Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00076/11.5BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/27/2014
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Pedro Marchão Marques
Descritores:OPOSIÇÃO; NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO; PRINTS.
Sumário:I. Por força do disposto no artigo 74.º da LGT, cabe à Administração Tributária o ónus da prova da notificação da liquidação, não cumprindo com tal ónus a mera junção de prints informativos extraídos do seu sistema informático.
II. Tais prints não podem deixar de ser considerados como documentos internos elaborados pela própria Administração, para efeitos internos, não oponíveis à executada, e não provam nem a remessa da liquidação em causa para o domicílio da Recorrente, nem o seu recebimento (inexiste presunção de que os prints estejam em conformidade com os elementos com base nos quais foram, alegadamente, elaborados, esses sim, com valor probatório).
III. Instaurada a execução fiscal sem que se prove ter sido efectuada a notificação do acto tributário de liquidação, o contribuinte pode opor-se à execução ao abrigo da alínea i), do n.º 1, do artigo 204.º do CPPT, atenta a ineficácia do acto que, naturalmente, impede que o mesmo produza efeitos em relação a ele (art. 36.º, nº 1, do CPPT) e, por isso, obsta a que a dívida possa ser exigida.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:A..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A..., Lda. (Recorrente), inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a oposição por si deduzida na execução fiscal n.º 1805201001109421, instaurada no Serviço de Finanças da Maia, por dívidas de IVA do ano de 2006, no valor global de EUR 12.288,65, dela veio interpor o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:

A. A prova da remessa de carta de notificação de liquidação ao contribuinte cabe à AT, não bastando para o efeito, um mero print interno, processado pelos respectivos serviços, mas sim o registo da correspondência emitido pelos CTT, ainda que colectivo, onde constem os elementos aptas a comprovar que a correspondência foi remetida para o domicílio fiscal da contribuinte.

B. Refere o Ilustre Conselheiro Jorge Lopes de Sousa em CPPT, 2.ª Edição, Revista e aumentada, 2000, Vislis, pág. 241, que para se poder extrair a presunção prevista no n.º 2 deste artigo (39.º), é necessário que a notificação tenha sido efectuada nos termos legais, designadamente que a carta registada seja enviada para o domicílio da pessoa a notificar, cabendo à Administração Fiscal o ónus de demonstrar a correcta efectivação da notificação.

C. É irrelevante para este efeito, que a AT tenha uma prática administrativa em que não exista qualquer um outro documento para comprovar a remessa dessas notificações, porquanto a mesma não encontra cobertura no regime jurídico aplicável para demonstrar a realidade de tal facto – cfr. art. 341.º do Código Civil.

Termos em que e nos mais de direito deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, proferido douto acórdão que julgue a oposição provida, com todas as legais consequências.


A Recorrida, Fazenda, não apresentou contra-alegações.

Neste Tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no qual se pronunciou pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, vem agora o processo submetido à Secção do Contencioso Tributário para julgamento do recurso.


I. 1. Questões a apreciar e decidir

As questões suscitadas pela Recorrente traduzem-se em apreciar:

i) Se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto ao ter considerado que as notas de liquidação em causa foram comunicadas à executada por correio registado em 15.06.2010, fundando-se, para tal, em prints do sistema informático da Administração Tributária;

ii) Se a sentença recorrida errou no julgamento de direito ao ter considerado não verificada a falta de notificação da liquidação do tributo e, em consequência, ter julgado a oposição improcedente.


II. Fundamentação

II.1. De facto

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

a) Por dívida de IRC do ano de 2006, no montante de € 12.288,65, foi instaurado contra a ora oponente o processo executivo nº 1805201009000801 (cf. fls. 12 e 28 dos autos).

b) A oponente foi citada para a execução em 17/11/2010 (cf. fls. 9 e 10 dos autos).

c) Em 07/05/2007, a oponente submeteu a respectiva declaração Mod. 22 de IRC correspondente ao ano de 2006, com um valor a pagar de €6.318,17 (cf. doc. de fls. 13 e 14 dos autos).

d) Em 31/05/2007, a oponente procedeu ao pagamento do imposto referido em c) (cf. fls. 15 dos autos).

e) Em 05/02/2010 teve início uma acção inspectiva visando o imposto em causa nestes autos (cf. fls. 16 a 23 dos autos).

f) No âmbito da acção inspectiva referida em e), a oponente foi notificada para o exercício do direito de audição, através do ofício nº 21138/0507 de 01/04/2010 (cf. fls. 24 e 25 dos autos).

g) Em consequência da inspecção foi, em 03/06/2010, liquidado o imposto superior ao declarado pela oponente (cf. fls. 26 dos autos).

h) A nota de demonstração da liquidação, a liquidação e a liquidação de juros referidas em g) foram emitidas em 09/06/2010, e remetidas à oponente através de correio registado de 15/06/2010, com as referencias RY50067460PT, RY500803641PT e RY500811577PT, respectivamente (cf. doc. de fls. 27 dos autos).

i) A notificação referida em h) foi remetida para o domicílio fiscal da oponente que consta da base de dados da DGCI e que é o mesmo que ainda hoje detém (cf. doc. de fls. 41 a 44 dos autos).

j) A presente oposição foi intentada em 20/12/2010, remetida por correio registado datado de 17/12/2010 (cf. fls. 11 dos autos).

Factos não provados

Dos autos não resultam provados outros factos com interesse para a decisão da causa.

Foi a seguinte a motivação da decisão da matéria de facto:

O Tribunal firmou a sua convicção na consideração dos documentos juntos aos autos.



II.2. De direito

A Recorrente vem por via do presente recurso insurgir-se contra a decisão da Mma. Juiz do TAF do Porto que, dando como provada a notificação da liquidação dos tributos subjacentes à dívida exequenda, julgou improcedente a oposição que havia sido deduzida com fundamento na alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.

Deste modo vem a Recorrente impugnar a factualidade vertida em h) do probatório, no qual se dá como provado que a nota de demonstração da liquidação, a liquidação e a liquidação de juros referidas em g) do mesmo foram emitidas em 9.06.2010 e remetidas à oponente através de correio registado de 15.06.2010 com as referências RY50067460PT, RY500803641PT e RY500811577PT. Alega a Recorrente que, ao contrário da Mma. Juiz do Tribunal a quo não se entende que a prova daquele facto possa ser resultante de um print informático da remessa de tal notificação, porque interna, dos próprios serviços da AT (cfr. conclusão A. do recurso). Sendo que afirma, na p.i. de oposição e no recurso, que nunca foi notificado da liquidação adicional de IRC do ano de 2006, no montante de €12.288,65 e acrescidos, que deu origem à dívida em execução.

E, adiantamos já, a razão está do lado da Recorrente.

Como resulta da sentença recorrida, aí foi entendido que aqueles actos tributários foram notificados à oponente, ora Recorrente, por cartas registadas de 15.06.2010 e para assim decidir, a Mma. Juíza apoiou-se exclusivamente no conteúdo constante do print retirado da base de dados da própria exequente/Fazenda Pública: o documento de fls. 27, o qual constitui um print extraído do sistema informático da Administração Tributária, sob a designação “Gestão de Fluxos Financeiros”.

Porém, tal print não pode deixar de ser considerado como documento interno elaborado pela própria Administração, para efeitos internos, não oponível à executada, e não prova nem a remessa da liquidação em causa para o domicílio da Recorrente, nem muito menos o seu recebimento (cfr. o acórdão deste TCAN de 12.04.2013, proc. n.º 1727/07.1BEPRT). Nenhuma presunção existe, nem nenhuma garantia há de que o print junto esteja em conformidade com os elementos com base nos quais foi, alegadamente (pela Fazenda), elaborado, esses sim, com valor probatório. Sendo que não se está perante uma situação de prova impossível, uma vez que a Administração poderia juntar aos autos o registo comprovativo do envio da liquidação para o domicílio fiscal do sujeito passivo, designadamente por via da exibição de um registo colectivo. E certo é que nada mais consta dos autos que permita sustentar a efectiva ocorrência da notificação da ora Recorrente.

Com efeito, cabe à Administração Tributária o ónus de demonstrar a efectivação da notificação da liquidação (neste sentido, vide João António Valente Torrão, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e comentado, 2005, p. 202). Isto é, no caso de o notificando negar ter recebido a carta, cabe à administração tributária provar a remessa da mesma. Efectivamente, por força do disposto no artigo 74.º da LGT e 342.º do C. Civil compete à Administração o ónus da prova da notificação das liquidações em causa, ónus este que, de todo, não foi cumprido (cfr., neste sentido, o Acórdão deste TCAN de 30.04.2013, proc. n.º 706/06.BEVIS, por nós relatado).

Deste modo, errou o Tribunal a quo ao dar como provada a efectiva ocorrência da notificação das liquidações em causa, pois que o aludido documento de fls. 27 não é, para tanto, suficiente.

Pelo que, o facto descrito em h) do probatório, tal como vem redigido (inculcando a ideia da existência das notificações em questão), não pode manter-se, o que impõe a sua correcção. Assim, acorda-se em corrigir a matéria de facto vertida em h) supra, na qual deverá ficar a constar o seguinte:

h) Do sistema informático da Administração Tributária, em ficheiro sob a designação “Gestão de Fluxos Financeiros”, consta que a nota de demonstração da liquidação, a liquidação e a liquidação de juros referidas em g) foram emitidas em 09.06.2010 e remetidas à oponente através de correio registado de 15/06/2010, com as referencias RY50067460PT, RY500803641PT e RY500811577PT, respectivamente (cf. doc. de fls. 27 dos autos).

Por conseguinte, não se demonstrando que houve uma notificação validamente efectuada, o que, de acordo com a repartição do ónus da prova supra explicitado leva à conclusão de não ter sido efectuada a notificação da liquidação, está a eficácia da mesma afectada, como resulta do disposto no artigo 36.º, n.º 1, do CPPT. O que justificará a procedência da oposição, por se estar perante um fundamento de oposição enquadrável na alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT (fundamento que, de resto, a oponente expressamente invocou).

Assim sendo, instaurada a execução fiscal sem que se mostre efectuada a notificação do acto de liquidação que subjaz à dívida exequenda, há que concluir pela ineficácia de tal acto, o que impede que o mesmo produza efeitos em relação à executada e ora Recorrente, obstando, por isso, a que a dívida possa ser exigida. Tal determina a procedência da oposição e, consequentemente, a extinção da execução fiscal instaurada contra a aqui Recorrente.

Em face do exposto, procedem todas as conclusões das alegações do recurso, não podendo manter-se a decisão recorrida cuja revogação infra se determinará.



III. Conclusões

Sumariando:

I. Por força do disposto no artigo 74.º da LGT, cabe à Administração Tributária o ónus da prova da notificação da liquidação, não cumprindo com tal ónus a mera junção de prints informativos extraídos do seu sistema informático.

II. Tais prints não podem deixar de ser considerados como documentos internos elaborados pela própria Administração, para efeitos internos, não oponíveis à executada, e não provam nem a remessa da liquidação em causa para o domicílio da Recorrente, nem o seu recebimento (inexiste presunção de que os prints estejam em conformidade com os elementos com base nos quais foram, alegadamente, elaborados, esses sim, com valor probatório).

III. Instaurada a execução fiscal sem que se prove ter sido efectuada a notificação do acto tributário de liquidação, o contribuinte pode opor-se à execução ao abrigo da alínea i), do n.º 1, do artigo 204.º do CPPT, atenta a ineficácia do acto que, naturalmente, impede que o mesmo produza efeitos em relação a ele (art. 36.º, nº 1, do CPPT) e, por isso, obsta a que a dívida possa ser exigida.


IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em:

- Conceder provimento ao recurso e revogar a decisão recorrida; e

- Julgar procedente a oposição e extinta a execução fiscal instaurada contra a aqui Recorrente.

Custas pela Fazenda em 1ª instância, não sendo devido o pagamento da taxa de justiça nesta instância, uma vez que não contra-alegou.

Porto, 27 de Fevereiro de 2014

Ass. Pedro Marques

Ass. Pedro Vergueiro

Ass. Nuno Bastos