Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01748/07.4BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/16/2016
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:ALTERAÇÃO DO JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO; ARTIGO 712º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (DE 1995);
INDEMNIZAÇÃO POR DANOS MORAIS; DESTRUIÇÃO DE UMA CEREJEIRA; ARTIGO 496º, DO CÓDIGO CIVIL.
Sumário:1. Em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida, face ao que determina o artigo 712º do Código de Processo Civil (de 1995), aplicável por força do disposto no artigo 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
2. Não se justifica indemnizar por danos morais a destruição ilícita, por parte do município, de uma cerejeira propriedade dos autores, por tal não ter a susceptibilidade de produzir danos de tal modo graves, de acordo com a normalidade, que justifiquem tal indemnização, tendo em conta o disposto no artigo 496º, do Código Civil.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Município de Mortágua
Recorrido 1:MPP e EAS.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Sumária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de se manter a decisão recorrida.
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO
Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

Município de Mortágua veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, de 25.11.2014, pela qual foi julgada parcialmente procedente a acção administrativa comum, com forma sumária, intentada por MPP e EAS e, assim, condenado o ora Recorrente a pagar aos ora Recorridos importância total de 5.400 € (cinco mil e quatrocentos euros), a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência da conduta do Réu descrita no articulado inicial.

Invocou para tanto, em síntese, que a resposta aos factos da base instrutória deve ser modificada parcialmente por erro na apreciação da prova produzida nos autos, que o Recorrente deu autorização, consentindo na violação do seu direito de propriedade, pelo que não se verifica o requisito da culpa, sem a verificação do qual não existe responsabilidade extracontratual do Estado e que os danos sofridos pelos Autores não correspondem aos fixados pelo Tribunal a quo.

Os recorridos não contra-alegaram.

O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer, pugnando pela manutenção do decidido.


*

Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.

*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1- O presente recurso tem em vista a impugnação quer da sentença final quer da decisão da matéria de facto.

2- Os muros do prédio dos Recorridos não sofreram quaisquer danos, mantendo-se com as mesmas características que apresentavam anteriormente.

3- A entrada da retroescavadora não se fez pelo prédio dos Recorridos, mas por uma serventia existente ao lado desse prédio, não tendo, por isso causado quaisquer danos nos muros.

4- A cerejeira ao ser derrubada não caiu em cima do muro, pelo que os muros não precisam de ser reconstruídos ou reparados, uma vez que continuam em pé tal como se encontravam, com as mesmas características e dimensões que possuíam antes do derrube da cerejeira.

5- Todos estes procedimentos foram executados com prévia autorização dos Recorridos, uma vez que aceitaram a cedência de alguns metros de terreno do seu prédio para alargamento do caminho e o corte da cerejeira que se encontrava na parcela de terreno que iria ser cedida, bem como o derrube dos muros, tendo sido acordado que a contrapartida de tal cedência seria a obrigação de o Recorrente erguer novos muros.

6- A resposta aos quesitos 2º, 3º, 4º, 6º, 7º, 8º 16º, 17º, 18º, 19º, 20º, 21º deverá ser “não provado” e aos quesitos, 26º, 27º, 30º e 31º deverá ser “provado”.

7- Os Recorridos autorizaram de forma expressa, que o Recorrente procedesse ao corte e derrube da cerejeira, bem como autorizaram a entrada dos funcionários do Réu no prédio, para procederem a esses trabalhos.

8- Essa autorização foi obtida por elementos da Junta de Freguesia de VR tal como aconteceu com todos os outros proprietários de terrenos confinantes com o caminho em causa, com vista ao seu alargamento.

9- A contrapartida para os Autores da cedência do terreno, tal como para todos os outros proprietários, seria a construção de muros nos novos limites dos prédios, resultantes da cedência, que o Recorrente efectuaria.

10- A cerejeira encontrava-se na parcela de terreno que iria ser cedida pelos Recorridos, pelo que foi autorizado o seu derrube bem como dos muros do prédio.

11- A resposta ao quesito 9º deverá ser “não provado” e aos quesitos 28º, 29º, 32º, 33º e 34º deverá ser “provado”.

12- O tronco da cerejeira não foi cortado em pequenos rolos com menos de 20 cm, mas sim em dois toros com cerca de 3 metros de comprimento cada um, podendo ser utilizados no fabrico de mobiliário, não tendo sido diminuído o seu valor económico.

13- A resposta aos quesitos 10º, 11º, 13º e 14º deverá ser “não provado” e aos quesitos 35º e 36º “provado”.

14- Resulta do artigo 18º do relatório da prova pericial que “na Cova da Beira, onde uma das actividades principais é o pomar de cerejeiras tradicionais, de sequeiro, antigos, com compassos de 6 x 6 m (250 árvores por há), a produção média foi, para os anos de 2004 a 2007 de: produção total média=4.431 kg/ha, significando uma produção média por árvore de (4.431 kg/250 árvores =) 17,72 kg/árvore.”

15- Resulta ainda do artigo 19º do relatório da prova pericial que o rendimento líquido de uma cerejeira tem um valor manifestamente inferior a 120,00 euros por ano, tendo em linha de conta os custos de produção.

16- A cerejeira não produzia 60 kg de cerejas por ano, uma vez que na Cova de Beira o valor médio por árvore não ultrapassa os 17,72 kg, e o valor anual da produção seria muito inferior a 120,00 euros.

17- A resposta aos quesitos 23º, 24º e 25º deverá ser “não provado”.

18- A cerejeira não passava de uma vulgar “cerejeira brava”, que foi cortada pelos funcionários do Recorrente sem necessidade de fazer entrar qualquer máquina retro escavadora no terreno dos Recorridos, com exceção dos rodados traseiros da máquina, não tendo havido necessidade de destruir qualquer parte do velho muro ali existente, que se mantém de pé, apresentando as mesmas características e dimensões que possuía antes do corte da cerejeira.

19- O prédio dos Recorridos confina com um arruamento na povoação de VR, no concelho de Mortágua, que o Recorrente pretendia beneficiar.

20- Previamente ao início dessas obras de beneficiação do caminho, elementos da Junta de Freguesia de VR contactaram todos os proprietários de terrenos confinantes com o arruamento, a quem solicitaram autorização para alargar a rua à custa da cedência de alguns metros de terreno por parte dos donos dos prédios confinantes, obrigando-se o Recorrente a erigir os muros nos limites das parcelas cedidas.

21- Os Recorridos perante os representantes da Junta de Freguesia de VR aceitaram, expressamente, ceder alguns metros do prédio em questão para possibilitar o alargamento da rua, bem como a demolição dos muros velhos e o corte da cerejeira uma vez que ambos se encontravam implantados no espaço de terreno a ser cedido, tendo sido demarcado no local, com a colocação de estacas, a área do prédio dos Recorridos, que seria cedida para alargamento do caminho.

22- Como contrapartida o Recorrente obrigava-se a construir um novo muro, confinante com a estrada, após ser incorporado no arruamento o espaço de terreno cedido.

23- Os funcionários do Recorrente entraram no terreno dos Recorridos e começaram por cortar a cerejeira, a que se seguiria o derrube do muro e posterior incorporação do terreno cedido na estrada, uma vez que tinha sido expressamente autorizados pelos Recorridos tais trabalhos.

24- Após ter sido cortada a cerejeira, os Recorridos contactaram os representantes da Junta de Freguesia de VR a quem comunicaram que, a partir desse momento, ficava sem efeito a autorização concedida e por isso já não permitiam que a estrada fosse alargada à custa do seu prédio.

25- De imediato os legais representantes da Junta de Freguesia de VR comunicaram esse facto ao Recorrente que também, de imediato, ordenou que os trabalhos fossem parados, o que efectivamente aconteceu.

26- A cerejeira já estava cortada uma vez que o respectivo serviço foi executado ainda na vigência da autorização concedida pelos Recorridos.

27- Não foram executados os restantes trabalhos previstos no terreno dos Recorridos, nem foi derrubado o muro, nem incorporado o espaço de terreno que iria ser cedido na plataforma da estrada.

28- O Recorrente só entrou no prédio dos Recorridos após estar expressamente autorizada, não tendo por isso sido violado o direito de propriedade dos Recorridos.

29- Logo que foi comunicado ao Recorrente que já não estava autorizado a entrar no prédio para realizar os referidos trabalhos, de imediato abandonou o prédio, não tendo aí executado qualquer trabalho.

30- O Recorrente cortou e derrubou a cerejeira dos Recorridos, que integrava aquele direito de propriedade, mas tal ato foi previamente autorizado pelos Recorridos.

31- Não está provado o requisito da responsabilidade extracontratual respeitante “à culpa consubstanciada na entrada abusiva e sem autorização dos Autores na sua propriedade, tentando ocupá-la total ou parcialmente, a qual é ilícita, por contrária à lei, violando as mencionadas normas que protegem o direito de propriedade dos Autores e culposa dado que bem sabia que não podia invadir a referida propriedade dos Autores sem o seu consentimento e/ou autorização, que não tinha e estes jamais lho deram...” (cfr douta sentença recorrida, fl. 12), uma vez que a autorização prévia do Recorrente para entrada no prédio e corte da cerejeira foi expressamente concedida pelos Recorridos.

32- Não se verificando tal requisito, deveria a presente acção ter sido julgada não provada e improcedente.

33- Mesmo que assim se não entenda, o que só por hipótese académica se admite, o quantum indemnizatório fixado na douta sentença é manifestamente exagerado.

34- O Recorrente foi condenado a pagar aos Recorridos a título de danos não patrimoniais a quantia de 2.000,00 euros pelo “desgosto e a privação de poderem usufruir dos frutos da cerejeira que o réu lhes cortou e derrubou no seu prédio, sendo que conforme também provado, a mesma produzia normalmente mais de 60 kg de cerejas por ano que os Autores e filhos consumiam, corresponde a um valor anual não inferior a 120,00 euros e sua subsequente impossibilidade de terem o prazer de comê-los e desgostosos por não mais os poderem usufruir”. (cfr douta sentença fl 16), porque o Tribunal “a quo” entendeu que essa perda de rendimento com os frutos da cerejeira que deixaram de receber, constitui um dano patrimonial que se engloba nos danos morais sofridos pelos Autores que, nos termos do artigo 496º nº 3 do CC, foi fixado em 2.000,00 euros, acrescido de juros desde a prolação da sentença até integral pagamento e esse valor não é justo nem equitativo!

35- A cerejeira não produzia por ano mais de 17 Kg por referência à produção dos pomares da Cova da Beira, a que corresponderia valor anual não superior a 34,00 euros, pelo que os danos morais, a existirem, que não existem, seriam de valor muito inferior ao montante de 2.000,00 euros fixados na douta sentença.

36- No que diz respeito aos danos patrimoniais entendeu a douta sentença recorrida ser “ justo e equitativo fixar-se no montante peticionado, ou seja, no montante de 600,00 euros o necessário que os Autores terão de despender para a reparação dos mesmos muros e consequentemente se fixa neste montante a indemnização a pagar pelo réu aos Autores que entretanto será actualizada com o respectivo acréscimo de juros legais desde a data da citação do réu para esta acção até ao seu integral pagamento aos Autores”

37- Não foram destruídos quaisquer muros dos Recorridos por força de qualquer actuação dos funcionários da Recorrente, pelo que aquele valor é destituído de qualquer fundamento.

38- No que diz respeito ao derrube da cerejeira, a douta sentença do tribunal “ a quo” fixou “o total da indemnização dos danos patrimoniais sofridos e que os Autores ainda sofrerão, por ser justo e equitativo, na importância total de 2.800,00 euros, actualizável com os respectivos juros legais desde a data da citação do réu para esta acção”.

39- Tal valor corresponde, nos termos da douta sentença recorrida, à soma dos valores que a seguir se indicam: “o valor de tal da madeira de cerejeira, era de, pelo menos 1.000,00 euros” (cfr douta sentença fl 19), acrescido com “o valor dos frutos da mesma que os Autores deixaram de auferir com o seu derrube e que, se cifra numa importância de 120,00 euros por ano. E assim é legitimo e legal que essa perda dos Autores seja compensada pelo réu aos Autores, a titulo de danos futuros, sendo natural e razoável e justo que se compute tal perda durante pelo menos 15 ou até mais anos e que nesses pelo menos 15 anos vindouros esse dano se cifrasse ou cifre na importância de 120,00 euros por ano, e assim num total de 1.800,00 euros, montante ou valor que se fixa a titulo de danos futuros que os Autores sofrem, sofreram e sofrerão durante esse período de tempo e fixado à data em que o evento ocorreu mas actualizado com os respectivos juros de mora desde a data da citação do réu para esta acção”(cfr douta sentença fls. 19), não sendo esse valor nem justo nem equitativo!

40- A cerejeira era muito velha, encontrando-se o respectivo tronco muito deteriorada.

41- Como resulta do artigo 15º do relatório da prova pericial, o tronco apresentava no centro um vazio que constituía um factor depreciativo da grande importância para a sua utilização no fabrico de mobílias não tendo a douta sentença recorrida, quando atribuiu o valor de 1.000,00 euros à madeira da cerejeira mencionado esse facto, pelo que o não levou em consideração na fixação daquele montante.

42- Essa impossibilidade de utilização da totalidade do tronco implicaria que o valor de 1.000,00 euros fosse substancialmente reduzido.

43- A cerejeira não produzia mais de 17 Kg/ano, por referência à produção dos pomares da Cova da Beira, correspondendo ao valor anual de 34,00 euros, pelo que os danos patrimoniais a existirem, que não existem, seriam de valor muito inferior ao montante de 3.400,00 euros fixado na douta sentença recorrida.

44- A douta sentença recorrida ao julgar a acção provada e procedente a presente ação, violou o disposto nos artigos 496º e 1302º e seguintes do Código Civil.


*

II – Matéria de facto.

Alega o Recorrente que as respostas dada aos quesitos 2º, 3º, 4º, 6º, 7º, 8º, 16º, 17º, 18º, 19º, 20º, 21º, 26º, 27º, 30º e 31º não correspondem à prova produzida, nem à constante dos autos, fundamentando-se na prova pericial e nos depoimentos prestados pelas testemunhas indicadas pelo Réu, ADABF, APS, RAMAF e JRS, concluindo que a resposta correta aos quesitos 2º, 3º, 4º, 6º, 7º, 8º 16º, 17º, 18º, 19º, 20º, 21º deveria ser “não provado” e aos quesitos 26º, 27º, 30º e 31º deveria ser “provado”.

Alega ainda que as respostas dadas aos quesitos 9º, 28º, 29º, 32º, 33º e 34º não correspondem à prova produzida, nem à constante dos autos, concretamente aos depoimentos das testemunhas indicadas pelo réu, ADABF, APS e RAMAF, concluindo que a resposta correcta ao quesito 9º deveria ser “não provado” e aos quesitos 28º, 29º, 32º, 33º e 34º deveria ser “provado”.

Alega também que as respostas dadas aos quesitos 10º, 11º, 13º, 14º, 35º e 36º não correspondem à prova produzida, nem à constante dos autos, concretamente aos depoimentos das testemunhas indicadas pelo Réu, JRS e ANM, concluindo que a resposta correcta aos quesitos 10º, 11º, 13º e 14º deveria ser “não provado” e aos quesitos 35º e 36º “provado”.

Mais alega que as respostas dada aos quesitos 23º, 24º, 25º não corresponde à prova produzida, nem à constante dos autos, desde logo porque não atende ao teor do laudo pericial, concluindo que as respostas corretas aos quesitos 23º, 24º e 25º deverá ser “não provado”.

O Recorrente não tem razão, e a sua falta de razão está correctamente fundamentada a fls. 7 do despacho de resposta aos quesitos, que, por isso, aqui se dá por reproduzida:

Já o depoimento das testemunhas ADAB, APS, RAMAF, JJGL, JRS e ANM, nos mereceu grandes reservas, pois são testemunhas que integravam na altura a Junta de Freguesia de Remígio e/ou sendo funcionários do réu Município, sendo aqueles elementos da Junta de Freguesia (APS, RAMAF, JJGL), interessados na causa por terem sido os mesmos a determinarem e/ou solicitarem ao réu município aquela obra em causa, seja o alargamento do caminho referido, responsabilizando-se em nome da Junta que esse alargamento teria o consentimento de todos os proprietários confinantes e que cederam gratuitamente ou apenas com a contrapartida de reposição dos muros que fosse necessário derrubar, pretendendo essencialmente que tal obra fosse realizada, estranhando-se que a mesma Junta de Freguesia não tenha obtido o consentimento pro escrito de todos esses proprietários confinantes e apenas o tenha obtido de, entre muitos, de apenas uma dessas proprietárias, e ainda que nunca tenham referido ter estado o próprio autor, no dia do corte/derrube da cerejeira, no local do seu prédio onde a mesma foi derrubada, e inclusive o próprio Engenheiro e Chefe de Divisão da Câmara Municipal, testemunha ADABF também nunca ter referido que o autor esteve no local na própria altura do corte da árvore, antes referindo apenas que recebera um telefonema da Junta de Freguesia a referir que o autor não autorizava tal, quando os operários e executantes da obra, testemunhas JRS e ANM, já referiram que o referido Engenheiro e responsável pela obra ali esteve ou estivera na altura do corte/derrube da mesma árvore ou logo a seguir a esse derrube, conjuntamente com o autor e este terá indicado como queria a árvore cortada. Enfim, além da contradição nos depoimentos destas testemunhas quanto aos referidos factos, os mesmos contrariam os daquelas restantes testemunhas ao referirem que a árvore fora cortada numa altura em que os autores se encontravam no Luxemburgo e o mesmo expressamente dissera à Junta de Freguesia, antes desse corte, que não autorizava que mexessem no seu prédio. Ou seja, estas testemunhas, mostraram quanto a tais factos deporem com parcialidade e no interesse da junta de Freguesia do Réu Município, sendo que se mostraram interessadas em defender a posição do réu por os elementos da Junta de Freguesia referida terem interesses comuns em representação dessa autarquia e os restantes serem funcionários do réu município.

Quanto ao teor do laudo pericial, o mesmo não permite uma alteração do julgamento da matéria de facto, conforme o demonstra o Mmº Juiz a quo, com os fundamentos que se passam a reproduzir:

Assim, e no que respeita ao relatório dos Srs. Peritos de fls 112/118, compareceram todos na audiência de julgamento a prestar dúvidas ou esclarecimentos sobre o mesmo relatório, todos referiram que ao efectuarem a peritagem não tiveram em conta os elementos/documentos juntos com a petição inicial, se as fotografias de fls 16 a 19 (docs 5 e 6), que verificaram na audiência e reconheceram que os mesmos teriam sido muito relevantes para a elaboração do mesmo relatório pois aquando da suas elaboração, em data muito recente, o caminho confinante com o prédio dos autores já há muito que havia sido alargado e mesmo alcatroado e feita uma valeta, o que modificou muito o local em causa, inexistindo no local ou no prédio dos autores os toros de cerdeira ou cerejeira cortada e derrubada, mas apenas a base da mesma cerejeira (tronco e raízes) enterrada no solo onde se notava e nota perfeitamente que a mesma foi cortada ou “serrada” pela base junto ao solo mas estando esse corte já muito alterado pelo tempo entretanto decorrido, ficando o mesmo exposto às condições do tempo e, assim, como referiram, o “vazio” existente e notório nesse corte mostra que o mesmo resultou dessa exposição às condições climatéricas e, bem assim, que as fotografias juntas com a petição demonstram também que a cerejeira em causa foi então em toros do tronco de tal árvore muito pequenos e notoriamente com um comprimento não superior (os maiores) a 30 ou 40 centímetros de comprimento; mais esclareceram que tais fotografias demonstram existirem muros a vedar a propriedade dos autores quer junto ao caminho alargado quer do lado nascente e poente do mesmo prédio, embora muros muito antigos e toscos, com pedras soltas e até com “combros” de terra juntos com essas pedras a servirem de vedação do mesmo prédio; esclareceram ainda que o cálculo da produção de cerejas da cerejeira em causa foi feito com base no plantio e cultivo de cerejeiras que se fazem na zona da Cova da Beira (zona conhecida por grande produção de cerejas) mas cerejeiras essas que são de porte muito pequeno porque cultivadas e/ou plantadas em série e, assim com esse fundamento é que calcularam a média de uma produção de uma dessas cerejeiras, admitindo, naturalmente, que a produção da cerejeira em causa, a ser de grande porte, certamente poderia ter uma produção muito superior, o que desconhecem.”.

Subscrevemos o entendimento do Tribunal a quo sobre a espontaneidade, objectividade e isenção dos depoimentos das três testemunhas indicadas pelos Autores, que mereceram inteiro crédito e que ouvida a prova, valoramos da mesma forma.

Ora o Recorrente omitiu, por completo, os depoimentos de tais testemunhas, que nem sequer reputou de falsos ou de não merecedores de crédito, pretendendo que o Tribunal formasse a sua convicção só em meios de prova, que, nos termos já explanados, merecem as maiores reservas.

Não merece, pois, provimento o recurso na parte em que pretende a alteração da matéria de facto dada como provada e como não provada, que, por isso, se mantém na íntegra.

Conforme já sustentado em acórdão por nós relatado no processo nº 00802/07.7BEVIS, de 13/09/2013, deste Tribunal Central Administrativo Norte e que ora damos por reproduzido:

Determina o artigo 712º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, no seu nº 1, aplicável por força do disposto no artigo 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que:

«A decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação:

a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685º B, a decisão com base neles proferida;

b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;

(…)»

Na interpretação deste preceito tem sido pacífico o entendimento segundo o qual em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida (neste sentido os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 19.10.05, processo nº 394/05, de 19.11.2008, processo nº 601/07, de 02.06.2010, processo nº 0161/10 e de 21.09.2010, processo nº 01010/09; e acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte, de 06.05.2010, processo nº 00205/07.3BEPNF, e de 14.09.2012, processo nº 00849/05.8BEVIS).

Isto porque o Tribunal de recurso está privado da oralidade e da imediação que determinaram a decisão de primeira instância: a gravação da prova, por sua natureza, não fornece todos os elementos que foram directamente percepcionados por quem julgou em primeira instância e que ajuda na formação da convicção sobre a credibilidade do testemunho.

Como defende Antunes Varela, no Manual de Processo Civil, 2ª Edição, pág. 657:

«Esse contacto directo, imediato, principalmente entre o juiz e a testemunha, permite ao responsável pelo julgamento captar uma série valiosa de elementos (através do que pode perguntar, observar e depreender do depoimento, da pessoa e das reacções do inquirido) sobre a realidade dos factos que a mera leitura do relato escrito do depoimento não pode facultar».

Por outro lado o respeito pela livre apreciação da prova por parte do tribunal de primeira instância impõe um especial cuidado no uso dos seus poderes de reapreciação da decisão de facto, e reservar as alterações da mesma para os casos em que ela se apresente como arbitrária, por não estar racionalmente fundada, ou em que seja seguro, de acordo com as regras da lógica ou da experiência comum, que a decisão não é razoável.”

Como consta do ponto 1 do sumário constante do referido acórdão:

“1- Em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida.”

Em sentido idêntico se pronunciam os acórdãos deste Tribunal Central Administrativo Norte:

No processo nº 00168/07.5BEPNF, de 24/02/2012:

1- O tribunal de recurso só deve modificar a matéria de facto quando a convicção do julgador, em 1ª instância, não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se assim a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova e à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto.

E no processo n.º 00906/05.0BEPRT, de 07/03/2013:

2. O tribunal de recurso apenas e só deve alterar a decisão sobre a matéria de facto em casos excepcionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e essa mesma decisão.

Não sendo esse o caso dos presentes autos, impõe-se manter o julgamento da matéria de facto.


Consideram-se, por isso, provados os seguintes factos:

1.Encontra-se inscrito a favor dos Autores na Conservatória do Registo Predial de Mortágua, pela Inscrição G-1, Ap.01/2… o seguinte imóvel: “Prédio rústico, composto de vinha e oliveiras, sito em Quinta, freguesia de VR, concelho de Mortágua, com a área de 380 m2, a confrontar do Norte e Sul com Caminho, do Nascente com MPP, e do Poente com JFF, inscrito na respectiva matriz predial da mencionada freguesia sob o artigo 8...º, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Mortágua, na ficha da referida freguesia de VR sob o n.º 01404/2… – alínea A) da matéria assente.

2. O prédio dos Autores, acabado de mencionar, está delimitado ou demarcado, pelo menos na sua estrema/lado Norte por um muro em pedra, muito antigo, seguramente há mais de 60 anos, construído pelos ante- possuidores dos Autores desse mesmo prédio, e muro esse a ladear, desse lado, o caminho público, o qual mede cerca de 15 metros de comprimento por 2,10 metros de altura – alíneas B) e C) da matéria assente.

3.O referido prédio dos Autores, para além de ser composto por vinha e oliveiras tinha, também, uma “cerdeira” que dista do muro acabado de mencionar cerca de um (1) metro e cuja sombra deitava para o caminho público, também acima mencionado – alínea D) da matéria assente.

4.No mês de Maio ou nos princípios do mês de Junho de 2005, o Réu deu início a obras naquela localidade de VR, em particular a obras no caminho público acima mencionado que delimita o referido prédio dos Autores do lado norte, enviando para o local das obras, referido caminho público, junto ao prédio dos Autores, para o efeito, alguns funcionários seus e diversas máquinas, e de entre as quais uma máquina retroescavadora, para a execução de tais obras, sendo na execução estas dirigidas pelo Eng.º ADA em representação do Réu – alínea E), F) e G) da matéria assente.

5. Na execução dessas obras, os funcionários do Réu, acabados de mencionar, entraram no prédio dos Autores mencionado em 1., e derrubaram a referida cerdeira e cortaram-na de seguida, em diversos toros – alínea H) da matéria assente.

6. Por comunicação escrita dos Autores ao Réu, datada de 13 de Outubro de 2005, os Autores tinham avaliado a cerdeira cortada e derrubada pelo Réu, em montante não inferior a € 1.000,00 – alínea I) da matéria assente.

7.O muro acima mencionado veda também o mesmo prédio dos Autores pelos seus lados Nascente/Poente, medindo destes lados Nascente e Poente cerca de 4,30 metros de comprimento por 1,60 metros de altura – respostas aos quesitos 2.º, 3.º e 4.º da base instrutória.

8.A “cerdeira” existente no prédio acima mencionado era já centenária e com cerca de 12 metros de altura e o seu tronco com cerca de 90 centímetros de diâmetro e situava-se a cerca de 3 metros do muro que veda o prédio do lado Nascente – resposta ao quesito 5.º da base instrutória.

9.Na sequência das obras acima mencionadas, os funcionários que as executavam e por ordens do ADA, derrubaram o muro existente e que vedava o prédio dos Autores, acima mencionado – resposta ao quesito 6.º da base instrutória.

10.Ao entrarem no mesmo prédio dos Autores com uma máquina retroescavadora, destruíram o muro do lado poente do mesmo para essa entrada, o que fizeram sem qualquer consentimento ou autorização dos mesmos Autores e, também, cortaram e derrubaram a “cerdeira” nele existente e acima mencionada, sem consentimento ou autorização dos Autores – respostas aos quesitos 7.º, 8.º e 9.º da base instrutória.

11.Também igualmente, os funcionários do Réu cortaram e derrubaram a “cerdeira” ou “cerejeira” em causa, no interior do prédio dos Autores, cortando também o seu tronco em rolos com uma dimensão variada, cujo comprimento dos maiores não foi superior a 40 centímetros e, ainda, cortaram também os seus ramos em pequenos toros - respostas aos quesitos 10.º e 11.º da base instrutória;

12.Os rolos em que foi cortado o tronco da “cerdeira” teriam que ter pelo menos 3 metros de comprimento para poderem ser utilizados para o fim a que se destinavam, seja como madeira no fabrico de mobiliário – resposta ao quesito 12.º da base instrutória;

13.Mas dadas as dimensões dos rolos e toros da cerdeira em que foram cortados o tronco e ramos da mesma cerdeira, os mesmos tiveram que ser utilizados e vendidos pelos Autores apenas para lenha, o que diminuiu substancialmente o seu valor económico – respostas aos quesitos 13.º e 14.º da base instrutória.

14.Se os rolos e toros das cerdeiras fossem vendidos para poderem ser utilizados para fazer mobílias, atenta a sua idade e tamanho, o seu valor económico, à data em que foi derrubada e cortada, era de pelo menos € 1.000,00 – resposta ao quesito 15.º e 22.º da base instrutória

15.O muro que vedava o prédio dos Autores, do seu lado Poente, ficou completamente destruído e derrubado em virtude de por ele ter entrado a máquina retroescavadora do Réu e os seus funcionários e, ainda, devido à queda sobre o mesmo da cerdeira que os mesmos funcionários derrubaram – resposta ao quesito 16.º da base instrutória;

16.O muro que delimitava o prédio dos Autores pelo seu lado Nascente também abateu por completo, ficando completamente destruído, restando dele apenas pequenos vestígios, o que sucedeu em virtude de os funcionários do Réu que entraram no prédio por sobre este muro terem saído com a referida máquina retroescavadora, após o corte da cerdeira – respostas aos quesitos 17.º e 18.º da base instrutória.

17.Com o derrube ou destruição dos referidos muros que vedavam o prédio dos Autores, estes sofreram danos materiais, pois necessitam ambos os muros de ser totalmente reconstruídos em pedra tal como eram antes do seu derrube – respostas aos quesitos 19.º e 20.º da base instrutória.

18.Os muros nascente e poente do prédio dos Réus derrubados ou destruídos eram muros muito antigos e constituídos por pedras soltas sobrepostas à mistura com terra, pouco consistentes, e desconhecendo-se o custo para reerguê-los no estado em que se encontravam – resposta ao quesito 21.º e 22.º da base instrutória;

19.A cerdeira que existia no prédio dos Autores e derrubada pelo Réu, produzia normalmente mais de 60 kg de cerejas, as quais consumiam e distribuíam pelos filhos, ficando com essa perda privados de um valor não inferior a € 120,00 por ano e, assim, privados dos referidos frutos da “Cerdeira” e subsequente impossibilidade de ter o prazer de comê-los e desgostos por não os usufruírem – respostas aos quesitos 23.º, 24.º e 25.º da base instrutória.

20.Antes do derrube da cerejeira e dos muros do prédio dos Autores, houve apenas um contacto de elementos da Junta de Freguesia de Remígio, da área do concelho do Réu, com o Autor marido com vista a que os autores cedessem uma faixa de terreno do seu prédio, a norte deste com o qual confina um caminho público, com vista a que o mesmo fosse alargado para o lado do mesmo prédio – resposta ao quesito 29.º da base instrutória.

21.Em data incerta em que o Autor marido se deslocou a Portugal, pois estava emigrado no Luxemburgo, dirigiu-se o mesmo à Junta de Freguesia VR por verificar que as obras de alargamento do caminho que passava a Norte do seu prédio estavam a ser executadas, mas ainda distantes do local em que esse caminho confrontava com o seu prédio, comunicando-lhes que não autorizava que, junto ao seu prédio, o mesmo caminho fosse alargado à custa de qualquer faixa de terreno do mesmo – respostas aos quesitos 32.º e 33.º da base instrutória.

22.Quando elementos da Junta de Freguesia VR se aperceberam que as obras de alargamento do dito caminho já atingia o local em que o mesmo ladeia o prédio dos Autores e já depois dos funcionários do Réu município terem cortado e derrubado a “cerdeira” ou “cerejeira” nele existente, um deles telefonou para o Engenheiro do Réu responsável pela execução e orientação da obra para que o mesmo caminho não fosse alargado para o prédio dos Autores por estes não terem autorizado, o que os funcionários da obra cumpriram – resposta ao quesito 34.º da base instrutória;


*

III - Enquadramento jurídico.

Dos factos provados resulta que o Recorrente lesou o direito de propriedade dos recorridos, sem autorização ou consentimento destes e contra a sua vontade, invadindo o prédio dos mesmos, derrubando os muros que o vedavam e cortando uma cerejeira nele existente.

Praticou, por isso, factos ilícitos, por violadores dos artigos 1305º do Código Civil, sendo que não se verifica a excepção prevista no art. 1308º do mesmo Código, porque o Recorrente não recorreu ao instituto da expropriação que legitimaria a prática de tais actos, mas que obrigaria ao cumprimento do disposto no Código de Expropriações, aprovado pela Lei nº 168/99, de 18/09, com pagamento de indemnização aos recorridos, nos termos das disposições do referido Código e do artigo 1310º do Código Civil, no seguimento do processo próprio de expropriação, tudo conforme impõe o artigo 62º da Constituição da República Portuguesa, concordando-se, por isso, inteiramente com o sufragado na fundamentação de direito da sentença recorrida, relativamente à existência de todos os pressupostos da obrigação de indemnizar, facto voluntário, ilícito, culposo, danoso e verificação do nexo de causalidade adequada entre os factos supra referidos praticados pelo Recorrente e os danos sofridos pelos recorridos.

Discorda o Recorrente do quantum indemnizatório fixado na sentença recorrida para os danos, considerando-o manifestamente exagerado.

Defende aquele que não é justo nem equitativo fixar em €2.000,00 os danos morais, uma vez que a cerejeira cortada não produziria mais de 17 Kg/ano, por referência à produção dos pomares da Cova da Beira, correspondendo a um valor anual inferior a €34,00.

Dos factos provados resulta que a produção da cerejeira era de mais de 60 kg de cerejas por ano, as quais os Recorridos consumiam e distribuíam pelos filhos, ficando com essa perda privados de um valor não inferior a €120,00 por ano e, assim, privados dos referidos frutos da “Cerdeira”.

Também, face aos factos provados, se entende que os danos patrimoniais, surgidos em consequência directa e necessária do corte da cerejeira, estão correctamente liquidados na quantia de €2.800,00, distribuídos por €1.000,00, correspondentes ao valor que os recorridos deixaram de embolsar por a madeira para mobiliário ter sido mal cortada, e não ter podido ser vendida para esse fim, e €1.800,00 pela perda de cerejas durante 15 anos, perda que foi computada no valor de €120,00/ano.

Sustenta o Recorrente que, no que diz respeito aos danos patrimoniais, a sentença recorrida entendeu ser justo e equitativo fixar-se o montante peticionado, €600,00, por necessário para a reparação dos muros, quando, conforme se provou supra, não foram destruídos quaisquer muros dos recorridos.

Ora, provou-se (factos 15º a 18º) que os muros foram destruídos, falecendo razão à Recorrente quando afirma o contrário, pelo que se julga que tais danos têm de ser indemnizados, conforme o impõem os artigos 562º a 564º e 566º nºs 1 a 3 do Código Civil, sendo justo e equitativo o montante de €600,00.

Não merece, pois, qualquer censura a sentença recorrida no que diz respeito aos danos patrimoniais, cuja indemnização fixou em 3.400 € (três mil e quatrocentos euros), acrescida de juros de mora às taxas legais de juros desde a citação e até ao efectivo e integral pagamento, pelo que improcede nesta parte o recurso, impondo-se manter aquela nos seus precisos termos e com os fundamentos na mesma aduzidos.

Já quanto à indemnização por danos morais – que a decisão recorrida fixou em 2.000 euros, ao abrigo do disposto no artigo 496º nºs 1 e 3, do Código Civil – se nos afigura não dever ter sido atribuída.

Dispõe o artigo 496º, do Código Civil, sob a epígrafe “Danos não patrimoniais” que:

“Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.

Não são, portanto, quaisquer danos morais que dão origem de dever de indemnizar.

Como sustentam Pires de Lima e Antunes Varela, no Código Civil anotado, volume I, 4ª edição, Coimbra Editora, página 499:

“ A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstancias de cada caso), e não há luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada)”.

No caso trata-se da destruição de uma cerejeira que, tanto quanto se provou, não tinha características especiais que tornassem especialmente dolorosa a sua perda para os proprietários.

Era uma cerejeira como tantas outras que pode ser substituída.

Não se vê, como, de acordo com os padrões médios de sensibilidade, a perda de uma cerejeira possa causar um sofrimento tão grave que justifique a respectiva indemnização.

E a indemnização pela perda da produção pelo período de 15 anos já ressarcia suficientemente os Autores.

Pelo que nesta parte se impõe julgar o recurso procedente e improcedente a acção.


*


IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PARCIAL PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional, pelo que:

A) Mantêm a decisão recorrida na parte em que condenou o Réu a pagar uma indemnização por danos patrimoniais.

B) Revogam a decisão recorrida na parte em que condenou o Réu a pagar uma indemnização por danos não patrimoniais, julgando nessa parte a acção improcedente.

Custas por Recorrente e Recorridos na proporção do decaimento em primeira Instância.

Custas pelo Recorrente nesta instância de Recurso na proporção do decaimento, sendo que os Recorridos não apresentaram contra-alegações.

Porto, 16.12.2016
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Luís Garcia
Ass.: Alexandra Alendouro