Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01069/04.4BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/11/2021
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Carlos de Castro Fernandes
Descritores:PRESCRIÇÃO - FUNDAMENTAÇÃO FORMAL - ATO TRIBUTÁRIO
Sumário:I – A impugnação judicial não tem como objeto o conhecimento da prescrição da obrigação tributária e a prescrição não contende com a legalidade da liquidação, mas apenas com a exigibilidade da obrigação tributária por ela criada, motivo por que em sede de impugnação judicial a prescrição não pode ser conhecida senão incidentalmente e como pressuposto da utilidade ou não do prosseguimento da lide, questão esta do conhecimento oficioso. Porém, o conhecimento da prescrição em sede impugnatória só é devida enquanto pressuposto de conhecimento oficioso que é o da (in)utilidade da lide, quando dos autos resultem elementos factuais que permitam ao Tribunal tomar posição quanto à questão da prescrição, sem a necessidade de realização de mais iniciativas processuais.

II - As instâncias jurisdicionais apenas podem conhecer dos factos essenciais invocados pelas partes, salvo aqueles que possam oficiosamente conhecer (n.º 1 do art.º 99.º da LGT e art.º 5.º do CPC ex vi art.º 1.º do CPPT).

III – Os recursos têm como objeto decisões jurisdicionais e não são os meios para se impugnarem atos de tributários, pelo que caem fora do âmbito recursivo os vícios apontados em sede de recurso contra a liquidação impugnada, quando aqueles não constituam matéria passível de conhecimento oficioso por parte do Tribunal de recurso.

IV – Estando vertidas as razões de facto e de direito da decisão de aplicação e quantificação de métodos indiretos que assenta no relatório inspetivo que lhe antecede, sendo cognoscível o iter cognoscitivo e valorativo feito pela Administração Fiscal, não incorre em erro de julgamento a sentença que assim julgou improcedente o vício de falta de fundamentação formal.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:T., LDA
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

I – T., Lda. veio interpor recurso contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, pela qual se negou provimento à impugnação da liquidação de IVA do ano de 2002 e à correspetiva liquidação de juros compensatórios.

A Recorrente, no presente recurso, formula as seguintes conclusões:

1. A prova testemunhal deve ser valorada - Art.º 392° - dando-se como provado que
a) A factura n.º 64, nunca foi utilizada pela recorrente ou constou do livro de facturas que mandou fazer na tipografia.
b) As duas viaturas da recorrente estiveram sistematicamente em circulação durantes os meses de abril, maio e junho, não existindo disponibilidade para se proceder à realização de qualquer prestação de serviços para além das que foram indicadas nos CMR's objeto de facturação.
c) A impugnante a partir de Abril de 2002 passou a trabalhar em exclusivo para a empresa espanhola D.
d) As viaturas vinham a Portugal para reparações, inspecções periódicas e por altura das férias dos motoristas (Agosto) e pelo Natal, pois estes residiam em Mangualde
e) Nem todos os kms percorridos pelas viaturas são facturados aos clientes;
f) Existem variáveis suscetíveis de influir decisivamente nos consumos de gasóleo, tais como o peso da carga transportada, o percurso efetuado (estradas direitas ou sinuosas, com relevo acidentado ou plano, viagens curtas ou longas), quilómetros percorridos em vazio (sem carga),
2. Existe vício de violação ao princípio do inquisitório, Art.º 59° da LGT, pois a recorrente entende que, jamais a AT esgotou os procedimentos que tinha à sua disposição para proceder ao apuramento da verdade material dos factos tributários.
3. Não obstante, deve reconhecer-se que a AT não se desonerou do encargo que sobre si recaía de demonstrar que no exercício económico de 2002, a recorrente omitiu à facturação ou documentos equivalentes valores e que existiu impossibilidade da sua determinação por montante exacto, conforme Art.º 87°, n.º 1, b) e 88° da LGT.
4. Pelo que deve manter a presunção de verdade da escrita comercial da recorrente para os fins fiscais, cf. Art.º 75° da LGT.
5. A recorrente entende que existe vício de falta de fundamentação nos critérios com aplicação dos métodos indirectos, cf. Art.º 77° da LGT.
6. Depois, não sobram dúvidas que a AT não logrou comparar as quantificações apuradas pela recorrente (nos artigos 18. a 25. do subponto IV.3, da PI) com as do relatório da inspecção, para se emitir contestação ou pronúncia, nos termos do Art.º 111º do CPPT.
7. O relatório da inspecção carece de melhor fundamentação quanto aos critérios e quantificação da matéria colectável da recorrente.
8. Assim sendo a sentença a quo não pode aferir da justeza do que vem referido no relatório da inspecção quanto aos critérios e consequente quantificação da matéria coletável da recorrente por aplicação de métodos indirectos, pelo que deve ser substituída por outra.
9. Existindo errónea quantificação e manifesto excesso da capacidade contributiva, Art.º 90º da LGT, devem as liquidações recorridas ser anuladas.
10. Sem prescindir, de que as dividas tributárias em causa estão prescritas, cf. Art.º 48º e 49º da LGT.
*
Termina a Recorrente pedindo que a decisão recorrida seja revogada e substituída por outra que aprecie os vícios e erros alegados, anulando-se as liquidações de IV A e Juros Compensatórios.
*
A Recorrida (RPF), apesar de notificada para o efeito, não apresentou contra-alegações.
*
Ouvida a distinta magistrada do Ministério Público junto desta instância, esta apresentou parecer pugnando pela procedência do presente recurso, mas apenas no que diz respeito ao julgamento efetuado quanto à ausência de fundamentação da aplicação de métodos indiretos (cf. fls. 253 a 260 dos autos – paginação do processo em suporte físico).
*
Com a concordância dos MMs. Juízes Desembargadores Adjuntos, dispensam-se os vistos nos termos do art.º 657.º, n. º 4, do Código de Processo Civil ex vi art.º 281.º do CPPT, sendo o processo submetido à Conferência para julgamento.
*

II - Matéria de facto indicada em 1.ª instância:

A) A impugnante foi objeto de uma ação de inspeção, promovida pelos serviços de inspeção tributária da Direção de Finanças de Viseu, com base na ordem de serviço n.º 30747, de 19/08/2002, a qual incidiu sobre o exercício económico de 2002 – cfr. fls. 26 do processo administrativo apenso aos autos.
B) No âmbito da referida ação de inspeção de inspeção, em 11/11/2003, foi elaborado o projeto de relatório de inspeção tributária constante de fls. 23/35 do processo administrativo apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, destacando-se o seguinte:
[…]
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
[…]
C) Pelo ofício n.º 18158, de 18/11/2003, a impugnante foi notificada para exercer o direito de audição prévia sobre o projeto de relatório de inspeção, não tendo exercido essa faculdade – cfr. fls. 42/43 do processo administrativo apenso aos autos.
D) Em 04/12/2003, foi elaborado o relatório de inspeção tributária, cujas correções propostas foram sancionadas superiormente – cfr. fls. 40/42 do processo administrativo apenso aos autos.
E) Por ofício datado de 09/01/2004, a impugnante foi notificada do ato de fixação do lucro tributável/imposto/volume de negócios, referente ao ano de 2002 – cfr. fls. 44 do processo administrativo apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
F) A impugnante apresentou pedido de revisão da matéria tributável nos termos e com os fundamentos constantes de fls. 46/58 do processo administrativo apenso aos autos.
G) Em 05/03/2004, reuniram-se os peritos do contribuinte e da Administração Tributária, tendo sido lavrada a ata n.º 06/04, da qual se extrai:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
[…]

- cfr. fls. 158/159 verso do processo administrativo apenso aos autos.
I) Em 18/03/2004, o Sr. Diretor de Finanças de Viseu proferiu decisão com o seguinte teor:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cfr. fls. 160 do processo administrativo apenso aos autos.
J) Pelo ofício n.º 4183, de 18/03/2004, a impugnante foi notificada da decisão do pedido de revisão da matéria tributável. - cfr. fls. 161 do processo administrativo apenso aos autos.
K) Na sequência da ação inspetiva e do subsequente procedimento de revisão da matéria tributável foram emitidos os seguintes atos de liquidação:
▪ Liquidação adicional n.º 04052996, referente a IVA do exercício de 2002, no montante de 1.854,89 €;
▪ Liquidação n.º 04052995, referente a juros compensatórios, do período 0206T, no montante de 135,74 €. - cfr. fls. 16/17 dos autos e fls. 17/18 do processo administrativo apenso.
*
Na sentença apelada e quanto aos factos não provados, considerou-se que:

«Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa, designadamente os vertidos nos artigos 13.4 a 13.4.3., 14.2.2., 14.2.2.1., 14.2.3., 14.2.4., 15.1. a 15.3.2., 19, 19.1., 23., 23.4, 34, 35 a 39 e 46 da petição inicial.»
*
Relativamente à motivação da decisão da matéria de facto, decidiu-se na sentença recorrida que:

«A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto resultou do exame crítico dos documentos e informações constantes dos autos e do processo administrativo apenso, os quais não foram impugnados, tudo conforme se encontra especificado em cada um dos pontos do probatório.
Para a formação da convicção do Tribunal também contribuiu o depoimento isento e credível da testemunha A., inspetor tributário, que levou a cabo o procedimento inspetivo e que, no essencial, relatou o que consta do relatório de inspeção tributária que integra o processo administrativo apenso.
No que concerne à matéria de facto não provada, os elementos documentais, bem como a prova testemunhal oferecidos pela impugnante revelaram-se insuficientes para convencer o Tribunal acerca da factualidade elencada.
Foram ouvidas as seguintes testemunhas:
(i) J., sócio gerente da sociedade comercial denominada “C., Lda.”;
(ii) F., Técnico Oficial de Contas da impugnante entre 1999 e 2006;
(iii) e C., cunhado dos sócios gerentes da sociedade impugnante.
A testemunha J., depôs sobre a matéria vertida nos pontos 15.2 a 15.3.2 da petição inicial, tendo referido que a sócia gerente da sociedade impugnante, D.ª I., se deslocou ao stand da sociedade de que era sócio gerente, localizado na Moita, com um veículo pesado de mercadorias, com vista à venda da mesma, mas que o negócio não se chegou a concretizar.
No entanto, o Tribunal não valorou especialmente o depoimento da testemunha, atento o seu carater vago e impreciso, já que a testemunha não soube identificar concretamente a viatura em questão, nem a data em que tal “visita” terá ocorrido, limitando-se a referir que terá sido na primavera ou verão.
Por sua vez, a testemunha F., referiu que os serviços eram prestados, essencialmente, em Espanha e que as viaturas deslocavam-se a Portugal sobretudo para fazer reparações, manutenções e inspeções periódicas.
Acrescentou que o consumo de gasóleo é influenciado por vários fatores, tais como os Kms percorridos em vazio [sem carga], o peso da carga transportada, o percurso efetuado [mais ou menos sinuoso].
Todavia, como o próprio reconheceu, o seu conhecimento dos factos decorria apenas do manuseamento dos documentos que lhe eram apresentados e do que lhe era relatado pelos sócios gerentes da impugnante, pois que nunca acompanhou os serviços de transporte, não presenciou quaisquer reparações ou inspeções periódicas, nem assistiu a quaisquer abastecimentos de combustíveis, sendo os custos e os proveitos lançados na contabilidade de acordo com a documentação que lhe era apresentada.
Deste modo, atenta a razão de ciência invocada, o Tribunal não valorou positivamente o depoimento desta testemunha, porquanto a mesma não possuía conhecimento direto acerca desta factualidade.
Referiu ainda a testemunha que as faturas eram emitidas no escritório de contabilidade, na presença da sócia gerente, D.ª I., e que a falta da fatura n.º 64 só podia dever-se a erro de impressão na tipografia.
E acrescentou que também o livro de recibos elaborado pela mesma tipografia continha irregularidades, já que alguns recibos encontravam-se fora de ordem, levantando a hipótese de a falta da fatura n.º 64 se dever igualmente a erro no processo de impressão e feitura do livro de faturas.
No entanto, o depoimento da testemunha mostra-se insuficiente para afastar a factualidade apurada no decurso da ação inspetiva, designadamente os esclarecimentos prestados pelos responsáveis da referida tipografia.
De facto, não se afigura plausível que, sendo a impressão do original, duplicado, triplicado e quadruplicado feita de forma individualizada, a máquina tivesse encravado na impressão dos quatro exemplares da mesma fatura e que tal falha não fosse detetada no processo de montagem e colagem do livro de faturas.
Por outro lado, analisado o livro de recibos, numerado de 51 a 101, junto aos autos pela impugnante, no decurso da diligência de inquirição de testemunhas, verifica-se apenas que os recibos 97, 98, 99, 100 e 101 se encontram fora de ordem, situação bem diversa da detetada no procedimento inspetivo, quanto ao livro de faturas, em que a fatura n.º 64 simplesmente não existe.
Com efeito, uma coisa é os recibos 97, 98, 99, 100 e 101 se encontraram fora da respetiva ordem, outra, bem distinta, é, pura e simplesmente, não existir qualquer exemplar desses recibos, o que não é o caso.
Por último, a testemunha C. limitou-se a referir que, a pedido da sócia gerente, em 18/04/2002, efetuou um depósito na conta bancária da sociedade impugnante, no montante de 750,00 €.
Em suma, a prova documental e testemunhal produzida pela impugnante revela-se insuficiente para afastar a consistência da factualidade apurada no procedimento inspetivo.
*
Considerando as questões suscitadas no presente recurso e tratando-se de prova documental não infirmada, adita-se à matéria de facto o seguinte:
L) Em 24.07.2004, os serviços da AT instauram o processo de execução fiscal com o n.º 25502004015003880, nela figurando como executada a Impugnante (Recorrente) com base em certidões de dívida emitidas por imputado não pagamento das liquidações referidas na alínea «K» - cf. docs. a fls. 19 a 20 do PA.
M) No processo referido na alínea anterior, em 30.08.2004 foi lavrado «Auto de penhora» relativo à penhora e apreensão e “[…] para a garantia do pagamento da quantia de € 1.990,63 […]” de um “[…] semi-reboque da marca FRUEHAUF […] com o valor atribuído de 12.000,00 euros […]” - cf. doc. a fls. 21 do PA.
*
III – Questões a decidir.

No presente recurso, cabe aferir dos erros de julgamento de facto e de direito apontados à sentença recorrida. Assim, quanto a estes últimos caberá analisar a alegada prescrição das dívidas em causa, da violação do princípio do inquisitório na sua dimensão procedimental, da apontada ilegalidade no uso de métodos indiretos, da falta de fundamentação e da alegada errónea e excessiva quantificação.
*

IV – Do direito

Constitui objeto do presente recurso a sentença proferida nestes autos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, na qual se julgou improcedente a impugnação intentada contra a liquidação de IVA do ano de 2002 e contra a correspondente liquidação de juros compensatórios. A liquidação em causa baseou-se quer na aplicação de correções técnicas, quer na aplicação de métodos indiretos.

Passemos a analisar o recurso aqui apresentado pela Recorrente tendo em consideração as conclusões vertidas nas respetivas conclusões, complementadas pela motivação do respetivo recurso.

IV.I – Da prescrição.
Na conclusão n.º 10 do presente recurso, a Recorrente veio invocar que as dívidas de IVA aqui em causa estariam prescritas.

A propósito da questão do conhecimento da prescrição em sede de impugnação judicial e com os fundamentos a que aderimos, relatou-se no acórdão do STA de 08.01.2020, proferido no proc. n.º 01/99.0BUPRT (in www.dgsi.pt) que: “[…] 2.2.2.1 Como este Supremo Tribunal tem vindo a afirmar desde há muito, uniforme e reiteradamente, a prescrição da obrigação tributária não é fundamento de impugnação judicial, motivo porque nela não deve ser conhecida oficiosamente, sem prejuízo de aí poder ser conhecida a título incidental, enquanto pressuposto da utilidade da lide, este sim de conhecimento oficioso.
Sobre a questão, ficou dito no acórdão de 7 de Fevereiro de 2007, proferido no processo com o n.º 980/06 (Disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/cedd724eaaed289c80257295003cb2f6.): «Como é sabido, trata-se na impugnação judicial de um contencioso de anulação, que não de plena jurisdição – cfr. Alberto Xavier, Aspectos Fundamentais do Contencioso Tributário, p. 43 e ss. –, sendo o seu objecto o acto tributário, através de “qualquer ilegalidade” ou “vício”, em vista da sua “anulação total ou parcial”.
Assim, se o pedido impugnatório procede, o tribunal anula o acto, pela existência de qualquer ilegalidade.
Pelo que tem este tribunal entendido que a prescrição da obrigação tributária – “da dívida exequenda”, na expressão legal –, embora de conhecimento oficioso, não é fundamento de impugnação judicial mas de oposição à execução fiscal.
Na verdade, não pode confundir-se a validade do acto tributário com a sua eficácia.
[…]
O decurso do prazo de prescrição extingue o direito do Estado à “cobrança” do imposto e não tendo pois a ver com a sua validade ou existência do acto tributário e, em consequência, com a sua legalidade, não é fundamento de impugnação judicial mas de oposição à execução».
Prossegue o mesmo acórdão, ponderando a prescrição, não como fundamento de impugnação judicial, «mas apenas como sustentáculo da inutilidade da lide e consequente extinção da instância», com a afirmação de que, então, esse conhecimento se fará «plenamente dentro da legalidade» e porque, verificada a prescrição da obrigação tributária, «a lide impugnatória não tem qualquer utilidade». E explica porquê:
«Na verdade, a sua procedência não teria quaisquer consequências, uma vez que já não poderia, mercê da predita prescrição da dívida, ser instaurada execução fiscal, que se instaurada, logo soçobraria, mesmo sem oposição, dado o carácter oficioso do conhecimento da mesma.
Ou seja: a questão não radica na inclusão da prescrição da obrigação tributária em termos de ilegalidade da liquidação mas, em termos processuais, da utilidade da lide impugnatória que, assim, não pode ter qualquer reflexo na relação substancial respectiva, pelo que a sua continuação seria pura inutilidade».
É este entendimento que tem vindo a ser seguido na jurisprudência de que o citado acórdão é um exemplo entre muitos (Vide, entre outros, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 2 de Dezembro de 2015, proferido no processo com o n.º 1364/14, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/235ab3098a7e831580257f1e005090e9;
- de 9 de Novembro de 2016, proferido no processo com o n.º 1118/15, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/0b84374a73dde81f8025806b0040bbbb;
- de 4 de Julho de 2018, proferido no processo com o n.º 1433/17, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/f1fc96dd1f2c333c802582cd004aac60.): a impugnação judicial não tem como objecto o conhecimento da prescrição da obrigação tributária, porque se trata de um processo que visa apreciar a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação (cfr. arts. 99.º e 24.º do CPPT) e a prescrição não contende com a legalidade da liquidação, mas apenas com a exigibilidade da obrigação tributária por ela criada, motivo por que em sede de impugnação judicial a prescrição não pode ser conhecida senão incidentalmente e como pressuposto da utilidade ou não do prosseguimento da lide, questão esta do conhecimento oficioso (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2.ª edição, 2010, págs. 23 a 25. ).[…]”.

Acresce que, também de forma uniforme e reiterada tem o colendo STA vindo a entender que o conhecimento da prescrição em sede impugnatória, em qualquer instância, só é devida enquanto pressuposto de conhecimento oficioso que é o da (in)utilidade da lide, quando dos autos resultem elementos factuais que permitam ao Tribunal tomar posição quanto à questão da prescrição, sem a necessidade de realização de mais iniciativas processuais (cf. entre outros, os acórdãos de 20.04.2020, proferido no processo n.º 0571/06.8BEPRT-0662/18 e de 04.07.2018, proferido no processo/recurso n.º 01433/17).

Da prova aditada aos presentes autos consta que existe um processo de execução fiscal que foi movido para a cobrança dos créditos emergentes das liquidações de IVA a que aqui se faz alusão. Todavia, não se sabe quando se deu a citação da ora Recorrente para a referida execução, sendo que esta teria potenciais efeitos interruptivos (cf., entre outros, o n.º 1 do art.º 49.º da LGT). Igualmente não há notícia nos autos de outros atos processuais eventualmente promovidos no processo de execução fiscal que pudessem ser ou suspensivos ou interruptivos quanto ao decurso do prazo prescricional.

Assim sendo, não dispondo esta instância dos elementos necessários para aferir da invocada prescrição das dívidas decorrentes das liquidações aqui referidas e suscitada na conclusão n.º 10 do presente recurso e não estando esta instância obrigada à realização de quaisquer diligências processuais para aferir de tal questão na presente forma processual, decide-se dela não conhecer, sem prejuízo da questão referida poder vir a ser eventualmente suscitada noutros figurinos processuais.

Por isso, improcede o recurso nesta parte.

IV.II - Do recurso incidente sobre a matéria de facto.

Na conclusão n.º 1 do presente recurso a ora Recorrente veio invocar que se deviam dar como provados um conjunto de factos que enuncia por alíneas insertas na referida conclusão.

Assim, tendo sido impugnada a matéria de facto provada em primeira instância, cabe, antes de mais verificar se a ora Recorrente cumpre o ónus processual vertido no art.º 640.º do CPC (aqui já aplicável atento o disposto no art.º 7.º da Lei n.º 41/2012, de 26/06 e atento o disposto no art.º 281.º do CPPT). Assim, como refere António Abrantes Geraldes in «Recursos no Novo Código de Processo Civil», 2018, pag. 165 e segs.:
“[…] Sem nos alongarmos demasiado em considerações sobre os regimes anteriores, podemos sintetizar da seguinte forma o sistema que agora vigora sempre que o recurso de apelação envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinem uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
d) O recorrente pode sugerir à Relação a renovação da produção de certos meios de prova, nos termos do art. 662.º, n.º 2, al. a), ou mesmo, a produção de novos meios de prova nas situações referidas na al. b). Porém, como anotamos à margem desses preceitos, não estamos perante um direito potestativo do recorrente, antes em face de um poder-dever da Relação que esta deve usar de acordo com a perceção que recolher dos autos;
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente;
f) Na posição em que o recorrido se encontra, incumbe-lhe o ónus de contra-alegação, cujo incumprimento produz efeitos menos acentuados do que os que se manifestam em relação ao recorrente. O facto de inexistir efeito cominatório para a falta de apresentação de contra-alegações ou para o incumprimento das regras sobre a sua substância ou forma e o facto da a Relação ter poderes de investigação oficiosa determinam que sejam menos visíveis os efeitos que decorrem da sua deficiente atuação. […]”.

O mesmo autor na obra supra citada a fls. 168, refere que a rejeição total ou parcial da decisão da matéria de facto dever ocorrer quando:
“a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635.º, n.º 4, e 641.º, n.º 2 al. b));
b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640.º, n.º 1, al. a));
c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação”.

No presente recurso, mais concretamente na respetiva motivação, a Recorrente indica a prova testemunhal e os respetivos excertos transcritos da qual resultaria, na sua perspetiva, uma decisão distinta sobre concretos pontos de facto que indica (indicando também um documento, mas cuja identificação não está devidamente feita, o que obstaculiza a sua consideração para estes efeitos). Por outro lado, incida os factos que pretende ver enunciados como provados e que terão sido descurados ou dados como não provados. Deste modo, globalmente, o presente recurso cumpre os ónus processuais vertidos no n.º 1 do art.º 640º do CPC, sendo que a ora Recorrente pretende que seja dada como provada a seguinte factualidade:
a) A factura n.º 64, nunca foi utilizada pela recorrente ou constou do livro de facturas que mandou fazer na tipografia.
b) As duas viaturas da recorrente estiveram sistematicamente em circulação durantes os meses de abril, maio e junho, não existindo disponibilidade para se proceder à realização de qualquer prestação de serviços para além das que foram indicadas nos CMR's objeto de facturação.
c) A impugnante a partir de abril de 2002 passou a trabalhar em exclusivo para a empresa espanhola D.
d) As viaturas vinham a Portugal para reparações, inspecções periódicas e por altura das férias dos motoristas (Agosto) e pelo Natal, pois estes residiam em Mangualde
e) Nem todos os kms percorridos pelas viaturas são facturados aos clientes;
f) Existem variáveis suscetíveis de influir decisivamente nos consumos de gasóleo, tais como o peso da carga transportada, o percurso efetuado (estradas direitas ou sinuosas, com relevo acidentado ou plano, viagens curtas ou longas), quilómetros percorridos em vazio (sem carga).

No entanto, lida a petição inicial junta aos presentes autos e apresentada pela ora Recorrente podemos primeiramente constatar que as alíneas b) e d) da matéria de facto supra enunciadas não foram alegadas no referido articulado. Efetivamente, há que ter presente que as instâncias jurisdicionais apenas podem conhecer dos factos essenciais invocados pelas partes, salvo aqueles que possam oficiosamente conhecer (n.º 1 do art.º 99.º da LGT e art.º 5.º do CPC ex vi art.º 1.º do CPPT). Ora, não tendo sido invocados na petição inicial os factos constantes das referidas alíneas b) e d) e que agora se pretendem dar como provados e/ou aditados, sendo estes essenciais e de necessária e expressa prévia alegação na respetiva p.i., não pode o Tribunal agora sobre os mesmos emitir qualquer pronúncia. Pelo que quanto à sua consideração e demonstração terá que improceder o presente recurso.

Porém, os demais factos alegados pela ora Recorrente e constantes das alíneas a), c), e) e f) tiveram tradução efetiva em alegação factual constante da respetiva p.i. e foram dados como não provados na sentença recorrida.
Assim, na sentença apelada e quanto à motivação factual no que tange aos depoimentos ouvidos em sede de audiência, considerou-se que:

Por sua vez, a testemunha F., referiu que os serviços eram prestados, essencialmente, em Espanha e que as viaturas deslocavam-se a Portugal sobretudo para fazer reparações, manutenções e inspeções periódicas.

Acrescentou que o consumo de gasóleo é influenciado por vários fatores, tais como os Kms percorridos em vazio [sem carga], o peso da carga transportada, o percurso efetuado [mais ou menos sinuoso].

Todavia, como o próprio reconheceu, o seu conhecimento dos factos decorria apenas do manuseamento dos documentos que lhe eram apresentados e do que lhe era relatado pelos sócios gerentes da impugnante, pois que nunca acompanhou os serviços de transporte, não presenciou quaisquer reparações ou inspeções periódicas, nem assistiu a quaisquer abastecimentos de combustíveis, sendo os custos e os proveitos lançados na contabilidade de acordo com a documentação que lhe era apresentada.

Deste modo, atenta a razão de ciência invocada, o Tribunal não valorou positivamente o depoimento desta testemunha, porquanto a mesma não possuía conhecimento direto acerca desta factualidade.

Referiu ainda a testemunha que as faturas eram emitidas no escritório de contabilidade, na presença da sócia gerente, D.ª I., e que a falta da fatura n.º 64 só podia dever-se a erro de impressão na tipografia.

E acrescentou que também o livro de recibos elaborado pela mesma tipografia continha irregularidades, já que alguns recibos encontravam-se fora de ordem, levantando a hipótese de a falta da fatura n.º 64 se dever igualmente a erro no processo de impressão e feitura do livro de faturas.

No entanto, o depoimento da testemunha mostra-se insuficiente para afastar a factualidade apurada no decurso da ação inspetiva, designadamente os esclarecimentos prestados pelos responsáveis da referida tipografia.

De facto, não se afigura plausível que, sendo a impressão do original, duplicado, triplicado e quadruplicado feita de forma individualizada, a máquina tivesse encravado na impressão dos quatro exemplares da mesma fatura e que tal falha não fosse detetada no processo de montagem e colagem do livro de faturas.

Por outro lado, analisado o livro de recibos, numerado de 51 a 101, junto aos autos pela impugnante, no decurso da diligência de inquirição de testemunhas, verifica-se apenas que os recibos 97, 98, 99, 100 e 101 se encontram fora de ordem, situação bem diversa da detetada no procedimento inspetivo, quanto ao livro de faturas, em que a fatura n.º 64 simplesmente não existe.

Com efeito, uma coisa é os recibos 97, 98, 99, 100 e 101 se encontraram fora da respetiva ordem, outra, bem distinta, é, pura e simplesmente, não existir qualquer exemplar desses recibos, o que não é o caso.

Ora, procedendo-se nesta instância à audição dos depoimentos gravados e as respetivas transcrições apresentadas pela Recorrente relativos às testemunhas por si indicadas, não vislumbramos razões para discordar do entendimento sufragado quanto à motivação factual exarada na sentença ora recorrida.

Efetivamente, todo o depoimento do Sr. F. foi prestado tendo este declarado que integrou um gabinete de contabilidade do qual a ora Recorrente era cliente no período aqui em causa, sendo que afirmou que o seu conhecimento do funcionamento desta resultava dos elementos de prova documental que lhe eram fornecidos para a elaboração da contabilidade daquela. Por isso, o seu conhecimento da realidade da empresa em questão era indireto e apenas resultava do reflexo dos elementos documentais e contabilísticos que eram disponibilizados pela Recorrente. Tal circunstância ficou particularmente demonstrada aquando do contrainterrogatório promovido pela representante da Fazenda Pública, em que a referida testemunha acabou por reconhecer que o seu conhecimento do modus operandi da ora Recorrente, decorria do que tinha «ouvido dizer» e dos documentos que lhe chegavam às mãos e necessários para a elaboração da respetiva escrita (cf. gravação do respetivo testemunho a 00:47:50).

Por isso, a aludida testemunha não tinha qualquer conhecimento real e direto dos factos que relatou, sendo estes resultantes de uma convicção pessoal que construiu com base em circunstâncias que não presenciou.

Por outro lado, os demais depoimentos ora indicados pela Recorrente e referentes às testemunhas que eram funcionários da AT, apenas se pôde concluir que as mesmas relataram e corroboraram os factos que constavam do processo e das perceções que tomaram no mesmo, tendo aquelas tão só e a instâncias do Advogado da Recorrente, admitiram como possíveis algumas das circunstâncias e factos indicados por aquele no respetivo interrogatório. Porém, tal admissão constitui um mero juízo de eventualidade e não um juízo de convicção, relevando tão somente a abertura de quem, sabiamente, admite que poderão existir circunstâncias factuais das quais não se é conhecedor. Ora, este relato hipotético não é idóneo para dar como demonstrada a factualidade invocada pela Recorrente, uma vez se se traduz num juízo opinativo e especulativo.

Por isso, em suma, acompanhando-se aqui o julgado em primeira instância quanto à matéria de facto dada como não provada, teremos que declarar improcedente o presente recurso incidente sobre a matéria de facto e aqui apresentado pela Recorrente (conclusão n.º 1 do presente recurso).

III – Do erro de julgamento de direito.

No presente recurso, a ora Apelante assenta o respetivo recurso em várias questões concernentes com matéria de direito, circunscrevendo-as à questão da aplicação de métodos indiretos e, por isso, não abrangendo as correções técnicas efetuadas em sede de relatório inspetivo.

Assim nas conclusões n.s 2 a 6 e 9 do presente recurso veio questionar a validade das liquidações impugnadas e do procedimento nelas assente.

Todavia, como é sabido, os recursos têm como objeto decisões jurisdicionais e não são os meios para se impugnarem atos de tributários, pelo que as aludidas questões caem fora do âmbito recursivo, uma vez que estão dirigidas contra a liquidação impugnada e não contra a sentença apelada. Com efeito, como se refere o atual art.º 627.º nº 1 do CPC o âmbito do recurso é delimitado pela própria decisão recorrida, limitando-se, assim, objeto do mesmo.

Por isso, ter-se-á que concluir que estando erroneamente orientada a alegação contida as conclusões supra referidas, das mesmas não se poderá conhecer porque caiem fora do âmbito do presente recurso e não constituem sequer matéria passível de conhecimento oficioso por parte desta instância.
Posto isto, cabe aferir unicamente da questão suscitada pela ora Recorrente nas conclusões n.º 8 e 9 do presente recurso e que diz respeito ao erro de julgamento apontado à sentença apelada no que se refere à falta de fundamentação do ato de liquidação de IVA, mais precisamente no que diz respeito aos critérios e quantificação da matéria tributável por métodos indiretos.

Sobre esta questão, na sentença recorrida considerou-se e decidiu-se que:

«Ora, analisado o relatório de inspeção, bem como a decisão de fixação da matéria tributável por métodos indiretos, que o acolhe, e nos quais se estribam as liquidações impugnadas, não se vislumbra onde resida a falta de fundamentação do ato tributário.
Com efeito, no capítulo IV do relatório de inspeção tributária a Administração Tributária explicitou de forma clara e suficiente as razões pelas quais considerou que a contabilidade da impugnante não merecia credibilidade e que era inviável a comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável, as quais se reconduzem a custos não aceites fiscalmente, omissão de serviços prestados, fatura não contabilizada e empréstimos efetuados pelos sócios, sem que estes revelem capacidade financeira para tal.
E também explanou que estas irregularidades na contabilidade da impugnante impossibilitaram a comprovação e quantificação da matéria tributável, tendo sido necessário o recurso a métodos indiretos nos termos dos artigos 87.º, alínea b) e 88.º, alínea a) da LGT.
De igual modo, no capítulo V do relatório de inspeção enunciou e especificou em termos suficientes, precisos e sem qualquer obscuridade, o critério de quantificação da matéria coletável utilizado, o qual se traduziu na seguinte operação matemática: total de serviços prestados declarados no exercício de 2002 (196.399,73 €)/n.º de faturas processadas no exercício (18) = 10.911,10 €.
Em face do exposto, não se verifica o vício de falta de fundamentação, improcedendo por este fundamento a presente impugnação.»

Ora, efetivamente e como se referiu na sentença recorrida, o ato de determinação da matéria coletável por métodos indiretos, sendo este o verdadeiro ato definidor daquela, acolhe e remete para os fundamentos do relatório de inspeção tributária no que diz respeito à aplicação daquela forma de aferição da matéria coletável.

Ora, como se referiu no acórdão deste Tribunal de 12.04.2018, proferido no processo n.º 01228/09.3BEVIS (in www.dgsi.pt):
“[…] A matéria tributável, regra geral, é determinada directamente e com base nos elementos legalmente exigíveis e que o contribuinte tem de fornecer à administração tributária, uma vez que impende sobre os contribuintes obrigações acessórias de apresentação de declarações e de exibição da contabilidade ou escrita.
Nos termos do artigo 75.º, n.º 1 da LGT “Presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal”.
A presunção de veracidade das declarações dos contribuintes cessa, de acordo com os condicionalismos legais tipificados no n.º 2 do artigo 75.º, entre outros, se a contabilidade revelar omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de aquelas não reflectem ou impedem o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo.
No caso de, por qualquer das razões previstas na lei, a presunção consagrada no artigo 75.º, n.º 1 da LGT deixar de funcionar, a administração tributária fica legitimada a efectuar a determinação da matéria tributável, com recurso para o efeito e preferencialmente de métodos directos ou, quando tal não seja possível, a métodos indirectos.
Assim, e de acordo com o ínsito no artigo 81.º, n.º 1 da LGT, o recurso a métodos indirectos é excepcional, sendo sempre subsidiária da avaliação directa, de acordo com o artigo 85.º, também da LGT.
Daí também que o legislador tenha estabelecido uma acrescida exigência de fundamentação da decisão administrativa que determine o recurso a esse método de avaliação (cfr. artigo 77.º, n.º 4 da LGT).
Em suma, o recurso a presunções ou métodos indirectos só é legitimado quando não existirem elementos que permitam apurar directamente o imposto, sendo patente a preocupação do legislador em objectivar as situações em que a matéria colectável pode ser fixada através dos denominados métodos indirectos e, portanto, o recurso a estes métodos depende da verificação dos respectivos pressupostos legais.
Por outro lado, compete à administração tributária demonstrar a verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação por métodos indirectos, demonstrando nomeadamente que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido e, feita essa prova, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, houve erro ou excesso na quantificação (artigo 74.º, n.º 3 da LGT). – cfr., nestes precisos termos, o Acórdão deste TCAN, de 27/11/2014, proferido no âmbito do processo n.º 255/05.4 BEBRG.
Da leitura dos artigos 85.º, 87.º e 88.º da LGT decorre de modo manifesto que os métodos indirectos só podem aplicar-se quando seja impossível proceder à determinação da matéria colectável de modo directo e exacto, nomeadamente através de correcções meramente aritméticas.
Dito por outras palavras, a Fazenda Pública, para além de demonstrar, fundamentando, a necessidade de determinação pelos métodos indirectos da matéria tributável, ao nível dos seus pressupostos, tem ainda que fundamentar os critérios utilizados na quantificação do valor tributável.
Cabe, assim, à Administração Tributária o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indirectos, demonstrando que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido. Bem como lhe cabe o ónus de indicar e fundamentar os critérios utilizados na determinação da matéria tributável por métodos indirectos, fazendo assentar o volume da matéria colectável presumida em dados objectivos, racionais e fundamentados, aptos a inferir os factos tributários, não em meras suspeitas ou suposições.
Com efeito, tendo a determinação da matéria tributável por métodos indirectos de ser feita por aproximação à realidade que se procura apurar, é necessário que se demonstre que teve por suporte elementos de facto possíveis e prováveis, extraídos de parâmetros adequados à situação. Por isso, a Administração Tributária tem de utilizar elementos de facto conhecidos que, segundo as regras da experiência, pautadas por critérios de razoabilidade e de normalidade, conduzam à extrapolação dos factos desconhecidos ou à aproximação da realidade que se procura alcançar.
Não conseguindo fazer essa prova, a questão relativa à legalidade do seu agir terá de ser resolvida contra ela.
Uma vez cumprido esse ónus, caberá, então, àquele a quem o método é oposto o ónus probandi de que a realidade é completamente distinta do resultado a que conduziu a utilização das mencionadas regras, que o critério utilizado é ostensivamente desadequado e/ou inadmissível, que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada.
Esta é, pois, a solução que corresponde à regra geral contida no artigo 342.º do Código Civil, segundo a qual quem invoca um direito tem o ónus de prova dos factos constitutivos, cabendo à contraparte a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos. [veja-se, por todos, nestes precisos termos, o Acórdão deste TCAN de 23/02/2006, proferido no âmbito do processo n.º 00437/04]
Importará, por fim, sublinhar que o direito à fundamentação, e o correspectivo dever por parte da Administração decorre do n.º 3 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa: “Os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos”. Por sua vez, também nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 77.º da LGT, “A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo as que integrem o relatório de fiscalização tributária”. E, especificamente, quanto à tributação por métodos indiciários, o n.º 4 do mesmo artigo 77.º, referia que “A decisão da tributação por métodos indirectos, nos casos e com os fundamentos previstos na presente lei, especificará os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável (…) e indicará os critérios utilizados na sua determinação”.
Como a jurisprudência tem vindo a afirmar, o regime jurídico da fundamentação dos actos administrativos visa, entre outros objectivos que ora não importa considerar (referimo-nos às finalidades endógenas, que visam garantir que os agentes ponderaram de forma cuidada toda a problemática envolvente, incluindo as próprias definições legais), o do perfeito esclarecimento dos administrados sobre o iter cognoscitivo e valorativo seguido pela Administração, dando-lhes a saber quais os motivos, as razões por que se pratica um acto, em ordem a permitir-lhes optar entre a aceitação da sua legalidade ou a reacção graciosa ou contenciosa contra o mesmo. Assim, para aferir do cumprimento do dever de fundamentação, costuma usar-se um critério prático, que consiste em saber se um destinatário normal, face ao itinerário cognoscitivo e valorativo externado como fundamentação do acto em causa, fica em condições de conhecer o motivo por que se decidiu num certo sentido e não noutro qualquer, de modo a, em consciência, poder optar entre a aceitação do acto e a sua impugnação.
Importa não esquecer que a fundamentação é um conceito relativo, variando em função do tipo concreto do acto e das circunstâncias em que o mesmo foi praticado, e que o grau de fundamentação exigível deverá estar directamente relacionado com o grau de litigiosidade existente, isto é, com a divergência existente entre a posição da Administração Tributária e a do contribuinte. (Veja-se, entre outros, nestes precisos termos, o Acórdão do STA, de 19/11/2014, proferido no âmbito do processo n.º 0407/12).»

Assim, analisando-se o relatório de inspeção em causa podemos concluir que a desconsideração dos valores inscritos na contabilidade da impugnante teve por base, em suma, a existência de custos não aceites fiscalmente, a existência de empréstimos dos sócios à ora Recorrente quando aqueles não teriam capacidade financeira para os fazer e a existência de uma fatura não contabilizada e a omissão de serviços prestados (cf. pág. 9 do relatório de inspeção – fls. 32 do PA). Daqui concluíram os serviços inspetivos da Administração Fiscal, que estariam reunidas as condições que impossibilitavam a quantificação direta e exata da matéria coletável, nos termos da alínea a) do art.º 88.º da LGT, o que significava que se justificava o uso de métodos indiretos à luz da alínea b) do art.º 87.º da LGT, justificando-se a respetiva tributação em IVA. Deste modo, estaria aqui em causa uma situação de impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria coletável, uma vez que existiria uma inviabilização do apuramento da matéria coletável devido à “Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais” (redação da alínea b) do art.º 88.º da LGT na redação já vigente à data dos factos).

Neste aspeto, há que ter em conta que a ora Recorrente no presente recurso e na respetiva motivação apenas coloca em causa o juízo feito na sentença recorrida no que se refere ao vício de falta de fundamentação este visto numa perspetiva unicamente formal e não material (o que aliás é consistente com a alegação que fez na sua petição inicial – cf. os respetivos artigos 108.º a 112.º).

Deste modo, atendendo ao relatório inspetivo que sustenta a aplicação de métodos indiretos e que esta na base da decisão de aplicação e quantificação daqueles, consegue-se descortinar todo o percurso cognoscitivo feito pelos serviços da Administração Fiscal e que conduziram à decisão final. Assim, por exemplo, quanto à fatura n.º 64, explicou-se no referido relatório que o valor da mesma corresponderia a uma média das faturas emitidas pela ora Recorrente. Já no que diz respeito à quilometragem dos veículos que serviam de base à atividade da ora Recorrente, ou seja, a atividade de transporte rodoviário de mercadorias, também explicou-se no relatório de inspeção que o as disparidades existentes entre a quilometragem verificada e o valor dos quilómetros efetuados se deveria a serviços prestados mas não faturados pela ora Recorrente. Atendendo a esta fundamentação, torna-se claro para um destinatário comum as razões que motivaram o raciocínio feito pelos serviços inspetivos e que conduziram à decisão de aplicação de métodos indiretos e à respetiva quantificação. Após, o desenvolvimento dos factos apontados e das ilações de facto retiradas no relatório inspetivo, enquadradas no regime legal aí enunciado, um contribuinte normal com base nos aludidos fundamentos estava munido quer da fundamentação de facto e de direito, que lhe demonstrava o percurso cognoscitivo feito pelos serviços da Administração Fiscal.

Por isso, podemos concluir que inexiste erro de julgamento na sentença recorrida quanto à apreciação que nela se fez quanto ao apontado vício de falta de fundamentação do ato de liquidação de IVA, pelo que, também aqui, improcede o presente recurso.
*
Conclui-se, assim, que terá que ser negado provimento ao presente recurso.
*

Assim, nos termos do n.º 7 do art.º 663.º do CPC, formula-se o seguinte sumário:

I – A impugnação judicial não tem como objeto o conhecimento da prescrição da obrigação tributária e a prescrição não contende com a legalidade da liquidação, mas apenas com a exigibilidade da obrigação tributária por ela criada, motivo por que em sede de impugnação judicial a prescrição não pode ser conhecida senão incidentalmente e como pressuposto da utilidade ou não do prosseguimento da lide, questão esta do conhecimento oficioso. Porém, o conhecimento da prescrição em sede impugnatória só é devida enquanto pressuposto de conhecimento oficioso que é o da (in)utilidade da lide, quando dos autos resultem elementos factuais que permitam ao Tribunal tomar posição quanto à questão da prescrição, sem a necessidade de realização de mais iniciativas processuais.

II - As instâncias jurisdicionais apenas podem conhecer dos factos essenciais invocados pelas partes, salvo aqueles que possam oficiosamente conhecer (n.º 1 do art.º 99.º da LGT e art.º 5.º do CPC ex vi art.º 1.º do CPPT).

III – Os recursos têm como objeto decisões jurisdicionais e não são os meios para se impugnarem atos de tributários, pelo que caem fora do âmbito recursivo os vícios apontados em sede de recurso contra a liquidação impugnada, quando aqueles não constituam matéria passível de conhecimento oficioso por parte do Tribunal de recurso.

IV – Estando vertidas as razões de facto e de direito da decisão de aplicação e quantificação de métodos indiretos que assenta no relatório inspetivo que lhe antecede, sendo cognoscível o iter cognoscitivo e valorativo feito pela Administração Fiscal, não incorre em erro de julgamento a sentença que assim julgou improcedente o vício de falta de fundamentação formal.
*
VDispositivo

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
*
Custas pela Recorrente (por vencida).
*
Porto, 11 de março de 2021

Carlos A. M. de Castro Fernandes
Manuel Escudeiro dos Santos
Ana Patrocínio