Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00343/08.5BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/29/2014
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Pedro Nuno Pinto Vergueiro
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL.
MEIO PROCESSUAL ADEQUADO.
CASO JULGADO.
Sumário:I) O objecto da presente acção administrativa especial é a decisão de remeter para a liquidação anterior, já objecto de impugnação nos termos do Proc. nº 248/05.1BEMDL, o que significa que existe um acto lesivo, pois que a AT recusa qualquer outro desenvolvimento do procedimento, o que impõe ao contribuinte a necessidade de questionar tal conduta, sob pena de ficar arredado da possibilidade de discutir os eventuais vícios do procedimento e a matéria da existência dos pressupostos para o recurso a métodos indirectos e bem assim a questão da respectiva quantificação.
II) Actualmente, vem ganhando predominância a corrente que perfilha o entendimento mitigado no sentido de que muito embora a autoridade ou eficácia do caso julgado não devendo, como princípio ou regra, abranger ou cobrir os motivos ou fundamentos da sentença, cingindo-se, apenas, à decisão na sua parte final, ou seja, à sua conclusão ou parte dispositiva final, mas sendo, todavia, já de estender-se também às questões preliminares que constituírem um antecedente lógico indispensável ou necessário à emissão daquela parte dispositiva do julgado, sendo que não será de excluir o recurso à parte motivatória da sentença (ou seja, aos seus fundamentos) sempre que tal se mostre necessário para reconstruir e fixar o real conteúdo da decisão, isto é, para interpretar e determinar o verdadeiro sentido e o exacto conteúdo da sentença em causa.
III) Apesar de a decisão proferida no Proc. nº 248/05.1BEMDL não primar pela clareza e porventura não ser a melhor decisão em termos técnico-jurídicos, tem de ter consequências, na medida em que foi decidido que no âmbito do procedimento em apreço, que conduziu à liquidação impugnada, foi preterida formalidade essencial com referência à necessidade de permitir ao sujeito passivo o uso da faculdade a que alude o art. 91º da LGT, ou seja, formular o competente pedido de revisão.
IV) Só assim se pode entender o dispositivo em causa quando determina que os Impugnantes podem apresentar pedido de revisão da matéria tributável em causa, em requerimento fundamentado dirigido ao órgão da AT da área do seu domicilio fiscal, a apresentar no prazo de 30 dias contados a partir do transito em julgado desta decisão judicial, e contendo a indicação do perito que o representa, tudo nos termos do art.º 91.º da LGT, sendo que a decretada improcedência tem de ser entendida com referência a toda a matéria apontada (que em função da sentença em apreço, nem sequer tem grande relevo) e bem assim relativamente a todos os vícios que os então Impugnantes estivessem em condições de alegar.
V) Quanto ao mais, ou seja, e de forma imediata, a matéria relacionada com a existência dos pressupostos para o recurso a métodos indirectos e bem assim a questão da respectiva quantificação, trata-se de uma realidade que a AT não poderia considerar como tratada no processo judicial em causa quando, uma vez desencadeado e tramitado o competente pedido de revisão, surge a decisão do procedimento de revisão, sendo que se o Director de Finanças acaba de decidir a situação relativa à existência dos pressupostos para o recurso a métodos indirectos e bem assim a questão da respectiva quantificação, como é que essa questão estava já tratada contenciosamente e em processo anterior.
VI) E não se diga que está em causa uma interpretação correctiva do teor de Sentença transitada em julgado que julgou improcedente a impugnação judicial do acto tributário em causa, transfigurando-a numa decisão anulatória, à revelia de qualquer nexo com o seu o teor literal e já que falamos em nexo, é evidente que o autor do acto impugnado não representou devidamente a realidade em apreço, sendo de notar que, nos termos da lei (art. 91º nº 2 da LGT), o pedido de revisão suspende a liquidação do tributo, o que significa que este procedimento antecede a emissão da liquidação, sendo que, no caso presente, a inversão da situação não podia ser acolhida pelo tribunal nos termos propostos pela Recorrente, sob pena de tornar o procedimento determinado um total absurdo, pois que, afinal, a liquidação em apreço estava já consolidada na ordem jurídica.
VII) Nestas condições, só é possível uma leitura saudável da situação, a qual passa por dar sentido ao decidido e, deste modo, ao procedimento de revisão em apreço, após o qual, deveria ter sido emitida nova liquidação em conformidade com o resultado, além de que o Recorrente não pode esquecer que os ora Recorridos poderiam ainda invocar eventuais vícios relacionados com o procedimento, matéria que também poderia ser equacionada e sob a qual não se afigura que tenha existido qualquer discussão contenciosa sobre a mesma.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Diretor Geral dos Impostos
Recorrido 1:M... e mulher
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
O Ministério das Finanças veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, datada de 30-11-2010, que julgou procedente a pretensão deduzida por M… e mulher M… na presente AÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL, relacionada com a decisão do Director de Finanças de Vila Real, datada de 10-07-2008,

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 104-111), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“ (…)
1. A legalidade da liquidação adicional de IRS n.º 2005 5000072639 está sustentada na Sentença que foi proferida no Processo de Impugnação Judicial n.º 248/05.1BEMDL (o processo próprio) e que julgou improcedente o pedido da sua anulação.
2. Os AA., podendo ter recorrido da decisão que declarou a improcedência do pedido anulatório não o fizeram e, só por isso, a Sentença transitou em julgado.
3. Nestes termos, não poderão existir dúvidas de que a liquidação adicional de IRS n.º 2005 5000072639, não foi anulada pela decisão proferida no processo de impugnação judicial. Pelo contrário, foi o pedido anulatório que foi julgado improcedente.
4. Assim, a liquidação adicional de IRS n.º 2005 5000072639 é válida e com a força de caso julgado.
5. A apreciação sobre a legalidade de acto tributário de liquidação e, portanto, também da liquidação adicional de IRS n.º 2005 5000072639, jamais poderia ser realizada em acção administrativa especial, uma vez que lhe está vedado a este tipo de processo a apreciação da legalidade de actos tributários de liquidação.
6. A Sentença sob recurso decidiu que o “entendimento da AT não se afigura correcto.
7. Não existe qualquer acto da Administração tributária a manter como válida a decisão impugnada. A manutenção na ordem jurídica, como acto tributário válido, da liquidação adicional de IRS n.º 2005 5000072639, é de exclusiva responsabilidade da Sentença proferida na Impugnação Judicial.
8. Os ora AA, que foram impugnantes no Processo n.º 248/05 e que se abstiveram de recorrer da Sentença que foi ali proferida a julgar improcedente a impugnação, querem agora obter em acção administrativa especial aquilo que deveriam ter perseguido através de recurso da decisão da Impugnação Judicial. Essa seria a forma e a sede processual própria para alcançar a anulação do acto tributário que está em causa.
9. Correspondentemente, na acção administrativa especial, por não constituir meio próprio para abrigar qualquer discussão sobre a legalidade de acto tributário de liquidação, jamais poderia ser apreciada e proferida decisão a anular a liquidação cuja impugnação fora julgada improcedente em Sentença proferida no processo próprio.
10. Nem constitui meio para interpretar o teor da Sentença proferida na Impugnação.
11. Mas, mesmo o esboço de interpretação do teor da Sentença proferida na Impugnação Judicial surtiu errada, uma vez que é de todo impossível extrair da expressão “julgo improcedente a Impugnação” qualquer interpretação que permita transformá-la em anulação do acto tributário impugnado.
12. Com a agravante de, assim, ter violado o caso julgado.
13. Assim, verificam-se na Sentença sob recurso os seguintes vícios:
• Erro sobre o objecto, uma vez que anula um acto da AT que não existe;
• Apreciação e decisão sobre a legalidade de acto tributário de liquidação, matéria para a qual a acção administrativa especial constitui meio processual impróprio.
• Interpretação correctiva do teor de Sentença transitada em julgado que julgou improcedente a impugnação judicial do acto tributário em causa, transfigurando-a numa decisão anulatória, à revelia de qualquer nexo com o seu o teor literal.
• Violação de caso julgado.
Nestes termos e nos mais de direito que V.Exas. doutamente suprirão deverá ser revogada a Sentença sob recurso e mantido o acto tributário constante da liquidação adicional de IRS n.º 2005 5000072639.”

Os recorridos M… e mulher M… não apresentaram contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 122 a 123 dos autos, no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO –QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em analisar o invocado erro sobre o objecto, uma vez que anula um acto da AT que não existe bem como o facto de a presente acção administrativa especial ser um meio processual impróprio neste domínio e ainda indagar da apontada interpretação correctiva do teor de Sentença transitada em julgado que julgou improcedente a impugnação judicial do acto tributário em causa, transfigurando-a numa decisão anulatória, à revelia de qualquer nexo com o seu o teor literal e conjugação com a figura do caso julgado.
3. FUNDAMENTOS
3.1 DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
1. A liquidação adicional de IRS nº 2005 5000072639, de 03/05/2005, no montante de € 11.849,15 (€ 11.336,28 de imposto e € 512,86 de juros compensatórios) foi objecto de impugnação judicial que sob o Proc. nº 248/05.1BEMDL correu termos neste TAF de Mirandela tendo a correspondente sentença proferida julgado improcedente tal impugnação «(...) sem embargo dos Impugnantes poderem apresentar pedido de revisão da matéria tributável em causa, em requerimento fundamentado dirigido ao órgão da AT da área do seu domicílio fiscal a apresentar no prazo de 30 dias contados a partir do trânsito em julgado desta decisão judicial, e contendo a indicação do perito que o representa, tudo nos termos do artº 91 da LGT (…)».
Facto provado pelos elementos constantes dos autos (v.g. articulados e documentos integrados e apensados).
2. Os Autores acabaram por se prevalecer da possibilidade que aquela sentença lhes ofereceu, tendo apresentado o correspondente pedido de revisão para a respectiva Comissão.
Facto provado pelos elementos constantes dos autos (v.g articulados e documentos integrados e apensados).
3. Só que, como se confessa na contestação deduzida nos presentes autos, a Administração Tributária (AT) não procedeu, na sequência do procedimento de revisão requerido, a uma nova liquidação, E não procedeu no entendimento de que aquela sentença proferida, por não ter sido objecto de recurso judicial, transitou em julgado, e, face à improcedência da impugnação ali decidida, a liquidação manteve-se “válida e, agora, com a força de caso julgado” (cfr art 18° da contestação). Entendeu a AT que aquela sentença só obrigava a um novo procedimento de revisão, se requerido pelos além impugnantes, e, formalizado que foi tal procedimento de revisão, porque o mesmo nada alterou em termos de números, a liquidação anterior manteve-se, não sendo devida uma nova liquidação.
Facto provado pelos elementos constantes dos autos (v.g. articulados e documentos integrados e apensados).”
Ao abrigo do disposto no art. 712º nº 1 al. a) do C. Proc. Civil (actual art. 662º), adita-se ao probatório o seguinte:
4. Na decisão do Proc. nº 248/05.1BEMDL consta, além do mais, que:
“…
Com interesse para a decisão considero provados os seguintes factos:
1. O Impugnante foi sujeito a uma acção externa de inspecção tributaria que incidiu sabre o IRS e IVA de 2001 e que decorreu de 16/3/2004 a 21/5/2004 - Fls. 35;
2. Nessa sequência foi laborado um "Projecto de Relatório de Inspecção Tributaria" que consta de fls. 32 a 51 e que o dou aqui por reproduzido;
3. Em 7/6/2004 o Impugnante exerceu a direito de audição prévia, tendo sido, para o efeito, devidamente notificado - Fls. 103 e 31;
4. O Relatório definitivo foi elaborado em 21/6/2004 e notificado ao Impugnante em 3/8/2004 - 134 e 137;
5. Por não ter sido notificado dos anexos V e VI que deveriam acompanhar o Relatório, o Impugnante requereu em 1/9/2004 que lhe fossem emitidas certidões dos referidos anexos - Fls. 138;
6. A certidão requerida foi passada em 9/9/2004 e foi levantada pelo Impugnante em 6/10/2004 - Fls.146 e 147;
7. Em 15/2/2005 os aqui Impugnantes impugnaram neste TAF a liquidação adicional de IRS relativamente ao exercício de 2001 e respectivas juros compensatórios, fundamentada em métodos indirectos, no montante de 11.849,15 € - Fls. 150.
8. Notificado para contestar veio a RFP, em 18/5/2005, e após ter tomado conhecimento da anulação total da liquidação impugnada, ( ... ) promover a extinção do processo, nos termos do n.º 3 do art.º 112.º do CPPT" - Fls. 162
9. Com data de 18/4/2005 a AT notificou o aqui Impugnante que "(...) não tendo sido apresentado qualquer pedido de revisão da matéria colectável ao abrigo do disposto no art.º 91.º da Lei Geral tributária, até ao termo do prazo que ocorreu em 9 de Outubro do mesmo ano, vai esta Direcção de Finanças diligenciar a liquidação dos impostos apurados naquele procedimento de inspecção com recurso à avaliação indirecta (IVA/IRS).
Mais informo V. Exª que contra as liquidações que vierem a ser emitidas, poderá, querendo, deduzir reclamação graciosa ou impugnação judicial dentro do prazo de 90 dias ( ... ) a contar do termo do prazo de pagamento voluntário", tudo conforme fls. 163 que se dá aqui por reproduzida.
10. Os aqui Impugnantes não solicitaram, em requerimento fundamentado dirigido ao órgão da AT da área do seu domicílio fiscal e previamente a esta impugnação, a revisão da matéria tributável, fixada por métodos indirectos.
*
Para o que é aqui de relevante, o prazo previsto no art.º 60.º, n.º 4 do RCIPT é meramente disciplinador ou ordenador do procedimento de inspecção, desde que este seja concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início, com as excepções que decorrem do n.º 3 art.º 36.º do RCPIT – art.º 36.º, n.º 2 do RCTPT.
Significa que o Impugnante não viu diminuir os seus direitos de defesa pelo facto de não ser notificado nos 10 dias seguintes ao termo do prazo, também de 10 dias, da elaboração Relatório definitivo, após a prestação de declarações (audição prévia) – Arts.ºs 60.º, n.º4, e 61.º, n.º 2 do RCIPT.
Improcede, assim, a sua pretensão relativamente a esta parte.

Situação diversa é aquela que se verifica pelo facto de o Impugnante não ter sido notificado com a indicação correcta dos meios de reacção contra o acto notificado.
Ora, confrontando os factos provados, designadamente os n.ºs 8 e 9, com os meios legais que o Impugnante obrigatoriamente tinha de se socorrer para atacar a nova liquidação, e aqui em causa, verifica-se que a AT não informou o aqui Impugnante, que, fundamentando-se a liquidação do imposto em métodos indirectos, deveria solicitar a revisão da matéria tributável fixada em requerimento fundamentado dirigido ao órgão da AT da área do seu domicílio fiscal, a apresentar no prazo de 30 dias contados a partir da notificação da decisão e contendo a indicação do perito que o representa - Art.º 91.º.
Apesar das deficiências ou irregularidades da notificação da liquidação não afectar a sua validade, significa, contudo, ter sido preterido um direito importante do contribuinte porque, devido a omissão da AT - que não indicou os meios de reacção processuais e obrigatórios por parte do contribuinte, antes de poder impugnar judicialmente a liquidação (art.º 37.º, n.º 1, 117.º, n.º 1 do CPPT, e art. 86,º, n.º 5 e 91.º da LGT) não pôde socorrer-se de todos os mecanismos que a lei dispõe à sua defesa.
No caso não se pode dizer que a formalidade em questão, mesmo que essencial, se degrada em não essencial, porque, como transparece da contestação, não se provou que a sua ocorrência redundou em prejuízo efectivo do destinatário do acto.
Ora é à Fazenda Pública que cabe provar que, apesar do seu procedimento ter violado a lei, de tal facto não resultou prejuízo para o destinatário, e não o contrário.
Esse entendimento levaria a esvaziar completamente o objectivo das Comissões de Revisão
No caso verificou-se que na notificação em causa (facto 9) foi indicado erradamente um meio judicial como adequado à impugnação do acto notificado e a aqui Impugnante fez uso do mesmo - neste caso impugnação judicial.
Ora a impugnação dos actos tributários com base em erro na quantificação da matéria tributável ou nos pressupostos de aplicação de métodos indirectos, como é o caso, depende de prévia reclamação (pedido de revisão da matéria tributável). - Art. 86.º, n.º 5 da LGT.

Pelo exposto julgo improcedente a Impugnação, sem embargo dos Impugnantes poderem apresentar pedido de revisão da matéria tributável em causa, em requerimento fundamentado dirigido ao órgão da AT da área do seu domicilio fiscal, a apresentar no prazo de 30 dias contados a partir do transito em julgado desta decisão judicial, e contendo a indicação do perito que o representa, tudo nos termos do art.º 91.° da LGT …” (certidão de fls. 84-90 dos autos).
5. A decisão referida em 4. transitou em julgado em 17-01-2008 (certidão de fls. 84-90 dos autos).
6. A decisão impugnada tem o seguinte teor:
“…
Sujeito Passivo: M…
NIF: 1…
Proc.º N.º 4/2008
Acta N.º 5/2008
DECISÃO
Verifica-se, dos laudos lavrados por cada um dos peritos, a inexistência de acordo entre si, pelo que compete ao Director de Finanças, nos termos do n.º 6 do artigo 92.º da Lei Geral Tributária e por força do art.º 4.º do DL n.º 393/98, de 17 de Dezembro, decidir, tendo em conta as posições assumidas e defendidas pelos peritos designados:
Nestes termos, analisadas as peças juntas, a reclamação do contribuinte (ano de 2001), a informação oportunamente prestada pelo Serviço de Inspecção Tributária e, bem assim, os laudos lavrados pelos Peritos que intervieram na reunião DECIDO pela fixação do rendimento liquido total (IRS), relativamente ao ano de 2001, no montante de € 46 822,56 (quarenta e seis mil oitocentos e vinte e dois euros e cinquenta e seis cêntimos), com os seguintes fundamentos:
1. Do cap. IV do relatório da inspecção tributária, verifico que se encontram reunidos os pressupostos da avaliação indirecta por impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável - al. b) do art.º 87.º da LGT, com base nos seguintes pressupostos:
a) impossibilidade de determinação da margem por taxas do impostos (IVA), por o sujeito passivo não evidenciar a separação das compras e dos inventários par taxas de IVA;
b) impossibilidade de efectuar a amostragem com base nos produtos comercializados em 2001, por os documentos de venda não discriminarem correctamente as mercadorias vendidas, inviabilizando a determinação da margem de comercialização de cada artigo;
c) falta de revelação contabilística de alguns movimentos bancários;
d) Falta de contabilização nas contas de terceiros dos movimentos inerentes aos descontos e reforma de letras;
e) Falta de revelação contabilística dos movimentos respeitantes a conta caucionada;
f) Irregularidades diversas nos documentos de suporte às vendas.

2. Da análise do laudo do perito da Administração Tributária, verifico que o mesmo refere a existência dos pressupostos para a realização da avaliação indirecta e constato que face à posição assumida pelo perito do sujeito passivo era impossível obter uma posição consensual. Segundo o laudo do perito da AF, o perito do sujeito passivo assumiu desde logo ser do seu interesse que a questão tributária fosse dirimida em sede de impugnação judicial.
3. Da análise do laudo do perito do sujeito passivo, verifico que mantém na íntegra o invocado pelo sujeito passivo no âmbito do direito de audição que exerceu no procedimento de inspecção, quer o referido no próprio pedido de revisão, referindo ainda não haver razão para
que a AF presuma tais margens, dado que as mesmas não estão conforme com as que na realidade foram praticadas, discordando também do método utilizado pela AF no cálculo das margens, dado que a população não é representada na amostra elaborada.

4. A posição assumida pelo perito da Administração Tributária encontra-se apoiada no relatório da Inspecção Tributária. A posição assumida pelo perito indicado pelo sujeito passivo relativamente à insuficiência de fundamentação para aplicação de métodos indirectos de avaliação, não pode aceitar-se, desde logo, pelos motivos aduzidos no capítulos IV do relatório, entre outros os referidos nas als. a) a f) do ponto 1 desta decisão e cujos motivos e factos se encontram claramente expostos e desenvolvidos nas páginas 8 a 16 do relatório, pelo que considero não se verificar a falta da fundamentação quanto aos pressupostos da avaliação indirecta. Relativamente às margens obtidas e constantes do ponto 2 do cap. IV do relatório, a mesma foi efectuada com base em produtos expostos em 19MAR2004 e nas facturas da compra de 2004 ou no inventário de 31DEZ2003. As razões que levaram a efectuar a amostragem desta forma encontram-se justificadas no ponto 2 do mesmo relatório - os documentos de venda não discriminam de forma correcta as mercadorias transmitidas, inviabilizando a sua identificação e da determinação da margem de comercialização de cada artigo. Acresce que a selecção de produtos bem como a identificação das facturas de compras para efeitos de amostragem foi efectuada conjuntamente com o sujeito passivo, tendo-se elaborado uma relação dos produtos analisados, assinada pelo mesmo e em que este declara que o sistema de marcação de preços não foi alterado relativamente ao ano da 2001, pelo que se alguma coisa incorrecta quanto à sua dimensão encontrou, deveria nesse momento ter suscitado ao inspector tributário essas anomalias, o que não fez. Esta questão foi suscitada no âmbito do direito de audição, encontrando-se claramente esclarecida no ponto 2.6 do capitulo IX do relatório.
5. Face ao exposto e considerando ainda o constante do capitulo IX do relatório da inspecção tributária, designadamente nos pontos 2.2 a 2.7, ponderados os laudos dos peritos intervenientes na comissão de revisão, decido confirmar as conclusões contidas no relatório da inspecção tributária que em mau entender não foram validamente contrariadas e fixo o rendimento líquido total em IRS, relativamente ao ano de 2001, com recurso a métodos indirectos no montante de € 46 822,56 (quarenta e seis mil oitocentos e vinte euros e cinquenta e seis cêntimos).
6. O presente procedimento de revisão foi desencadeado em cumprimento da douta sentença proferida no processo de impugnação judicial n.º 248/05.IBEMDL. Dado que a liquidação do imposto já havia sido efectuada e foi objecto da impugnação judicial antes referida, esta decisão proferida em matéria tributaria, não comporta a apreciação da legalidade do acto de liquidação (anteriormente impugnado), pelo que dela apenas caberá recurso contencioso nos termos da al. p) do n.º 1 e pela forma prevista no n.º 2 do artigo 97.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a deduzir no prazo de 3 (três) meses de harmonia com o disposto na al. b) do n.º 2 do artigo 58.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Notifique. …” (fls. 57-58 dos presentes autos).
3.2 DE DIREITO

Assente a factualidade apurada cumpre, agora, entrar na análise da realidade que envolve o presente recurso jurisdicional, impondo-se indagar da bondade da decisão recorrida que deu procedência à presente acção, determinando a anulação da decisão de remeter para a liquidação impugnada na acção de impugnação que sob o Proc nº 248/05.1BEMDL.

Nas suas alegações, o Recorrente aponta, além do mais, que a decisão recorrida viola o caso julgado, na medida em que através da improcedência da impugnação judicial no âmbito do processo acima referido, decisão transitada em julgado, foi conferida validade definitiva à liquidação impugnada, tornando-a insusceptível de novos meios de reacção contenciosa.

Com referência à grande questão suscitada nos autos, é sabido que o caso julgado constitui, assim, uma das excepções previstas na lei adjectiva, que é de conhecimento oficioso e cuja ocorrência impede que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância ( arts. 495º e 493º nº 2 do C. Proc. Civil - actuais arts. 578º e 576º ), excepção essa que pressupõe, nos termos do art. 497º nºs 1 e 2 do mesmo diploma legal (actual art. 580º), a repetição de uma causa já decidida por sentença transitada em julgado e que tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.

O caso julgado consiste, assim, na alegação de que a mesma questão foi já deduzida num outro processo e nele julgada por decisão de mérito, que não admite recurso ordinário( Prof. Antunes Varela, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., pág. 307 ) ou então, como aponta o Prof. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1993, págs. 305 e 306, o caso julgado consiste em a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais quando lhes seja submetida a mesma relação, todos tendo de acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão e de modo absoluto, com vista não só à realização do direito objectivo ou à actuação dos direitos subjectivos privados correspondentes, mas também à paz social.

O instituto do caso julgado exerce, assim, duas funções: uma função positiva e uma função negativa. Exerce a primeira quando faz valer a sua força e autoridade, que se traduz na exequibilidade das decisões e exerce a segunda quando impede que a mesma causa seja novamente apreciada pelo mesmo ou por outro tribunal.

Compreende-se, desse modo, a razão de tal autoridade do caso julgado pela necessidade da certeza e da segurança nas relações jurídicas.
Tanto mais que a decisão transitada pode até ter apreciado mal os factos e interpretado e aplicado erradamente a lei, mas no mundo do Direito tudo se passa como se a sentença fosse a expressão fiel da verdade e da justiça ( Prof. Alberto dos Reis, CPC Anotado, vol. III, pág. 94 ).

Perante tais efeitos do caso julgado torna-se imperioso estabelecer, com nitidez, o conceito de repetição de uma causa.

Tal resposta é-nos dada pelo art. 498º nº 1 do C. Proc. Civil (actual art. 581º) que estabelece que a causa se repete “quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir”.

Por seu lado, os nºs 2, 3 e 4, desse mesmo preceito, concretizando melhor, dispõem que “há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica; há identidade do pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico e há identidade da causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico”.

Quanto ao primeiro elemento, diga-se que as partes são as mesmas sob o aspecto jurídico desde que sejam portadoras do mesmo interesse substancial, ou seja, as partes não têm que coincidir do ponto de vista físico, sendo mesmo indiferente a posição que as partes assumam em ambos os processos, podendo ser autores numa acção e réus na outra ( Prof. Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, Coimbra Editora, pág. 319 ).

Por sua vez, haverá identidade de pedidos se existir coincidência na enunciação da forma de tutela jurisdicional pretendida pelo autor e do conteúdo e objecto do direito a tutelar, na concretização do efeito que, com a acção, se pretende obter e que a identidade da causa de pedir pressupõe que o acto ou o facto jurídico de onde o autor pretende ter derivado o direito é idêntico.

Há identidade de pedidos quando numa e noutra acção se pretende obter o mesmo efeito jurídico, ou seja, terá de ser o mesmo direito subjectivo cujo reconhecimento se pretende, independentemente da sua expressão quantitativa e da forma de processo utilizada.

Diga-se ainda que a causa de pedir consiste na alegação da relação material de onde o autor faz derivar o correspondente direito e, dentro dessa relação material, na alegação dos factos constitutivos do direito (facto jurídico de que procede a pretensão deduzida) - em consonância, assim, com o princípio da substanciação consagrado pelo nosso ordenamento jurídico -, enquanto que o pedido se reconduz ao efeito jurídico que o autor pretende retirar da acção interposta, traduzindo-se na providência que o autor solicita ao tribunal - trata-se de um elemento fundamental, considerando as imposições do princípio do dispositivo: são os interessados que accionam os mecanismos jurisdicionais como ainda quem realiza a escolha das providências que os direitos subjectivos invocados garantem -, e, por fim, que o conceito de sujeito a atender para o efeito coincide com a noção (adjectiva) de parte.

A excepção de caso julgado consiste, assim, e para concluir, na constatação de que a mesma questão já foi deduzida num outro processo e nele apreciada e julgada por decisão que não admite reclamação ou recurso ordinário ( art. 677º C. Proc. Civil - actual art. 628º ).

Por outro lado, cabe ainda notar que a excepção de caso julgado não se confunde com a autoridade do caso julgado, pois que a excepção traduz o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito enquanto que a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão.

Tal como refere o Prof. Miguel Teixeira de Sousa, “O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material, BMJ nº 325, págs. 49 e ss. “a excepção de caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior”, já “quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade de caso julgado é o comando de acção, a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição do processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição da decisão antecedente”.

E tal questão (da autoridade do caso julgado) conduz-nos à polémica e muito discutida questão da extensão ou alcance do caso julgado.

Nos termos do disposto no art. 671º nº 1 do C. Proc. Civil - actual art. 619º nº 1, “transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força dentro do processo e fora dele…”.

Por sua vez, sobre a epígrafe de “alcance do caso julgado” preceitua o art. 673º do mesmo diploma legal (actual art. 621º) que “a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte que decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição de verifique, o prazo se preencha ou o facto de pratique”.

Resulta do exposto, que os limites do caso julgado são traçados pelos elementos identificadores da relação ou situação jurídica substancial definida pela sentença: os sujeitos, o objecto e a fonte ou título constitutivo.

Por outro lado, é preciso atender-se aos termos dessa definição (estatuída na sentença). Ela tem autoridade - valendo como lei – para qualquer processo futuro, mas só em exacta correspondência com o seu conteúdo. Daí que ela não possa impedir que em novo processo se discuta e dirima aquilo que ela mesmo não definiu.

Na referida vexata quaestio vem hoje ganhando predominância a corrente que perfilha o entendimento mitigado no sentido de que muito embora a autoridade ou eficácia do caso julgado não devendo, como princípio ou regra, abranger ou cobrir os motivos ou fundamentos da sentença, cingindo-se, apenas, à decisão na sua parte final, ou seja, à sua conclusão ou parte dispositiva final, mas sendo, todavia, já de estender-se também às questões preliminares que constituírem um antecedente lógico indispensável ou necessário à emissão daquela parte dispositiva do julgado.

No entanto, não será de excluir o recurso à parte motivatória da sentença (ou seja, aos seus fundamentos) sempre que tal se mostre necessário para reconstruir e fixar o real conteúdo da decisão, isto é, para interpretar e determinar o verdadeiro sentido e o exacto conteúdo da sentença em causa.

Para enquadrar a matéria importa recordar que:
“4. Na decisão do Proc. nº 248/05.1BEMDL consta, além do mais, que:
“…
Com interesse para a decisão considero provados os seguintes factos:
1. O Impugnante foi sujeito a uma acção externa de inspecção tributaria que incidiu sabre o IRS e IVA de 2001 e que decorreu de 16/3/2004 a 21/5/2004 - Fls. 35;
2. Nessa sequência foi laborado um "Projecto de Relatório de Inspecção Tributaria" que consta de fls. 32 a 51 e que o dou aqui por reproduzido;
3. Em 7/6/2004 o Impugnante exerceu a direito de audição prévia, tendo sido, para o efeito, devidamente notificado - Fls. 103 e 31;
4. O Relatório definitivo foi elaborado em 21/6/2004 e notificado ao Impugnante em 3/8/2004 - 134 e 137;
5. Por não ter sido notificado dos anexos V e VI que deveriam acompanhar o Relatório, o Impugnante requereu em 1/9/2004 que lhe fossem emitidas certidões dos referidos anexos - Fls. 138;
6. A certidão requerida foi passada em 9/9/2004 e foi levantada pelo Impugnante em 6/10/2004 - Fls.146 e 147;
7. Em 15/2/2005 os aqui Impugnantes impugnaram neste TAF a liquidação adicional de IRS relativamente ao exercício de 2001 e respectivas juros compensatórios, fundamentada em métodos indirectos, no montante de 11.849,15 € - Fls. 150.
8. Notificado para contestar veio a RFP, em 18/5/2005, e após ter tomado conhecimento da anulação total da liquidação impugnada, ( ... ) promover a extinção do processo, nos termos do n.º 3 do art.º 112.º do CPPT" - Fls. 162
9. Com data de 18/4/2005 a AT notificou o aqui Impugnante que "(...) não tendo sido apresentado qualquer pedido de revisão da matéria colectável ao abrigo do disposto no art.º 91.º da Lei Geral tributária, até ao termo do prazo que ocorreu em 9 de Outubro do mesmo ano, vai esta Direcção de Finanças diligenciar a liquidação dos impostos apurados naquele procedimento de inspecção com recurso à avaliação indirecta (IVA/IRS).
Mais informo V. Exª que contra as liquidações que vierem a ser emitidas, poderá, querendo, deduzir reclamação graciosa ou impugnação judicial dentro do prazo de 90 dias ( ... ) a contar do termo do prazo de pagamento voluntário", tudo conforme fls. 163 que se dá aqui por reproduzida.
10. Os aqui Impugnantes não solicitaram, em requerimento fundamentado dirigido ao órgão da AT da área do seu domicílio fiscal e previamente a esta impugnação, a revisão da matéria tributável, fixada por métodos indirectos.

*
Para o que é aqui de relevante, o prazo previsto no art.º 60.º, n.º 4 do RCIPT é meramente disciplinador ou ordenador do procedimento de inspecção, desde que este seja concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início, com as excepções que decorrem do n.º 3 art.º 36.º do RCPIT – art.º 36.º, n.º 2 do RCTPT.
Significa que o Impugnante não viu diminuir os seus direitos de defesa pelo facto de não ser notificado nos 10 dias seguintes ao termo do prazo, também de 10 dias, da elaboração Relatório definitivo, após a prestação de declarações (audição prévia) – Arts.ºs 60.º, n.º4, e 61.º, n.º 2 do RCIPT.
Improcede, assim, a sua pretensão relativamente a esta parte.

Situação diversa é aquela que se verifica pelo facto de o Impugnante não ter sido notificado com a indicação correcta dos meios de reacção contra o acto notificado.
Ora, confrontando os factos provados, designadamente os n.ºs 8 e 9, com os meios legais que o Impugnante obrigatoriamente tinha de se socorrer para atacar a nova liquidação, e aqui em causa, verifica-se que a AT não informou o aqui Impugnante, que, fundamentando-se a liquidação do imposto em métodos indirectos, deveria solicitar a revisão da matéria tributável fixada em requerimento fundamentado dirigido ao órgão da AT da área do seu domicílio fiscal, a apresentar no prazo de 30 dias contados a partir da notificação da decisão e contendo a indicação do perito que o representa - Art.º 91.º.
Apesar das deficiências ou irregularidades da notificação da liquidação não afectar a sua validade, significa, contudo, ter sido preterido um direito importante do contribuinte porque, devido a omissão da AT - que não indicou os meios de reacção processuais e obrigatórios por parte do contribuinte, antes de poder impugnar judicialmente a liquidação (art.º 37.º, n.º 1, 117.º, n.º 1 do CPPT, e art. 86,º, n.º 5 e 91.º da LGT) não pôde socorrer-se de todos os mecanismos que a lei dispõe à sua defesa.
No caso não se pode dizer que a formalidade em questão, mesmo que essencial, se degrada em não essencial, porque, como transparece da contestação, não se provou que a sua ocorrência redundou em prejuízo efectivo do destinatário do acto.
Ora é à Fazenda Pública que cabe provar que, apesar do seu procedimento ter violado a lei, de tal facto não resultou prejuízo para o destinatário, e não o contrário.
Esse entendimento levaria a esvaziar completamente o objectivo das Comissões de Revisão
No caso verificou-se que na notificação em causa (facto 9) foi indicado erradamente um meio judicial como adequado à impugnação do acto notificado e a aqui Impugnante fez uso do mesmo - neste caso impugnação judicial.
Ora a impugnação dos actos tributários com base em erro na quantificação da matéria tributável ou nos pressupostos de aplicação de métodos indirectos, como é o caso, depende de prévia reclamação (pedido de revisão da matéria tributável). - Art. 86.º, n.º 5 da LGT.

Pelo exposto julgo improcedente a Impugnação, sem embargo dos Impugnantes poderem apresentar pedido de revisão da matéria tributável em causa, em requerimento fundamentado dirigido ao órgão da AT da área do seu domicilio fiscal, a apresentar no prazo de 30 dias contados a partir do transito em julgado desta decisão judicial, e contendo a indicação do perito que o representa, tudo nos termos do art.º 91.° da LGT …” (certidão de fls. 84-90 dos autos).
5. A decisão referida em 4. transitou em julgado em 17-01-2008 (certidão de fls. 84-90 dos autos).
6. A decisão impugnada tem o seguinte teor:
“…
Sujeito Passivo: M…
NIF: 1…
Proc.º N.º 4/2008
Acta N.º 5/2008
DECISÃO
Verifica-se, dos laudos lavrados por cada um dos peritos, a inexistência de acordo entre si, pelo que compete ao Director de Finanças, nos termos do n.º 6 do artigo 92.º da Lei Geral Tributária e por força do art.º 4.º do DL n.º 393/98, de 17 de Dezembro, decidir, tendo em conta as posições assumidas e defendidas pelos peritos designados:
Nestes termos, analisadas as peças juntas, a reclamação do contribuinte (ano de 2001), a informação oportunamente prestada pelo Serviço de Inspecção Tributária e, bem assim, os laudos lavrados pelos Peritos que intervieram na reunião DECIDO pela fixação do rendimento liquido total (IRS), relativamente ao ano de 2001, no montante de € 46 822,56 (quarenta e seis mil oitocentos e vinte e dois euros e cinquenta e seis cêntimos), com os seguintes fundamentos:
1. Do cap. IV do relatório da inspecção tributária, verifico que se encontram reunidos os pressupostos da avaliação indirecta por impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável - al. b) do art.º 87.º da LGT, com base nos seguintes pressupostos:
a) impossibilidade de determinação da margem por taxas do imposto (IVA), por o sujeito passivo não evidenciar a separação das compras e dos inventários par taxas de IVA;
b) impossibilidade de efectuar a amostragem com base nos produtos comercializados em 2001, por os documentos de venda não discriminarem correctamente as mercadorias vendidas, inviabilizando a determinação da margem de comercialização de cada artigo;
c) falta de revelação contabilística de alguns movimentos bancários;
d) Falta de contabilização nas contas de terceiros dos movimentos inerentes aos descontos e reforma de letras;
e) Falta de revelação contabilística dos movimentos respeitantes a conta caucionada;
f) Irregularidades diversas nos documentos de suporte às vendas.

2. Da análise do laudo do perito da Administração Tributária, verifico que o mesmo refere a existência dos pressupostos para a realização da avaliação indirecta e constato que face à posição assumida pelo perito do sujeito passivo era impossível obter uma posição consensual. Segundo o laudo do perito da AF, o perito do sujeito passivo assumiu desde logo ser do seu interesse que a questão tributária fosse dirimida em sede de impugnação judicial.
3. Da análise do laudo do perito do sujeito passivo, verifico que mantém na íntegra o invocado pelo sujeito passivo no âmbito do direito de audição que exerceu no procedimento de inspecção, quer o referido no próprio pedido de revisão, referindo ainda não haver razão para
que a AF presuma tais margens, dado que as mesmas não estão conforme com as que na realidade foram praticadas, discordando também do método utilizado pela AF no cálculo das margens, dado que a população não é representada na amostra elaborada.

4. A posição assumida pelo perito da Administração Tributária encontra-se apoiada no relatório da Inspecção Tributária. A posição assumida pelo perito indicado pelo sujeito passivo relativamente à insuficiência de fundamentação para aplicação de métodos indirectos de avaliação, não pode aceitar-se, desde logo, pelos motivos aduzidos no capítulos IV do relatório, entre outros os referidos nas als. a) a f) do ponto 1 desta decisão e cujos motivos e factos se encontram claramente expostos e desenvolvidos nas páginas 8 a 16 do relatório, pelo que considero não se verificar a falta da fundamentação quanto aos pressupostos da avaliação indirecta. Relativamente às margens obtidas e constantes do ponto 2 do cap. IV do relatório, a mesma foi efectuada com base em produtos expostos em 19MAR2004 e nas facturas da compra de 2004 ou no inventário de 31DEZ2003. As razões que levaram a efectuar a amostragem desta forma encontram-se justificadas no ponto 2 do mesmo relatório - os documentos de venda não discriminam de forma correcta as mercadorias transmitidas, inviabilizando a sua identificação e da determinação da margem de comercialização de cada artigo. Acresce que a selecção de produtos bem como a identificação das facturas de compras para efeitos de amostragem foi efectuada conjuntamente com o sujeito passivo, tendo-se elaborado uma relação dos produtos analisados, assinada pelo mesmo e em que este declara que o sistema de marcação de preços não foi alterado relativamente ao ano da 2001, pelo que se alguma coisa incorrecta quanto à sua dimensão encontrou, deveria nesse momento ter suscitado ao inspector tributário essas anomalias, o que não fez. Esta questão foi suscitada no âmbito do direito de audição, encontrando-se claramente esclarecida no ponto 2.6 do capitulo IX do relatório.
5. Face ao exposto e considerando ainda o constante do capitulo IX do relatório da inspecção tributária, designadamente nos pontos 2.2 a 2.7, ponderados os laudos dos peritos intervenientes na comissão de revisão, decido confirmar as conclusões contidas no relatório da inspecção tributária que em mau entender não foram validamente contrariadas e fixo o rendimento líquido total em IRS, relativamente ao ano de 2001, com recurso a métodos indirectos no montante de € 46 822,56 (quarenta e seis mil oitocentos e vinte euros e cinquenta e seis cêntimos).
6. O presente procedimento de revisão foi desencadeado em cumprimento da douta sentença proferida no processo de impugnação judicial n.º 248/05.IBEMDL. Dado que a liquidação do imposto já havia sido efectuada e foi objecto da impugnação judicial antes referida, esta decisão proferida em matéria tributaria, não comporta a apreciação da legalidade do acto de liquidação (anteriormente impugnado), pelo que dela apenas caberá recurso contencioso nos termos da al. p) do n.º 1 e pela forma prevista no n.º 2 do artigo 97.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a deduzir no prazo de 3 (três) meses de harmonia com o disposto na al. b) do n.º 2 do artigo 58.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Notifique. …” (fls. 57-58 dos presentes autos).
Com este pano de fundo, é manifesto que não pode acompanhar-se a tese do Recorrente, na medida em que a decisão proferida no Proc. nº 248/05.1BEMDL, independentemente de não primar pela clareza e porventura não ser a melhor decisão em termos técnico-jurídicos, tem de ter consequências.
Efectivamente, na decisão em apreço foi decidido que no âmbito do procedimento em apreço, que conduziu à liquidação impugnada, foi preterida formalidade essencial com referência à necessidade de permitir ao sujeito passivo o uso da faculdade a que alude o art. 91º da LGT, ou seja, formular o competente pedido de revisão.
Só assim se pode entender o dispositivo em causa quando determina que os Impugnantes podem apresentar pedido de revisão da matéria tributável em causa, em requerimento fundamentado dirigido ao órgão da AT da área do seu domicilio fiscal, a apresentar no prazo de 30 dias contados a partir do transito em julgado desta decisão judicial, e contendo a indicação do perito que o representa, tudo nos termos do art.º 91.º da LGT.
Não se olvida, tal como o Recorrente refere de forma insistente, que no mesmo dispositivo é julgada a impugnação improcedente.
No entanto, esta improcedência tem de ser entendida com referência a toda a matéria apontada (que em função da sentença em apreço, nem sequer tem grande relevo) e bem assim relativamente a todos os vícios que os então Impugnantes estivessem em condições de alegar.
Quanto ao mais, ou seja, e de forma imediata, a matéria relacionada com a existência dos pressupostos para o recurso a métodos indirectos e bem assim a questão da respectiva quantificação, trata-se de uma realidade que a AT não poderia considerar como tratada no processo judicial em causa quando, uma vez desencadeado e tramitado o competente pedido de revisão, surge a decisão do procedimento de revisão.
Ora, se o Director de Finanças acaba de decidir a situação relativa à existência dos pressupostos para o recurso a métodos indirectos e bem assim a questão da respectiva quantificação, como é que essa questão estava já tratada contenciosamente e em processo anterior.
E não se diga que está em causa uma interpretação correctiva do teor de Sentença transitada em julgado que julgou improcedente a impugnação judicial do acto tributário em causa, transfigurando-a numa decisão anulatória, à revelia de qualquer nexo com o seu o teor literal.
Pois bem, já que falamos em nexo, é evidente que o autor do acto impugnado não representou devidamente a realidade em apreço, sendo de notar que, nos termos da lei (art. 91º nº 2 da LGT), o pedido de revisão suspende a liquidação do tributo, o que significa que este procedimento antecede a emissão da liquidação, sendo que, no caso presente, a inversão da situação não podia ser acolhida pelo tribunal nos termos propostos pela Recorrente, sob pena de tornar o procedimento determinado um total absurdo, pois que, afinal, a liquidação em apreço estava já consolidada na ordem jurídica.
Nestas condições, só é possível uma leitura saudável da situação, a qual passa por dar sentido ao decidido e, deste modo, ao procedimento de revisão em apreço, após o qual, deveria ter sido emitida nova liquidação em conformidade com o resultado.
Diga-se ainda que o Recorrente não pode esquecer que os ora Recorridos poderiam ainda invocar eventuais vícios relacionados com o procedimento, matéria que também poderia ser equacionada e sob a qual não se afigura que tenha existido qualquer discussão contenciosa sobre a mesma.

No mais, cabe notar que a primeira questão suscitada pelo Recorrente relacionada com o invocado erro sobre o objecto, uma vez que anula um acto da AT que não existe, cabe notar que não está em causa a liquidação impugnada no Proc. nº 248/05.1BEMDL, pois que o objecto da presente acção administrativa especial é a decisão de remeter para a liquidação anterior, já objecto de impugnação nos termos do Proc. nº 248/05.1BEMDL, o que significa que existe um acto lesivo, pois que a AT recusa qualquer outro desenvolvimento do procedimento, o que impõe ao contribuinte a necessidade de questionar tal conduta, sob pena de ficar arredado da possibilidade de discutir os eventuais vícios do procedimento e a matéria da existência dos pressupostos para o recurso a métodos indirectos e bem assim a questão da respectiva quantificação.
Nesta sequência, tem de entender-se que também não pode proceder a questão da utilização de meio processual impróprio, na medida em que o objecto impugnatório não é uma liquidação tributária (que não existe mas segundo o decidido devia existir) mas sim a tal decisão da AT lesiva dos interesses tributários dos ora Recorridos.
Daí que na improcedência das conclusões da alegação do recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.
Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.
4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Notifique-se. D.N..
Porto, 29 de Maio de 2014
Ass. Pedro Vergueiro

Ass. Mário Rebelo

Ass. Irene Neves