Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01250/07.4BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/03/2018
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:SISA, CADUCIDADE DO DIREITO DE LIQUIDAÇÃO, LIQUIDAÇÃO ADICIONAL, CESSÃO DE POSIÇÃO CONTRATUAL, INCIDÊNCIA REAL, AJUSTE DE REVENDA, CONTRATO-PROMESSA
Sumário:
I - O acto tributário adicional é aquele através do qual a Administração Fiscal, verificando que mercê de omissão foi definida uma prestação inferior à legal, fixa o quantitativo que a esta deve acrescer para que se verifique uma absoluta conformidade com a lei. Ao invés do que sucede com a anulação, o acto adicional não revoga o acto tributário viciado. Porque se trata de uma nulidade simplesmente parcial, a lei mantém todos os efeitos do acto primitivamente praticado, limitando-se a exigir que a Administração, pela prática de um novo acto, titule juridicamente o excedente ou diferença que não fora previamente objecto de declaração. Longe de o destruir, o novo acto “adiciona-se” ao primeiro concorrendo ambos para a clarificação da prestação legalmente devida.
II – Verificando-se que a liquidação de SISA, in casu, não configura qualquer liquidação adicional que tenha sido efectuada para reparação de um erro anterior de qualquer liquidação, tratando-se, antes, de uma primeira liquidação, é aplicável o prazo previsto no artigo 92.º do CIMSISSD, isto é, o prazo de oito anos para efeito de determinação de eventual caducidade do direito à liquidação de SISA.
III - O que o § 2.º do artigo 2.º do CIMSISSD estabelece é que, nos casos em que ocorra um ajuste de revenda nas promessas de compra de bens imobiliários, se tem de presumir legalmente que existiu uma prévia tradição jurídica do bem para aquele que realizou o ajuste, sendo a partir daí que a lei ficciona a ocorrência da transmissão (económica) do imóvel sujeita a imposto.
IV - Para afastar essa presunção legal de tradição (presunção juris tantum por força do artigo 73.º da LGT), o sujeito passivo terá de provar que, não obstante a celebração da escritura do promitente vendedor com terceiro, não existiu entre si e este qualquer ajuste de revenda, sendo indiferente, para a referida ilisão, a prova da falta de posse material e efectiva do bem, pois o preceito não abrange estas situações de tradição efectiva, que caem, antes, no âmbito de incidência do § 1.º, n.º 2 do artigo 2.º do CIMSISSD.
V - O facto de alguém ter procedido, sem qualquer motivo perceptível, à cessão da posição contratual de promitente adquirente de um bem imobiliário para um terceiro, sendo este quem outorga no contrato-prometido, permite, natural e logicamente, inferir que ocorreu um ajuste de revenda do bem, pelo que a menos que se venham a clarificar os elementos justificativos para o acto, pela evidenciação de elementos que apontem, designadamente, para uma impossibilidade de o cedente outorgar o contrato-prometido ou para causas indicativas de uma pura desistência do contrato, justifica-se que a AT conclua pela existência de «ajuste de revenda» para os efeitos previstos no artigo 2º, § 2º do CIMSISSD.
VI - Trata-se de uma presunção natural, isto é, de uma ilação ou inferência extraída de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido, que tem por base os dados da experiência comum e que pode ser abalada pelo cedente.
VII - Se o cedente da posição contratual não obteve qualquer ganho ou vantagem patrimonial com a aludida cessão, não se verifica qualquer ajuste de revenda, pois é certo que o escopo do imposto de SISA é a tributação da riqueza efectivamente transmitida. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:JARN
Recorrido 1:Fazenda Pública
Votação:Unanimidade
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Revogar a decisão recorrida
Julgar procedente a impugnação
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório
JARN e MHMP, NIF n.º 1…62 e n.º 1…01, respectivamente, ambos com domicílio na Rua J…, S. Mamede de Infesta, interpuseram recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 08/04/2009, que julgou improcedente a Impugnação Judicial deduzida contra o acto tributário de liquidação de Imposto Municipal de SISA, referente ao ano de 2002, no valor de €20.945,38.
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Os Recorrentes terminaram as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
01 – O acto controvertido que ocasionou a impugnação judicial do acto de liquidação de SISA tem na sua génese a celebração de um acto de cessão da posição contratual que os Recorrentes detinham no contrato-promessa de compra e venda da fracção ‘AP’.
02 – Salvo melhor opinião, é convicção dos Recorrentes, que o acto de liquidação de SISA, no valor de €20.945,38, se encontra ferido de ilegalidade, por falta de verificação dos pressupostos de incidência real, bem assim, por erro na determinação da matéria colectável, e ainda por caducidade do direito à liquidação adicional de imposto de SISA.
03 – Em 10/09/2001, os Recorrentes celebraram com HAMC, um contrato de cessão da posição contratual no contrato de compra e venda da fracção ‘AP’, sita na Rua A…, Porto, pelo valor de €154.003,85.
04 – A escritura pública de compra e venda foi celebrada entre o adquirente final, HAMC e a primitiva promitente vendedora.
05 – Até data da outorga do contrato de cessão da posição contratual, os Recorrentes apenas pagaram a título de preço convencionado para a adquisição da fracção ‘AP’ a quantia de €154.003,85.
06 – Em momento posterior cederam a posição no contrato de promessa de compra e venda pelo valor correspondente às entregas efectuadas - €154.003,85.
07 – Os Recorrentes não obtiveram qualquer ganho ou vantagem patrimonial com a cessão da posição contratual no contrato-promessa de compra e venda da fracção em referência.
08 – Não tendo os Recorrentes praticado qualquer acto susceptível de ser configurado como uma venda económica, não há lugar à tributação, por falta de preenchimento do primeiro requisito de incidência real em sede de SISA – ajuste de revenda entre o promitente-comprador e o terceiro adquirente.
09 – A liquidação de imposto de SISA, deverá ser feita com base no valor pago pelos cedentes da posição contratual no contrato-promessa de compra e venda da habitação, a título de sinal e reforços e, que no caso sub judice, corresponde a €154.003,85.
10 – Admitir o contrário [liquidação de imposto de acordo com o critério da percentagem de acabamento da fracção ao tempo da cessão da posição contratual (97,7% *€177.572,05=€173.310,32)], seria ilegal, por violação do art.19.º§2.ºdo CIMSISSD.
11 – O prazo de caducidade de oito anos acolhido no art. 92.º do CIMSISSD, apenas se aplica para as hipóteses de primeira liquidação, aplicando-se para as hipóteses de liquidação adicional de imposto de SISA, o prazo de quatro anos estipulado no art. 111.º §3.º do CIMSISSD.
12 – À luz das normas vigentes, no caso decidendo, o prazo de quatro anos para a liquidação de SISA por parte da A.F., iniciou-se em 11 de Setembro de 2001 e tornou-se completo em 11 de Setembro de 2005.
13 – Os Recorrentes foram regularmente notificados do acto de liquidação de Imposto de SISA em 26/02/2007.
14 – Uma vez que os Recorrentes foram regularmente notificados depois de expirado o prazo de caducidade, deverá concluir-se pela ilegalidade do acto de liquidação adicional de SISA por caducidade do direito à liquidação.
15 – Salvo o devido respeito foram violados os artigos 104.º, n.º 3 e 266.º, n.º 2 da CRP, os arts. 2.º, §2.º, 19.º, §2.º e 111.º, §3.º do CIMSISSD, bem como art. 45.º, n.ºs 1 e 4 da LGT.
Julgando-se o recurso procedente, será feita JUSTIÇA
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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa analisar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao decidir que o acto de liquidação de SISA não se encontra ferido de ilegalidade, por falta de verificação dos pressupostos de incidência real, nem existe erro na determinação da matéria colectável, bem como quanto à inexistência de caducidade do direito à liquidação adicional de imposto de SISA.
III. Fundamentação
1. Matéria de facto
Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Com relevância para a decisão da causa, considero provados os seguintes factos:
a) Em 1/6/2000, JLSMLM celebrou um contrato – promessa de compra e venda com a sociedade “IPGI, Lda”, através do qual aquele prometeu comprar e esta prometeu vender a fracção autónoma designada pelas letras “AK” (posteriormente “AP”), correspondente a uma habitação no 1º andar direito, do empreendimento “PD”, na Rua A…, no Porto, pelo preço de 177.572,05 euros, tendo sido entregue a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de 65.155,48 euros – cfr. doc. 50/54 dos autos.
b) Em 6/2/2001, JLSMLM cedeu a posição contratual que detinha no contrato-promessa referido em a) ao ora impugnante, JARN, pelo valor de 177.572,05 euros, tendo aquele recebido a quantia de 65.155.48 euros.
c) Em 10/9/2001, o impugnante celebrou um contrato de cedência de posição contratual com HAMC, relativamente à fracção indicada em a) pelo valor de 177.572,05 euros, tendo recebido a quantia de 154.003,85 euros.
d) Por escritura pública de 22/5/20002, a sociedade “IPGI, Lda” vendeu a fracção autónoma identificada na alínea a) a HAMC, pelo preço de 177.572.,05 euros, conforme documento junto a fls. 43 a 49 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
e) Na sequência de uma acção inspectiva levada a cabo pela Administração Tributária aos impugnantes, foi efectuada a liquidação de imposto municipal de sisa no valor de 17.331,03 e de juros compensatórios, no montante de 3.614,35 euros, nos termos e com base nos factos supra referidos nas al.) a) a d) e cujos fundamentos constam do relatório de fls 67 a 73 do p.a. apenso e cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
f) No referido relatório de inspecção escreveu-se designadamente o seguinte: “De acordo com o § 1 nº 2 do artigo 2º do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto Sobre Sucessões e Doações (CIMSISSD) conjugado com o n § 2º do mesmo artigo, entende-se que se verificou a tradição da fracção para o sujeito passivo, pelo que se considera estarmos perante uma transmissão da propriedade imobiliária, sujeita a Imposto Municipal de SISA nos termos dos artigos 1º e 2º do CIMSISSD. Em consonância com o artigo 19º do mesmo Código, o Imposto municipal de SISA incide sobre o preço convencionado pelos contraentes, pelo que neste caso incidiria sobre €177.572,05. De todo o modo entende-se que, no que concerne a edifícios em construção, a incidência do imposto deve limitar-se à parte já erigida aquando da cessão da posição contratual. Assim sendo, e de acordo com os elementos facultados pela empresa vendedora, em 31/08/01 – data imediatamente anterior à data da cessão de posição contratual, em 31/08/01 – data imediatamente anterior à data da cessão de posição contratual, a percentagem de acabamentos da obra era de 97,7%. Deste modo temos que: 97,7% * € 177.572.05=€ 173.310.32.”
g) Os impugnantes foram notificados para pagar a liquidação impugnada em 26/02/2007.
h) A presente impugnação foi instaurada em 23/5/2007 – cfr. fls. 2 dos autos.
i) A liquidação impugnada foi paga em 6/6/2007 – cfr. fls. 27 dos autos.
j) Mediante recibos de fls 56 e 57 dos autos, a sociedade “IPGI, Lda” declarou ter recebido do impugnante marido as quantias de 9.500.000$00 e 8.312.500$00, em 1/4/2001 e em 1/8/2001, respectivamente.
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Factos não provados:
Não se provaram outros factos, além dos supra referidos.
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Motivação da decisão de facto:
A decisão sobre a matéria de facto baseou-se na análise da prova documental produzida nos autos e na posição assumida pelas partes nos seus articulados.”
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2. O Direito
Na sentença recorrida julgou-se que a liquidação impugnada de imposto de SISA, notificada aos impugnantes em 26/02/2007, foi efectuada dentro do prazo legal para o efeito, não tendo decorrido o respectivo prazo de caducidade.
Os Recorrentes não se conformam com esta decisão, contrapondo que o prazo de caducidade de oito anos acolhido no artigo 92.º do CIMSISSD, apenas se aplica para as hipóteses de primeira liquidação, aplicando-se para as hipóteses de liquidação adicional de imposto de SISA, o prazo de quatro anos estipulado no artigo 111.º §3.º do CIMSISSD.
Defendem, assim, que à luz das normas vigentes, no caso decidendo, o prazo de quatro anos para a liquidação de SISA por parte da A.F., se iniciou em 11 de Setembro de 2001 e tornou-se completo em 11 de Setembro de 2005. Alertam terem sido regularmente notificados do acto de liquidação de Imposto de SISA em 26/02/2007.
Concluem que, uma vez que os Recorrentes foram regularmente notificados depois de expirado o prazo de caducidade, deverá decidir-se pela ilegalidade do acto de liquidação adicional de SISA por caducidade do direito à liquidação.
Efectivamente, quer o exercício do direito à liquidação, quer a notificação do seu conteúdo ao contribuinte, e não apenas aquele primeiro acto, têm que ocorrer dentro do mencionado prazo de quatro anos contados do facto tributário (embora possa não ser esse o prazo aplicável in casu), sob pena de operar a caducidade de tal direito. O prazo de caducidade em análise justifica-se por razões objectivas de segurança jurídica, tendo o propósito último de gerar a definição da situação do obrigado tributário num prazo razoável, cujo decurso conduz à preclusão do direito do Estado de promover a liquidação dos impostos que lhe sejam eventualmente devidos (cfr. Diogo Leite de Campos e outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 3ª. Edição, 2003, pág.207 e seg.; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª.edição, Coimbra Editora, 2007, pág.259 e seg.; Joaquim Casimiro Gonçalves, A caducidade face ao direito tributário, in Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, 1999, pág.225 e seg.).
Nos termos do disposto no artigo 92.º do CIMSISSD, na redacção dada pelo Decreto-lei n.º 472/99, de 08/11, o imposto municipal de SISA só podia ser liquidado nos oito anos seguintes à transmissão ou à data em que a isenção ficou sem efeito.
O §3.º do artigo 111.º do CIMSISSD, na redacção dada pelo Decreto-lei n.º 472/99, veio determinar que a notificação adicional de SISA a que se refere o §2.º só podia fazer-se até decorridos quatro anos, contados da liquidação a corrigir.
No caso em apreço, verifica-se que a liquidação de SISA sindicada não configura qualquer liquidação adicional que tenha sido efectuada para reparação de um erro anterior de qualquer liquidação, trata-se, pois, de uma primeira liquidação, à qual é aplicável o prazo previsto no referido artigo 92.º do CIMSISSD, isto é, o prazo de oito anos.
Apesar de no presente caso somente relevar a noção de liquidação adicional, pela sua pertinência e clareza, não podemos deixar de citar a doutrina do Prof. Alberto Xavier, tendo em vista a distinção dos conceitos de anulação, de acto adicional e de reforma do acto tributário:
“(…) a anulação é o acto pelo qual a Administração Fiscal revoga, total ou parcialmente, o acto tributário que, em virtude de erro de facto, erro de direito ou omissão, tenha definido uma prestação tributária superior à que decorre directamente da lei. A liquidação definitiva excessiva (ou infundada) padece de um vício em sentido próprio. Os seus efeitos cessam de se produzir mercê de um acto jurídico que os constata e que, consequentemente, os destrói retroactivamente. Por sua vez, o acto tributário adicional é aquele através do qual a Administração Fiscal, verificando que mercê de omissão foi definida uma prestação inferior à legal, fixa o quantitativo que a esta deve acrescer para que se verifique uma absoluta conformidade com a lei. Ao invés do que sucede com a anulação, o acto adicional não revoga o acto tributário viciado. Porque se trata de uma nulidade simplesmente parcial, a lei mantém todos os efeitos do acto primitivamente praticado, limitando-se a exigir que a Administração, pela prática de um novo acto, titule juridicamente o excedente ou diferença que não fora previamente objecto de declaração. Longe de o destruir, o novo acto “adiciona-se” ao primeiro concorrendo ambos para a clarificação da prestação legalmente devida. Por último, a reforma do acto tributário verifica-se quando, por posterior variação da matéria colectável, a lei manda substituir a liquidação praticada, ainda que correctamente, com base na expressão daquela matéria ao tempo em que a Administração Fiscal a realizou. Ao contrário do que se passa na anulação e no acto tributário adicional não se verifica aqui um vício originário mas uma modificação superveniente do seu objecto” (cfr. ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/3/2006, rec. 1284/05; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/5/2007, rec.133/07; ac.T.C.A.Sul, 25/11/2009, proc. 2981/09; ac.T.C.A.Sul, 3/7/2012, proc.4076/10; Alberto Pinheiro Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Almedina, 1972, pág.127 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª. edição, 2012, pág.370).
Efectivamente, no caso, os Recorrentes, por terem considerado não se verificar um dos requisitos de que depende a incidência real de SISA – o ajuste de revenda entre o promitente-comprador e um terceiro – não solicitaram o pagamento do respectivo imposto, surgindo a SISA impugnada na sequência de primeira liquidação efectuada com base no relatório da acção de inspecção efectuado pelos Serviços Fiscais – cfr. as alíneas e), f) e g) da decisão da matéria de facto.
Nesta conformidade, uma vez que o preceituado no artigo 92.º do CIMSISSD consubstancia um prazo especial face ao estabelecido pelo artigo 45.º da LGT, é aquele que se aplica ao caso dos autos.
Assim, confirma-se o julgamento efectuado em primeira instância desta questão, dado resultar dos autos que a transmissão ocorreu em 10/09/2001 [data a partir da qual se deve contar o prazo de caducidade de liquidação do imposto de SISA – cfr. alínea c) do probatório], pelo que o prazo de caducidade de oito anos, a que se refere o artigo 92.º do CIMSISSD, só ocorreria em 2009, ou seja, a notificação efectuada aos Recorrentes em 26/02/2007 foi efectuada dentro do prazo legal para o efeito, não tendo decorrido o respectivo prazo de caducidade.
Pugnam, também, os Recorrentes por se verificar a falta de preenchimento do primeiro requisito de incidência real em sede de SISA – ajuste de revenda entre o promitente-comprador e o terceiro adquirente, na medida em que os Recorrentes não terão praticado qualquer acto susceptível de ser configurado como uma venda económica, logo, não há lugar à tributação.
Nestes termos, está em causa saber se se verificam os pressupostos de incidência real do imposto de SISA previstos no artigo 2.º do CIMSISSD, mais concretamente, se os Recorrentes ajustaram a revenda do imóvel a que se reporta a liquidação impugnada com um terceiro.
Dizem os Recorrentes que, em 10/09/2001, celebraram com HAMC, um contrato de cessão da posição contratual no contrato de compra e venda da fracção ‘AP’, sita na Rua Amadeu de Sousa Cardoso, Porto, pelo valor de €154.003,85.
A escritura pública de compra e venda foi celebrada entre o adquirente final, HAMC e a primitiva promitente vendedora.
Até data da outorga do contrato de cessão da posição contratual, os Recorrentes apenas pagaram a título de preço convencionado para a adquisição da fracção ‘AP’ a quantia de €154.003,85.
Em momento posterior cederam a posição no contrato-promessa de compra e venda pelo valor correspondente às entregas efectuadas - €154.003,85.
Defendem, assim, os Recorrentes que não obtiveram qualquer ganho ou vantagem patrimonial com a cessão da posição contratual no contrato-promessa de compra e venda da fracção em referência.
Não tendo os Recorrentes praticado qualquer acto susceptível de ser configurado como uma venda económica, sustentam não haver lugar à tributação, por falta de preenchimento do primeiro requisito de incidência real em sede de SISA – ajuste de revenda entre o promitente-comprador e o terceiro adquirente.
A sentença recorrida, apoiando-se no julgamento efectuado em Acórdão do TCA Sul, de 16/10/2007, no âmbito do processo n.º 01878/07, concluiu verificarem-se os pressupostos de incidência do imposto de SISA: “(…) Aliás, mesmo que se entenda que não existe presunção legal de ajuste de revenda, existe a presunção judicial de que o acordo de cessão da posição contratual no contrato promessa de compra e venda consubstancia ajuste de revenda. E tal presunção judicial não cede perante o facto eventual, de modo algum demonstrado, do impugnante ter recebido da cessionária o mesmo montante que pagou à promitente vendedora. Efectivamente, pode haver circunstâncias que por vezes levam a perder algum dinheiro em determinado negócio e este, mesmo assim, seja vantajoso. É, por exemplo, o caso da venda de um terreno prometido comprar na expectativa de urbanização que depois não vem a ser autorizada. (…)”
É contra esta decisão que se insurgem os ora Recorrentes, advogando que a sentença incorreu em erro de julgamento, porquanto não existiu ajuste de revenda, mas mera cedência da posição contratual sem obtenção de lucro, sendo que para existir ajuste de revenda seria necessário que tivesse havido tradição efectiva do imóvel para a sua esfera patrimonial e lucro com a cedência da posição contratual, o que não aconteceu.
Os Recorrentes concretizaram, referindo que cederam a sua posição no contrato-promessa de compra e venda pelo valor de €177.572,05 e que receberam do adquirente final, como contrapartida, o valor de €154.003,85 [cfr. ponto c) do probatório], que corresponde à soma do preço pago pelos Recorrentes ao primitivo promitente-comprador, JM [cfr. ponto b) do probatório], e ao valor entregue pelos Recorrentes à primitiva promitente vendedora, IPGI, Lda. [cfr. ponto j) do probatório] (€154.003,85=€65.155,48+€88.848,38].
Neste enquadramento, a questão objecto do recurso reconduz-se a saber se perante o contrato-promessa, o contrato de cedência de posição contratual e a outorga da escritura de compra e venda entre os cessionários e o promitente-vendedor, a Administração Tributária estava legitimada a considerar a ocorrência de uma transmissão relevante para efeitos de liquidação de sisa ao abrigo do § 2.º do artigo 2.º do CIMSISSD.
Esse artigo 2.º, na parte que aqui interessa, dispõe o seguinte:
“Artigo 2.º
(Incidência real)
A sisa incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis.
§ 1.º Consideram-se, para este efeito, transmissões de propriedade imobiliária:
1.º (...)
2.º As promessa de compra e venda ou de troca de bens imobiliários, logo que verificada a tradição para o promitente comprador ou para os promitentes permutantes, ou quando aquele ou estes estejam usufruindo os bens;
(...)
§ 2.º Nas promessas de venda entende-se também verificada a tradição se o promitente-comprador ajustar a revenda com um terceiro e entre este e o primitivo promitente vendedor for depois outorgada a escritura de venda.”
Donde decorre que embora o imposto de sisa tenha por finalidade tributar a transmissão onerosa de bens imóveis, a qual se afere, por regra, pela noção civilística da transmissão do direito de propriedade ou de figuras parcelares sobre o mesmo, casos há em que o legislador optou por tributar com este imposto operações jurídicas tal como se se tratassem de transmissões onerosas, quando elas estão, na verdade, dissociadas da prática de venda de imóveis, relacionando-se, antes, com actividades que são susceptíveis de gerar rendimentos.
É o que acontece com a sujeição a imposto dos contratos de promessa de compra e venda de imóveis sempre que suceda uma operação jurídica que se configure como um ajuste de revenda com terceiro com o qual o promitente vendedor venha a celebrar a escritura de venda do imóvel, caso em que a lei presume ter existido uma tradição (ainda que puramente jurídica) do imóvel para o cedente, com a consequente transmissão económica ou fiscal do imóvel.
Na verdade, os contratos promessa de aquisição de imóveis não são, em si mesmos, factos geradores da obrigação de imposto em sede de sisa, porquanto a promessa de aquisição não é susceptível de operar a transmissão civil dos bens; deles resulta apenas um vínculo entre os sujeitos contratantes (que se vinculam ao dever jurídico de celebrarem um segundo contrato – o contrato prometido); e só com a celebração do contrato prometido se opera a transmissão civil do bem do património do vendedor para o do adquirente (artigo 408.º do Código Civil).
Esta tributação explica-se, contudo, com o facto de os contratos promessa de compra e venda de imóveis terem deixado de ser, progressivamente, com o desenvolvimento da actividade económica, meros negócios preparatórios de contratos de compra e venda, passando a ser utilizados como instrumentos de realização de investimentos e de especulação imobiliária, que têm por base uma transmissão puramente económica dos bens, proporcionadora de rendimentos.
Por tal motivo, o Código da Sisa alargou o âmbito de incidência do imposto a situações em que ocorra uma operação jurídica que configure um ajuste de revenda nas promessas de compra e venda, por essa operação pressupor e evidenciar, em princípio, a existência de uma tradição jurídica do bem para aquele que procede a esse tipo de negócio jurídico. Razão por que a lei presume ter existido, nesse caso, a tradição do bem para o cedente, ficcionando a partir daí a existência de transmissão (económica) do bem para efeitos de incidência de imposto de sisa.
E face à inexistência de um conceito de transmissão entre as normas respeitantes à sisa, nada obsta a que o conceito abranja não só a transmissão civil como, também, a transmissão puramente económica e fiscal dos bens imobiliários.
É, pois, neste contexto, que se compreende que o aludido § 2º tenha alargado o conceito de transmissão aos casos em que “o promitente comprador ajustar a revenda do imóvel com um terceiro e entre este e o primitivo promitente vendedor for outorgada a escritura de compra e venda”, presumindo uma tradição (puramente jurídica ou fiscal) do imóvel, tornando-se desnecessário que o promitente comprador tenha entrado na posse material do imóvel, isto é, que tenha havido tradição efectiva. Aliás, caso tivesse havido tradição material e efectiva do imóvel, a sisa seria devida nos termos referidos no § 1.º, n.º 2, e não já nos termos do § 2.º, pelo que não faz sequer sentido defender a inaplicabilidade deste § 2.º com o argumento de que não existiu tradição material do bem.
Em conclusão, o que o § 2.º do artigo 2.º estabelece é que, nos casos em que ocorra um ajuste de revenda nas promessas de compra de bens imobiliários, se tem de presumir que existiu uma tradição jurídica do bem para aquele que realizou esse ajuste, pois só com essa tradição se compreende que ele possa ter agenciado a revenda e contratualizado o negócio. E, para afastar essa presunção legal de tradição (presunção juris tantum por força do artigo 73.º da LGT, segundo o qual as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário. Sendo a situação em apreço uma daquelas que bule com a incidência tributária, há que dar à parte desfavorecida com esta presunção a possibilidade de a ilidir, mediante prova em contrário face ao disposto no n.º 2 do artigo 350.º do C.Civil.), o sujeito passivo terá de provar que, não obstante a celebração da escritura do promitente vendedor com terceiro, não existiu entre si e este qualquer ajuste de revenda, sendo indiferente, para a referida ilisão, a prova da falta de posse material e efectiva do bem, pois o preceito não abrange essas situações de tradição efectiva, que caem, antes, no âmbito de aplicação do § 1.º, n.º 2 do artigo 2.º - cfr. Acórdão do STA, de 21/04/2010, proferido no âmbito do processo n.º 0924/09.
Prossegue este mesmo acórdão citado: “(…) o facto de alguém ter procedido, sem qualquer motivo perceptível, à cessão da posição contratual de promitente adquirente para um terceiro, sendo este quem outorga no contrato-prometido, permite, natural e logicamente, inferir que ocorreu um ajuste de revenda do bem, pelo que, a menos que se venham a clarificar os elementos justificativos para o acto, pela evidenciação de elementos que apontem, designadamente, para uma impossibilidade de o cedente outorgar o contrato-prometido ou para causas indicativas de uma pura desistência do contrato, justifica-se que a AT conclua pela existência de «ajuste de revenda» para os efeitos previstos no artigo 2º, parágrafo 2º, do CIMSISSD.
Trata-se de uma presunção natural, isto é, de uma ilação ou inferência extraída de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido, como dispõe a norma do artigo 349.º do Código Civil. Isto é, a presunção de que o ajuste de revenda se pode inferir da cedência da posição contratual nas promessas de venda não é uma presunção legal (estabelecida expressa e directamente na lei), mas uma presunção simples, natural ou judicial, que tem por base os dados da experiência comum e que pode ser abalada pela evidenciação dos motivos que levaram a essa cedência, evidenciação que tem de ser feita pelo cedente, dado que só ele pode dar a conhecer esses motivos.
Deste modo, quando se constata que o promitente-comprador originário cedeu a sua posição a terceiro, que veio a celebrar a escritura de compra e venda com o promitente vendedor, pode e deve considerar-se ter havido ajuste de revenda, sendo irrelevante que não tivesse a posse efectiva do bem prometido vender. Isto sem embargo de ele poder demonstrar, logo no procedimento tributário ou posteriormente, no meio impugnatório dirigido contra o acto de liquidação, que não obstante a celebração da escritura do promitente vendedor com terceiro, não existiu qualquer ajuste de revenda, esclarecendo as razões que o levaram à cessão da posição contratual, afastando, por essa via, a existência da presunção de tradição jurídica e de transmissão para efeitos de liquidação do imposto de sisa. (…)”
Os ora Recorrentes, apesar de terem cedido a sua posição contratual no contrato-promessa, ainda na fase graciosa do procedimento tributário, tentaram demonstrar a inexistência de lucro ou de finalidade especulativa.
Realmente, os Recorrentes reconhecem que se encontra preenchido um dos requisitos para a incidência do imposto, uma vez que a escritura de compra e venda veio a ser celebrada entre um terceiro e o primitivo promitente vendedor. Mas sempre defenderam não poder presumir-se a tradição para efeitos de tributação em sede de imposto de SISA, por entenderem não se encontrar preenchido este requisito, uma vez não ter sido praticado qualquer acto susceptível de configurar uma venda económica, não tendo obtido qualquer ganho ou vantagem patrimonial com a cessão de posição contratual.
Efectivamente, os Recorrentes lograram provar que até ao momento da cessão da posição contratual apenas pagaram a título de preço convencionado para a aquisição da fracção “AP” a quantia de €154.003,85 [cfr. pontos b) e j) da decisão da matéria de facto], vindo a ceder a sua posição no contrato-promessa de compra e venda pelo valor correspondente às entregas efectuadas [cfr. ponto c) do probatório].
Assim, tudo indica que os Recorrentes possam ter desistido do contrato-promessa ou outro motivo equivalente, dado resultar da factualidade apurada não terem obtido qualquer ganho ou vantagem patrimonial com a cessão da posição contratual no contrato-promessa de compra e venda da fracção em referência.
Nesta conformidade, a cessão da posição contratual efectuada pelos Recorrentes não constitui uma operação económica, dado tudo indicar não ter originado qualquer lucro. Os Recorrentes apenas terão funcionado como elo activo na transmissão do imóvel para terceiro cessionário, sem que possa afirmar-se que a compra e venda foi realizada por via da revenda. Não se verifica qualquer ajuste de revenda se o cedente não obteve qualquer ganho ou vantagem patrimonial com a aludida cessão, pois é certo que o escopo do imposto de SISA é a tributação da riqueza efectivamente transmitida.
Deste modo, apesar de a conclusão retirada pela AT quanto à existência de um ajuste de revenda se apresentar legítima ab initio, consideramos ilidida a presunção legal de tradição jurídica do bem, não ocorrendo, portanto, em parte, o facto gerador da obrigação de imposto de SISA.
O exposto é suficiente para conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, determinar a anulação do acto de liquidação de imposto de SISA e considerar prejudicado o conhecimento da última questão relativa ao erro na determinação da matéria colectável.

Conclusões/Sumário
I - O acto tributário adicional é aquele através do qual a Administração Fiscal, verificando que mercê de omissão foi definida uma prestação inferior à legal, fixa o quantitativo que a esta deve acrescer para que se verifique uma absoluta conformidade com a lei. Ao invés do que sucede com a anulação, o acto adicional não revoga o acto tributário viciado. Porque se trata de uma nulidade simplesmente parcial, a lei mantém todos os efeitos do acto primitivamente praticado, limitando-se a exigir que a Administração, pela prática de um novo acto, titule juridicamente o excedente ou diferença que não fora previamente objecto de declaração. Longe de o destruir, o novo acto “adiciona-se” ao primeiro concorrendo ambos para a clarificação da prestação legalmente devida.
II – Verificando-se que a liquidação de SISA, in casu, não configura qualquer liquidação adicional que tenha sido efectuada para reparação de um erro anterior de qualquer liquidação, tratando-se, antes, de uma primeira liquidação, é aplicável o prazo previsto no artigo 92.º do CIMSISSD, isto é, o prazo de oito anos para efeito de determinação de eventual caducidade do direito à liquidação de SISA.
III - O que o § 2.º do artigo 2.º do CIMSISSD estabelece é que, nos casos em que ocorra um ajuste de revenda nas promessas de compra de bens imobiliários, se tem de presumir legalmente que existiu uma prévia tradição jurídica do bem para aquele que realizou o ajuste, sendo a partir daí que a lei ficciona a ocorrência da transmissão (económica) do imóvel sujeita a imposto.
IV - Para afastar essa presunção legal de tradição (presunção juris tantum por força do artigo 73.º da LGT), o sujeito passivo terá de provar que, não obstante a celebração da escritura do promitente vendedor com terceiro, não existiu entre si e este qualquer ajuste de revenda, sendo indiferente, para a referida ilisão, a prova da falta de posse material e efectiva do bem, pois o preceito não abrange estas situações de tradição efectiva, que caem, antes, no âmbito de incidência do § 1.º, n.º 2 do artigo 2.º do CIMSISSD.
V - O facto de alguém ter procedido, sem qualquer motivo perceptível, à cessão da posição contratual de promitente adquirente de um bem imobiliário para um terceiro, sendo este quem outorga no contrato-prometido, permite, natural e logicamente, inferir que ocorreu um ajuste de revenda do bem, pelo que a menos que se venham a clarificar os elementos justificativos para o acto, pela evidenciação de elementos que apontem, designadamente, para uma impossibilidade de o cedente outorgar o contrato-prometido ou para causas indicativas de uma pura desistência do contrato, justifica-se que a AT conclua pela existência de «ajuste de revenda» para os efeitos previstos no artigo 2º, § 2º do CIMSISSD.
VI - Trata-se de uma presunção natural, isto é, de uma ilação ou inferência extraída de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido, que tem por base os dados da experiência comum e que pode ser abalada pelo cedente.
VII - Se o cedente da posição contratual não obteve qualquer ganho ou vantagem patrimonial com a aludida cessão, não se verifica qualquer ajuste de revenda, pois é certo que o escopo do imposto de SISA é a tributação da riqueza efectivamente transmitida.
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IV. Decisão
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação judicial procedente, determinando a anulação do acto de liquidação de imposto de SISA.
Custas a cargo da Recorrida, em ambas as instâncias; nesta instância, as custas não incluem a taxa de justiça, uma vez que não contra-alegou.
Porto, 03 de Outubro de 2018
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Pedro Vergueiro