Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:04882/04 - Viseu
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/26/2018
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Mário Rebelo
Descritores:MÉTODOS INDIRETOS DE TRIBUTAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Sumário:1. No âmbito da tributação por métodos indiretos compete à AT o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação e ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na quantificação (art. 74º/3 LGT).
2. Antes de endereçar ao contribuinte o ónus de provar o excesso na quantificação, a AT não poderá deixar de cumprir o dever de demonstrar que o critério por si eleito para a determinação da matéria tributável se revela adequado e racionalmente justificado como um modo adequado de aproximação à realidade que visa tributa.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:V...
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

RECORRENTE: Exmo. Representante da Fazenda Pública
RECORRIDO: V…
OBJECTO DO RECURSO: Sentença proferida em 31 de outubro de 2014 pelo MMº juiz do TAF de Viseu que julgou procedente a impugnação contra as liquidações adicionais de IRS dos exercícios de 1996, 1997, 1998 e 1999 e recurso interlocutório de fls. 487 que concedeu o prazo de 15 dias para que o impugnante fornecesse nos autos “elementos sobre o paradeiro das testemunhas arroladas”, conforme fora requerido pelo mesmo.
CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES (RECURSO DA SENTENÇA):
A. Incide o presente recurso sobre a douta sentença que julgou procedente a presente impugnação, por se ter concluído que, apesar de se encontrar justificado e fundamentado o recurso a métodos indiretos, existe erro na quantificação da matéria coletável.
B. Para efeito de julgar totalmente procedente a impugnação em referência considerou-se na sentença sob recurso que “... em sede de comissão de revisão o Impugnante apresentou 16 declarações de seus clientes pelas quais declaram que os valores de avença que o Impugnante cobrava não se encontram anualmente totalmente regularizados”.
C. Mais refere a douta sentença que “do relatório de inspeção resulta que o critério de apuramento da matéria tributável foi o seguinte: «o volume de negócios omitido foi obtido por diferença entre a prestação de serviços a faturar, resultante do produto entre os meses de prestação de serviços e a avença, e a prestação de serviços faturada. Para determinação dos meses de prestação de serviços por cada ano foi tida em conta a informação prestada pelo s.p. relativamente ao início e fim da relação prestador de serviços/cliente. O descrito não foi aplicado aos clientes aí indicados, uma vez que existem contrariedades entre os esclarecimentos prestados pelo s.p. e a faturação e/ou outros elementos existentes, partindo-se (para esses casos) dos seguintes pressupostos...» elencando 8 clientes do Impugnante relativamente aos quais assim sucedeu” (sublinhado nosso).
D. Consta, ainda, da decisão que “portanto, como se disse o Impugnante apresentou 16 declarações de seus clientes (ponto 8 do probatório), entre os quais os que estão elencados no relatório de inspeção e que a inspeção não levou em consideração para o apuramento da matéria tributável. Ora, impunha-se que a inspeção se houvesse se houvesse pronunciado quanto á situação dos demais, mesmo em sede de despacho de pronúncia, o que não aconteceu”.
E. Na Fundamentação de Direito refere-se também que “não se entende, pois, que no relatório de inspeção não se houvesse exposto as razões pelas quais o tratamento dos demais clientes foi diferente ou omisso, o que é potencialmente significativo do ponto de vista do quantum a apurar”.
F. Antes de concluir que “existiu erro na quantificação da matéria coletável” o decisor deixou escrito na decisão sob crítica que “...a Administração Tributária não demonstrou, perante situações potencialmente idênticas ás dos clientes do impugnante que foram excluídos do apuramento da matéria tributável, as razões pelas quais inclui ou não de todos os clientes que constam das declarações apresentadas, nem isso resulta da pronúncia...”.
G. Ressalvando-se o devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, sendo nosso entendimento que a decisão em pauta enferma de erro de julgamento violando o disposto no art 74º nº 3 da LGT, que dispõe que em
de determinação da matéria tributável por métodos indiretos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respetiva quantificação.

H. Concretizemos o que, em matéria de quantificação, ocorreu em sede inspetiva: o critério de cálculo realizado pelo técnico inspetor assentou na diferença entre a prestação de serviços (de contabilidade) a faturar e aquela que voluntariamente havia sido faturada pelo Impugnante, assim chegando ao período temporal de prestação de serviços omitido, a partir da qual multiplicou o número de meses desse período pelo valor da avença (mensal).
I. O critério aplicado foi tão simples e linear quanto isto, sendo que, relativamente a 8 clientes este procedimento não foi aplicado, pois, atentos os elementos fornecidos pelo impugnante não seria justo, e além do mais, seria incoerente, que o fizesse, tendo, no caso destes 8 clientes, sido utilizado um cálculo mais favorável ao impugnante. Sublinhe-se que não detetou o técnico inspetor quaisquer incoerências e contradições relativamente a nenhum outro cliente (o que, além de afirmado no relatório, também se deixou dito na contestação, vide quesitos 53° e 54°).
J. Com efeito, em face do critério de quantificação adotado em sede inspetiva, que, anote-se, teve em atenção a particularidade de 8 clientes relativamente aos quais foram apresentados elementos contabilísticos aptos a permitir a aplicação de um critério de quantificação mais adequado, não se vislumbra a razão de ser da afirmação que consta na sentença, de que o impugnante apresentou 16 declarações de seus clientes, entre os quais os (8) que são elencados no relatório de conclusões e que a inspeção não levou em consideração para o apuramento da matéria tributável. Como vimos, do relatório resulta justamente o oposto, relativamente a 8 desses clientes.
K. Como também não se encontra justificação para as afirmações que dizem que se impunha que a inspeção se houvesse pronunciado quanto à situação dos demais (clientes), porquanto, os demais clientes são todos aqueles relativamente aos quais o impugnante nenhum elemento forneceu adequado a pôr em causa o critério de quantificação utilizado, ou para o entendimento, também ele vertido na sentença, de que o tratamento dos demais clientes foi diferente ou omisso, o que é potencialmente significativo do ponto de vista do quantum a apurar.
L. Ora, o tratamento dos demais clientes não foi diferente nem omisso. Aconteceu exatamente o contrário: diferente foi o critério de quantificação, mas apenas quanto aos (8) clientes para os quais o impugnante forneceu elementos contabilísticos que permitiram a aplicação de um critério mais aproximado à realidade.
M. Relativamente aos clientes para os quais nenhum elemento o impugnante apresentou capaz de abalar o critério de quantificação adequado e racionalmente justificado empregue pelo inspetor, foi este critério de quantificação utilizado.
N. De resto, em matéria de critério de quantificação, o entendimento que consta da sentença sob recurso (de que acima transcrevemos os segmentos essenciais), consubstancia um inverter das regras do ónus da prova que, como já afirmámos, à luz do disposto no art. 74º n.° 3 da LGT, padece de ilegalidade.
O. A este respeito, é bom lembrar que em matéria de quantificação por métodos indiretos é sobre o contribuinte que recai o ónus de demonstrar que houve erro ou manifesto excesso no critério de quantificação o que entende a Fazenda Pública e melhor resulta dos autos r não foi demonstrado.
P. A determinação da matéria coletável através dos métodos indiretos (presunções ou estimativas) não constitui um apuramento real da atividade do impugnante, conduzindo antes a uma quantificação aproximada, verosímil, razoável, pelo que se a dúvida revertesse a favor do sujeito passivo a quantificação indiciária nunca seria possível - cfr., entre muitos outros, Arestos do Tribunal Central Administrativo Sul de 05-02-2002, recurso 4775/01, de 19-02-2002, recurso 4845/01 e de 05-03-2002, recurso 3472/00.
Q. O que bem se compreende, pois, como ficou dito no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 22-05-2001, recurso 4016/00, esta posição menos favorável do contribuinte justifica-se “porque a quantificação por presunção só a si lhe é imputável, pelo que o contribuinte, se queria ser tributado pelo lucro real, deveria ter uma contabilidade sã, que permitisse o controlo dos dados nela constante” - no mesmo sentido veja-se, entre muitos outros, o Acórdão do TCA-Sul de 01-02-2011, recurso 4417/10.
R. Na situação em análise, o impugnante apresentou 16 declarações (8 referentes a clientes relativamente - aos quais já havia em sede inspetiva merecido a adoção de um critério de quantificação mais favorável e 8 declarações referentes a outros tantos clientes relativamente aos quais, aquando da inspeção, nenhum elemento documental foi apresentado), de formato e tipificação idêntica, a partir das quais não é - pura e simplesmente - possível aferir quais os valores é que não foram pagos pelas prestações de serviços, quantos meses e de que anos é existem valores em dívida, sendo igualmente pouco razoável admitir que um prestador de serviços de contabilidade, apesar de não receber as prestações de serviços que efetua aos seus clientes, continua, apesar disso, a realizar prestações de serviços ao longo de vários anos consecutivos.
S. De todo o modo, considera a Fazenda Pública que essas declarações não são, atento o disposto no sobredito art. 74º n.° 3 da LGT, elementos nem adequados nem suficientes para abalar ou pôr em causa o racionalmente justificado critério de quantificação da matéria coletável aplicado pelo inspetor tributário.
T. A este propósito, tenha-se presente que, “de acordo com as regras de distribuição do ónus da prova, para pôr em causa a quantificação da matéria tributável a que a AT chegou com recurso a métodos indiretos não basta ao sujeito passivo suscitar dúvidas quanto ao resultado obtido, antes se lhe impondo que demonstre a inadequação ou errada aplicação dos critérios de quantificação utilizados (cfr. art. 74°, n.° 3, da LGT)”, vide Acórdão do STA de 16-11-2011, recurso 0247/11.
U. Ora, entende a Fazenda Pública que as 16 declarações em causa não demonstram, em concreto a inadequação ou errada aplicação do critério empregue. De tão abstrato que é
o seu teor nada de concreto delas se consegue extrair.

V. Sublinhe-se que a vincada exigência no plano probatório que a jurisprudência aponta tem toda a razão de ser. De resto, entendimento diverso significaria permitir que qualquer declaração abstratamente redigida, ainda que em momento muito posterior, como as apresentadas pelo impugnante, sempre fizesse naufragar todo e qualquer critério empregue em sede inspetiva, por mais válido, racional e aproximado á realidade que ele fosse.
W. Acresce que, como se deixou sufragado no Acórdão do STA proferido em 09.11.2016 (Proc. n.° 01280/15), “não ocorre ilegalidade por erro na quantificação da matéria tributável por métodos indiretos, se o critério usado pela A T se revela adequado e racionalmente justificado”.
X. Enfatize-se que, com referência ao critério empregue, o técnico inspetor indicou deforma clara, precisa e suficiente os factos conhecidos de que partiu e que lhe permitiram, à luz das regras de experiência, segundo critérios de razoabilidade e tendo em conta as concretas circunstâncias do exercício da atividade de prestação de serviços de contabilidade, fixar o critério de quantificação da matéria tributável e qual o raciocínio que lhe está subjacente, tudo como melhor consta no relatório de conclusões.
Y. Ainda assim, “é sabido que na quantificação por métodos indiretos - à qual a AT só pode recorrer na impossibilidade de determinar diretamente a matéria tributável - há sempre dúvidas quanto ao resultado alcançado, pois apesar de também aqueles visarem a quantificação real, assentam em «indicadores que apenas podem fornecer uma indicação aproximada do valor que a matéria tributável provavelmente teria» (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6. edição, volume II, anotação 6 ao art. 100º, pág. 137.)” (Ac. STA de 16.11.2011, Proc. n°0247/11).
Z. Entende, com efeito, a Fazenda Pública que o impugnante não demonstrou, como lhe era exigível a concreta inadequação ou errada aplicação do critério de quantificação utilizado pela inspeção tributaria pelo que nesta conformidade não cumpriu o ónus legalmente previsto no art. 74º n.° 3 da LGT, norma que, na interpretação que faz dos factos e do direto aplicável, a sentença sob recurso viola.
AA. Em face do que, julgamos que a sentença aqui sindicada viola o disposto no art. 74º n.° 3 da LGT padecendo por essa razão de erro de julgamento impondo-se a sua eliminação da ordem jurídica.
Nestes termos e nos mais de direito deve ser dado provimento ao presente recurso, ordenando-se, em consequência, a substituição da douta sentença recorrida, por outra que julgue improcedente, por não provado, o vício de erro na quantificação da matéria coletável e determinando-se a sua substituição por outra que julgue improcedente a ação, como será de JUSTIÇA!
RECURSO DE DESPACHO INTERLOCUTÓRIO
A. Incide o presente recurso sobre parte do douto despacho datado de 21-02-2017, a fls. 487 dos autos (processo físico), que, perante a não comparência na audiência de julgamento de nenhuma das três testemunhas arroladas pelo autor, das quais duas haviam sido validamente notificadas, concedeu o prazo de 15 dias solicitado pelo impugnante para este fornecer aos autos elementos sobre o paradeiro das testemunhas arroladas.

B. É do seguinte teor o segmento do despacho reclamado: “Defiro o requerido prazo de 15 dias, para o impugnante fornecer aos autos elementos sobre o paradeiro das testemunhas arroladas”.

C. O despacho sindicado encontra-se inserto na Acta de Inquirição de Testemunhas e tem na sua génese o requerimento, pelo impugnante, de prazo não inferior a 15 dias para tentar informar os autos do paradeiro das testemunhas arroladas.

D. Como é bom de ver, no tocante às testemunhas arroladas, o segmento do despacho recorrido viola o disposto no art. 508º do CPC, ex vi art. 2º alínea e) do CPPT.

E. Isto porque o que ocorreu no dia 21-02-2017 foi, apenas e só, a não comparência ao julgamento de testemunhas arroladas, das quais apenas uma não fora notificada em virtude da notificação que lhe foi enviada ter sido devolvida.

F. Sucede que a lei estabelece quais as consequências do não comparecimento das testemunhas à inquirição, prevendo, para estas situações, as soluções que devem ser observadas no plano da marcha processual e em face daquilo que for o interesse probatório da parte que arrolou a testemunha faltosa.

G. Como melhor resulta do teor da Acta, o impugnante não só não prescindiu de nenhuma das testemunhas faltosas como disse ser seu conhecimento que as moradas atuais das ditas serão diversas das indicadas na Petição Inicial, pelo que tal situação encontra pleno enquadramento no disposto na alínea b) do n.º 3 do art. 508º do CPC, norma que dispõe que se a impossibilidade for meramente temporária ou a testemunha tiver mudado de residência depois de oferecida, bem como se não tiver sido notificada devendo tê-lo sido, ou se deixar de comparecer por outro impedimento legítimo, a parte pode substitui-la ou requerer o adiamento da inquirição pelo prazo que se afigure indispensável, nunca excedente a 30 dias (sublinhado nosso).

H. Com efeito, na situação em presença o impugnante não prescindiu de nenhuma das testemunhas, nem tão pouco as substituiu, pelo que só poderia, em alternativa, requerer o adiamento da inquirição pelo tempo máximo de 30 dias.

I. E se a lei apenas admite que seja isso que a parte pode requerer, por certo, será apenas isso que lhe pode ser autorizado ou concedido, pelo que, ao decidir como decidiu - ao arrepio, como se demonstrou, do art.º 508º do CPC – a Mma Juiz praticou um acto que a lei não admite e, simultaneamente, incorreu na omissão de um ato que a lei prescreve, irregularidades processuais essas passíveis de influir no exame ou decisão da causa.

J. Por outras palavras, da interpretação da decisão recorrida e tendo presente o alegado pelo impugnante, resulta que a Mma. Juiz preteriu por completo a operação de enquadramento na lei da situação fática em presença, a aplicação do direito aos factos, verificando-se uma omissão ou vazio normativo relativamente à determinação exarada.

K. Está-se, assim, perante uma decisão que não apresenta qualquer base normativa. Além de que, como se disse, o juízo fundamentador do segmento do despacho viola o art. 508º do CPC, em especial o disposto na alínea b) do seu n.º 3.

L. Consequentemente, ao não determinar o adiamento da inquirição para um dos 30 dias subsequentes, e apenas autorizando que no prazo de 15 dias o impugnante forneça aos autos elementos sobre o paradeiro das testemunhas por si arroladas, aquele trecho da decisão recorrida enferma de vício de violação de lei.

M. Sublinhe-se que o vindo de referir não colide com a determinação – também lavrada na Acta de Inquirição de Testemunhas – de que a inquirição foi determinada por Acórdão do TCA do Norte. Com efeito, a Fazenda Pública não desconhece o dever de administrar justiça e de respeito pelas decisões dos tribunais superiores plasmado no art. 152º do CPC. Interpretamos, no entanto, esse comando do TCAN no sentido de, no plano processual, ser permitida e possibilitada na primeira instância a realização do ato em causa – inquirição de testemunhas – por forma a que a base fática da decisão a proferir seja o mais completa possível, isto é, não se preterindo diligências suscetíveis de apurar a verdade material dos factos, e não a sua realização a todo e qualquer custo, olvidando os limites que a lei estabelece.

N. Sintetizando, o despacho em causa afronta ainda o princípio transpositivo e supra legal de sujeição do decisor à lei, bem como procede à violação do art. 6º do CPC, preceito que estabelece o dever – a cargo do Juiz – de dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, transgredindo ainda o disposto no art. 508º do CPC, aplicável ao contencioso tributário ex vi art. 2º alínea e) do CPPT.

O. Por tudo o que antecede, entende a Fazenda Pública que não pode manter-se o despacho recorrido, devendo ser ordenada a sua revogação.




Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, ordenando-se a revogação da douta decisão recorrida, com as legais consequências.


CONTRA ALEGAÇÕES.
Não houve.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA emitiu parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.


II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou ao julgar procedente a impugnação por verificação de erro na quantificação da matéria tributável.

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:
1. Em cumprimento da ordem de serviço n.° 26253, foi realizada inspeção à escrita do impugnante, da qual resultou as conclusões da ação de inspeção, com data de 15.11.2000, que aqui se reproduz por uma questão de brevidade. - Cfr. fls. 29/49V. do processo administrativo apenso, doravante PA, cujo teor aqui se da por integralmente reproduzido.
2. Nos ofícios n.°s 19033, de 16.11.2000, consta a notificação ao Impugnante para exercer o direito de audição prévia sobre o projeto de relatório de inspeção tributária. - Cfr. fls. 18 do PA, cujo teor aqui se da por integralmente reproduzido
3. No âmbito da ação da inspeção referida em 1., em 30.11.2000 foi elaborado o Relatório de Inspeção Tributária, homologado por despacho datado de 04.12.2000, emanado pelo Chefe de Divisão, no qual se apuraram correções à matéria tributável com recurso a método indiretos ao IVA e IRS relativo aos exercícios dos anos 1996, 1997, 1998 e 1999, que aqui se reproduz por uma questão de brevidade (...)”. – Cfr. fls. 28 e ss. do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
4. O Impugnante foi notificado do relatório de inspeção tributária e da fixação do lucro tributável pelo oficio n.° 3058 de 26.02.2001 enviado por correio registado com aviso de receção assinado em 01.03.2001. cfr. fls. 26 V.°/27V.º do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
5. O Impugnante apresentou pedido de revisão nos termos do artigo 91.° da LGT. - Cfr. fls. 13V.º/17V.º do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
6. Com data de 23.04.2001 e 10.05.2001, foi elabora a ata da Comissão Distrital de Revisão, da qual resulta que os peritos não chegaram a acordo quanto a eventual revisão da matéria tributável apurada nos termos do relatório de inspeção e em face do que o Diretor de Finanças decidiu fixar a matéria tributável definida no relatório de inspeção.
- Cfr. fls. 3/13 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

7. O Impugnante foi notificado da decisão do pedido de revisão pelo ofício n.° 7528 de
10.05.2001 enviado por correio registado com aviso de receção assinado em 11.05.2001. - cfr. fls. 23/24V.º do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

8. Os clientes do impugnante, T…, Lda, E…, Lda, J…, S…, A…, Ad…, G…, L…, M…, T… - Transportes, Lda, R…, Ant… e C…, Lda., emitiram declaração pela qual declaram que a respetiva contabilidade é executada no gabinete do impugnante, que os valores de avença cobrados por este não se encontram anualmente regularizados, encontrando-se os recibos de pagamento liquidados registados em contabilidade, acrescentando a cliente do impugnante C…, Lda, que se encontrou inativa e que durante esse período de tempo não foram pagos quaisquer honorários / avença pela prestação de serviços, limitando-se apenas a pagar no encerramento de cada ano o equivalente a um mês de avença. - Cfr. fls. 5 V.°12 V.° do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
9. O Impugnante juntou aos autos 128 recibos emitidos aos seus clientes. - Cfr. fls. 19/96 do processo físico, doravante PF, cujo teor aqui se dá por integra/incute reproduzido.
10. O Impugnante juntou aos autos cópia das vendas a dinheiro n.°s 1 a 217, emitidas aos seus clientes no ano de 1999. Cfr. fls. 97/311 do PF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
11. Na sequência da ação inspetiva, a Administração Tributária emitiu os atos de liquidação adicional de IRS e respetivos juros compensatórios, com o valor global de € 6.609,81 euros, referentes aos exercícios económicos de 1996, 1997, 1998 e 1999. - Cfr.fls. 22/25 do PF, cujo teor aqui se da por integralmente reproduzido.
12. As liquidações referidas em 11. foram pagas através de pagamentos por conta por iniciativa do contribuinte, tendo o último pagamento ocorrido em 2002.12.27. - cfr.fls. 345 do PF, cujo teor aqui se dó por integralmente reproduzido.

IV.2. Factos não provados:
Para além dos factos que foram dados como provados, não foram provados outros que revelem interesse para a boa decisão da causa.

IV.3. Motivação:
A convicção do Tribunal quanto aos factos provados resultou da análise crítica e conjugada do teor dos documentos não impugnados juntos aos autos e juntos ao processo administrativo, conforme referido em cada ponto do probatório e também da posição assumida pelas partes, na parte dos factos alegados não impugnados e corroborados pelos documentos juntos.
A matéria de facto não provada redundou na ausência de prova produzida para o efeito.

DESPACHO INTERLOCUTÓRIO
O despacho interlocutório recorrido foi exarado em acta de inquirição de testemunhas, de 21 de fevereiro de 2017, e cujo conteúdo é o seguinte:
“Com exceção da testemunha H…, cuja notificação veio devolvida, as restantes testemunhas encontram-se notificadas, pelo que o procedimento a seguir seria a condenação das mesmas em multa, e caso necessário, na próxima data designada para a sua inquirição, comparecerem sob custódia (artigo 508º n.º 4 do CPC).
Acontece que o impugnante tem conhecimento, que pelo menos duas destas testemunhas não se encontrarão em Portugal e a primeira, tendo em conta o decurso do tempo, não se encontrará a residir na mesma morada indicada aquando da apresentação da petição inicial.
A inquirição de testemunhas foi determinada por acórdão proferido em 25/02/2016 pelo TCAN sendo necessária para a descoberta da verdade material de alguns factos alegados pelo impugnante.
Nestes termos, foi requerido pelo Impugnante prazo não inferior a 15 dias para tentar informar os autos do paradeiro das testemunhas arroladas.
Dada a palavra ao Ilustre Representante da Fazenda Pública, pelo mesmo foi dito: Nada a requerer.
Seguidamente, pela MMª juíza foi proferido o seguinte:
DESPACHO
Defiro o requerido prazo de 15 dias, para o impugnante fornecer aos autos elementos sobre o paradeiro das testemunhas arroladas.
Consequentemente, as testemunhas faltosas não vão condenadas em multa”

ADITAMENTO OFICIOSO DE FACTOS.
Adita-se o facto provado n.º 8-A e 6-A com o seguinte conteúdo:
6-A
A decisão do Exmo. Diretor de Finanças é do seguinte teor:

“Nos termos do n.º 6 do art. 92º da Lei Geral Tributária, cumpre ao órgão competente para a fixação da matéria tributável resolver, na falta de acordo entre os peritos.
Assim, considerando que o perito da Administração Tributária defende a manutenção dos valores objecto do pedido de revisão e o perito do contribuinte, sem nada trazer de novo trazer à discussão, defende a manutenção dos valores inicialmente declarados pelo contribuinte, Decido, por falta de elementos que nesta fase os ponham em causa, manter os valores fixados aqui em discussão.
Diligências necessárias”
8-A
Perante as declarações referidas no n.º antecedente, os peritos disseram o seguinte:
“...O PC apresentou nesta reunião 16 declarações de seus clientes (todas rubricadas por ambos os peritos, fazendo as mesmas parte integrante desta acta), que referem que a suca contabilidade é executada pelo contribuinte identificado em epígrafe e que no final de cada ano as avenças não se encontravam regularizadas.
Face aos elementos entregues, o PAT, considera que as mesmas não refutam nem põem em causa os fundamentos utilizados para a aplicação dos métodos indiretos, nem o critério utilizado na quantificação dos impostos em falta.
O PC, dá por integralmente reproduzido o exposto na reclamação apresentada.
O PAT, subscreve o exposto no relatório da ação inspectiva.
Consequentemente, os Peritos não chegaram a acordo...”

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
A Impugnante foi submetida a fiscalização externa com incidência nos exercícios de 1996, 1997, 1998 e 1999, com incidência em IVA e IRS que culminou com a liquidação adicional de IRS (e IVA) para os períodos em análise.
A Impugnante requereu procedimento de revisão no âmbito do qual não se alcançou acordo entre os peritos.
Notificada das liquidações de IRS, deduziu impugnação judicial alegando falta de pressupostos para lançar mão da avaliação indireta, falta de fundamentação, etc.
Por sentença proferida em 31 de outubro de 2014 a impugnação foi julgada procedente e anuladas as liquidações impugnadas. Interposto recurso para este TCA foi determinada a anulação da sentença e anulado o processado posterior ao despacho interlocutório de fls. 323
Proferida nova sentença, foi também julgada procedente a impugnação. Considerou-se justificado e fundamentado o recurso a métodos indiretos para determinação da matéria colectável. No entanto, quanto ao critério de quantificação concluiu haver erro:
“Todavia, quanto ao critério de quantificação e ao apuramento em si realizado pela inspeção tributária, já o mesmo não se poderá dizer.
Isto porque, em sede de comissão de revisão o Impugnante apresentou 16 declarações de seus clientes pelas quais declaram que os valores de avença que o Impugnante cobrava não se encontram anualmente totalmente regularizados.
E do relatório de inspeção resulta que o critério de apuramento da matéria tributável foi o seguinte: “O volume de negócios omitido foi obtido por diferença entre a prestação de serviços a facturar, resultante do produto entre os meses de prestação de serviços e a avença, e a prestação de serviços facturada. Para determinação dos meses de prestação de serviços por cada ano foi tida em conta a informação prestada pelo s.p. relativamente ao início e fim da relação prestador de serviços/cliente. O descrito não foi aplicado aos clientes aí indicados, uma vez que existem contrariedades entre os esclarecimentos prestados pelo s.p. e a facturação e/ou outros elementos existentes, partindo-se (para esses casos) dos seguintes pressupostos: elencando 8 clientes do Impugnante relativamente aos quais assim sucedeu.
Portanto, como se disse o Impugnante apresentou 16 declarações de seus clientes (ponto 8 do probatório), entre os quais os que são elencados no relatório de inspeção e que a inspeção não levou em consideração para o apuramento da matéria tributável.
Ora, impunha-se que a inspeção se houvesse pronunciado quanto à situação dos demais, mesmo em sede de despacho de pronuncia, o que não aconteceu.
Não se entende, pois, que no relatório de inspeção não se houvesse exposto as razões pelas quais o tratamento dos demais clientes foi diferente ou omisso, o que é potencialmente significativo do ponto de vista do quantum a apurar.
Em face do que se impõe concluir que a Administração Tributária não demonstrou, perante situações potencialmente idênticas às dos clientes do Impugnante que foram excluídos do apuramento da matéria tributável, as razões pelas quais inclui ou não de todos os clientes que constam das declarações apresentadas, nem isso resulta da pronúncia de fls. 51 a 54 do PA anexo.
Verifica-se, assim, que existiu erro na quantificação da matéria coletável.”

Com tal decisão não se conforma o Exmo. Representante da Fazenda Pública. Advoga que o entendimento constante da sentença consubstancia um inverter das regras do ónus da prova que à luz do disposto no n.º 3 do art.º 74º da LGT, pois em “...matéria de quantificação por métodos indiretos é sobre o contribuinte que recai o ónus de demonstrar que houve erro ou manifesto excesso no critério de quantificação o que entende a Fazenda Pública e melhor resulta dos autos r não foi demonstrado.” (Conclusão O)

Recordemos que, como refere a sentença, o critério de quantificação seguido pela AT foi o seguinte:
“O volume de negócios omitido foi obtido por diferença entre a prestação de serviços a facturar, resultante do produto entre os meses de prestação de serviços e a avença, e a prestação de serviços facturada.
Para determinação dos meses de prestação de serviços por cada ano foi tida em conta a informação prestada pelo s.p. relativamente ao início e fim da relação prestador de serviços/cliente.
O descrito não foi aplicado nos casos a seguir apresentados, uma vez que existem contrariedades entre os esclarecimentos prestados pelo s.p. e a facturação e/ou outros elementos existentes, partindo-se (para estes casos) dos seguintes pressupostos:...” elencando 8 clientes do Impugnante relativamente aos quais assim sucedeu.

De entre esses clientes figura “C…, Lda” acerca do qual se diz no RIT:
“O s.p. informou-nos, por escrito, que prestou serviços entre 04/96 e 12/96. Analisando os proveitos declarados verificamos que existe facturação em 1997 e 1998. Pelo que se considerou que a prestação de serviços ocorreu desde 04/96 até 12/98” (fls. 5 do Relatório).

Resumindo, para quantificação da obrigação tributária a AT tomou por boa a informação prestada pelo sujeito passivo relativamente ao início e fim da relação prestador de serviços/cliente. Mas não em relação a todos, pois em relação a oito dos clientes considerou haver “contrariedades entre os esclarecimentos prestados pelo s.p. e a facturação e/ou outros elementos existente”.

Ora, de entre os clientes que subscreveram as declarações que foram juntas na reunião dos peritos, encontram-se alguns em relação aos quais a AT constatou as ditas “contrariedades”. E esses clientes declararam, basicamente, “...que a respetiva contabilidade é executada no gabinete do impugnante, que os valores de avença cobrados por este não se encontram anualmente regularizados, encontrando-se os recibos de pagamento liquidados registados em contabilidade, acrescentando a cliente do impugnante C…, Lda, que se encontrou inativa e que durante esse período de tempo não foram pagos quaisquer honorários/avença pela prestação de serviços, limitando-se apenas a pagar no encerramento de cada ano o equivalente a um mês de avença” (facto provado n.º 8)

Ora, apesar de estas declarações terem sido juntas no procedimento, o perito da AT limitou-se a considerar, sem mais, “...que as mesmas não refutam nem põem em causa os fundamentos utilizados para a aplicação dos métodos indiretos, nem o critério utilizado na quantificação dos impostos em falta.”, mantendo a quantificação apurada no relatório e o Exmo. DF declarou mesmo que o contribuinte nada de novo trouxe à discussão, sem fundamentar o que quer que seja (em vários acórdãos deste TCA foi já apreciada e decidida a ilegalidade deste despacho).

Admitimos que o conteúdo das declarações poderia ser mais claro, com precisão dos valores pagos (e não pagos), e respetivos períodos, e que isso certamente facilitaria o trabalho de quem tem que tomar as decisões. Mas a falta de clareza também não autoriza a total desconsideração do imperfeito contributo do sujeito passivo para a tributação.

Diz a Recorrente que, perante tais declarações, “...não é - pura e simplesmente - possível aferir quais os valores é que não foram pagos pelas prestações de serviços, quantos meses e de que anos é existem valores em dívida, sendo igualmente pouco razoável admitir que um prestador de serviços de contabilidade, apesar de não receber as prestações de serviços que efetua aos seus clientes, continua, apesar disso, a realizar prestações de serviços ao longo de vários anos consecutivos” (Conclusão R) e que “as 16 declarações em causa não demonstram, em concreto, a inadequação ou errada aplicação do critério empregue. De tão abstrato que é o seu teor, nada de concreto delas se consegue extrair” (Conclusão U)

Esta argumentação, além de se apresentar como uma ilegal fundamentação “a posteriori”, desvaloriza a credibilidade do conteúdo das “declarações” e a sua aptidão probatória como consequência da “abstração” do seu teor.

Todavia, mencionando tais declarações que os valores de avença cobrados pelo sujeito passivo “não se encontram anualmente totalmente regularizados” é suficiente para, no procedimento, questionar a presunção de recebimento dos respetivos valores, e levar a AT a desenvolver melhor e mais ampla averiguação visando a descoberta da verdade material, como determina o art. 58º LGT.

Ou, pelo menos, merecer da parte da AT uma apreciação mais pormenorizada do que a simples conclusão de que “as mesmas não refutam nem põem em causa os fundamentos utilizados para a aplicação dos métodos indiretos, nem o critério utilizado na quantificação dos impostos em falta”.

Daí que, não o tendo feito, a MMª juiz concluiu (1) “...que a Administração Tributária não demonstrou, perante situações potencialmente idênticas às dos clientes do Impugnante que foram excluídos do apuramento da matéria tributável, as razões pelas quais inclui ou não de todos os clientes que constam das declarações apresentadas, nem isso resulta da pronúncia de fls. 51 a 54 do PA anexo”.

Esta conclusão não colide com a regra prevista no art. 74º/3 da LGT nos termos da qual, em matéria de quantificação por métodos indiretos, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que houve excesso na respetiva quantificação.

Sabendo-se que a avaliação dos rendimentos ou valores sujeitos s tributação se baseia em critérios objectivos (art.º 84º/1 LGT) e que a avaliação indirecta é subsidiária da avaliação directa (art. 85º/1 LGT) a utilização deste método há-de permitir alcançar, na medida do possível, as circunstâncias de facto mais próximas da realidade, com susceptibilidade de apreciação, nomeadamente, jurisdicional.

Ora, se a quantificação operada pela AT assume que o Impugnante prestou serviços, por exemplo, a “C…, Lda.” desde 4/96 até 12/98 mas esta vem declarar que “...os valores de avença cobrados por este não se encontram anualmente totalmente regularizados (...)” e que “...se encontrou inativa e que durante esse período de tempo não foram pagos quaisquer honorário/avença pela prestação de serviços, limitando-se apenas a pagar no encerramento de cada ano o equivalente a um mês de avença” é necessário saber porque razão a AT rejeita a relevância para a quantificação do conteúdo de tais declarações.

Isto não quer dizer que se tenha provado o excesso na quantificação, como afirmou a MMª juiz e de que discordamos.

No âmbito da tributação por métodos indiretos compete à AT o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação e ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na quantificação (art. 74º/3 LGT).

Só que antes de endereçar ao contribuinte o ónus de provar o excesso na quantificação, a AT não poderá deixar de cumprir o dever de demonstrar que o critério por si eleito para a determinação da matéria tributável se revela adequado e racionalmente justificado como um modo adequado de aproximação à realidade que visa tributar. (2)

Ora, tendo ao seu dispor elementos que poderiam contribuir para uma melhor adequação à realidade da quantificação, a falta de esclarecimento das razões pelas quais desatendeu o contributo das declarações juntas pelo sujeito passivo no procedimento de revisão inquina as liquidações com o vício de falta de fundamentação, que implica a sua anulação.


No que respeita ao despacho interlocutório, foi interposto recurso pelo Exmo. Representante da Fazenda Pública contra o despacho proferido pela MMª juiz que perante a ausência das três testemunhas arroladas - e cuja notificação para a inquirição apenas veio devolvida em relação a uma -, deferiu o pedido de concessão de prazo não inferior a quinze dias para “tentar informar os autos do paradeiro das testemunhas arroladas”. O recurso defende que o despacho violou o disposto no art.º 508º do CPC pois perante a ausência das testemunhas, de que não prescindiu nem substituiu, só poderia em alternativa, requerer o adiamento da inquirição pelo tempo máximo de 15 dias. Com tal despacho praticou-se simultaneamente um acto que a lei não admite e a omissão de acto que a lei prescreve, susceptíveis de influir no exame ou decisão da causa.

Acontece que decorrido o prazo concedido, o Impugnante não forneceu aos autos qualquer informação, acabando por ser proferido despacho que constatou a “impossibilidade da realização da inquirição de testemunhas, atenta a postura do Impugnante, e não havendo mais diligências de prova requeridas, considero finda a instrução do processo”.

Por conseguinte, mercê da tramitação posterior, o despacho foi completamente inócuo e não teve qualquer influência na decisão da causa. Por isso, o recurso perdeu também qualquer relevância tornando-se supervenientemente inútil a sua apreciação, pelo que nos termos do disposto no artigo 277º, e), 2ª parte, do CPC, ex vi artigo 2º, e), do CPPT, julga-se extinta a instância recursiva, por inutilidade superveniente da lide.

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em negar provimento ao recurso e com a presente fundamentação manter a sentença recorrida.
E julgar extinta a instância de recurso interlocutório por inutilidade superveniente da lide.
Custas pela AT.
Porto, 26 de abril de 2018.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina da Nova
Ass. Bárbara Tavares Teles



(1) Embora de forma que, a nosso ver, poderia ter sido mais clara uma vez que a referência ao relatório da inspeção sugere que estas declarações eram conhecidas na altura em que foi concluído (15/11/2000), o que não é verdade.

(2) Ac. do TCAS n.º 07006/13 de 18-06-2015 Relator: ANABELA RUSSO
I – Ainda que caiba à Administração Tributária eleger o critério conducente à determinação da matéria tributável, o mesmo tem de revelar-se adequado e racionalmente justificado, isto é, tem de revelar-se como um modo adequado de aproximação à realidade que visa tributar.
III – Em caso de litígio entre o contribuinte e a Administração Tributária quanto ao critério eleito e aos resultados deste, cabe ao Tribunal verificar a sua correcta interpretação e aplicação ao caso concreto, isto é, aferir se o “critério presuntivo eleito” se revelou nas circunstâncias concretas ajustado e adequado ao fim tido em vista e se essa adequação e justeza de mostra comprovada pelos factos apurados.