Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00296/10.0BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/04/2019
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Celeste Oliveira
Descritores:FACTURAS FALSAS, ÓNUS DA PROVA, IVA
Sumário:
I - No caso de facturas falsas, compete à AT fazer a prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação correctiva e, só caso o faça, passa a recair sobre o contribuinte o ónus da prova da existência e dimensão dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito à dedução do imposto.
II – Impõe-se, portanto, à Administração Tributária abalar a presunção de veracidade da declaração do imposto e dos respectivos documentos de suporte, atento o princípio da declaração vigente no nosso direito (artigo 75.º da LGT), só depois passando a competir ao contribuinte o ónus de provar a veracidade do declarado, o que quer dizer que se a Administração Tributária não fizer prova do bem fundado da formação do seu juízo, a questão relativa à legalidade do seu agir terá de ser resolvida contra ela, sem necessidade de ir analisar se a Impugnante logrou ou não provar, em tribunal, a veracidade da declaração.
III - Tal prova não tem de ser directa e categórica, no sentido de evidente e intocável, podendo ser apenas indiciária. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 2:FMM, UNIPESSOAL, LDA.
Votação:Unanimidade
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1- RELATÓRIO
A FAZENDA PÚBLICA, inconformada com a sentença proferida em 28/02/2014, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por FMM, UNIPESSOAL, LDA., relativa ao IVA e juros compensatórios do ano de 2006, deduziu o presente recurso formulando para tanto as seguintes conclusões:
A. A Autoridade Tributária e Aduaneira cumpriu o ónus que sobre ela recaía, uma vez que os indícios colhidos em sede inspectiva, são sérios, objectivos e consistentes, passíveis de traduzir uma probabilidade elevada, de que as facturas em questão não titulam operações reais, nomeadamente,
i. A sede da sociedade emitente encontrava-se situada na habitação particular dos pais do seu sócio-gerente;
ii. Nessa habitação foi transmitida a informação de que o sócio-gerente, AJVP, trabalhava há vários anos em Espanha, deslocando-se a Portugal uma vez por mês;
iii. Inexistência de quaisquer bens materiais, bem como máquinas ou ferramentas de uso específico para o exercício da actividade de construção civil;
iv. Dados disponibilizados pelo CRSS indicam que o emitente não tem pessoal permanente ao serviço;
v. AJVP, em Auto de Declarações lavrado em 09.06.2009, e cujo teor consta dos pontos 4º e 5º da factualidade dada como assente, reconheceu expressamente que foi trabalhar para Espanha em finais de 2004, ao serviço da sociedade CSM-SS e Cª, Lda, pessoa colectiva nº 50xxx08; a partir de 2006 começou a trabalhar numa empresa espanhola, tendo passado posteriormente por outras, também espanholas; e em 2008 trabalhou apenas um mês para uma empresa em Portugal mas depois regressou a Espanha;
vi. No mesmo Auto de Declarações AJVP, exibiu perante os serviços de inspecção tributária «documentos que comprovam a sua permanência em Espanha desde 2004 até à data, como sejam recibos de vencimento, declaração da Segurança Social desse País, assinalando dias de trabalho num período de tempo praticamente ininterrupto desde 2004 até á data actual» (cfr. fls 47 e seguintes do processo administrativo);
vii. Ainda no mesmo Auto, AJVP afirmou que «não prestei serviços cá a partir de 2004, nem eu nem qualquer equipa a meu cargo. Não emitiu qualquer documento por serviços prestados» e, mais à frente, rematou: «essas facturas não correspondem à verdade. Não prestei esses serviços, nem emiti esses documentos», sendo que essas declarações fazem parte integrante do ponto 4º do probatório;
viii. A Impugnante requisitou os seus próprios livros de facturas na mesma tipografia (GE) e na mesma data (23.09.2004) em que as facturas que lhe foram emitidas pelo fornecedor APC Unipessoal, Lda (facturas nºs 53 a 59 e 61 a 66) foram requisitadas por alguém que se identificou como sendo o Sr. A… mas não apresentou o respectivo bilhete de identidade. Posteriormente, quer as facturas requisitadas pela Impugnante, quer as facturas requisitadas pelo dito Sr. A…, foram entregues na mesma data, isto é, em 24.09.2004;
ix. Verificou-se in loco que «AP exibiu o livro de facturas nº 51 a 150 (impressos fornecidos pela tipografia AFA em V…, NIPC 14xxx10) perfeitamente intacto. Todos os impressos se encontravam em branco e possuindo cada um deles, todas as vias» (cfr. fls. 47 e seguintes do processo administrativo).
B. No âmbito da sua actividade instrutória a Autoridade Tributária e Aduaneira não está impedida de se socorrer de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade de facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado.
C. Não é questionável a utilização de elementos recolhidos no âmbito de acções inspectivas realizadas aos emitentes das facturas provenientes daqueles emitentes, e por conseguinte, não devem, nem podem, ser ignoradas as declarações prestadas pelos supostos prestadores de serviços, emitentes das facturas, quando, nomeadamente, afirmam que não tinham pessoal ao seu serviço, que não se encontravam em território nacional à data dos factos tributários que não prestaram qualquer serviço à impugnante e exibem o livro de facturas que incluem as supostamente emitidas em estado perfeitamente intacto.
D. Mas foi precisamente isto que fez o Meritíssimo Juiz a quo, na medida em que não atribui qualquer relevância aos elementos recolhidos pelos serviços de inspecção tributária e vertidos no respectivo Relatório, referentes ao emitente das facturas, pela simples razão de «não estarem suportados por factos retirados designadamente de documentos e elementos respeitantes à impugnação».
E. Face ao quadro indiciário que suporta a conclusão da Autoridade Tributária e Aduaneira no sentido de que as facturas em causa não se reportam a serviços efectivos (cumprido que está, nos termos já expostos, o ónus da prova que, neste ponto, lhe competia) impunha-se à impugnante, fazer a prova de que adquiriu os serviços e que os mesmos lhe foram prestados pelo emitente das facturas.
F. Ónus que, inquestionavelmente não cumpriu, atenta a factualidade dada como provada,
G. Pelo que a douta peça decisória recorrida, ressalvado o devido e merecido respeito, incorre em erro de julgamento de facto, consubstanciado numa incorrecta apreciação e valoração da matéria de facto dada como assente e, concomitantemente, em errónea subsunção da matéria considerada como provada às normas que regem o ónus da prova e o direito à dedução do IVA (cfr. artigos 74º da LGT, 19º, nº 3, do CIVA, 125º, nº 1 do CPPT e 607º, nº 4 do CPC).
Nos termos vindos de expor e no que V.ªs Exªs, sempre mui doutamente, poderão suprir, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, substituir a decisão por outra que julgue a impugnação judicial improcedente, como se nos afigura estar mais consentâneo com o Direito e a Justiça.
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A Recorrida não apresentou contra-alegações.
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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
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Colhidos os vistos dos Exmºs Senhores Desembargadores Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.
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2- DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, a analisar se a sentença proferida pelo Tribunal a quo padece de erro de julgamento da matéria de facto, por incorrecta apreciação e valoração da matéria de facto dada como assente e errónea subsunção da matéria considerada como provada às normas que regem o ónus da prova e o direito à dedução do IVA (artigos 74º da LGT, 19º, nº 3 do CIVA, 125º, nº 1 do CPPT e 607º, nº 4 do CPC).
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3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
Com interesse para analisar as questões suscitadas consideram-se provados os seguintes factos colhidos da análise dos documentos insertos nestes autos.
1 - A impugnante foi objeto de uma ação inspetiva interna por parte dos Serviços de Inspeção Tributária de Aveiro, respeitante aos exercícios económicos dos anos de 2005 a 2007, conforme relatório constante do PA de fls. 4 a 15 destes autos e que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
2 - O objeto social da impugnante, consiste na "construção de edifícios".
3 - No seguimento da ação inspetiva identificada em 1), foram efetuadas correções em sede de IVA para o ano de 2006.
4 - Os fundamentos para as correções em causa, encontram-se exarados no relatório identificado em 1), cujos extratos a seguir se transcrevem na parte relevante para apreciar a questão suscitada pela impugnante e que se prende com a não aceitação do IVA para efeitos de dedução relativamente às facturas emitidas em 2006 por APC UNIPESSOAL, LDA.
"(…) os exercícios de 2005 a 2007 encontram-se registadas na contabilidade do sujeito passivo as facturas a seguir discriminadas, relativas a esse fornecedor: (…) Contabilisticamente estas facturas encontram-se contabilizadas na conta de fornecimentos e serviços externos ­subcontratos, tendo o sujeito passivo deduzido o respectivo IVA, IVA dedutível Outros bens e serviços, e declarado esses montantes no campo 24 das diversas declarações periódicas do IVA (…) Em 2009-06-09), Inspectores da DF Porto ouviram em auto de declarações o sócio-gerente da sociedade, Sr. AP, o qual referiu que: A partir do dia 13 de Novembro de 2004 comecei a trabalhar em Espanha por conta de (...) trabalhei nesse empresa até 2006. Em Março de 2006 mudei para a empresa espanhola (...). Só venho a Portugal um fim de semana por mês. (...) Não prestei serviços cá, a partir de 2004, (...) As facturas cujas cópias estou a tomar conhecimento, emitidas a FMM Unipessoal, Lda., (...) não correspondem à verdade. Não prestei esses serviços nem emiti esses documentos. (...) (…) As facturas em causa foram impressas na GF de AMLCS, (...) De acordo com as declarações prestada por FMM, (…) os livros de facturas da sociedade FMM Unipessoal, Lda., foram requisitados em 23 de Setembro de 2004, na mesma tipografia (GE) e entregues em 24-09-2004, tal como os de APC Unipessoal, Lda, (…) corresponde a Agosto de 2002; (…) Inexistência de quaisquer bens materiais para o exercício da actividade pela qual a sociedade AP, Lda estava registada; (…)”.
5 - Dá-se aqui por reproduzido o auto de declarações prestado por AJVP e constante do PA a fls. 51 e 52.
6 - Dão-se aqui por reproduzidas as fotocópias das faturas e recibos emitidos em nome de APC UNIPESSOAL, LDA., e constantes destes autos de fls. 30 a 43.
7 - Em 30 de Outubro de 2009 foram emitidas as notas de liquidação ora impugnadas, conforme fls. 22 a 32 destes autos e que aqui se dão por reproduzidas.
8 - Em 10 de Setembro de 2009 foi remetida carta em nome da impugnante, nos termos e para os efeitos do art.º 60° da LGT, cfr. fls. 27 e 28 destes autos e que aqui se dão por reproduzidas.
9 - A carta identificada em 8), foi devolvida cfr. fls. 30 e que aqui se dá por integralmente reproduzida.
Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração da matéria dada como assente, nos factos alegados e não impugnados e no teor dos documentos identificados e não impugnados.
FACTOS NÃO PROVADOS:
Inexistem com interesse para a presente decisão.
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4- JULGAMENTO DE DIREITO
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (art. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC), como bem se percebe da leitura das peças processuais que fazem este recurso, bem como da sentença recorrida, a Recorrente discorda daquela sentença por entender que ocorre o erro de julgamento da matéria de facto, e, concomitantemente, em errónea subsunção da matéria considerada como provada às normas que regem o ónus da prova e o direito à dedução do IVA (artigos 74º da LGT, 19º, nº 3 do CIVA, 125º, nº 1 do CPPT e 607º, nº 4 do CPC)
Os presentes autos debruçam-se sobre as facturas nºs 53 a 63 e 65 e 66, emitidas pela sociedade APC Unipessoal, Lda. à Recorrida, entre os anos de 2005 a 2007, que a AT desconsiderou por entender que as mesmas não sustentam verdadeiras prestações de serviços, operações reais, motivo que deu origem às liquidações impugnadas.
Para desconsiderar tais facturas a AT suportou-se nos dados que apurou em sede inspectiva em relação ao emitente das mesmas, a sociedade “APC Unipessoal, Lda.” e que mencionada nas conclusões do recurso.
Assim, a AT apurou que a “sede da sociedade emitente encontrava-se situada na habitação particular dos pais do seu sócio-gerente; que o sócio-gerente, AJVP, trabalhava há vários anos em Espanha, deslocando-se a Portugal uma vez por mês; a inexistência de bens materiais, como máquinas e ferramentas de uso específico para o exercício da actividade de construção civil; dados disponibilizados pelo CRSS que indicam que o emitente não tem pessoal permanente ao seu serviço” (pontos I a IV da conclusão A das alegações de recurso), refere, ainda, que em auto de declarações o AP “reconheceu expressamente que foi trabalhar para Espanha em finais de 2004 (…)” e afirmou que “nunca prestou serviços cá a partir de 2004, nem emitiu qualquer documento por serviços prestados” e também que “essas facturas não correspondem à verdade” (pontos V a VII da conclusão A das alegações de recurso).
Acrescentou que “a impugnante requisitou os seus próprios livros de facturas na mesma tipografia (Gráfica Expresso) e na mesma data (23.09.2004) em que as facturas que lhe foram emitidas pelo fornecedor APC Unipessoal, Lda. que foram requisitadas por alguém que se identificou como o Sr. A… mas não apresentou o respectivo bilhete de identidade” e que “Verificou-se in loco que «AP exibiu um livro de facturas do nº 51 a 150 (impressos fornecidos pela tipografia AFA em V… …) perfeitamente intacto…Todos os impressos se encontravam em branco e possuindo cada um deles, todas as vias»” (ponto VIII e IX da conclusão A das alegações de recurso).
Vejamos.
Dispõe o n.º 3 do artigo 19.º do CIVA, em que se apoiam de direito as correcções em causa (cfr. fls.11 do processo instrutor apenso – relatório de inspecção tributária - RIT), que «não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente».
Considera a Recorrente que os indícios que colheu são suficientes e credíveis e que, por esse motivo, a sentença proferida padece de erro de julgamento da matéria de facto, por incorrecta apreciação e valoração da matéria de facto dada como assente e errada subsunção da matéria de facto às normas que regem o ónus da prova e o direito à dedução do IVA.
A Recorrente considera, assim, que cumpriu o ónus da prova que sobre si recaía e que demonstrou claramente em sede inspectiva que recolheu indícios sérios, objectivos e consistentes, passíveis de traduzir uma probabilidade elevada, de que as facturas desconsideradas não titulam operações reais (conclusão A das alegações de recurso), considerando que a sentença recorrida efectuou uma errada interpretação dos elementos de prova que constam dos autos e que levaram o Juiz do Tribunal a quo a concluir que “(…) estas conclusões não são suportadas por factos retirados designadamente de documentos e elementos respeitantes à impugnante e que permita, ainda que indiciariamente, dizer que entre a impugnante e a emitente das facturas em causa, foi feito um acordo simulatório com vista a enganar terceiro, art. 240º do CC.
Conclui-se assim, que a administração tributária não conseguiu provar os pressupostos de facto que a legitimaram a corrigir as liquidações de IVA (…) não carreou para os autos indícios suficientes, sérios e objectivos de que as facturas em apreciação, não titulam operações efectuadas para a impugnante”.
Atentemos.
Foi já afirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça que “O recurso em matéria de facto («quando o recorrente impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto») não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas apenas uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo relativamente à decisão sobre os «pontos de facto» que o recorrente considere incorrectamente julgados, na base da avaliação das provas que, na indicação do recorrente, imponham «decisão diversa» da recorrida” (cfr. Acórdão do STJ, de 10/01/2007, processo 06p3518, disponível in: www.dgsi.pt. ).
Ora, analisando a matéria de facto dada como assente, a motivação que lhe subjaz e a sua aplicação em conjugação com o direito, temos que não se nos afigura irrazoável, infundada ou arbitrária, a convicção que a Mmª juiz do Tribunal a quo dela retirou.
Pelo contrário, não logrou a Recorrente provar que a matéria de facto enferma do erro que lhe aponta, quer nos pressupostos em que se estribou quer, ainda, nas conclusões a que chegou, de forma a dar como provados certos factos, de sentido oposto ao defendido pela Recorrente.
Senão, vejamos se a AT fez a prova que lhe competia na demonstração da falsidade das facturas que foram desconsideradas para efeitos de IVA.
Relembremos que a AT, em sede inspectiva, desconsiderou as facturas nºs 53 a 63 e 65 e 66, emitidas pela sociedade APC Unipessoal, Lda. à Recorrida, entre os anos de 2005 a 2007, que constavam da contabilidade da Recorrida, por entender que as mesmas não titulavam operações reais, ou seja, serviços efectivamente prestados.
Como tem sido realçado, reiterada e uniformemente, pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, nomeadamente por este Tribunal Central Administrativo Norte, quando a Administração Tributária desconsidera as facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do art.º 74.º da LGT, competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que as operações constantes das facturas não correspondem à realidade. Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção – vd., por entre muitos outros, os acórdãos do STA, de 20/11/2002, proc.º01483/02 e do TCA Norte de 24-01-2008, processo n.º 01834/04 Viseu, de 24-01-2008, processo n.º 2887/04 Viseu, de 27-01-2011, processo n.º 455/05.7BEPNF e de 18-03-2011, processo n.º 456/05BEPNF.
Assim sendo, importa desde logo analisar se a Administração Tributária fez a prova que lhe competia da verificação de indícios que permitem concluir que às facturas contabilizadas pela Impugnante, ora Recorrida, não subjazem as operações que alegadamente teriam implicado a respectiva emissão.
Tenha-se em conta, como também é aceite, que não é imperioso que a Administração efectue uma prova directa da simulação. Como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indirecta, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” – cfr. Alberto Xavier, “Conceito e Natureza do Acto Tributário”, pág. 154; também neste sentido, entre outros, o acórdão do TCAN, de 26/04/12 (processo nº 00964/06.0 BEPRT).
Ou seja, a Administração Tributária não tem que demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência desse juízo (Acórdão do STA de 27/10/04, Processo 810/04), invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade – art.º75º da LGT.
Os indícios são definidos por João de Castro Mendes como aqueles factos que “permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” - citado por Saldanha Sanches, “A Quantificação da Obrigação Tributária”, 2ª edição, pág. 311.
Nesta tarefa e como é destacado no Acórdão deste TCA Norte de 28/02/2013, proferido no âmbito do proc.º00383/08.4BEBRG, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado, revelando-se até a fiscalização cruzada um procedimento crucial no combate à fraude e evasão fiscais.
Aplicando ao caso dos autos os considerandos doutrinais e jurisprudenciais expostos, decorre dos autos e do probatório que foram desconsideradas, em sede inspectiva, facturas emitidas à impugnante, ora Recorrida, pela sociedade “APC Unipessoal, Lda.” por alegadamente não representarem operações reais.
Para formar o seu juízo quanto à falsidade das facturas, baseou-se a AT nos indicadores vertidos no RIT e que acima já foram evidenciados, porque vertidos nas conclusões do recurso e que se reportam, apenas e tão só, ao emitente das facturas.
O quadro factual descrito, a nosso ver, não suporta objectivamente a conclusão de que as facturas emitidas por “APC, Lda.” à impugnante não titulam reais e efectivas operações económicas.
A verdade é que, no concernente a Recorrida, nada é dito no relatório inspectivo, nem sequer foi ouvida acerca do conhecimento que teria da emitente das facturas não se tendo, por isso, pronunciado sobre as relações que teria com a mesma. A AT em momento algum põe em causa a veracidade da contabilidade da Recorrida, não encetou qualquer diligência junto desta de forma a alicerçar o juízo de que as facturas que constam da sua contabilidade não têm subjacentes serviços efectivamente prestados. Efectivamente, não apurou se os serviços foram prestados, em que obras, com que pessoal e quais os meios de pagamento que foram usados pela Recorrida, limitou-se apenas a colher indícios no emitente.
Todavia, o certo é que nada resulta provado no sentido de que entre emitente e Recorrida foi feito um acordo simulatório com vista a enganar terceiro (art. 204º do Código Civil).
Ora, o facto de a AT recolher indícios junto do emitente das facturas de que este, eventualmente, não tinha estrutura física para prestar serviços titulados pelas facturas supra identificadas, ou ainda fazendo fé no depoimento do sócio gerente da emitente das facturas a que apenas se alude no RIT, sem contudo exibir cópia devidamente assinada pelo declarante, não é quanto a nós suficiente, para sem mais afirmar com a certeza necessária que as facturas que constam da contabilidade da Recorrida não titulam serviços efectivamente prestados.
Na verdade, não basta à AT recolher indícios seguros e credíveis de que os emitentes estão envolvidos na emissão e utilização de facturação falsa, sendo ainda necessário que existam factos indiciários que permitam relacionar a actividade ilícita dos emitentes com as concretas operações facturadas ao utilizador.
O quadro factual descrito no RIT não suporta a conclusão da AT de que as facturas em causa não representam reais e efectivas operações. E, não tendo a AT cumprido, nos termos já assinalados, o ónus de prova que, neste ponto, lhe competia, a questão termina logo aí, nenhum ónus se impondo ao impugnante, aqui Recorrido, de fazer a prova de que adquiriu os serviços descritos nas referidas facturas e que os mesmos lhe foram fornecidos pela sociedade APC Unipessoal, Lda..
A sentença recorrida, que não validou as correcções da AT, não merece qualquer censura, sendo de negar provimento ao recurso.
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5 – DECISÃO
Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.
Custas a cargo do Recorrente.
Porto, 2019-07-04
Ass. Maria Celeste Oliveira
Ass. Maria Cardoso
Ass. Nuno Bastos