Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00852/11.9BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/09/2019
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rosário Pais
Descritores:IMPUGNAÇÃO; IRC; FATURAS FALSAS; MATÉRIA DE FACTO
Sumário:
I) Sob pena de incorrer em nulidade, os fundamentos de facto e de direito insertos na sentença devem ser logicamente harmónicos com a sua pertinente conclusão decisória, enquanto corolário do princípio de que aquela deve ser fundamentada de facto e de direito e que tal não se verifica quando haja contradição entre esses fundamentos e a decisão nos quais assenta.
II) Não se verifica aquela nulidade se a sentença recorrida deu como provado que o local de carga das mercadorias era outro que não o mencionado nas faturas, mas depois considerou que a divergência entre o efetivo local de carga e o local de carga referido nas faturas constitui indício seguro da falta de materialidade das operações.
III) Não ocorre omissão relevante de factos com consequências anulatórias se estes, não obstante não terem sido especificamente autonomizados na decisão da matéria de facto, se encontram referenciados e analisados na discussão jurídica da causa.
IV) A Tribunal de 2.ª instância deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se a prova produzida impuser decisão diversa, conquanto o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e indique os concretos meios probatórios que os demonstram.
V) A tarefa de reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso está limitada aos casos em que ocorre erro manifesto ou grosseiro ou em que os elementos documentais fornecem uma resposta inequívoca em sentido diferente daquele que foi considerado no tribunal a quo.
VI) Quando a AT desconsidera faturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT competindo-lhe fazer a prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, de que existem indícios sérios, seguros e consistentes de que as operações constantes de determinadas faturas não refletem operações económicas reais, só então passando a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova veracidade das operações tituladas por tais faturas.
VII) Por força do disposto no artigo 346.º do Código Civil, à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório, pode a parte contrária (in casu o contribuinte) opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos e, se o conseguir, a questão é decidida contra a parte onerada com a prova. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:FGR & Filhos, Lda
Recorrido 1:Fazenda Pública
Votação:Unanimidade
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Revogar a decisão recorrida
Julgar a impugnação procedente
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer pronunciando-se no sentido da improcedência deste recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
1.1. FGR & Filhos, Lda, devidamente identificada nos autos interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 12.02.2013, que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida contra o ato de liquidação adicional de IRC do ano de 2006.
1.2. A Recorrente terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões:
«CONCLUSÕES:
1. A recorrente deduziu impugnação judicial contra a liquidação de IRC do exercício de 2006, no montante de € 151.194,58.
2. Invocou, como fundamento, a errónea qualificação e quantificação dos rendimentos sujeitos a imposto (IRC), vício que terá decorrido da desconsideração das compras efectuadas à BLCS, Lda., no montante de € 483.511,10, respeitante a matérias-primas (sucatas).
3. Como prova da efectiva transacção a recorrente juntou aos autos cópias, frente e verso, dos meios de pagamento utilizados - cheques, extractos bancários, para provar a saída dos fluxos financeiros, facturas e guias de remessa emitidas pela BLCS, Lda. e notas de pesagem da mercadoria à entrada do armazém da recorrente.
4. Arrolou testemunhas, cujo depoimento foi transcrito do processo n.º 1095/11. 7BEPRT.
5. Em douta sentença proferida em 12/02/2012 foi a petição da recorrente considerada improcedente, tendo sido mantida a liquidação impugnada.
6. A improcedência da impugnação assenta na conclusão de que a Administração Tributária conseguiu provar o bem fundado da formação do seu juízo.
7. Assentando a referida prova, no entender da Meritíssima Juiz do Tribunal a quo nos indícios que a AT invocou e provou, que elencou na douta sentença a fls. 22, a saber:
- A condenação do emitente das facturas pela prática de crimes;
- A indicação de uma residência de habitação do sócio fornecedor para carga e armazém de sucata;
- A venda da mercadoria a preço inferior ao custo;
8. Para julgar improcedente a impugnação judicial, a Meritíssima Juiz do Tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos:
"8. Dá-se como integralmente reproduzido o teor das facturas n.º 042-A, 045-A, 084-A, 093-A e 111-A, bem como as guias ele remessa n.º 161-A, 166-A, 242-A, 243-A, 244-A, 257¬A, 291- A, relativas a cada uma elas referidas facturas, nas quais se referência o veiculo com a matrícula xx-xx-XN - cfr. doc. de fls 58 a 75 dos autos.
9. Dão-se como integralmente reproduzidas as cópias dos seguintes cheques fornecidos pelo Banco Totta e pelo Banco Espírito Santo, que serviram de pagamento a cada uma das facturas referidas no n.º anterior, emitidos pela lmpugnante a favor da "BLCS, Lda." e endossados por esta sociedade:
BancoCheque n.ºDataValor (€)
Totta79xxx68406/06/201681.073,87
BES07xxx33210/06/200676.078,63
Totta28xxx72208/09/200654.766,71
Totta19xxx72311/09/200650.000,00
Totta80xxx72712/09/200650.000,00
BES96xxx57029/09/200650.000,00
Totta94xxx74711/10/200650.000,00
Totta65xxx76120/11/200650.000,00
BES51xxx76530/11/200664.214,32
Totta61xxx78315/12/200648.690,00
- cfr. doc. de fls. 94 e ss dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
10. Dão-se por integralmente reproduzidos os extractos de conta da Impugnante no Banco Totta (Junho de 2006) c no Banco Espirita Santo (30/09/2006 a 3l/10/2(06), com o desconto de cada um dos cheques acima indicados (cfr. doc. de fls. 111 a 119 dos autos).
11. Mais se provou que:
"A BLCS. Lda." tem, há muitos anos. um armazém em Lourosa com 3000 m2 ele área descoberta e 1000 m2 de área coberta (cfr. depoimento da testemunha MM, sócio e gerente da " BLCS, Lda.".
12. A "BLCS, Lda." possui um camião com matrícula xx-xx-XN, com capacidade para mais de 20 toneladas (cfr. depoimento das testemunhas).
13. A "BLCS, Lda." possuía maquinaria, nomeadamente empilhador, máquina e corte e prensagem, máquina de enfardar (cfr. depoimento da testemunha MM).
14. As facturas emitidas pela "BLCS, Lda." tinham como local de carga a sede da "BLCS, Lda.", mas a mercadoria era carregada no armazém da "BLCS, Lda." em Lourosa (cfr. depoimento da testemunha MM)."
Com sabe nos documentos apresentados e no depoimento das testemunhas.
9. Com base no depoimento da testemunha PS, Técnico Oficial de Contas, deve ser ainda dado como provado o facto n.º 15 - A contabilidade da empresa não foi colocada em causa no RIT.
10. Foi dado como não provado o facto n.º 1, a saber:
"1. A impugnante adquiriu sucata à BLCS, Lda. constante das faturas emitidas descritas no RIT, sendo que tais aquisições constituíram custo da impugnante no exercício de 2006 por os respectivos valores terem sido pagos e fornecidas as matérias-primas,"
11. Não foi dado como provado, nem não provado, que a BLCS, Lda. vendeu as mercadorias a preço igualou inferior ao preço de custo.
12. As compras e vendas de metais (latão, zinco) estão sujeitas à cotação da bolsa de valores de metais.
13. A Inspecção Tributária, ao analisar o preço constante das facturas da BLCS, Lda., não indagou se o preço praticado correspondia ao da cotação da data da venda.
14. O depoimento da testemunha MM, claro e preciso, confirmou que as facturas emitidas, porque não tinham impresso o armazém, este e o local de carga era referenciado à sua habitação.
15. Mas, na realidade, a mercadoria saía do armazém, em Lourosa, mais propriamente na Avenida S…, Argoncilhe.
16. Confirma ainda a venda das mercadorias, uma vez pelo valor igual, outras vezes por valor inferior ao preço de compra, conforme a cotação da bolsa de metais, porque, como não tinha muito dinheiro tinha necessidade de vender para não ficar com as mercadorias dentro de portas.
17. Porque não foi dado como provado que a BLCS vendeu as mercadorias a preço de custo inferior e porque se deu como provado que, afinal, a BLCS tinha um armazém em Lourosa onde eram descarregadas e carregadas as mercadorias, caem por terra os indícios invocados pela AT e considerados na douta sentença.
18. Restando como único indício o facto de a emitente BLCS, Lda. ter sido condenada pela prática de crimes que, como se referiu, por si só, desligado de outras realidades, não é susceptível de levar à conclusão de que as transacções não se verificaram, não tendo presente que não foi anexado ao RIT a certidão de condenação.
19. Não sendo verdade que as aquisições efectuadas pela recorrente à BLCS, Lda. tinham maioritariamente origem nas aquisições desta à GCS, porque conforme referiu a testemunha MM, tem outros fornecedores.
20. Conforme consta do RIT (facto dado como provado n.º 4, a fls. 7 da douta sentença) a BLCS, Lda. adquiriu a "Outros" € 654.200,63, quando as vendas à recorrente se cifram em € 483,511,10;
21. Por esse facto se impugnou, no facto dado como provado n.º 4, a folhas 9 da douta sentença, parágrafo segundo, onde se refere que “as compras declaradas pela sociedade FG teriam necessariamente como proveniência a GCS ",
22. Perante todos estes factos invocados seria mister concluir que a recorrente efectuou prova bastante e conseguiu infirmar as conclusões da AT.
23. Donde se deveria ter concluído que a recorrente fez prova das aquisições efectuadas a BLCS, Lda. e deveriam tais custos ser aceites para efeitos fiscais.
24. Tendo concluído em sentido contrário, a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo cometeu erro de julgamento, ocorrendo contradição entre os factos dados como provados e a sua decisão.
25. Assim, a douta sentença violou o disposto nas seguintes normas: artigo 266º nº 2 da Constituição da República Portuguesa, artigo 75º da LGT e artigo 23º nº 1 a) do Código do IRC.
Nestes termos e nos demais em Direito permitidos deverá ser concedido douto provimento ao presente recurso e ser proferido acórdão que anule a sentença ora recorrida, ordenando-se a anulação da liquidação de IRC de 2006, pois só assim se fará a costumada JUSTIÇA.
*
1.3. Não foram apresentadas contra alegações.
*
1.4. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls.361 pronunciando-se no sentido da improcedência deste recurso.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir pois que a tanto nada obsta.
*
2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de nulidade, por contradição entre os seus fundamentos e a decisão.
*
3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
3.1.1. A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
«III. 1. Factos provados
Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos com interesse para a decisão da mesma:
1. A Impugnante exercia, no ano de 2006, a actividade de compra a sucateiros de cobre, zinco, alumínio e etc., que derretia em forno eléctrico e transformava em lingotes de latão, com o CAE 24540 - Fundição de outros metais não ferrosos - ­cfr. docs. de fls. 27 do p.a. apenso aos autos.
2. Em resultado da ordem de serviço n° OI201002356 de 30/04/2010, a Impugnante foi objecto de uma acção inspectiva na sequência de uma acção de fiscalização levada a efeito à sociedade "BLCS, Lda.", incidindo a acção na análise do IRC e do IVA da Impugnante no exercício de 2006 - cfr. doc. de fls. 26 do p.a. apenso.
3. A Impugnante não exerceu o direito de audição prévia sobre o Projecto de Relatório de Inspecção elaborado – cfr. doc. de fls. 48 verso, do p.a. anexo aos autos.
4. Da acção de fiscalização referida em 2. resultou um Relatório de Inspecção Tributária, elaborado em 03/11/2010, do qual consta, com interesse para a decisão:
[imagem indisponível]
Cfr. doc. de fls. 26 e ss do p.a. apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
5. A Impugnante foi notificada do Relatório referido no ponto anterior por ofício remetido por correio registado com aviso de recepção em 08/11/2010 – cfr. doc. de fls. 52 e ss do p.a. apenso aos autos.
6. Com base nas correcções propostas no Relatório de Fiscalização referido no ponto 4. foi efectuada e notificada à Impugnante a matéria colectável apurada nos termos seguintes:
[imagem indisponível]
- cfr. docs. de fls. 56 dos autos.
7. Em consequência do acima mencionado, foi emitida, em 17/1 1/2010, a liquidação adicional de IRC n.º 2010 8310007014, relativa ao exercício de 2006 no montante de € 151 194,58 - cfr. doc de fls. 119 dos autos e 53 do p.a. apenso aos autos.
8. Dá-se como integralmente reproduzido o teor das facturas n.º 042-A, 045-A, 084-A, 093-A e 111-A, bem como as guias de remessa n° 161-A, 166-A, 242-A, 243-A, 244-A, 257-A, 291-A, relativas a cada uma das referidas facturas, nas quais se referencia o veículo com a matricula xx-xx-XN - cfr. doc. de fls. 58 a 75 dos autos.
9. Dão-se como integralmente reproduzidas as cópias dos seguintes cheques fornecidos pelo Banco Totta e pelo Banco Espírito Santo, que serviram de pagamento a cada uma das facturas referidas no n.º anterior, emitidos pela Impugnante a favor da "BLCS, Ld"." e endossados por esta sociedade:
BancoCheque n.ºDataValor (€)
Totta79xxx68406/06/201681.073,87
BES07xxx33210/06/200676.078,63
Totta28xxx72208/09/200654.766,71
Totta19xxx72311/09/200650.000,00
Totta80xxx72712/09/200650.000,00
BES96xxx57029/09/200650.000,00
Totta94xxx74711/10/200650.000,00
Totta65xxx76120/11/200650.000,00
BES51xxx76530/11/200664.214,32
Totta61xxx78315/12/200648.690,00
- cfr. doc. de fls. 94 e ss dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
10. Dão-se por integralmente reproduzidos os extractos de conta da Impugnante no Banco Totta (Junho de 2006) e no Banco Espírito Santo (30/09/2006 a 31/10/2006), com o desconto de cada um dos cheques acima identificados (cfr. doc. de fls. 111 a 119 dos autos).
Mais se provou que:
11. A " BLCS, Ldª." Tem, há muitos anos, um armazém em Lourosa com 3000m2 de área descoberta e 1000m2 de área coberta (cfr. depoimento da testemunha MM, sócio e gerente da " BLCS, Lda.").
12. A " BLCS, Ld"." possui um camião com matrícula xx-xx-XN, com capacidade para mais de 20 toneladas (cfr. depoimento das testemunhas).
13. A " BLCS, Ldª." possuía maquinaria, nomeadamente empilhador, máquina de corte e prensagem, máquina de enfardar (cfr. depoimento da testemunha MM).
14. As facturas emitidas pela " BLCS, Ldª." tinham como local de carga a sede da " BLCS, Ldª.", mas a mercadoria era carregada no armazém da " BLCS, Ldª." em Lourosa (cfr. depoimento da testemunha MM).
III. 2. Factos não provados
Dos factos alegados e com interesse para a decisão não se provaram os que não constam dos pontos acima expostos, designadamente os seguintes:
1. A Impugnante adquiriu sucata à "BLCS, Lda." constante das facturas emitidas descritas no RIT, sendo que tais aquisições constituíram custo da Impugnante no exercício de 2006, por os respectivos valores terem sido pagos e fornecidas as matérias-primas.
_______________________________________________________________________
Quanto ao depoimento das testemunhas sobre estes factos, uma nota impõe-se para precisar que as funções exercidas pela testemunha PAPS, TOC desde 2000 na Impugnante, não se afiguram aptas ao conhecimento da materialidade dos fornecimentos, pois que se limitava a tratar documentos que lhe eram fornecidos, não permitindo, pois, que o Tribunal concluísse pelo seu efectivo conhecimento dos mesmos.
O mesmo se diga quanto à testemunha CAA, fornecedor da Impugnante, que apenas referiu que a “BLCS” era também fornecedora e que detinha um camião com capacidade para transportar para cima de 20000kg, sem que contudo se tenha referido aos fornecimentos discutidos concretamente nestes autos.
A testemunha ACSP, trabalhador da Impugnante, junto dos fornos da fundição, referiu que os fornecimentos da “BLCS” eram efectuados pelo seu sócio, MSM ou o seu filho, sendo que as mercadorias eram transportadas numa "Scania", com capacidade para 26 toneladas.
No que se reporta à regularidade e frequência das entregas que eram feitas pelo Sr. MSM ou pelo seu filho, B… e, bem assim, à descrição das operações de descarga e pesagem, não forneceu qualquer detalhe, afigurando-se duvidoso que tivesse presenciado a regularidade e frequência com que o fornecedor ia entregar o material, por forma a que pudesse descrever com o acerto e pormenor os fornecimentos efectuados.
Importa, ainda, aludir que nenhuma das testemunhas (com excepção do sócio gerente da “BLCS”, cujo depoimento não pode para este efeito relevar) confirmou que todas as mercadorias que tinham sido facturadas por este último foram entregues e integradas no processo produtivo. Com efeito, a prova deste facto dependia de se demonstrar que a mercadoria foi adquirida e entregue nos moldes e termos constantes das facturas, o que nenhuma das testemunhas ouvidas logrou fazer.
O depoimento das testemunhas referidas revelou-se, assim, vago, genérico e impreciso e foram assim de molde a afastar a sua credibilidade.
_______________________________________________________________________
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos e do processo administrativo apenso constam e, bem assim, do depoimento das testemunhas ouvidas, tudo conforme referido a propósito de cada um dos pontos do probatório.».
3.1.2. Ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC, com base na fundamentação do ponto 3.2.3. infra para a qual nos remetemos, e porque os autos reúnem os necessários elementos e prova, aditamos aos factos provados o seguinte:
15. A fornecedora da Impugnante, “BLCS”, efetuou vendas abaixo do preço de custo em virtude de não possuir disponibilidade financeira para aguardar por um melhor preço de mercado dos metais por si transacionados – cfr. depoimento da testemunha MSM, transcrição do minuto 00:25:09 ao minuto 00:25:25 de fls. 303 a 304 do suporte físico dos autos.
16. À fatura n.º 042-A correspondem a Guia de Remessa n.º 161-A e o respetivo talão de pesagem – cfr. fls. 57 a 59 do suporte físico dos autos, cujo teor damos aqui por integralmente reproduzido.
17. À fatura n.º 045-A correspondem a Guia de Remessa n.º 166-A e o respetivo talão de pesagem – cfr. fls. 60 a 62 do suporte físico dos autos, cujo teor damos aqui por integralmente reproduzido.
18. À fatura n.º 084-A correspondem as Guias de Remessa n.º 242-A, 243-A e 244-A, bem como os respetivos talões de pesagem – cfr. fls. 63 a 69 do suporte físico dos autos, cujo teor aqui damos por integralmente reproduzido.
19. À fatura n.º 093-A correspondem a Guia de Remessa 257-A, bem como os respetivos talões de pesagem – cfr. fls. 70 a 72 do suporte físico dos autos, cujo teor aqui damos por integralmente reproduzido.
20. À fatura n.º 111-A correspondem a Guia de Remessa n.º 291-A e o respetivo talão de pesagem - cfr. fls. 73 a 75 do suporte físico dos autos, cujo teor aqui damos por integralmente reproduzido.
Estabilizada nestes termos a matéria de facto, avancemos para a apreciação do mérito do presente recurso.
*
3.2. De Direito
3.2.1. Uma vez que vem arguida a nulidade da sentença recorrida, por contradição entre os respetivos fundamentos e a decisão, começaremos por analisar esta questão.
Se bem se percebe a perspetiva da Recorrente, tal contradição decorrerá de na sentença recorrida não se ter dado como provado que a BLCS vendeu as mercadorias a preço de custo inferior e se ter dado como provado que, afinal, tal sociedade tinha um armazém em Lourosa onde eram descarregadas e carregadas as mercadorias, o que faria cair por terra os indícios invocados pela AT.
3.2.1.1. Preceitua o artigo 125º, nº 1 do CPPT que «Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.».
No mesmo sentido estabelecia a alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º CPC (correspondente ao atual artigo 615.º/1-c) do CPC), aplicável ex vi do artigo 2.º, alínea e) do CPPT, ao estatuir que «1. É nula a sentença quando: (…) c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; (…)».
Como se extrai do acórdão do STA de 06.12.2018, proferido no proc. 0930/12.7BALSB e que aqui acompanhamos, a nulidade da decisão por infração ao disposto na al. c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, assenta, na sua primeira parte, na contradição localizada no plano da expressão formal da decisão, redundando num vício insanável do chamado «silogismo judiciário», ou seja, traduz-se numa contradição de ordem formal quanto aos fundamentos estabelecidos e utilizados na mesma e não aos que resultam do processo.
Esta nulidade está relacionada, por um lado, com a obrigação imposta pelos artigos 154.º e 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC do juiz fundamentar as suas decisões e, por outro lado, pelo facto de a decisão judicial dever constituir um silogismo lógico-jurídico em que o inciso decisório deverá ser a consequência ou conclusão lógica da conjugação da norma legal [premissa maior] com os factos [premissa menor].
Tal significa que «[e]sta nulidade é o correspondente, quanto à decisão do tribunal, da ineptidão da petição inicial por contradição entre o pedido e a causa de pedir» [cfr. Miguel Teixeira de Sousa in: “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lx 1997, pág. 224], ou ainda, como refere J. Lebre de Freitas, que entre «os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja juridicamente correta, a nulidade verifica-se. A oposição entre os fundamentos e a decisão tem o seu correspondente na contradição entre o pedido e a causa de pedir, geradora da ineptidão da petição inicial» [in: “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2.º, pág. 670].
Temos pois que, sob pena de incorrer em nulidade, os fundamentos de facto e de direito insertos na sentença devem ser logicamente harmónicos com a sua pertinente conclusão decisória, enquanto corolário do princípio de que aquela deve ser fundamentada de facto e de direito e que tal não se verifica quando haja contradição entre esses fundamentos e a decisão nos quais assenta.
Mas uma coisa é a contradição lógica entre os fundamentos e a decisão da sentença e, outra, radicalmente diversa, é o erro de interpretação dos factos ou do direito ou a aplicação deste.
É que a nulidade em questão nada tem que ver com o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro da construção do silogismo judiciário, ou com a inidoneidade dos fundamentos para conduzir à decisão, porquanto não existe a oposição, geradora desta nulidade, se o julgador erra na subsunção que fez dos factos à norma jurídica aplicável ou se, porventura, ele errou na indagação da norma aplicável ou na sua interpretação, visto que, quanto muito, estaremos em face de erro de julgamento, mas não desta nulidade.
Isto posto, vejamos o que, no que agora releva, ficou vertido na sentença.
3.2.1.2. Nas páginas 17 e seguintes da sentença foi exarado o seguinte:
«(…)
Conforme resulta dos autos, mais concretamente do Relatório de Inspecção e do acolhimento de tais factos no probatório, a administração tributária considerou que as facturas contabilizadas pela Impugnante não correspondem a efectivas operações, essencialmente, com base nos seguintes factos indiciários:
(i) A impugnante registou elementos contabilísticos facturas, a título de compra de sucatas, emitidas pela sociedade "BLCS, Lda." no decorrer do ano de 2006, empresa que tem como gerente MSM, sendo sócios os seus dois filhos e cuja actividade não tinha expressão, enquadrando-se em sofisticado esquema de fraude associado ao comércio de sucatas.
(ii) Quanto à sociedade "BLCS, Lda.",
• as instalações e meios afectos à actividade de compra e venda de sucata não se mostram os mais adequados ao volume de mercadorias que é declarado como transaccionado. Desde logo, a morada da sede, Gondomar, é referenciada diversas vezes como local de carga e descarga de mercadorias, sem que tal local (moradia com pequeno terreno à volta) disponha de condições físicas para a prática de tal actividade .
• Por outro lado, o local onde se encontra instalado o estaleiro (em Lourosa) corresponde a uma edificação industrial não licenciada, num prédio ainda classificado como rústico, sendo esse local também o estaleiro da actividade realizada por MSM (gerente da BLCS) a título de empresário em nome individual.
• No que se refere a equipamentos directamente afectos ao transporte, preparação, e acondicionamento de sucata, dispõe de um camião (pesado de mercadorias) e de uma viatura ligeira de mercadorias. Nos anos de 2005 e 2006, para além destes veículos apenas detém um empilhador e uma máquina de corte e prensagem, mas esta última adquirida já no decurso de 2006. Quanto aos meios humanos também directamente afectos à actividade operacional, considera-se apenas o sócio e o gerente da empresa.
• Estes meios disponíveis são manifestamente insuficientes para carregar e descarregar camiões, acomodar, separar e realizar operações necessárias nesta actividade com materiais com as características das sucatas (materiais pesados e pouco maleáveis e de difícil acondicionamento) e nas quantidades alegadamente transaccionadas, par além de realizar o próprio transporte das mesmas.
• Esta constatação é também corroborada pela estrutura de custos apresentada pela empresa nos anos em análise, uma vez que o peso dos custos directos, excepção feita ao custo das mercadorias vendidas, é muito diminuto face ao volume de negócios declarado e à própria actividade em si .
• No que respeita aos três principais fornecedores (J ... e F ... , em 2005 e GCS, Unipessoal, Lda. em 2005 e 2006) concluiu-se, face aos procedimentos inspectivos dirigidos a tais agentes e que deram origem aos respectivos relatórios de inspecção, da existência de indícios seguros de que as facturas por eles emitidas não correspondem a efectivas transmissões de bens, ou seja, tratam-se de operações simuladas. Parte desses mesmos indícios são reforçados por situações concretas verificadas nas operações tituladas por documentos emitidos em nome da BLCS.
• O peso das operações ao nível das compras registadas com suporte em documentos de venda falsos" emitidos pelos agentes identificados, com efeito no custo das mercadorias vendidas situou-se em 89% no que respeita à GCS .
• Já na vertente das vendas tituladas por facturas emitidas pela "BLCS" nos anos de 2005 e 2006, analisadas em conjunto com diversas incongruências ao nível da movimentação temporal de mercadorias (de acordo com os respectivos documentos de transporte), e de uma apreciação dos meios de produção disponíveis, concluiu-se de igual forma pela existência de indícios seguros de que as mesmas não correspondem a efectivas transmissões de bens ou serviços de transporte, situação ou estratégia utilizada no intuito de credibilizar económica e fiscalmente a actividade em si mesma e, servir unicamente o objectivo de, com intuitos fraudulentos, titular, por substituição, transacções para as quais não foi emitido o respectivo documento, ou transacções inexistentes conferindo sempre, em qualquer dos casos, o direito á dedução a jusante do IVA indicado como liquidado em documentos de vendas falsos, emitidos em seu nome.".
(iii) Em relação aos documentos emitidos pela BLCS à impugnante, no ano de 2006, os SIT contabilizaram facturas com os números 42-A, 45-A, 84-A, 93-A e 111-A, todas elas acompanhadas de guias de transporte que indicam como local de carga a sede da “BLCS” e local de descarga na Maia e a viatura utilizada com a matricula n.º xx-xx-XN (identificadas a fls. 8 do relatório).
(iv) Assim os SlT consideraram que "entre 01/01/2006 e 10/09/2006, o fornecedor potencial das mercadorias que a BLCS posteriormente registou como vendidas à FG é a sociedade GCS, já que nesse período surgem apenas 3 pequenos fornecimentos de sucata por parte de duas outras entidades (…). De resto é uma situação semelhante à do ano anterior (2005) em que 98% das compras registadas pela BLCS tem como suporte facturas provenientes de agentes indiciados e condenados por crimes tributários pela emissão de facturação falsa, de entre os quais se encontra precisamente a GCS (…). Verifica-se que as compras declaradas pela sociedade FG teriam necessariamente como proveniência a GCS. Ora, se as facturas respeitantes às vendas da GCS para a BLCS, foram comprovadamente consideradas falsas, logo, as que suportam documentalmente o circuito que se lhe segue, caso das vendas declaradas pela BLCS para a FG com aquela origem, também não podem ser tidas como verdadeiras".
(v) Os SIT ainda apuraram que " (…) da análise do circuito documental da mercadoria desde a sua origem até ao destinatário FG, Lda., verifica-se ainda que os preços unitários praticados nos vários tipos de sucata, entre a compra e venda, são contrários à racionalidade económica, já que, à excepção de uma pequena quantidade de mor, a BLCS facturou com preços iguais ou significativamente inferiores aos de compra".
(vi) Referem também que "O local de carga indicado nas guias de remessa/transporte, emitidas pela BLCS e que tiveram como destinatário a FG correspondia a um prédio urbano afecto à habitação, pelo que a partir daí nunca poderia ser manuseada ou armazenada sucata nem iniciado transporte com tais cargas. E que tal local é ainda contraditório em relação ao que se encontro indicado nos guias de transporte emitidas pelo potencial fornecedor (GCS) para a BLCS, já que aí consta Lourosa como local de carga".
(vii) Aludem a uma condenação daqueles agentes (GCS e BLCS) por crimes tributários (fraude fiscal qualificada) no âmbito do processo 707/06.9JAPRT, que correu termos no Tribunal Colectivo de Circulo de Gondomar - 2° Juízo criminal.
Vejamos.
As situações irregulares descritas no relatório de inspecção resultam da análise dos elementos recolhidos em acção de inspecção à emitente das facturas " BLCS, Lda.", conhecida na Direcção de Finanças do Porto como emitente de facturas falsas, tal como a "GCS, Lda.", fornecedora da " BLCS ", ambas condenadas por crimes tributários.
Observou-se, também, que na morada constante das facturas nunca existiu a sociedade "BLCS, Lda.", destinando-se apenas a habitação, bem como também que esta empresa facturou à Impugnante, durante um longo período de tempo, preços iguais ou significativamente inferiores aos de compra.
Da articulação destes elementos com o facto de a ora Impugnante, depois de notificada, não ter apresentado quaisquer custos relacionados com aquisições de sucata não relevadas contabilisticamente, por estes motivos, a administração fiscal concluiu que as operações constantes das facturas não consubstanciam operações reais.
Pelos motivos aduzidos, os SIT desconsideraram como custos as facturas n° 42-A, 45-A, 84-A, 93-A e 111-A supra referidas, emitidas pela “BLCS”, considerando que a impugnante contabilizou indevidamente, no ano de 2006, custos, procedendo às correcções devidas em sede de IRC.
Desde já se adianta que não se pode ter como factor determinante de que as facturas emitidas à Impugnante pela sociedade “BLCS”, nos anos de 2006, não titulam operações reais, o facto de esta ter sido condenada por crimes fiscais, bem como o seu principal fornecedor, a sociedade "GCS" ..
De facto, não se pode estabelecer um nexo de causalidade imediata entre irregularidades cometidas pelo sujeito passivo emitente e a falsidade das facturas em causa nestes autos. É que nada impedia a sociedade “BLCS” de emitir as facturas para outros clientes que não correspondiam a operações reais e quanto às dos autos corresponderem a efectivos fornecimentos à Impugnante.
Tal facto mostra-se inócuo, isto é não pode relevar como indício seguro e credível da emissão de facturas "falsas" ao ora Impugnante se não for complementado com outros factos concretos que permitam identificar a impossibilidade de tais facturas poderem corresponder a operações reais.
(…)
Tão pouco é suficiente a afirmação de que a mercadoria teve origem num outro "conhecido" emitente de facturação falsa. Desacompanhado de outros elementos, este facto não é apto a indiciar, com segurança, a falta de materialidade das transacções da “BLCS” com a ora Impugnante, como se disse.
A Impugnante refere que desconhecia, nem era obrigada a conhecer, o perfil da sociedade fornecedora, enquanto emitente de facturação falsa.
A este respeito sempre se pode referir que, atentos os riscos de relacionamento com fornecedores e clientes que não cumprem a suas obrigações contratuais, se exige que os sujeitos participantes se rodeiem de cautelas e salvaguardas no que toca às suas interacções comerciais.
Mas, se não se pode atender a este indício como determinante, o certo é que a AT recolheu demais elementos que, em conjugação com a factualidade supra descrita, configuram sinais fortes, decisivos e fundados de que as facturas constantes da contabilidade da Impugnante emitidas pela “BLCS” não titulam operações reais. Associado aos outros elementos recolhidos quer no terreno do emitente, quer no do receptor das facturas, não se pode deixar de considerar como indicador da existência de facturação que não tem subjacente operações reais.
Com efeito, AT verificou que o local de carga indicado nas facturas é a residência do sócio e gerente da “BLCS”, MSM, a qual corresponde a uma moradia, sem instalações próprias para lidar com carga e descarga de sucata.
Ora, se o local de carga indicado nas facturas não detém instalações próprias e adequadas à carga e descarga de sucata, obviamente que a AT poderá duvidar que a operação titulada pela factura não é real. Com efeito, faltando um dos elementos no circuito da transacção, o seu início, a incompletude desse circuito é apta a pôr em causa a própria materialidade da operação.
Assim, não se pode afastar estes factos como indiciadores seguros da falta de materialidade das operações facturadas à Impugnante, tanto mais que a Impugnante não procurou afastá-los em sede de audição prévia, não trazendo ao processo qualquer informação.
Acresce ainda o facto de a AT ter concluído e demonstrado que a mercadoria alegadamente fornecida pela “BLCS” à Impugnante e constante das facturas, teria sido, durante um longo período de tempo (cerca de 9 meses, segundo o depoimento do próprio MM) fornecida abaixo do preço de custo.
Ora, atento a escopo lucrativo das sociedades comerciais, não é credível que a “BLCS” fornecesse, durante todo este tempo, material à Impugnante abaixo de custo (não tendo a testemunha referida indicado razões plausíveis para essa prática).
E note-se que não é o facto de se tratar de mercadoria sujeita a oscilações na bolsa, que tal como outras, sofre com a inconstância dos mercados, que justifica tal prática, pois que nenhuma empresa se atém a práticas geradoras de prejuízos durante largos períodos de tempo, sem que procure alterar a sua prática, nomeadamente pela busca de outros fornecedores e compradores.
Assim, os indícios recolhidos pela AT, conjugados, revelam-se indícios fortes, decisivos e fundados - a condenação do emitente das facturas pela prática de crimes, a indicação de uma residência de habitação do sócio do fornecedor para carga e armazenagem de sucata, a venda da mercadoria a preço inferior ao custo - são aptos à conclusão de que a AT cumpriu com o seu ónus de prova.
(…)».
3.2.1.3. Portanto, a Meritíssima Juíza a quo deu como provado que «As facturas emitidas pela “BLCS, Ldª”, tinham como local de carga a sede da “BLCS, Ldª”, mas a mercadoria era carregada no armazém da “BLCS, Ldª” em Lourosa», conforme se constata no ponto 14 dos factos provados; contudo, na fundamentação de direito da sentença recorrida concluiu que «(…) se o local de carga indicado nas facturas não detém instalações próprias e adequadas à carga e descarga de sucata, obviamente que a AT poderá duvidar que a operação titulada pela factura não é real. Com efeito, faltando um dos elementos no circuito da transacção, o seu início, a incompletude desse circuito é apta a pôr em causa a própria materialidade da operação. //Assim, não se pode afastar estes factos como indiciadores seguros da falta de materialidade das operações facturadas à Impugnante, tanto mais que a Impugnante não procurou afastá-los em sede de audição prévia, não trazendo ao processo qualquer informação.».
Significa isto que a sentença recorrida deu como provado que o local de carga das mercadorias mencionadas nas faturas emitidas pela “BLCS” era, afinal, o seu armazém em Lourosa, mas depois considerou que a divergência entre o efetivo local de carga e o local de carga referido nas faturas constitui indício seguro da falta de materialidade das operações.
Este raciocínio não se nos afigura contraditório, embora possa consubstanciar erro de julgamento na medida em que o Tribunal a quo considerou verificar-se um “indício”(divergência entre o local de carga efetivo e o mencionado nas faturas) que não foi apontado pela AT.
3.2.1.4. Acresce dizer que embora não haja autonomizado, como facto provado, que a “BLCS” “vendeu” mercadoria abaixo do custo à ora Recorrente, o certo é que a Meritíssima Juíza a quo não só considerou esse facto na decisão como ainda revelou o meio probatório do qual o extraiu.
Veja-se o que consta da página 23 da sentença, parágrafo 3.º, onde se lê que «Acresce ainda o facto de a AT ter concluído e demonstrado que a mercadoria alegadamente fornecida pela “BLCS” à impugnante e constante das facturas, teria sido, durante um longo período de tempo (cerca de 9 meses, segundo o depoimento do próprio MM) fornecida abaixo do preço de custo.».
Ora, como vem sendo entendido pela jurisprudência, designadamente deste TCAN, não ocorre omissão relevante de factos com consequências anulatórias se estes, não obstante não terem sido especificamente autonomizados na decisão da matéria de facto, se encontram referenciados e analisados na discussão jurídica da causa – cfr. acórdão de 30.04.2013, proc. 00944/04.0BEPRT.
Assim sendo, não se verifica qualquer nulidade da sentença.
3.2.2. Na conclusão 9. das alegações de recurso, a Recorrente sustenta que, com base no depoimento da testemunha PS, deve ser dado como provado que o “facto n.º 15 – A contabilidade da empresa não foi colocada em causa no RIT”.
3.2.2.1. Preliminarmente importa consignar que, no que respeita às regras da impugnação da matéria de facto e à apreciação da prova, vigora no processo tributário português, o regime jurídico estabelecido para o processo civil, por força do disposto no artigo 2.º, alínea e) do CPPT.
Fazendo um breve enquadramento legal das regras a que a Recorrente está sujeita para a impugnar a matéria de facto e dos poderes do TCA para a sua apreciação, há que trazer à colação o n.º 1 do artigo 712.º (atual artigo 662.º) e o artigo 685.º-B (atual artigo 640.º), ambos do Código de Processo Civil (CPC).
Resulta da conjunção daqueles normativos que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se a prova produzida impuser decisão diversa, conquanto o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e indique os concretos meios probatórios que os demonstram.
Assim, para que o TCA possa proceder à alteração da matéria de facto, esses meios de prova devem conduzir e impor uma decisão diversa da proferida, de molde a concluir-se que a 1ª instância incorreu em erro de apreciação das provas.
De salientar, porém, que a garantia do duplo grau de jurisdição não subverte o princípio da livre apreciação das provas previsto no artigo 655.º do CPC (atual n.º 5 do artigo 607º).
Por força do referido princípio, as provas são apreciadas livremente, de acordo com a convicção que geram no julgador acerca da existência de cada facto, ficando afastadas as situações de prova legal que se verifiquem, por força do disposto nos artigos 350.º, n.º 1, 358.º, 371.º e 376.º, todos do Código Civil, nomeadamente, da prova por confissão, por documentos autênticos, por certos documentos particulares quanto à materialidade das suas declarações e por presunções legais.
Como refere o Acórdão do TCA Sul, de 15.10.2014, proferido no âmbito do processo n.º 07623/14, “[T]al significa que o juiz decide com intermediação de elementos psicológicos inerentes à sua própria pessoa e que por isso não são racionalmente explicáveis e sindicáveis, embora a construção da sua convicção deva ser feita segundo padrões de racionalidade e com uma valoração subjetiva devidamente controlada, com substrato lógico e dominada pelas regras da experiência, o que manifestamente se verifica no caso em apreço.
Por outro lado o princípio da imediação limita a tarefa de reexame da matéria de facto fixada no tribunal a quo, que só pode ser modificada se ocorrer erro manifesto ou grosseiro ou se os elementos documentais fornecerem uma resposta inequívoca em sentido diferente daquele que foi anteriormente considerado (…)”
A alteração da matéria de facto pelo Tribunal ad quem tem lugar necessariamente nos casos de manifesta desconformidade entre as provas produzidas e a decisão proferida, traduzida num erro evidente na apreciação das provas, que implica uma decisão diversa.
A modificabilidade da matéria de facto pressupõe uma clara distinção entre erro na apreciação da matéria de facto e discordância do sentido em que se formou a convicção do julgador.
A tarefa de reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso está limitada aos casos em que ocorre erro manifesto ou grosseiro ou em que os elementos documentais fornecem uma resposta inequívoca em sentido diferente daquele que foi considerado no tribunal a quo.
Mas é preciso não perder de vista que este labor do tribunal só pode ser desenvolvido se, antes, vingar o juízo da necessidade dessa factualidade para a decisão a proferir. É que, como refere no acórdão do TCA Sul de 14.11.2013, proc. 07029/13, «Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e referir se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P. Tributário).».
Acresce dizer que nos termos do artigo 640.º, n.º 2, alínea a) do CPC (correspondente ao anterior artigo 685.º-B, n.º 2 do CPC), «Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considera relevantes.».
3.2.2.2. Isto posto, desde já adiantamos que o alegado no artigo 27.º da p.i. (A contabilidade da impugnante não foi colocada em crise, gozando da presunção de verdadeira e de boa fé) não configura um facto mas, antes, uma conclusão que, por decorrência lógica, nunca deveria ser fixada como “facto” no probatório.
Na verdade e como vem sendo pacificamente entendido, apenas pode ser qualificado como facto jurídico aquele acontecimento ou evento da vida passível de integrar uma causa de pedir, por ser constitutivo, modificativo ou extintivo de direitos ou obrigações.
Ora, o alegado no artigo 27.º da p.i. não integra qualquer causa de pedir e, mesmo que integrasse, não deixaria de ser uma mera conclusão a extrair, tão somente, do teor do próprio relatório inspetivo e nunca do depoimento de uma testemunha.
Improcede, portanto a conclusão 9 das alegações de recurso.
3.2.3. Nas conclusões 14. a 16. pretende a Recorrente que seja valorizado o depoimento da testemunha MM, que reputa de claro e preciso, quanto à razão pela qual o local de carga é a sede da “BLCS”e não o seu estaleiro, quanto ao efetivo local de saída da mercadoria e ao motivo pelo qual vendia abaixo do custo de compra.
Vejamos, então:
Em primeiro lugar, não se afigura relevante o apuramento e fixação do facto que subjaz à menção, nas faturas aqui em crise, do local de carga como sendo o da sede da emitente “BLCS”.
Quanto ao local de carga/saída das mercadorias não se suscita qualquer questão passível de apreciação, tendo em conta que na sentença recorrida foi relevado o depoimento da identificada testemunha nesta parte, bem como foi levado ao probatório (cfr. o já referido ponto 14 dos factos provados) que «As facturas emitidas pela “BLCS, Ldª”, tinham como local de carga a sede da “BLCS, Ldª”, mas a mercadoria era carregada no armazém da “BLCS, Ldª” em Lourosa».
Já no que respeita ao motivo que determinou a “BLCS” a realizar vendas de metais abaixo do preço de custo a Meritíssima Juíza a quo não deixou de relevar o depoimento da testemunha MM, contudo entendeu que (cfr. pág. 22 da sentença) «(…) atento o escopo lucrativo das sociedades comerciais, não é credível que a “BLCS” fornecesse, durante todo esse tempo, material à Impugnante abaixo do custo (não tendo a referida testemunha indicado razões plausíveis para essa prática).».
Não acompanhamos, porém, este entendimento da sentença recorrida quanto à falta de indicação de “razões plausíveis”. Com efeito, da transcrição do depoimento da testemunha MM (cfr. páginas 20 e 21 das alegações de recurso) sobre esta matéria extrai-se o seguinte:
«T: É o mesmo sistema. Porque na semana passada a cotação na bolsa era uma, hoje era outra. E de uma semana para a outra são logo dez cêntimos de diferença. Foi na quinta-feira, Dra. e na sexta-feira pumba, caiu isto na Bolsa.
J: Sim, mas isto não quer dizer que o senhor venda a perder dinheiro. Ninguém está no mercado para perder dinheiro.
T: Dra. mas eu não tenho muito dinheiro. Se tivesse muito dinheiro ficava com o material dentro das portas e esperava pelo dia de amanhã. E hoje não está fácil para isso.
J: Por isso é que eu lhe perguntei para fazer um esforço em 2006, porque em 2006 não estava esta dificuldade que está agora.
T: Está igual.
J. O mercado não estava em recessão em 2006 como está agora.
T: Ó Dra mas a Bolsa é que anda pra baixo e pra cima e consoante das necessidades de cada um.».
Temos assim que a testemunha indicou, efetivamente, razões plausíveis para a venda abaixo do preço de custo. Acresce dizer que, como se infere do anexo 2 ao dito relatório, a AT apenas relevou as diferenças entre preço de aquisição e de venda nas faturas 42, 45, 84 e 93 (em crise nestes autos, a par da n.º 111) o que não nos permite concluir que tal configure uma prática reiterada e contrária à racionalidade económica, evidenciadora da falta de materialidade das operações em causa.
Assim, a convicção da Meritíssima Juíza a quo não assenta em elementos racionalmente objetivos que a confirmem, não podendo manter-se o que a este respeito foi considerado na sentença.
Nesta conformidade, em face da prova testemunhal produzida nos autos e adequadamente transcrita, acrescentamos à matéria de facto provada o, já aditado, ponto 15 que, sendo embora um facto instrumental, resulta da instrução da causa e é concretizador do alegado no artigo 45.º da p.i..
Ainda por ser relevante para a apreciação desta causa, apesar de também instrumental, e constar dos documentos de fls. 58 a 75, igualmente acrescentamos à matéria de facto provada os já aditados pontos 16 a 20.
3.2.4. Atenta a análise já efetuada, podemos avançar para a apreciação do erro de julgamento apontado à sentença, por não considerar indemonstrados todos os indícios elencados pela AT.
Como é sabido, quando a AT desconsidera faturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT competindo-lhe fazer a prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, de que existem indícios sérios, seguros e consistentes de que as operações constantes de determinadas faturas não refletem operações económicas reais, só então passando a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova veracidade das operações tituladas por tais faturas.
Por força do disposto no artigo 346.º do Código Civil, à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório, pode a parte contrária (in casu o contribuinte) opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos e, se o conseguir, a questão é decidida contra a parte onerada com a prova.
Aplicando estas regras ao caso vertente temos que, à prova indiciária produzida pela AT, pode a Recorrente opor contraprova destinada a abalar os indícios apontados por aquela.
Para afastar os indícios trazidos aos autos pela AT a ora Recorrente alegou e demonstrou que:
- não obstante o local referido nas faturas ser o local da sede da “BLCS” e morada pessoal do seu sócio gerente, a mercadoria saía no armazém de Lourosa; assim se afastou o indício de que aquela fornecedora não possuía instalações que lhe permitissem exercer atividade compatível com as vendas tituladas pelas já identificadas faturas;
- tais faturas têm associadas as correspondentes guias de remessa e talões de pesagem emitidos pela aqui Recorrente, o que evidencia uma boa e normal prática comercial;
- foram exibidos os cheques utilizados para pagamento das faturas, bem como as respetivas cópias, de frente e verso e, bem assim, os extratos de conta que evidenciam os descontos de tais cheques;
- algumas das faturas em crise titulam vendas de metais abaixo do preço de aquisição em virtude da flutuação dos valores de mercado dos metais e da indisponibilidade financeira da “BLCS” para aguardar por melhores preços de venda;
- mais resulta provado nos autos que a “BLCS” possuía um armazém com a área descoberta de 3000m2 e coberta de 1000m2, bem como um camião com a matrícula xx-xx-XN, com capacidade para mais de 20 toneladas, e diversa maquinaria adequada ao exercício da sua atividade.
Em face desta factualidade impõe-se concluir que a Recorrente logrou afastar os indícios apontados pela AT, devendo então considera-se que esta não observou o ónus probatório que sobre si impendia e, nessa medida, a questão deve ser contra ela decidida.
Nesta conformidade e em sintonia com o decidido no Acórdão deste TCAN de 7/06/2018, proferido no processo n.º 1095/11.7BEPRT, respeitante ao IVA do ano de 2006 liquidado à aqui Recorrente com base nos mesmos relatórios inspetivos e fundamentos que subjazem à liquidação objeto destes autos, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida e anulando-se a liquidação aqui visada de IRC do ano de 2006.
*
E assim formulamos as seguintes conclusões:
I) Sob pena de incorrer em nulidade, os fundamentos de facto e de direito insertos na sentença devem ser logicamente harmónicos com a sua pertinente conclusão decisória, enquanto corolário do princípio de que aquela deve ser fundamentada de facto e de direito e que tal não se verifica quando haja contradição entre esses fundamentos e a decisão nos quais assenta.
II) Não se verifica aquela nulidade se a sentença recorrida deu como provado que o local de carga das mercadorias era outro que não o mencionado nas faturas, mas depois considerou que a divergência entre o efetivo local de carga e o local de carga referido nas faturas constitui indício seguro da falta de materialidade das operações.
III) Não ocorre omissão relevante de factos com consequências anulatórias se estes, não obstante não terem sido especificamente autonomizados na decisão da matéria de facto, se encontram referenciados e analisados na discussão jurídica da causa.
IV) A Tribunal de 2.ª instância deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se a prova produzida impuser decisão diversa, conquanto o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e indique os concretos meios probatórios que os demonstram.
V) A tarefa de reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso está limitada aos casos em que ocorre erro manifesto ou grosseiro ou em que os elementos documentais fornecem uma resposta inequívoca em sentido diferente daquele que foi considerado no tribunal a quo.
VI) Quando a AT desconsidera faturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT competindo-lhe fazer a prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, de que existem indícios sérios, seguros e consistentes de que as operações constantes de determinadas faturas não refletem operações económicas reais, só então passando a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova veracidade das operações tituladas por tais faturas.
VII) Por força do disposto no artigo 346.º do Código Civil, à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório, pode a parte contrária (in casu o contribuinte) opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos e, se o conseguir, a questão é decidida contra a parte onerada com a prova.
***
4. Decisão
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao presente recurso jurisdicional, revogar a sentença recorrida e anular a liquidação impugnada de IRC do ano de 2006.
Custas a cargo da Recorrente.
Porto, 9 de maio de 2019
Ass. Maria do Rosário Pais
Ass. Cristina da Nova
Ass. Ana Paula Santos