fundamentado quer a nível factual, quer a nível legal, conforme se pode aferir pela leitura do mesmo, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa e a decisão de indeferimento do recurso hierárquico.
12 - E a informação que serve de base para o despacho de informação da reclamação graciosa refere expressamente que " ...a fundamentação do Relatório da IT, com vista à correção ao quadro 8
campo 801 no anexo G da declaração de IRS do ano de 2008, suportou-se na lei e em documentos ( escrituras e extratos da conservatória do Registo Comercial), tanto mais que esta só se verificou porque o reclamante ali colocou o valor nominal da quota à data da realização, quando deveria ser, na falta de outro custo documentalmente provado, o valor nominal à data da aquisição, tal como determina o já citado art°48.°, alínea b) do CIRS". — vide fls. 73 do PA.
13 - Indicando, ainda, aquela informação que " ....no apuramento da mais valia a tributar apenas foram utilizadas as operações básicas de matemática (subtração e multiplicação), tanto mais que o Reclamante não optou pelo englobamento dos ganhos, o que significa que aquele ganho foi autonomamente tributado, à taxa especial prevista no n°4 art°72.° do CIRS, que era de 10% do ano de 2008. aplicado ao valor de 147.506,01€ por ser essa a diferença entre o apuramento inicial ( como base na declaração do Reclamante) aquele que veio resultar da correção da IT". — vide fls. 73 do PA.
14 - E nos termos do n°4 do art°10.° do CIRS, " O ganho sujeito a IRS é constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimentos de capitais".
15 - E nos termos do n°1 do art°43.° do CIRS " o valor dos rendimentos qualificados como mais valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias realizadas no mesmo ano...".
16 - E para apuramento do valor das mais valias, o valor de realização a considerar será o correspondente ao dinheiro recebido pela alienação das partes sociais, de acordo com o disposto no art°44.°, n°1, al. a) do CIRS.
17 - Que no caso sub judicie, não foi colocado em causa esse valor, que é de 450.000,00€ ­valor declarado na cessão da quota pelo ora Impugnante, na escritura pública a fls. 29 e seg. do PA.
18 - E no caso da transmissão de quotas, o valor de aquisição será o correspondente ao custo documentalmente provado ou, na sua falta, o respetivo valor nominal, conforme exige o disposto no art°48.°, al. b) do CIRS e que foi devidamente invocado no relatório da inspeção.
19 - Assim, face ao que foi dito, e face às provas documentais, nomeadamente as escrituras publicas e extrato do registo da conservatória constante a fls. 46 do PA, que o saldo de mais-valias sempre resultará da diferença entre o valor de realização e o valor nominal da quota à data da sua constituição e aquisição, não tendo sido considerados os aumentos de capital por resultarem de "...incorporação de reservas" — vide explicações do relatório a fls. 26 do PA, motivo pelo qual foi desconsiderado o valor de 150.000,00€ como valor de aquisição.
20 - Isto porque, o aumento de capital por incorporação de reservas não implica qualquer custo para os sócios, sendo reservas da própria sociedade, não constituindo novas entradas dos sócios, conforme art°87.° e art°91.°, ambos do Código das Sociedades Comerciais.
21 - Parece-nos, portanto, existir errado julgamento na questão relativa ao apontado vicio de forma por alegada falta de fundamentação do ato. E o erro de julgamento de facto ocorre quando se conclua, da confrontação entre os meios de prova produzidas e os factos dados por provados ou não provados, que o juízo feito está em desconformidade com a prova produzida, independentemente da convicção pessoal do Juiz acerca de cada facto.
22 - Ora, com todo o respeito pela douta decisão "a quo" e reconhecendo a análise efetuada pela Mma Juíza, a Recorrente, entende que o Tribunal " a quo" fez uma interpretação muito restritiva, ficando aquém do que é razoável, do que realmente consta do relatório da inspeção e das decisões de indeferimento da reclamação graciosa e recurso hierárquico.
23 - Isto porque, dos elementos constantes do relatório da inspeção e que foram dados como provados — no ponto III alínea i) da douta sentença — apontam em sentido diverso e inequívoco do decidido.
24 - Não ignoramos que a Mma Juíza do Tribunal " a quo" fundamentou a sua convicção, no entanto, o seu exame critico da prova está em contradição com os factos dados como provados na douta sentença, e que se alicerçaram nos elementos constantes dos autos, parece-nos, portanto, que existe erro na apreciação da prova, justificando-se a alteração da decisão.
25 - E essas contradições, do nosso ponto de vista, manifestaram-se quando foi dito na douta sentença que " Naquela declaração, o impugnante fez contar, a titulo de valor de aquisição, o valor nominal da quota (150.000,00E) mas a AT alterou esse montante para 2.493,99€ sem, no entanto, indicar qualquer razão de facto para essa alteração".
26 - Quando nos factos dados como provados na douta sentença consta a informação que a mais valia encontra-se sujeita a IRS, nos termos do n°9 e 10, do Código de IRS, devendo ser declarada no anexo G da declaração anual de rendimentos modelo 3, conforme o previsto no n°1, do art°57.°, do Código de IRS.
27 - Estando evidenciado como facto dado como provado na douta sentença que " (...) o valor de realização é o da contraprestação - €450.000,00 e que, em conformidade com a alínea b), do art°48, daquele Código, o valor de aquisição é o custo documentalmente provado ou, na sua falta, o respectivo valor nominal - €2.493,99 ( 1.999,19+498,80), o contribuinte com aquela cessão de quota, obteve uma mais-valia no montante de €447.506,01."
28 - Estando, também, ainda, referido, na douta sentença, na parte do probatório, que a cessão da quota de 150.000,00€, ou seja, o valor nominal, à data da cessão, resultou dos reforços resultantes de aumentos de capital por incorporação de reservas e de forma proporcional às respetivas quotas.
29 - Ou seja, que aqueles 150.000,00€ - o valor nominal à data da venda resultou de aumentos de capital social por incorporação de reservas, o que quer dizer que não constituiu qualquer custo para o então sócio, ora Recorrido e portanto não poderia ter sido considerado como valor de aquisição.
30 - E que na falta do custo documentalmente provado, o valor inserido como valor de aquisição foi o valor nominal à data de aquisição - €2.493,99 ( 1.999,19+498,80), e que este valor resultou da unificação ocorrida em 11 de Fevereiro de 1999, relativo a duas quotas. —conforme documentos de fls. 35 a 42 do PA.
31 - Ou seja, aquele valor é o referente ao que o sócio, ora Recorrido despendeu aquando da constituição da sociedade - €1995,19 — e que lhe acresceu por força da cedência de quota do sócio Floriano — 498,79€ - o que perfez o valor nominal de €2.493,99.
32 - Ora, com todo o respeito pela douta decisão "a quo" e reconhecendo a análise efetuada pela Mma Juíza, e face ao que tudo se deixou dito, entende a Recorrente que existiu erro de julgamento na apreciação da prova e que conduziu à decisão por tal procedência.
33 - E conforme é mencionado no douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, no proc. 06235/12, de 15-01-2013, "O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decidemal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação "sub judice" que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida." — o que desde já se pugna para o caso sub judice.
Pelo exposto e com mui douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada a sentença recorrida como é de inteira JUSTIÇA
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O Recorrido apresentou contra-alegações que concluiu nos seguintes termos:.
1. O presente recurso vem interposto de decisão que julgou a "impugnação procedente, por provada, anulo a liquidação de IRS do ano de 2008 e respetivos juros, bem como a decisão que indeferiu o recurso hierárquico deduzido pelo impugnante e reconheço-lhe o direito a ser restituído do imposto e juros que, em relação à dita liquidação, comprovadamente, já tenha pago."
2. A recorrente entende que os factos provados no probatório da douta sentença demonstram que a sua decisão se encontra "suficientemente fundamentado", contudo, não indica quais são os factos que suportam o seu entendimento.
3. Entende que o "exame critico da prova está em contradição com os factos dados como provados na douta sentença", no entanto olvida referir quais são os factos provados que na sua opinião estão em contradição.
4. É de realçar que, os factos provados não foram impugnados.
5. Ora, em causa está que a recorrente esqueceu-se de fundamentar, em termos de direito e em termos factuais, o acerto de contas por si efectuado, designadamente conforme refere, e bem, a douta decisão recorrida, o invocado art. 48°, al. b) do CIRS não é suficiente para fundamentar o acerto de contas por si efectuado.
6. Na verdade, cabia à AT provar ou que o contribuinte não tinha provado, de forma documental o custo da quota, ou que não aceitava o valor nominal atribuido àquela, justificando em termos legais.
7. O certo é que, a recorrente não fundamenta o porquê do valor nominal a considerar ser o valor nominal da quota à data da aquisição e não o valor nominal da quota à data da cessão.
8. A Fazenda Pública não logrou, de facto, demonstrar qual o fundamento legal e factual que lhe permitiu efectuar as correcções que pretende.
9. E quanto a esta questão, seria irrelevante que o viesse demonstrar na presente data, já que, no processo tributário não é legalmente admissível a fundamentação a posteriori.
10. De modo que, bem andou o Meritíssimo Juiz ao considerar que a referida
liquidação carece de fundamentação.
11. Face ao exposto, dúvidas não há que a douta sentença recorrida nenhuma censura merece, que não pode até deixar de louvar-se, quer pela sua lucidez, quer pelo rigor técnico-jurídico.
12. Na verdade, a douta sentença posta em crise não infringiu qualquer norma legal, nem incorreu em erro de direito, não merecendo, deste modo, qualquer reparo.
13. Pelo que, deve o recurso ser julgado improcedente por não provado, mantendo-se na íntegra a douta sentença recorrida.
Nestes termos e nos melhores de direito, deve o recurso interposto ser julgado improcedente por não provado e ser integralmente confirmada a douta decisão da 1 a instância. Assim se fazendo A SEMPRE E ACOSTUMADA JUSTIÇA!
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O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido da procedência do presente do recurso, no entendimento, em suma, de que “os actos de liquidação se encontram devidamente fundamentados no relatório de inspecção, sendo perfeitamente compreensíveis as razões de facto e de direito que estiveram na base das correcções efectuadas.(...)”
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Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.
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DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
As questões suscitadas pela Recorrente e delimitadas pela alegação de recurso e respectivas conclusões resumem-se, em suma, em indagar se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de facto e em erro de julgamento de direito e, consequentemente, ao ter concluído pela procedência da Impugnação Judicial.
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FUNDAMENTOS
DE FACTO
Este domínio, a decisão recorrida deu como provada a seguinte factualidade, que se transcreve:
Em face da prova documental produzida nestes autos, com interesse para a decisão, julgo provados os seguintes factos:
A) O impugnante foi alvo de uma ação de inspeção tributária que incidiu sobre o exercício de 2008, no âmbito da qual foi elaborado o relatório de fls. 22 a 28 do p.a, que se dá por integralmente reproduzido e do qual se destaca o seguinte:
«(...)
B. Motivo, âmbito e incidência temporal
Na sequência de procedimento inspectivo constatou-se que o sujeito passivo A, no ano de 2008, procedeu à cessão de um quota que detinha numa sociedade, tendo declarado como valor de aquisição o seu valor nominal à data da cessão, determinando assim um rendimento líquido inferior ao que seria legalmente devido, motivo porque foi aberto o presente procedimento interno de inspecção em sede de IRS ao ano de 2008.
III. Descrição dos factos e fundamentos das correcções quantitativas à matéria tributável
Através de escritura pública realizada em 2008.0530 - (...) - o contribuinte procedeu à cessão de uma quota de € 150.000,00, na sociedade GMDC, Lda, (..), pelo preço de € 450.000,00.
Esta quota representativa de 50% do capital social, resultou da unificação, em 1999.02.11, de duas quotas - uma de € 1.995,19 (400.000$00), na titularidade do s.p. desde a constituição da sociedade em 1998.12.06, e outra de € 498,80 (100.000$00), adquirida pelo seu valor nominal em 1998.12.16 - (..).
Importa também referir que o seu valor nominal, à data da cessão, resulta dos seguintes reforços resultantes de aumentos de capital por incorporação de reservas e de forma proporcional às respectivas quotas:
- em 1999.02.11, depois de unificada, o seu valor passou de € 2.493,99 (500.000$00) para € 12.469,95 (2.500.000$00)- (..);
- em 2004.04.16, o seu valor nominal passou a ser de € 15.000,00 - (..);
- e finalmente em 2008.05.27, passou a ter um valor nominal de € 150.000,00 - (..).
Esta mais valia encontra-se sujeita a IRS, nos termos dos art.Os 9 e 10, do Código do CIRS, devendo ser declarada no anexo G da declaração anual de rendimentos modelo 3, conforme previsto no n.° 1, do art.° 57, do Código do IRS. O ganho considera-se obtido na data da alienação e é constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, de acordo com o estatuído nos n. °s 3 e 4, daquele art.° 10.
Considerando-se que, nos termos da alínea f), do n.° 1, do art.° 44, do Código do IRS, o valor de realização é o da respectiva contraprestação - 450.000,00 e que, em conformidade com a alínea b), do art.° 48, daquele Código, o valor de aquisição é o custo documentalmente provado ou, na sua falta, o respectivo valor nominal - € 2.493,99 (1.995,19.498,80), o contribuinte com aquela cessão de quota, obteve uma mais-valia no montante de € 447,506,01.
Verifica-se assim que, em função do valor de aquisição declarado, no atrás referido anexo G, da DM3 do ano de 2008, foi apurado um rendimento líquido da categoria G inferior em € 147506,01, ao que efectivamente o agregado auferiu naquele ano.
B) Consequentemente, foi elaborada a declaração oficiosa/DC, modelo 3 de IRS respeitante a 2008, de fls. 50 a 57 do p.a. que também se dá aqui por reproduzida.
C) Foi emitida em nome do impugnante a liquidação de IRS n.° 20125000060365, referente ao ano de 2008, em que se apurou o valor a pagar de 16.499,91€ - fls. 120.
D) Contra a liquidação identificada na alínea antecedente foi deduzida reclamação graciosa, conforme requerimento de fls. 5 a 11 do p.a., que também se dá aqui por reproduzido.
E) Por despacho de 3/10/2012, de fls. 68 do p.a., foi projetado o indeferimento da reclamação graciosa, com a fundamentação expressa na informação e parecer que o antecederam, de fls. 68 a 75 do p.a., que igualmente se dão por reproduzidas.
F) A coberto do ofício n.° 12720, datado de 04/10/2012, o Ilustre Mandatário do impugnante foi notificado do projeto de indeferimento aludido na alínea antecedente, nos termos e para efeitos do disposto no Art. 60.° da LGT — fls. 76 do p.a.
G) O impugnante exerceu o direito de audição, conforme requerimento de fls. 87 a 89 do p.a., que também se dá por reproduzido.
H) Por despacho de 22/10/2012, de fls. 99 do p.a., foi indeferida a reclamação graciosa deduzida pelo impugnante.
I) O impugnante deduziu, então, recurso hierárquico, conforme requerimento de fls. 109 a 114 do p.a., que se dá por integralmente reproduzido.
1) Por despacho de 02/07/2013, de fls. 118 do p.a., que também se dá por reproduzido, foi indeferido o recurso hierárquico aludido na alínea antecedente, com base nos fundamentos expressos na informação de fls. 119 a 126 do p.a..
A convicção do tribunal baseou-se no teor dos documentos referidos em cada uma das alíneas antecedentes.
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Com interesse para a decisão, não se provaram outros factos.
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DE DIREITO
Cumpre, agora, entrar na análise do recurso jurisdicional “sub judice”, sendo que, a questão nuclear suscitada pela recorrente resume-se, em suma, em saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na apreciação da prova e, consequentemente, errou na aplicação do direito, ao considerar que o acto impugnado padece do vício de forma por falta de fundamentação.
Quanto à alegada falta de fundamentação do acto impugnado a Mma Juiz a quo, na sentença recorrida, após considerações sobre os requisitos da fundamentação dos actos administrativos, exarou o seguinte: “(...)No caso vertente e como resulta do relatório supra, o impugnante apresentou a declaração de IRS onde fez constar a alienação, pelo montante de 450.000,00€, da quota que detinha na sociedade GMDC, Lda, com o valor nominal de 150.000,00€.
Naquela declaração, o impugnante fez constar, a título de valor de aquisição, o valor nominal da quota (150.000,00€) mas a AT alterou esse montante para 2.493,99€ sem, no entanto, indicar qualquer razão de facto para essa alteração. Com efeito, analisado o teor do relatório inspetivo, supra transcrito na parte aqui relevante, facilmente se constata a omissão de qualquer facto que justifique a dita alteração do valor de aquisição da quota; ademais, do teor da norma em que a AT se estribou (Art. 48.°, alínea b) do CIRS), não é possível inferir qualquer fundamento de facto da sua atuação.
Similarmente, as decisões de indeferimento, quer da reclamação graciosa quer do recurso hierárquico, também não esclarecem, minimamente que seja, o motivo daquela alteração do valor de aquisição da quota alienada pelo impugnante.
É, portanto, patente, que a liquidação de imposto e juros em crise, bem como as decisões que negaram provimento à reclamação graciosa e ao recurso hierárquico deduzidos pelo impugnante, enfermam do vício de forma por falta de fundamentação que lhes vem apontado, devendo, por isso, ser anuladas (...).
Ora, é contra o entendimento vertido na sentença recorrida que a Recorrente se insurge, ancorada na alegação, em suma, de que “(...)dos factos dados como provados no probatório da douta sentença, alicerçados nas provas documentais do processo administrativo, bem como das decisões de indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico, até demonstram, (...), que o ato de liquidação está suficientemente fundamentado.(...) apurou-se em sede de procedimento inspetivo, que o sujeito passivo, ora Recorrido, no ano de 2008, cedeu a quota que detinha na sociedade em causa nos autos, que representava 50% do capital social e este declarou, no anexo G, da Mod. 3, como valor da aquisição, o valor nominal da quota à data da cessão — 150.000,00E - quando deveria ter declarado o valor nominal de aquisição — 2.493,99€ - o que motivou o apuramento de um rendimento inferior ao que legalmente seria devido.(...) o relatório da inspeção, bem como a as decisões de indeferimento da reclamação graciosa e recurso hierárquico explicitam de uma forma bastante simples da razão de se ser da correção dos valores de 150.000€ ( indicado pelo Recorrido) para 2.493,99€ ( corrigido pela Inspeção tributária).(...)é explicado que aquele valor de 2.493,99€ é o valor nominal, reportado à data de aquisição, e que este valor resultou da unificação ocorrida em 11 de Fevereiro de 1999, relativo a duas quotas. (...) com a cessão da quota, que ocorreu em 30 de Maio de 2008, cujo valor de realização (preço) foi de 450.000,00€ e que constava da titularidade do ora reclamante desde 06 de Outubro de 1992, o ora Recorrido obteve uma mais valia no montante de 447.506,01, cujo imposto apurado foi de 44.750,60€.(...)uma vez que existia uma liquidação inicial que originou um imposto a pagar no valor de 30.000,00€, foi feito o acerto de contas com aquela primeira liquidação, sendo que a diferença de valores é de 14.750,60€, acrescendo a este valor de imposto os juros compensatórios no valor de 1.616,50€, que perfaz o valor total de 16.367,11€ (...) E o relatório final da Inspeção Tributária, e ao contrário do que é decidido judicialmente, encontra-se devidamente fundamentado quer a nível factual, quer a nível legal, conforme se pode aferir pela leitura do mesmo, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa e a decisão de indeferimento do recurso hierárquico(...).”
Vejamos, então, se assiste razão à Recorrente.
Da fundamentação da decisão do procedimento tributário.
Com vista a uma correcta equação do problema, importa antes de mais, enunciar os normativos constitucionais e legais pertinentes .
Estabelece o artigo 268º nº 3 da Constituição da República Portuguesa que: “Os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos”.
Por sua vez, o artigo 77º da LGT tem o seguinte teor: “1. A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.
2. A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.(…)
Finalmente, o artigo 125º do Código de Procedimento Administrativo estatui o seguinte: “1. A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto.
2. Equivale a falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.(...)”.
É sabido que a falta ou insuficiência de fundamentação do acto, vício de natureza formal (e não substancial), se verifica quando o respectivo acto não exterioriza de modo claro, suficiente e congruente, as razões por que apresenta determinado conteúdo decisório. Sendo que a falta ou insuficiência de fundamentação não se confunde com o vício decorrente de erro sobre os pressupostos (este ocorre quando, apesar de o autor do acto ter dado a conhecer as razões em que suporta a decisão, tais razões não são, todavia, apropriadas ou suficientes ou demandavam diversa solução).
Saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a conduziram a actuar no sentido em que o fez e as razões em que fundou a sua actuação, é questão que se situa no âmbito da validade formal do acto, situação diversa é aquela que cai no âmbito da validade substancial do acto, ou seja, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa.
Distinguindo a dimensão formal e a dimensão substancial do dever de fundamentação, vide Vieira de Andrade, in” O dever de fundamentação expressa de actos administrativos”, Almedina, 2003, pág. 231, segundo o qual a diferença está «em que o dever formal se cumpre pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis; enquanto a fundamentação material exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo».
Este direito à fundamentação, relativamente aos actos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos, decorria já do art. 1º, nº 1, als. a) e c) do DL nº 256-A/77, de 17/6 e tem hoje consagração constitucional de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias consagrados no Título II da parte 1ª da CRP - art. 268º (Vejam-se a abundante jurisprudência do STA atinente a esta matéria bem como Gomes Canotilho e Vital Moreira, «Constituição da República Portuguesa Anotada», 1993, pp. 936 e Vieira de Andrade, «O Dever de Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos», 1990, pp. 53 e ss.) - tendo o respectivo princípio constitucional sido densificado nos arts. 124º e 125º do CPA, no art. 21.º do CPT (em vigor à data dos factos) e, posteriormente, nos arts. 77º nºs. 1 e 2 da LGT (acto administrativo tributário).
O dever de fundamentação dos actos administrativos tem, geneticamente, uma função endógena de propiciar a reflexão da decisão pelo órgão administrativo e uma função exógena, externa ou garantística de facultar ao cidadão a opção consciente entre o conformar-se com tal decisão ou afrontá-la em juízo.
Essencial para que se considere satisfeita a exigência legal da fundamentação dos actos é que “o discurso contextual, expresso e externado pelo autor do acto dê a conhecer ao seu destinatário, pressuposto como um destinatário normal ou razoável colocado perante as aludidas circunstâncias, todo o percurso da apreensão e valoração dos pressupostos de facto e de direito que foram a sua motivação orgânica” (cfr. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo 25.06 98, Ciência e Técnica Fiscal n.º 391, pág. 236).
Como se refere no acórdão STA 24.03.2004, proferido in Recurso nº 01868/02, “o dever de fundamentação visa, esclarecer o destinatário do acto acerca do seu itinerário cognoscitivo e valorativo, permitindo-lhe ficar a saber quais as razões, de facto e de direito, que levaram à sua prática e porque motivo a Administração se decidiu num sentido e não noutro. E, se assim é, pode dizer-se que um acto está fundamentado sempre que o administrado, colocado na sua posição de destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487, n.º 2 do CC – fica a conhecer as razões que estão na sua génese, de forma a que, se o quiser, o possa sindicar de uma forma esclarecida” – neste mesmo sentido, vide entre muitos outros, acórdão STA 19 Mar. 81, recurso 13.031, acórdão STA 27 Out. 82, Acórdão Doutrinais (AD) 256, pág. 528, acórdão STA de 25 Jul. 84, AD 288 pág. 1386, acórdão STA 4 Mar. 87, AD 319, pág. 849, acórdão 15 Dez. 87, AD 318 pág. 813, acórdão STA 21 Mar. 91, recurso 25.426, acórdão 28 Abr. 94, recurso 32.352, acórdão 30 Jan. 2002, recurso 44.288 e acórdão 7 Mar. 2002, recurso 48.369.
Assim, considerando que este dever legal de fundamentação tem, «a par de uma função exógena - dar conhecimento ao administrado das razões da decisão, permitindo-lhe optar pela aceitação do acto ou pela sua impugnação -, uma função endógena consistente na própria ponderação do ente administrador, de forma cuidada, séria e isenta.» (vide Ac. do STA, de 2/2/2006, lavrado in rec. nº 1114/05), então, essa fundamentação deve ser contextual e integrada no próprio acto (ainda que o possa ser de forma remissiva), expressa e acessível (através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão), clara (de modo a permitir que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide), suficiente (permitindo ao destinatário do acto um conhecimento concreto da motivação deste) e congruente (a decisão deverá constituir a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação), equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
E caso a fundamentação seja feita por forma remissiva (por adesão ou remissão para anterior parecer, informação ou proposta), estes constituirão parte integrante do respectivo acto administrativo: este acto integra, então, nele próprio, o parecer, informação ou proposta para os quais se remete e estes terão, assim, em termos de legalidade, que satisfazer os mesmos requisitos da fundamentação autónoma.
Assim, utilizando a linguagem da jurisprudência, o acto só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto acto administrativo (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do acto, sendo, portanto, essencial que o discurso contextual lhe dê a conhecer todo o percurso da apreensão e valoração dos pressupostos de facto e de direito que suportam a decisão ou os motivos por que se decidiu num determinado sentido e não em qualquer outro. Ela visa «esclarecer concretamente as razões que determinaram a decisão tomada e não encontrar a base substancial que porventura a legitime, já que o dever formal de fundamentação se cumpre “pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis, enquanto a fundamentação substancial exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo”. O discurso fundamentador tem de ser capaz de esclarecer as razões determinantes do acto, para o que há-de ser um discurso claro e racional; mas, na medida em que a sua falta ou insuficiência acarreta um vício formal, não está em causa, para avaliar da correcção formal do acto, a valia substancial dos fundamentos aduzidos, mas só a sua existência, suficiência e coerência, em termos de dar a conhecer as razões da decisão.» (Cfr. Vieira de Andrade – ob. cit. pág. 239, na citação do ac. do STA, de 11/12/2002, rec. 01486/02.)
Mais cumpre salientar que a decisão em matéria de procedimento tributário exige sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo essa fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os integrantes do relatório da fiscalização tributária, e devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo (cfr. art. 77º da LGT), tendo-se como constitucionalmente adequada a fundamentação que respeite os mencionados princípios da suficiência, da clareza, e da congruência e que, por outro lado, seja contextual ou contemporânea do acto, não relevando a fundamentação feita a posteriori (cfr. os acórdãos do STA, de 26/3/2014, proc. n.º 01674/13 e de 23/4/2014, proc. n.º 01690/13).E a violação destes requisitos da decisão implica a respectiva ilegalidade, fundamento de subsequente anulação, em sede do adequado meio processual.
Volvendo ao caso em apreço, constata-se que a fundamentação do acto é, como resulta do Probatório, a constante do Relatório de Inspecção Tributária......
Ora, os Impugnantes não revelaram dificuldade alguma em compreender os motivos por que a AT entendeu liquidar o imposto e no montante em que o fez, dele revelando, aliás, perfeito conhecimento. Alegaram, sim, que foram desconsiderados outros custos (nomeadamente os custos com a construção emergentes do contrato de empreitada) que, alegadamente, deviam ter sido computados para efeito de determinação do valor de aquisição e, consequentemente, ser ponderados no cálculo do imposto a pagar, e tanto assim é que os Recorrentes refazem os cálculos agora com os valores que entendem dever ser considerados.
Ora, como bem se pondera na sentença recorrida, esta fundamentação do acto tributário impugnado (fundamentação que se encontra vertida no RIT e para o qual remetem as decisões que recaíram quer sobre a Reclamação Graciosa, quer sobre o Recurso Hierárquico) afigura-a, manifestamente, insuficiente, uma vez que não dá a conhecer as razões e os termos em que se operaram as correcções que originam a liquidação posta em crise, não esclarecendo sobre o itinerário cognoscitivo do autor do acto, porquanto, como resulta do relatório inspectivo, o impugnante apresentou a declaração de IRS onde fez constar a alienação, pelo montante de 450.000,00€, da quota que detinha na sociedade GMDC, Lda, e cujo valor nominal correspondia a 150.000,00€ .
Ora, o impugnante indicou na sua declaração de IRS, a título de valor de aquisição, o valor nominal da quota (150.000,00€). Contudo, a AT alterou esse montante para 2.493,99€ sem, no entanto, esclarecer cabalmente as razões de facto e de ditreito para proceder a tal alteração.
Perscrutado o relatório inspetivo, dele resulta como fundamento da liquidação posta em crise:”(...) Através de escritura pública realizada em 2008.05.30 - (...) - o contribuinte procedeu à cessão de uma quota de € 150.000,00, na sociedade GMDC, Lda, (..), pelo preço de € 450.000,00.
Esta quota representativa de 50% do capital social, resultou da unificação, em 1999.02.11, de duas quotas - uma de € 1.995,19 (400.000$00), na titularidade do s.p. desde a constituição da sociedade em 1998.12.06, e outra de € 498,80 (100.000$00), adquirida pelo seu valor nominal em 1998.12.16 - (..).
Importa também referir que o seu valor nominal, à data da cessão, resulta dos seguintes reforços resultantes de aumentos de capital por incorporação de reservas e de forma proporcional às respectivas quotas:
- em 1999.02.11, depois de unificada, o seu valor passou de € 2.493,99 (500.000$00) para € 12.469,95 (2.500.000$00)- (..);
- em 2004.04.16, o seu valor nominal passou a ser de € 15.000,00 - (..);
- e finalmente em 2008.05.27, passou a ter um valor nominal de € 150.000,00 - (..).
Esta mais valia encontra-se sujeita a IRS, nos termos dos art.ºs 9 e 10, do Código do CIRS, devendo ser declarada no anexo G da declaração anual de rendimentos modelo 3, conforme previsto no n.° 1, do art.° 57, do Código do IRS. O ganho considera-se obtido na data da alienação e é constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, de acordo com o estatuído nos n. °s 3 e 4, daquele art.° 10.
Considerando-se que, nos termos da alínea f), do n.° 1, do art.° 44, do Código do IRS, o valor de realização é o da respectiva contraprestação - 450.000,00 e que, em conformidade com a alínea b), do art.° 48, daquele Código, o valor de aquisição é o custo documentalmente provado ou, na sua falta, o respectivo valor nominal - € 2.493,99 (1995,19.498,80), o contribuinte com aquela cessão de quota, obteve uma mais-valia no montante de € 447,506,01.”(...)».
Constituem mais – valias os ganhos resultantes da alienação onerosa de partes sociais(cfr arte. 10º , nº1, al.b) do CIRS),ou seja, a diferença entre o valor de aquisição (o custo documentalmente provado – cf arte nº 48º al. b) do CIRS) e e o valor da realização ( arte 44º do CIRS).
As mais-valias são, assim, tributadas em sede de IRS, categoria G (Incrementos patrimoniais), pela diferença entre o valor de aquisição das quotas sociais e o da sua realização, à data desta, com os abatimentos devidos.
Ora, o cedente, ora Recorrido, procedeu ao aumento do capital social quer mediante entradas em dinheiro, quer mediante incorporação de reservas concretamente: em 1998.10.06 (constituição da sociedade, com uma quota de € 1.995,19 (400.000$00), em 16.12.1998, (aquisição de uma outra quota de € 498,80 (100.000$00), em 11.02.1999 (procedeu à unificação das duas quotas, passando a quota do siujeito passivo a ter um valor nominal de € 2.493,99 (400.000$00+100.000$00), aumento de capital social por incorporação de reservas livres ficando a quota a ter um valor nominal de € 12.469,95 (2.500.000$00), em 16.04.2014 (aumento do capital social integralmente realizado em dinheiro, passando a quota a ter um valor nominal de €15.000.00 ( 12.469,95 + 2.5000,00€); em 27.05.2008 (aumento de capital por incoporação de reservas, passando a quota a ter um valor nominal de €150.000,00).
Assim, tendo o cedente procedido ao aumento do capital social da sociedade, quer utilizando património da própria sociedade, mediante incorporação de reservas, quer deslocando verbas do respectivo património pessoal para o da sociedade, mediante entradas em dinheiro, não se descortina como apurou a AT o valor de aquisição, uma vez que para este efeito apenas considerou o valor correspondente ao custo das duas quotas unificadas, ficando sem se perceber porque desconsiderou os encargos efectivamente incorridos pelo sujeito passivo aquando do aumentro de capital realizado em 16.04.2014, data em que efectivamente mobilizou, mais uma vez, património próprio que fez entrar na caixa social da sociedade.
Logo, tendo-se a AT, na decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa e do Recurso Hierárquico, limitado a reproduzir os elementos de facto e de direito vertidos no relatório de inspecção que está na génese da liquidação questionada, inquinou inelutavelmnte o acto impugnado do vício que lhe vinha assacado.
Destarte na improcedência da totalidade das conclusões das alegações de recurso, mão merece a sentença recorrida qualquer censura.
***
DECISÃO
Termos em que, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso, e consequentemente, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Porto, 31 de Outubro de 2018
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Pedro Vergueiro
Ass. Ana Patrocínio