Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02056/09.1BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/20/2016
Tribunal:TAF do Porto
Relator:João Beato Oliveira Sousa
Descritores:SEF; TURNOS
Sumário:O escopo da norma no caso do artigo 20º/2/f., do DL 259/98 de 18 de Agosto, tal como no caso paralelo do artigo 221º/4 do Código do Trabalho, é impor um ritmo máximo de rotação intransponível, proibindo “grosso modo” que as mudanças de turno, mesmo sujeitos a variações regulares (turnos rotativos) excedam ritmo superior ao semanal, pois a mudança de turno, por exemplo do turno da tarde para o turno da manhã, tem que ser intermediada por um dia de descanso.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA
Recorrido 1:SPCMM
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Condenação à Prática Acto Devido (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO

MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA veio interpor recurso do acórdão pelo qual o TAF do Porto julgou procedente a presente ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL conexa com actos administrativos intentada por SPCMM contra o Recorrente e o SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS, na qual o Autor peticionava o reconhecimento “…do direito ao pagamento da compensação pecuniária devida pela prestação de trabalho em dias de descanso após mudança de turno e, em consequência ser pago ao Autor o valor global de € 3,928,00 (…) acrescido de juros à taxa legal de 4 % desde a data de propositura dos presentes autos até integral pagamento …”, em que o TAF decidiu:
«Nestes termos, julga-se a presente acção procedente e, em consequência:

i) Anula-se a decisão de deferimento parcial visada nos autos.

ii) Condena-se o Ministério demandado ao Autor a quantia de € 3,928,00, acrescida de juros que forem devidos, à taxa legal de 4%, contados desde a citação até integral pagamento.»

*
Em alegações o Recorrente formulou as seguintes conclusões:

I. A douta Sentença Recorrida padece do vício de violação de lei por erro de direito por indevida aplicação do artigo 20º, nº. 2 alínea f) do Decreto-Lei nº. 259/98 de 18 de agosto por errada interpretação dos pressupostos jurídicos que impõem os artigos 6º, 7º, 9º e 13º, 20º, nº. 2 alínea a) do mesmo diploma legal.

Com efeito,

II. O que se encontra em discussão é a definição do conceito de turno de acordo com o regime geral de duração e horário de trabalho expressa através da escala de serviço que implica a sua regular rotatividade.

III. É que, por força de lei, a modalidade de horário de trabalho por turnos implica a sua rotatividade regular que fica prejudicada por impossível com a sentença ora impugnada.

Assim,

IV. O objeto do pleito não foi corretamente aferido pois, existindo escala de serviço que define o horário dos turnos com a sua variação regular em concreto, constata-se que nunca existiu mudança de turno à luz da lei suscetível de ser subsumida à facti specie legal vertida no artigo 20º, nº. 2 alínea f) do Decreto-Lei nº. 259/98, de 18 de agosto como deu por assente a sentença ora impugnada na alínea J) dos factos assentes.

E, na sequência deste entendimento, o insólito sucede, pois,

V. A sentença em apreço não atende às normas gerais de duração e horário de trabalho ao admitir como válido um horário de 6/h dia e 32h/semanais violando os artigos 7º e 8º do Decreto-Lei nº. 259/98, de 18 de agosto

Pois, a ser como pugna a sentença, além do exposto,

VI. Perder-se-ia a ocassio legis da modalidade do horário de trabalho por turnos que é assegurar o normal e regular funcionamento dum serviço cuja natureza assim o impõe através duma distribuição do labor dos trabalhadores de forma equitativa, justa e conforme à lei geral.

VII. E, em termos práticos, se se fizesse depender de um dia de descanso a transição do período da manha para o período da tarde ou noite no qual se encontre dividido o dia (erróneo conceito de turno) tal significava que a modalidade de horário desfasados ou jornada continua previamente fixa à semana ou ao mês por exemplo – artigo 18º e 19º do Decreto-Lei nº. 259/98 de 18 de agosto – suprimiriam esta necessidade sem necessidade da existência dum regime de modalidade de horário de trabalho por turnos o que abala a coerência do diploma e retira toda a utilidade ao regime de turnos.

Desta forma,

VIII. Ficou exposto à saciedade que a interpretação vertida na douta sentença é manifestamente desajustada à normatividade geral onde terá de se inserir e não compreendo a sua ratio significa em concreto a inutilidade do regime (especialmente se tivermos presente serviços que laboram 24h/dia e cujos profissionais tenham horário de 42h/semanais).

No entanto considera-se ainda que,

IX. A douta Sentença Recorrida padece novamente do vício de violação de lei por erro de facto ao dar como assente a questão material controvertida na alínea ii) ao plasmar “…tendo sido objeto de 43 mudanças de turno sem usufruir do dia de descanso…”.

X. Pois, como vimos anteriormente, este facto não existe à luz da lei e encontrava-se sobre discussão não tendo os seus pressupostos sido analisados na douta sentença.

TERMOS EM QUE, NOS MELHORES DE DIREITO E COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE E EM CONSEQUÊNCIA DEVERÁ SER REVOGADA A ALIÁS DOUTA DECISÃO ORA RECORRIDA, SENDO SUBSTITUÍDA POR DECISÃO QUE CONSIDERE VÁLIDA A DECISÃO IMPUGNADA NA AÇÃO QUE DEU ORIGEM AO PRESENTE RECURSO, DEVENDO, EM CONSEQUÊNCIA, O ORA RECORRENTE, SER ABSOLVIDO DO PEDIDO FORMULADO NOS AUTOS.

*
Por seu turno, contra alegando o Recorrido concluiu:

1. Vem o ora Recorrente alegar que a douta sentença do Tribunal a quo “enferma de erro de facto e de direito. Na verdade, eiva do vício de violação de lei por indevida aplicação do artigo 20.º, n.º 2, alínea f) do Decreto-lei n.º 259/98 de 18 de Agosto e por indevida interpretação dos pressupostos de facto impostos pelos artigos 7.º, 9.º, 13.º e 20.º n.º 2 alínea a) do mesmo diploma legal que a mesma desconsidera” (cfr. ponto 2 do douto recurso);

2. Considera, ainda o ora Recorrente que, considerar como assente o facto constante na alínea ii) da douta sentença “é precludir toda a análise jurídica que cumpre efectuar decidindo sem ponderar os fundamentos legais que implica a determinação do horário concreto através da escala de serviço o que, de per si, significa que a douta sentença padeça do vício de violação de lei por erro de facto e de direito” (cfr. ponto 27 do douto recurso);

3. Sucede porém que, salvo o devido respeito e melhor opinião, os fundamentos apresentados pelo ora Recorrente não se nos afiguram minimamente sustentáveis, conforme infra se demonstrará;

4. Com efeito, o vício de omissão de pronúncia reconduz-se a um vício de limites no objecto do conhecimento da causa, conhecendo o juiz de menos do que deveria conhecer, em que não foram apreciadas pelo tribunal todas as questões com potencialidade de conduzir à procedência da pretensão formulada pelo seu autor, ou seja, em infracção pois, ao disposto no artigo 95.º n.º 1 do C. Processo nos Tribunais Administrativos, que determina que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, com excepção, contudo, daquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras;

5. Na verdade, conforme acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 7 de Dezembro de 2011 (Relator: Paulo Pereira Gouveia), “Omissão de pronúncia significa ausência de posição expressa ou de decisão expressa do tribunal sobre as matérias que os sujeitos processuais interessados submeteram à apreciação do tribunal em sede de pedido, causa de pedir e excepções (exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras), bem como sobre as que sejam de conhecimento oficioso” (sublinhado nosso);

6. Ora, resulta claro que a sentença conheceu de todas as questões de mérito suscitadas, com expressa menção dos preceitos legais julgados aplicáveis ao caso;

7. E, conforme o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 19 de Maio de 2011 (Relator Teresa de Sousa) “o dever de o tribunal decidir sobre todas as questões de mérito, exceptuando aquelas cujo conhecimento esteja prejudicado pela solução dada a outras, não significa que tenha que pronunciar-se sobre todos os argumentos avançados pelas partes (cfr. arts. 660º, nº 2 e 664º do CPC)” (sublinhado nosso);

8. Ora, o ora Recorrido propôs uma acção administrativa especial de condenação do ora Recorrente á prática do acto legalmente devido, i.e., a resposta ao recurso hierárquico então apresentado, e, consequentemente o reconhecimento do seu direito ao pagamento da compensação pecuniária devida pela prestação de trabalho em dias de descanso após mudança de turno;

9. Tendo o ora Recorrente na sua contestação (artigo 2.º) limitado como questões essenciais decidendas as seguintes: “a) Se houve ou não violação do disposto no artigo 20.º n.º 2 al. f) do DL 259/98, de 18 de Agosto, e b) Se ainda que se entendesse, em hipótese, ter havido violação daquele dispositivo normativo, a A. teria ou não direito a um acréscimo de remuneração por prestação de trabalho em dias de descanso suplementar”;

10. O que foi clara e inequivocamente decidido na douta sentença, quer da violação do referido dispositivo, quer do direito do ora Recorrido ao referido acréscimo suplementar nos termos do artigo 33.º do Decreto-lei n.º 259/98 de 18 de Agosto;

11. Alega ainda o ora Recorrente que a douta sentença padece do vício de violação de lei por indevida aplicação do artigo 20.º, n.º 2, alínea f) do Decreto-lei n.º 259/98 de 18 de Agosto e por indevida interpretação dos pressupostos de facto impostos pelos artigos 7.º, 9.º, 13.º e 20.º n.º 2 alínea a) do mesmo diploma;

12. Porém, nenhum dos dispositivos supra descritos é violado na douta sentença do Tribunal a quo;

13. Na verdade, conforme a douta sentença do Tribunal a quo, nos presentes autos inexiste controvérsia a respeito da modalidade do horário de trabalho a que estava sujeito o ora Recorrido – trabalho por turnos (artigo 15.º n.º 1 alínea e) do Decreto-lei n.º 259/98 de 18 de Agosto);

14. Ora, o artigo 8.º estabelece como período normal de trabalho diário 7 horas, o artigo 7.º determina como período de duração semanal 35 horas e o artigo 9.º estabelece que a semana de trabalho é em regra de cinco dias, tendo os funcionários direito a um dia de descanso semanal acrescido de um dia de descanso complementar;

15. O artigo 13.º estabelece ainda que por horário de trabalho entende-se a determinação das horas de início e do termo do período normal de trabalho diário ou dos respectivos limites, bem como dos intervalos de descanso;

16. Já o artigo 20.º, sob a epígrafe “Trabalho por turnos”, no nº 2 alíneas a) e f), estabelece que “A prestação de trabalho por turnos deve obedecer às seguintes regras: a) Os turnos são rotativos, estando o respectivo pessoal sujeito à sua variação regular” e que f) Salvo casos excepcionais, como tal reconhecidos pelo dirigente do serviço e aceites pelo interessado, a mudança de turno só pode ocorrer após o dia de descanso.” (sublinhado nosso);

17. Na verdade, conforme alega o ora Recorrente resulta da leitura do preceituado na alínea a) do preceito supra transcrito que os turnos são rotativos estando o respectivo pessoal sujeito à sua variação regular;

18. Porém, tal mudança de turno tem de contemplar necessariamente um dia de descanso, o que bem se compreende dado o curto período de tempo que medeia os turnos e que não permite o descanso dos funcionários;

19. Ora, o regime de turnos TTMMFF estipulado pelo ora Recorrente, não contempla o referido dia de descanso necessário entre a mudança de turno, do turno da Tarde para o turno da Manhã;

20. O qual seria legal caso se tratasse de um caso excepcional reconhecido como tal pelo dirigente do serviço e aceite pelo interessado, o que, como já foi amplamente demonstrado não sucedeu.

21. Não se compreende, pois, a afirmação de que “o entendimento do douto tribunal, ora colocado em causa, significa a hipertrofia do presente regime pois o mesmo torna-se inoperativo sendo impossível assegurar o dia de descanso entre a troca de turno (entendendo-se como diário) ao qual cumpre juntar o dia de descanso semanal (especialmente se tivermos como realidade a prestação de serviços médicos/enfermagem onde a regra são horários de trabalho de 42H/semanais e a necessidade de assegurar 24h/dia ” (cfr. ponto 43.2 do douto recurso);

22. Com efeito, apenas carece de consentimento do funcionário a mudança de turno que não ocorra após o dia de descanso, conforme resulta expressamente da Lei;

23. Sublinhe-se que, como é do conhecimento geral, as 8 horas que medeiam a passagem do turno da tarde para o turno da manhã, com os usuais atrasos derivados do excesso de trabalho a que se soma o tempo dispendido na deslocação do serviço para casa e na refeição, não permitem o descanso necessário e indispensável;

24. Pelo que, ao não usufruir do dia de descanso complementar entre turnos, necessário para a sua recuperação e a que têm direito nos termos da lei, foi a ora Recorrido prejudicada;

25. Não se trata aqui do número de horas de trabalho semanal/mensal, que não se põe em causa, mas da forma como foi estipulado o regime de turnos, que deveria ter sido estipulado por forma a não violar a lei nem lesar os direitos dos inspectores-adjuntos estagiários;

26. Um bom exemplo é o horário então praticado no PF001 – Aeroporto de Lisboa, no Controlo Documental, o qual consistia em TTFMMMFNFFTTFMMFNNFF, em que o período da manhã era das 07h00 às 15h00, o da tarde das 15h00 às 23h00 e o da noite das 23h00 às 07h00;

27. Com efeito, não se afigura necessário lesar os funcionários nem violar a lei para conseguir “fixar os horários de trabalho cujas escalas são aprovadas em prol dum serviço cujo funcionamento terá de ser 24h/dia dividido em 3 períodos de 8h/dia” e mudar um funcionário de turno sem o seu consentimento;

28. Pelo que resulta claro que, além do disposto na alínea f) do n.º 2 do artigo 20.º do Decreto-lei n.º 259/98 de 18 de Agosto não colidir com o preceituado na alínea a) do referido normativo, que define a prestação de trabalho por turnos como “…rotativos, estando o respectivo pessoal sujeito à sua variação regular…”, não se colocando a questão do número horas que os funcionários trabalham por semana/mês, como;

29. Não colide com o espírito do diploma, não se compreendendo como se pode considerar igual a modalidade de trabalho em jornada contínua, em horários desfasados e de trabalho por turnos, como parece ser entendimento do ora Recorrente;

30. Salvo o devido respeito e melhor opinião, o Recorrente parece confundir “Turno” com “Regime de Turnos”, i.e., o Exmo. Senhor Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras estipulou o regime de turnos TTMMFF, com dois turnos de tarde e dois turnos de manhã, sendo certo que a alteração do turno da tarde para o turno de manhã teria de ser mediada de um dia de descanso;

31. Salvo casos excepcionais, como tal reconhecidos pelo dirigente do serviço e aceites pelo interessado, o que conforme resulta dos autos não sucedeu, pois: não existe um consentimento expresso por parte do ora Recorrido, enquanto interessado, nem cabe no escopo da norma a alegada excepcionalidade da situação;

32. Aliás o ora Recorrente nunca pôs em causa, em todo o processo a aplicação ao caso sub judice do artigo 20.º n.º 2 alínea f) do Decreto-lei n.º 259/98, de 18 de Agosto, como se pode constatar dos documentos juntos aos autos;

33. Com efeito, quer no Projecto de Indeferimento (ponto 16.9) quer no Indeferimento final da pretensão do ora Recorrido (ponto 11.9), foi sempre alegado como seu fundamento o facto de o responsável pelo Posto de Fronteira do Aeroporto de Lisboa, Inspector LFQ, ter informado que tendo os Inspectores-adjuntos solicitado uma inversão nos ciclos para TTMMFF, os mesmos “foram alertados de que tal violaria a regra prevista na lei – as mudanças de turno só podem ocorrer após um dia de descanso e desde que aceite pelos interessados, pelo que o horário proposto por eles careceria de aceitação de todos os presentes” (sublinhado nosso);

34. Pelo que muito se estranha que venha agora o Recorrente alegar a não aplicação ao caso sub judice do referido normativo;

35. Em suma, é de concluir pela inexistência do alegado vício de violação de lei, pois que se não demonstra a violação pela douta sentença recorrida do disposto nos artigos 7.º, 9.º, 13.º e 20.º n.º 2 alínea a) do Decreto-lei n.º 259/98 de 18 de Agosto;

36. Alega o ora Recorrente que considerar como assente o facto constante na alínea ii) da douta sentença “é precludir toda a análise jurídica que cumpre efectuar decidindo sem ponderar os fundamentos legais que implica a determinação do horário concreto através da escala de serviço o que, de per si, significa que a douta sentença padeça do vício de violação de lei por erro de facto e de direito” (cfr. ponto 27 do douto recurso);

37. Na alínea ii) considera-se como assente o seguinte facto: “durante o período de tempo compreendido entre 23.05.2005 e 31.03.2006 o Autor exerceu funções em regime de turnos, tendo sido objecto de 43 mudanças de turno sem usufruir do dia de descanso, facto que resulta admitido face ao posicionamento das partes nos respectivos articulados”;

38. Ora, a verdade é que nunca se colocou em causa o período de tempo em que o ora Recorrido exerceu funções no referido regime de turnos, nem a quantas mudanças de turno havia sido sujeito nesse regime;

39. Na verdade, conforme resulta dos documentos juntos aos autos, o ora Recorrente vinha alegando que o ora Recorrido não foi impedido de usufruir qualquer direito, como se comprovaria do facto de só após 43 mudanças de turno ter o ora Recorrido assinalado estar perante uma violação do artigo 20.º n.º 2 alínea f) do Decreto-Lei n.º 259/98 de 18 de Agosto;

40. Não se compreende, pois, como o ora Recorrente vem alterando os seus fundamentos e a sua interpretação das normas aplicáveis ao caso sub judice ao longo de todo este processo, nem se vislumbra a base legal para sustentar quer a omissão de pronúncia quer a violação de lei da douta sentença;

41. Assim, sendo “a prestação de trabalho em dia de descanso complementar ou feriado compensada apenas pelo acréscimo de remuneração”, “calculado através da multiplicação do valor da hora normal de trabalho pelo coeficiente 2”, conforme resulta do preceituado nos n.º 2 e 3 do artigo 33.º do Decreto-lei n.º 259/98 de 18 de Agosto;

42. E tendo o ora Recorrido exercido funções em regime de turnos entre 23 de Maio de 2005 e 31 de Março de 2006, tendo sido objecto de 43 mudanças de turno sem usufruir do dia de descanso, sem que se tratasse de caso excepcional, como tal reconhecido pelo dirigente de serviço, nem tendo dado a sua anuência para o efeito;

43. Deve o ora Recorrido usufruir da compensação a que tem direito nos termos legais, conforme decidido na douta sentença recorrida.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, QUE V. EXA. DOUTAMENTE SUPRIRÁ, DEVEM SER JULGADAS PROCEDENTES POR PROVADAS AS PRESENTES CONTRA ALEGAÇÕES, NÃO MERECENDO PROVIMENTO O RECURSO APRESENTADO, ASSIM SE FAZENDO A MAIS COSTUMADA JUSTIÇA!

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FACTOS

Consta do acórdão recorrido:

«Compulsados os autos e vista a prova produzida, dão-se como provados os seguintes factos:
i) Por aviso do Exmo. Senhor Subdirector da Direcção Central de Fronteiras, datado de 20 de Maio de 2005, foi determinado que, designadamente, o Autor exerceria funções com o seguinte ciclo: tarde, tarde, manha, manhã, folga, folga (TTMMFF), durante o período das 06h00 às 14h00 e 14h00 às 22h00, conforme emerge da análise de fls. 178 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
ii) Durante o período de tempo compreendido entre 23.5.2005 a 31.3.2006 o Autor exerceu funções em regime de turnos, tendo sido objecto de 43 mudanças de turno, sem usufruir do dia de descanso, facto que resulta admitido face ao posicionamento das partes nos respectivos articulados.
iii) O Autor no período compreendido entre 23.5.2005 e 31.3.2006 não fazia parte do pessoal da carreira de investigação e fiscalização do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), facto que resulta admitido face ao posicionamento das partes nos respectivos articulados e, bem assim, emerge da analise global dos documentos que integram os autos [inclusive o PA apenso].
iv) O Autor, naquele período, não auferiu compensação pecuniária pela prestação de trabalho em dias de descanso após mudança de turno, facto que resulta admitido face ao posicionamento das partes nos respectivos articulados e, bem assim, emerge da analise global dos documentos que integram os autos [inclusive o PA apenso].
v) Em data não concretamente apurada, mas no ano de 2005, teve lugar uma reunião com os inspectores-adjuntos estagiários com a finalidade de definir o horário em que os mesmos iriam desempenhar funções, facto que resulta admitido face ao posicionamento das partes nos respectivos articulados e, bem assim, emerge da analise global dos documentos que integram os autos, ademais e especialmente, fls. 26 e seguintes do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
vi) Na reunião referida em v), a maioria dos inspectores que se encontravam presentes deram anuência ao ciclo Tarde, Tarde, Manhã, Manhã, Folga, Folga (TTMMFF), durante o período das 06h00 às 14h00 e 14h00 às 22h00, facto que resulta admitido face ao posicionamento das partes nos respectivos articulados e, bem assim, emerge da analise global dos documentos que integram os autos, ademais e especialmente, fls. 26 e seguintes do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
vii) Em Outubro de 2005, o Autor e os demais inspectores – adjuntos estagiários em exercício de funções assinaram um abaixo-assinado no qual era pedido o fim daquele horário e a adopção do horário em vigor no controlo documental, conforme emerge da análise de fls. 171 a 175 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
viii) Entre Maio de 2005 e Fevereiro de 2006, o Autor auferia a quantia mensal de €: 787,88 e em Março de 2006 auferia a quantia mensal de €: 799,69, facto que resulta admitido face ao posicionamento das partes nos respectivos articulados.
ix) O valor da hora normal de trabalho do Autor entre Maio de 2005 e Fevereiro de 2006 era de € 5,68 e em Março de 2006 de € 5,77, facto que resulta admitido face ao posicionamento das partes nos respectivos articulados.
x) No dia 19.01.2009, o Autor formulou ao Director do SEF um pedido de compensação pecuniária devida pela prestação de trabalho em dias de descanso após mudança de turno, conforme emerge da análise de fls. 26 a 34 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
xi) Em 11.03.2009, foi o Autor notificado da decisão de indeferimento do Director Geral do SEF, através de despacho de 05.03.2009, exarado na informação nº 165/DGARH/NAP/2009, considerando o mesmo que ao Autor não assistia qualquer direito a ser remunerado relativamente a trabalho prestado em dia de descanso complementar, facto que resulta admitido face ao posicionamento das partes nos respectivos articulados e, bem assim, emerge da analise de fls. 136 a 144 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
xii) Como forma de fundamentação o Director Geral invocou, designadamente, que: «(…) o referido inspector-adjunto pode eventualmente não ter aceite a inversão de turnos, contudo não manifestou de imediato o seu desacordo perante esse facto (…)” [cfr. ponto 24 da referida informação].
xiii) Não se conformando com o decidido, o Autor, em 25.03.2009, apresentou recurso hierárquico para o Ministro da Administração Interna, conforme emerge da análise de fls. 37 a 54 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
xiv) Em 8 de Outubro de 2009, foi proferida decisão expressa de indeferimento do recurso hierárquico, conforme emerge da análise de fls. 317 a 334 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
xv) Dá-se por reproduzido o teor dos documentos que integram os autos [inclusive do PA apenso].
O Tribunal formou a sua convicção relativamente aos factos assentes tendo por base os elementos especificamente identificados em cada um dos pontos do probatório, resultando essencialmente da análise critica do conjunto da prova produzida nos autos, com referência à documentação constante dos autos e do PA apenso, tendo-se ainda aplicado o princípio cominatório semi-pleno pelo qual se deram como provados os factos admitidos por acordo pelas partes [Autor e Ministério demandado], assim como as regras gerais de distribuição do ónus da prova.»

*
DIREITO

O cerne da discussão, como o Recorrente reconhece e declara, situa-se na definição do conceito de turno.

É que, segundo o conceito de turno que o Recorrente supõe e propõe como conforme às disposições legais que reputa violadas pelo TAF (cfr. a sua conclusão I) “nunca existiu mudança de turno” e, portanto, a pretensão do Autor baseada nas mudanças de turno alegadamente ilegais que teve de suportar, deveria cair pela base.

Colocada a questão nestes termos logo se vê que o pretenso erro de facto imputado à decisão do TAF na conclusão IX não passa duma sombra projectada por aquele suposto erro de direito. É que quando o TAF exara em ii) da matéria de facto que o Autor foi “objecto de 43 mudanças de turno” não está na realidade a afirmar um novo facto, mas apenas a extrair uma consequência lógica da factualidade exarada nos factos i) e ii), à luz do conceito de turno perfilhado.

Tudo indica que intuitivamente o Recorrente partilha desta ideia, pois de contrário, presumivelmente não teria descurado, como descurou, o ónus imposto pelo artigo 640º do CPC a quem pretenda impugnar a decisão relativa à matéria de facto.

Ou seja, na sua conclusão IX o Recorrente não visa impugnar factos, mas antes e apenas a validade de uma conclusão lógico-jurídica extraída pelo TAF de premissas estáveis, isto é, de factos assentes e não impugnados. Trata-se assim de refutação normativamente fundada da validade da conclusão extraída pelo TAF, que se reconduz à questão de direito já colocada nas conclusões precedentes, inexistindo assim, em suma, com autonomia processualmente relevante, qualquer impugnação relativa à matéria de facto.

*
Posto isto há que retomar a questão da violação de lei.

Fundamentalmente subjaz à tese do Recorrente a ideia de que a configuração dos turnos impostos ao Autor, entre outros, segundo o esquema TTMMFF, como se expressa em i) da matéria de facto, respeita as exigências do artigo 20º/2/f) do DL 259/98, de 18 de Agosto, pois essas variações - tarde, tarde, manhã, manhã, folga, folga - corresponderiam à variação regular que se encontra admitida e incorporada no próprio conceito legal de turno rotativo.

Manifestando assim discordância com o segmento da decisão recorrida onde o TAF enuncia que a mudança de turno tem que ser precedida de um dia de descanso, nestes termos:

«Atento o disposto na alínea f) do n°2 do artigo 20º supra citado, podemos concluir que a regra, quanto à prestação de trabalho em regime de turnos, é a de que a mudança de turno só pode ter lugar após um dia de descanso, seja semanal, seja complementar, uma vez que a lei não estabelece qualquer distinção, estando a excepção a esta regra geral dependente do reconhecimento pelo dirigente do serviço da existência de um caso excepcional e da aceitação do interessado, isto é, do trabalhador em funções públicas.»

*
Apreciando, constata-se que o referido artigo 20º do DL 259/98, de 18 de Agosto, consensualmente aplicável ao caso, preceitua no pertinente:

«Artigo 20.º

Trabalho por turnos

1. O trabalho por turnos é aquele em que, por necessidade do regular e normal funcionamento do serviço, há lugar à prestação de trabalho em pelo menos dois períodos diários e sucessivos, sendo cada um de duração não inferior à duração média diária do trabalho.

2. A prestação de trabalho por turnos deve obedecer às seguintes regras:

a. Os turnos são rotativos, estando o respectivo pessoal sujeito à sua variação regular;

(…)

f. Salvo casos excepcionais, como tal reconhecidos pelo dirigente do serviço e aceites pelo interessado, a mudança de turno só pode ocorrer após o dia de descanso.»

*
Os turnos rotativos, consignados no nº2 a., são portanto aqueles em que os trabalhadores exercem as suas funções em períodos de tempo variáveis, sendo essa variação, como diz a norma, regular.

Mas essa “variação regular” tem que respeitar um certo ritmo máximo e é nesta dimensão que intervém a estatuição do ponto f.

A “ratio legis” é, no fundo, a mesma que preside às correspondentes normas do Código do Trabalho, só que nestas vertido num elemento literal muito mais explícito e elucidativo.

Assim estatui o Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro (com sublinhado nosso):

*
Artigo 220º

Noção de trabalho por turnos

Considera-se trabalho por turnos qualquer organização do trabalho em equipa em que os trabalhadores ocupam sucessivamente os mesmos postos de trabalho, a um determinado ritmo, incluindo o rotativo, contínuo ou descontínuo, podendo executar o trabalho a horas diferentes num dado período de dias ou semanas.

Artigo 221.º

Organização de turnos

(…)

4 - O trabalhador só pode mudar de turno após o dia de descanso semanal.

(…)

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Prosseguindo a análise, pode concluir-se que a penosidade superior à normal (horário fixo) assim contemplada vai além da mera variabilidade do horário (que é compensada pelo subsídio de turno) para atender finalmente ao ritmo dessa variabilidade. Considerando-se que o ritmo de variação aumenta na proporção inversa da duração dos períodos de tempo em que se realiza, por exemplo, o ritmo semanal é obviamente superior ao ritmo mensal.

No fundo o escopo da norma, tanto no caso do artigo 20º/2/f., do DL 259/98 de 18 de Agosto, como no do artigo 221º/4 do Código do Trabalho, é impor um ritmo máximo de rotação intransponível, proibindo “grosso modo” que se exceda o ritmo superior ao semanal.

Em suma, o que decorre da lei é que os turnos rotativos variam regularmente, por exemplo semanal ou mensalmente, mas não em períodos de tempo inferior ao semanal (em regra), devendo a mudança de turno, por exemplo do turno da tarde para o turno da manhã, ser intermediada por um dia de descanso.

Subjaz a esta norma presumivelmente a ideia de garantir ao trabalhador um período de descanso mínimo entre períodos diários sucessivos de exercício de funções.

Numa analogia possível, não deve acelerar-se o ritmo de rotações do horário de trabalho acima do valor máximo estipulado por lei, tal como não deve esforçar-se um motor acima da “red line”, isto é, de um regime de rotações superior ao mecanicamente aconselhável.

É certo que “em casos excepcionais” e, mesmo assim, sob condição de aceitação pelo trabalhador interessado, pode ser postergada a referida regra do artigo 20º/2/f., do DL 259/98, mas essa questão está excluída do tema do recurso, uma vez que não foi relevantemente impugnado o segmento da decisão recorrida em que se declara que no caso não foi demonstrada a aceitação pelo Autor daquele horário, nem “a existência de caso excepcional que legitimasse que a mudança de turnos não fosse precedida de um dia de descanso”.

Assim improcedem na totalidade as conclusões do Recorrente, devendo confirmar-se a decisão recorrida.

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DECISÃO

Pelo exposto acordam em negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente.

Porto, 20 de Maio de 2016
Ass,: João Beato Sousa
Ass.: Hélder Vieira
Ass.: Alexandra Alendouro