Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00972/09.0BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/23/2011
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Álvaro Dantas
Descritores:RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA
CULPA PELO NÃO PAGAMENTO DOS IMPOSTOS
PRESUNÇÃO
Sumário:No domínio da vigência da LGT, para afastar a responsabilidade subsidiária pelas dívidas de impostos cujo termo do prazo para pagamento ou entrega terminou durante o período da sua administração, é necessária a demonstração de que não é imputável aos gerentes ou administradores das sociedades a falta de pagamento ou de entrega do imposto (artigo 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT).*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:J...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. Relatório
J... (Recorrente), NIF 2…, com domicílio … Salzedas, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu na parte que julgou improcedente a oposição à execução fiscal que contra si foi revertida depois de ter sido originariamente instaurada contra a sociedade comercial M… Construções, Lda. e que corre termos no Serviço de Finanças de Tarouca com o nº 2690200501000187 e apensos, dela veio interpor o presente recurso.
A culminar as suas alegações de recurso, a Recorrente formulou a seguinte conclusão:
1. O Oponente não tem culpa de a devedora originária não ter bens para cumprir com as dívidas tributárias, cf. art. 24º da LGT.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Neste Tribunal, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso por considerar, em síntese, que o Recorrente não fez prova tendente a afastar a presunção legal de culpa que sobre si recai relativamente à falta de pagamento do tributo cuja liquidação originou a dívida exequenda.
A questão a decidir:
A questão sob recurso e que importa decidir, suscitada e delimitada pelas alegações e respectiva conclusão, é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao ter considerado que o Executado e aqui Recorrente não logrou afastar a presunção legal de que a falta de pagamento das dívidas tributárias exequendas lhe é imputável e ao ter, nessa medida, concluído pela improcedência da oposição.
2. Fundamentação
2.1. De facto
2.1.1. Decisão sobre a matéria de facto proferida na 1ª instância
É a seguinte a decisão sobre matéria de facto proferida na 1ª instância e que damos por reproduzida ipsis verbis:
A) A Fazenda Pública instaurou, em 21-01-2005, n.º 2690200501000187, a que se apensou o processo nº 2690200501000403, instauradas para cobrança coerciva de dívidas de coimas de 2005 e de IRC do ano de 2002, tendo a executada “M… Construções Lda.” sido citada em 27-01-2005, conforme ponto 4 da informação de fls. 19 e docs. de fls. 9 a 12 aqui dados por reproduzidos, o mesmo se dizendo dos demais documentos e folhas do processo que doravante se referirão;
B) O Órgão de Execução fiscal, em 24-03-2009 lavrou informação onde consignou:
A executada constituiu-se por Contrato de Sociedade Comercial por Quotas …lavrado em 16-04-2001…
iniciou actividade para efeitos fiscais em 18-04-2001…
não são conhecidos quaisquer bens penhoráveis em nome da firma
Os sócios gerentes, de direito e de facto, da executada são:
J……
”.
Aludindo à informação vinda de referir e projecto de decisão, apreciando o alegado pelo Oponente em sede de audiência prévia, em 23.04.2009 foi proferido o seguinte despacho:
…tendo como fundamento legal o disposto no artigo 153º, nº2 al. a) do Código de Procedimento e de processo tributário ordeno a reversão da execução contra J… ….nos termos dos artigos 23º e 24º da Lei Geral Tributária e artigo 8º do Regime Geral das Infracções Tributárias …”, cfr. doc. de fls. 19 a 27;
C) O Oponente apresentou, em 29-05-2009, a Petição Inicial que deu origem aos presentes autos, vide fls. 4 a 8 destes autos;
D) As dívidas exequendas foram originadas, no essencial, em inspecção à originária devedora “M… Construções Lda.” realizada em cumprimento da Ordem de Serviço nº OI 200500018, cfr. informação de fls. 19, mormente o ponto 1;
E) O Oponente, juntamente com os dois outros sócios da originária devedora, era pessoa trabalhadora, preocupada com os seus trabalhadores, controlando o trabalho que estes faziam, vide depoimento das primeiras cinco testemunhas as quais nesta parte demonstraram conhecer o Oponente e demais sócios pois que ou foram TOC ou empregado deste; trabalhadores da originária devedora ou empresa de que todos eram também sócios, a M....
FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram os factos vertidos sob os artigos 11º a 13º da petição inicial. Os demais artigos constituem meras asserções e considerações pessoais do Oponente ou conclusões de facto e/ou direito.
Alicerçou-se a convicção do Tribunal no teor dos documentos e depoimentos das testemunhas referidos em cada uma das alíneas dos factos provados e nos referidos no antecedente parágrafo.
Sobre os factos provados e não provados cumpre referir que na petição inicial se alega no artigo 2º a “crise financeira da sociedade” mas não é minimamente explicada; nada sabemos da sua origem. Por exemplo se ela se deveu ao facto de os seus clientes não liquidarem os débitos para com a originária devedora. Contrariando um pouco o que se veio de dizer podemos referir que dos artigos10º a 12º da petição inicial a crise financeira se deveu ao facto “de o Oponente não poder adivinhar que a sociedade, devedora principal viesse a ter liquidações adicionais para pagamento. Pelo que como era de todo impossível a sociedade manter-se operacional com as dívidas fiscais resultantes das liquidações adicionais, veio-se a parar com a actividade empresarial.”
Sobre a crise financeira da sociedade ao nível dos documentos nada foi junto e as duas primeiras testemunhas ou referiram-se a factos não alegados ou produziram depoimento abonatório sem incisão factual concreta. Por exemplo, a 2ª testemunha, a contabilista da originária devedora disse que se limitava a contabilizar, lançar as facturas nada sabendo sobre os salários dos trabalhadores desconhecendo inclusive o extracto de contas.
As duas testemunhas seguintes também emitiram opinião abonatória sobre os gerentes mas não especificaram, concretamente, as razões porque a originária devedora e outra empresa em que havia identidade de sócios com aquela, fecharam.
2.2. De direito
A questão que aqui importa decidir é, como já tivemos oportunidade de deixar enunciado, a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao ter considerado que o Executado e aqui Recorrente não logrou afastar a presunção legal de que a falta de pagamento das dívidas tributárias exequendas lhe é imputável e ao ter, nessa medida, concluído pela improcedência da oposição.
Vejamos.
A execução fiscal contra a qual se dirige a presente oposição, na parte que interessa à decisão do presente recurso, tem em vista a cobrança coerciva de uma dívida respeitante a imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC) respeitante ao ano de 2002.
Como se sabe, constitui entendimento jurisprudencial pacífico o de que a determinação da responsabilidade subsidiária se afere à luz do regime legal em vigor à data em que as dívidas foram geradas, pelo que é em face do regime legal consagrado na Lei Geral Tributária (LGT) que haverá de se proceder à aferição do pressuposto da responsabilidade subsidiária do Recorrente que aqui está em discussão (refira-se, a propósito, que a questão respeitante ao efectivo exercício da gerência da executada originária por parte do Recorrente não vem colocada em causa e, como tal, não constituirá objecto desta pronúncia decisória).
A norma do artigo 24º da Lei Geral Tributária, na redacção aplicável, preceitua o seguinte:
“1. Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b ) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.
(…)”.
Como se expendeu no acórdão deste TCAN proferido em 29 de Outubro de 2009, no processo 228/07.2BEBRG, com texto integral disponível em www.dgsi.pt, “a leitura do preceito logo nos revela uma delimitação no tempo da responsabilidade subsidiária (() Não há responsabilidade subsidiária dos gestores relativamente às dívidas de impostos relativamente às quais não possa estabelecer-se uma conexão temporal nos termos das alínea a) ou b) do art. 24.º, n.º 1, da LGT.), bem como um tratamento diferenciado das dívidas tributárias consoante a conexão das mesmas no tempo com o período de exercício do cargo de administração ou gestão. Ou seja, a alínea a) abrange a responsabilidade pelas dívidas tributária constituídas durante o exercício de funções dos gestores ou cujo prazo do respectivo pagamento ou entrega tenha terminado já depois desse exercício. Consagra, assim, a responsabilidade dos gestores que exerceram as suas funções à época em que ocorreram os factos tributários ou que as exerceram durante o prazo legal de pagamento ou entrega da prestação tributária, mas antes do termo de tal prazo (() Trata-se de um alargamento da responsabilidade subsidiária face ao anterior regime previsto no art. 13.º do Código de Processo Tributário, pois na vigência deste artigo a jurisprudência considerava que os administradores podiam ser responsáveis pelas dívidas mas só se estas tivessem o seu facto constitutivo ou o seu vencimento ocorresse durante o exercício do cargo. Neste sentido, vide DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JOSÉ LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis Editores, 2.ª edição, anotação 7 ao art. 24.º, pág. 132. Nunca, como agora no art. 24.º da LGT, se previu a responsabilização dos administradores por dívidas tributárias cujo facto gerador ou o seu vencimento tivesse ocorrido fora desse período.).
Para além da definição do âmbito temporal da responsabilidade tributária subsidiária, o referido preceito estabelece, como pressupostos desta, a verificação da insuficiência de bens para proceder ao pagamento das dívidas tributárias, tendo essa diminuição patrimonial sido causada culposamente pelo gestor. Não estabelecendo a lei qualquer presunção relativamente a esses pressupostos, recai sobre a Administração o ónus da prova dos mesmos (() De acordo com a regra geral de distribuição do ónus da prova, segundo a qual «Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado» (art. 342.º, n.º 1, do CC). Também no domínio do procedimento tributário, a lei estipula que «O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque» (art. 74.º, n.º 1, da LGT), regra que devemos ter por transponível para o processo judicial tributário. Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 5.ª edição, I volume, anotação 2. ao art. 100.º, pág. 719. ).
Já na previsão legal da alínea b) deste art. 24.º, n.º 1, da LGT, o legislador estabelece a imputação da falta de entrega ou pagamento dos tributos ao gestor que, tendo o prazo de pagamento ou de entrega da prestação tributária terminado no seu período de gerência, os não tenha efectuado, a menos que se demonstre que não lhe foi imputável essa falta. Ou seja, faz recair sobre o gestor o ónus da prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento ou de entrega da prestação tributária, pois tal imputabilidade presume-se. Tal presunção, apesar de contrária à regra geral da responsabilidade extracontratual prevista no art. 487.º do Código Civil (() Nos termos do art. 487.º, n.º 1, do CC: «É ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa».) (CC), compreende-se no presente caso, pois se o gestor não tiver culpa pela falta de pagamento ou de entrega do imposto ocorrida no período em que exerceu funções, ser-lhe-á fácil prová-lo (() Cf. JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., II volume, anotação 32 ao art. 204º, pág. 356.). Note-se que, embora esta alínea b) se refira meramente a imputação, e não a culpa, a jurisprudência tem vindo a interpretá-la no sentido de que é sempre exigível a culpa do gestor, entendida esta como a inobservância ou violação de uma regra de conduta previamente estabelecida.
Assim, demonstrada que seja a falta de pagamento ou de entrega da dívida tributária por parte da sociedade originária devedora (() E tal demonstração, em sede executiva, está feita através do próprio título.), recairá sobre o gestor o ónus da prova da falta de culpa por tal facto, sendo certo que a lei impõe a quem exerça funções de administração em pessoas colectivas ou ente fiscalmente equiparados «o cumprimento dos deveres tributários das entidades por si representadas» (art. 32º da LGT).
Em suma, o legislador, por certo ponderando, por um lado, razões de justiça e, por outro lado, as necessidades de eficácia do próprio instituto, entendeu proceder a uma distribuição do ónus da prova consoante o prazo de pagamento das dívidas tributárias tenha ou não terminado durante o exercício do cargo do gestor, limitando o ónus de prova a cargo deste aos casos em que o fundamento da responsabilidade for a violação pela sociedade do dever fundamental de pagar impostos vencidos no período de administração ou gerência; nos restantes casos, de violação de outro tipo de obrigações acessórias ou dever de zelo de administração do património societário, entendeu o legislador colocar esse ónus a cargo da AT.
Ora, no caso em apreço, não vem discutido que o prazo legal de pagamento das dívidas tributárias exequendas terminou dentro do período do exercício da gerência da executada originária por parte do Recorrente.
A norma do artigo 24º, nº 1, alínea b) da LGT é inequívoca, como vimos, ao estabelecer uma presunção legal de imputabilidade do não pagamento das dívidas tributárias relativamente a quem exercia a gerência no momento em que terminou o prazo legal de pagamento dessas mesmas dívidas.
Tudo estará, portanto, em saber se o Recorrente afastou, com êxito, essa presunção legal?
A resposta é, inequivocamente, negativa. Vejamos porquê.
Para ilidir a presunção de culpa pela falta de cumprimento das obrigações tributárias, o Recorrente estava obrigado a alegar e subsequentemente provar que não existiu qualquer relação causal entre a sua actuação e a falta de pagamento do imposto, sabido que aos gerentes é exigível uma postura responsável e ponderada, que corresponda a uma actuação que, de acordo com o exigível a um administrador criterioso colocado em idêntica situação e dentro da inerente discricionariedade técnica, se mostre, em princípio, como adequada ao alcance dos objectivos para que a sociedade se constituiu – neste mesmo sentido, entre muitos outros, acórdão TCA Norte 7 Dez. 2005, Recurso 0086/01; acórdão TCA Norte 23 Fev. 2006, Recurso 0032/02; acórdão TCA Norte 16 Mar. 2006, Recurso 0002/03; acórdão TCA Norte 6 Abr. 2006, Recurso 0021/02, com versões integrais disponíveis em www.dgsi.pt.
Por outro lado, importa considerar que essa actuação criteriosa e prudente por parte dos gerentes que é legalmente exigida, implicará, necessariamente, que os mesmos não possam, em nome da sociedade, assumir responsabilidades que esta não tem condições económico-financeiras para solver.
Ora, a matéria de facto que resultou provada é manifestamente insuficiente para se poder considerar que a actuação do ora Recorrente enquanto gerente da sociedade que é a executada originária se manteve de acordo com o padrão legalmente exigido.
Na verdade, para que se possa ter por afastada a presunção de culpa ou, na terminologia da lei, de imputabilidade pela falta de pagamento, não basta que se prove que o Recorrente era uma pessoa trabalhadora e preocupada com os seus trabalhadores, pois que essa factualidade nada ou pouco nos diz sobre o concreto modo como foi efectuada a gestão da executada originária. O que se impõe é que o Oponente prove que a falta de pagamento dos tributos não lhe foi imputável e isso passa pela demonstração da falta de fundos da sociedade originária devedora para efectuar o pagamento e de que, tal falta, se não deve a qualquer omissão ou comportamento censuráveis do gestor.
Aliás, a sentença recorrida, em sede de julgamento sobre a matéria de facto decidiu, expressis verbis, terem ficado por provar os factos 11º a 13º da petição inicial que eram, justamente, aqueles que foram alegados pelo ora Recorrente com vista a afastar a sua culpa, sem que, nesse ponto, a decisão tenha sido objecto de impugnação relevante (sempre se diga que as considerações desenvolvidas pelo Recorrente nas alegações do recurso relativamente à alegada impossibilidade de a executada originária ter património por operar num contexto de utilização de mão-de-obra intensiva, não permitem concluir, sequer em abstracto, que a falta de pagamento do imposto não lhe é imputável, na medida em que sendo o IRC um imposto sobre os lucros, independentemente de uma empresa ter ou não bens que integrem imobilizado corpóreo, haverá de ter, em princípio e por regra, disponibilidade financeira para pagar tal imposto).
Finalmente, refira-se que a alegação feita pela Recorrente sob o nº 3 no sentido de que o lucro tributável foi apurado com o recurso a métodos indirectos se nos afigura inteiramente irrelevante.
Do que vimos de dizer se conclui que a sentença recorrida não incorreu no erro de julgamento que o Recorrente lhe imputou e que, por isso, outra não pode ser a sorte do presente recurso senão a da respectiva improcedência.
3. Decisão
Assim, pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em:
Negar provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente.
Porto, 23 de Novembro de 2011
Álvaro Dantas
Anabela Russo
Catarina Almeida e Sousa