Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00562/16.0BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/13/2017
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Vital Lopes
Descritores:OPOSIÇÃO
GERÊNCIA DE FACTO
Sumário:1– No regime de responsabilidade subsidiária do art.º24.º da LGT, é sobre a Administração tributária, enquanto titular do direito de reversão, que recai o ónus de demonstrar os pressupostos que lhe permitem reverter a execução fiscal contra o gerente da devedora originária e, nomeadamente, os factos integradores do efectivo exercício da gerência, de acordo com a regra geral de direito probatório segundo a qual, àquele que invoca um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito que alega – cf. artigos 342º, nº 1, do Código Civil
2 – Mostra-se cumprido aquele ónus probatório se a dívida respeita a IVA de Fev./2008 e da matéria assente consta que, pelo menos entre 2006 e 2009, a oponente, na qualidade de representante legal da devedora originária, solicitou autorização para o pagamento da dívida exequenda em cobrança coerciva num outro processo executivo instaurado contra a mesma sociedade; se a oponente assinou diversos requerimentos em representação da devedora originária, os quais foram apresentados junto dos Serviços da Autoridade Tributária, e assinou ainda notificações feitas por estes Serviços, dirigidas à devedora originária; se a oponente procedeu a vários depósitos em conta bancária da devedora originária; se a oponente, na qualidade de gerente da devedora originária, aceitou letras de câmbio; se a oponente assinou cheques sacados sobre a conta da devedora originária, bem como assinou diversos orçamentos e recibos emitidos pela devedora originária, referentes a encomendas suas.
3 – Num juízo de normalidade, a prática reiterada no tempo de actos de gerência que visam assegurar o giro comercial da sociedade reflecte o carácter continuado da actividade.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:E...
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE

1 – RELATÓRIO

E..., recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que julgou improcedente a oposição à execução fiscal n.º 0728200801041630 contra ela revertida e originariamente instaurada contra a sociedade “E…– Unipessoal, Lda.” por dívidas de IVA do mês de Fevereiro/2008, pela quantia exequenda de 6.631,04€.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo (fls.112).

Na sequência do despacho de admissão, a Recorrente apresentou alegações e formulou as seguintes «Conclusões:
A. Invocado pela Recorrente, na sua Oposição à Execução Fiscal, um vício de ordem substantiva respeitante à sua ilegitimidade enquanto revertida, nos termos da alínea b) do nº 1 do Art. 204º do CPPT, alegou então que a Administração Tributária não teria comprovado a gerência de facto da devedora originária.
B. Foi igualmente alegado que pela prática de um acto de gerência efectiva no ano de 2010, não podia a Administração Tributária concluir o exercício efectivo por parte da Oponente no mês de Fevereiro de 2008 [cfr. art.º 61º e 62º da P.I.].
C. Importa ter presente que o período tributário a que as dívidas fiscais respeitam, reporta -se a 2008, por referência a dívidas respeitantes a IVA do mês de Fevereiro de 2008, com prazo de pagamento voluntário em 10.04.2008.
D. Significando, em razão do supra vertido, a aplicação a todas as dívidas exequendas do regime legal previsto na Lei Geral Tributária (LGT), interessando em particular os respectivos nº 1 e 2 do Art. 23º e nº 1 do Art. 24º, resultando deste último a inexistência de presunção de gerência de facto com base na mera gerência de direito.
E. Suportando esta premissa, entre outros, o Ac. do Tribunal Central Administrativo Norte, de 21/01/2010; e o Ac. do STA, de 28/02/07; sendo esse entendimento igualmente acolhido pelo Tribunal a quo, convocando na douta sentença o Ac. do STA, de 02/03/2011; o Ac. do Tribunal Central Administrativo Norte, de 29/10/2009; além de menção ao já citado Ac. do STA, de 28/02/07.
F. Constando da douta sentença ser «(...) indubitável que cabe à Administração Tributária, em primeira linha, alegar e demonstrar que o responsável subsidiário exerceu, nos termos consignados no nº 1 do Artigo 24º da LGT, efectivas funções de gerência, entendidas como funções de gestão e representação da sociedade» (p.12 de douta sentença).
G. Tendo sido suscitada pela Administração Tributária a gerência de facto com base no teor da matrícula comercial da devedora originária, através da qual se verifica que a Recorrente seria a única sócia e gerente daquela sociedade unipessoal, considerou, e bem, o Tribunal a quo que «tal facto não é bastante para que se conclua pela inevitável gerência de facto», entendendo que o que consta de registo comercial ou do contrato de sociedade não tem necessariamente correspondência com a realidade dos factos.
H. Tendo, igualmente, sido suscitada a gerência efectiva com base na existência de uma citação realizada em 03.02.2010, na pessoa da ora Recorrente, relativa a um outro processo executivo instaurado contra a mesma devedora originária, considerou o Tribunal a quo, tal circunstância «de pouco relevo», explicando que «a mesma foi realizada pela própria exequente por referência a um outro processo executivo, tendo por base o que constava na matrícula comercial da sociedade em causa» (p.13 de douta sentença).
I. Contudo, viria o Tribunal a quo a concluir pela demonstração do exercício de facto da gerência por parte da ora Recorrente, apoiando-se em conjunto de elementos carreados para o processo pela Exequente e que estão na base dos factos dados como provados sob os pontos 16 a 21.
J. Corresponde a facto provado sob o ponto 16, pedido de pagamento em prestações da dívida exequenda em cobrança coerciva no processo executivo nº 0728200601096257, datado de 22.06.2007, portanto referindo-se a momento anterior ao período tributário.
K. Importando referir que, além da sua menção, explicação alguma é vertida na douta sentença que permita compreender, com a necessária clareza, o itinerário cognoscitivo percorrido pelo Tribunal a quo, na extrapolação presuntiva realizada entre aquele facto e o juízo conclusivo de que o mesmo concorre para a demonstração do exercício de facto da gerência.
L. Realizando o Tribunal a quo um juízo hipotético tendente a enquadrar aquele específico acto no âmbito de uma gerência de facto, igualmente se afigura razoável admitir que, enquanto gerente de direito, que nunca negou ser, se limitou a ora Recorrente a apôr a sua assinatura no pedido M. Pelo que, salvo melhor opinião, afigura-se manifestamente escassa a mera alusão ao referido pedido, o qual se reporta a outro período que não o tributário, sem que esteja fundamentada a sua especial valorização e/ou do contexto em que foi praticado, e de que forma conduziu ao citado juízo conclusivo.
N. Referem-se os restantes elementos carreados aos autos, à assinatura pela ora Recorrente de requerimentos e notificações da Administração Tributária dirigidas à devedora originária, depósitos em conta bancária daquela, aceitação de uma letra na qualidade de gerente daquela, assinatura de um cheque sacado sobre a referida conta bancária e, finalmente, assinatura de orçamentos e de recibos emitidos pela devedora originária
O. Sucede que tais actos, na sua esmagadora maioria, reconduzem-se a 2009 e 2011, por esse facto posteriores ao período tributário a que dizem respeito as dívidas revertidas, as quais, recorde-se, se reportam a Fevereiro de 2008.
P. É relativamente ao período tributário, e não a outro, que a Administração Tributária teria de fazer prova da gerência efectiva da devedora originária por parte da Recorrente, o que, salvo melhor opinião, não alcançou.
Q. E ainda que o próprio Tribunal a quo suscite em douta sentença que os referidos elementos «(...) são elucidativos da existência de uma gerência efectiva anterior e posterior ao tempo em que as dívidas exequendas se venceram», sempre se assinalará não possuirem aqueles consistência temporal, denunciando ocasionalidade e não demonstrando uma prática continuada e reiterada de actos que se integrem funcionalmente na gerência.
R. Mais, não vemos como seja possível, no caso particular do referido cheque ou da letra, extrair-se a efectiva gerência pela ora Recorrente, e reportá-la a um momento que ocorreria três anos antes à data da sua emissão.
S. Não sendo afastada pelo Tribunal a quo em douta sentença a possibilidade de a ora Recorrente apenas pretender cumprir, nessas ocasiões em que apôs a sua assinatura aos referidos documentos, com formais exigências legais, estatutárias e bancárias, sem qualquer percepção ou consciência dos efeitos ou resultados de tais actos.
T. Ou sequer sido identificadas eventuais relações com clientes, trabalhadores ou fornecedores que pudessem concorrer para a densificação daquela decisão, confirmando eventual presença, frequência e envolvimento da ora Recorrente no giro comercial e gestão diária da sociedade.
U. Do que antecede, salvo melhor entendimento, resulta ter falhado, por insuficiente, a prova de que a ora Recorrente exercia de facto a gerência da devedora originária, praticando actos próprios e típicos, inerentes a esse exercício nos anos a que se reporta o período tributário.
V. Como tal, pelo que vimos de dizer, refuta-se a respectiva responsabilização, a título subsidiário, pelo pagamento das dívidas exequendas, pelo que se conclui que a ora Recorrente é parte ilegítima na referida execução fiscal.
W. Razões existem, pois, para sustentar, com o devido respeito, que mal andou o Tribunal a quo na parte em que julgou improcedente a Oposição à execução fiscal deduzida, apoiando-se em factos alegadamente indiciários da gerência de facto pela Recorrente, cuja valoração e julgamento se revela errónea, por inconsistente e contraditória; insuficiente, por não se reportar ao período tributário; e não fundamentada, assim se justificando que o presente recurso deva proceder.
Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis, sempre com o mui douto suprimento de V/Exªs., deverá ser dado provimento ao presente recurso e revogada a sentença recorrida e, em consequência, considerar-se procedente a Oposição à Execução Fiscal, com as devidas consequências legais.
Assim se fazendo a sã e materialmente desejada justiça».

A Recorrida não contra-alegou.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu mui douto parecer concluindo que a decisão recorrida não merece censura, pelo que é de negar provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, cumpre decidir.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações do Recorrente (cf. artigos 635.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), a questão a resolver reconduz-se, nuclearmente, a indagar se a sentença incorreu em erro de julgamento de facto e de direito ao concluir que a oponente exerceu a gerência de facto no período a que se reportam as dívidas.

3 – DA MATÉRIA DE FACTO

Em sede factual, deixou-se consignado na sentença recorrida:

«Dos Factos
Compulsados os autos e analisada a prova produzida, dão-se como provados, com interesse para a decisão, os seguintes factos:
1. Em 13.05.2008 foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Coimbra-1 contra E… - Unipessoal Lda., NIF 5…, com sede na Rua…, 3000 Coimbra, o processo de execução fiscal n.º 0728200801041630, por dívidas de IVA do mês de Fevereiro de 2008, no valor de €6.631,04, tendo o imposto data limite de pagamento em 10.04.2008; Cfr. capa do referido PEF e certidão de dívida n.º 2008/155534.
2. Em 27.02.2012 a devedora originária foi declarada insolvente por sentença proferida no processo n.º 4567/11.0TJCBR que corria termos no 5.º Juízo Cível de Coimbra, transitada em julgado em 19.04.2012; Cfr. Inscrição 5 à matrícula comercial da visada sociedade - factos levados a registo pelas AP. 28/20120301 e AP. 37/20120605, cfr. certidão permanente da visada matrícula, acedida em 20.11.2015, presente a fls. 7 e ss. do PEF em apenso. Cfr. anúncio do visado Tribunal, publicado no portal CITIUS, de acesso público em http://www.citius.mj.pt/Portal/consultas/ConsultasCire.aspx.
3. Em 30.11.2012 foi proferida decisão de encerramento do aludido processo de insolvência, por insuficiência da massa insolvente; Cfr. Inscrição 7 e 8 à matrícula comercial da visada sociedade - facto levado a registo pela AP. 24/20121206 (registo provisório por natureza) e AP. 30/20130201 (convertido), cfr. certidão permanente da visada matrícula, acedida em 20.11.2015, presente a fls. 7 e ss. do PEF em apenso. Cfr. anúncio do visado Tribunal, publicado no portal CITIUS, de acesso público em http://www.citius.mj.pt/Portal/consultas/ConsultasCire.aspx.
4. Em 14.04.2015 foi proferida decisão de encerramento da liquidação da sociedade devedora originária e cancelada a respectiva matrícula comercial; Cfr. Inscrição 9 e 10 à matrícula comercial da visada sociedade - factos levados a registo pela AP. 38/20150414 e OF. 1 à mesma AP., cfr. certidão permanente da visada matrícula, acedida em 20.11.2015, presente a fls. 7 e ss. do PEF em apenso.
5. Em 20.11.2015 foi elaborada certidão de diligências negativa no PEF aludido em 1., com o seguinte teor:
«1. Certifico que nesta data, não são conhecidos bens penhoráveis à executada, E… - UNIPESSOAL LDA., NIF 5…;
2. A sociedade iniciou a sua actividade em 03/10/2001, em 27/02/2012 foi declarada insolvente, em 30/11/2012 foi encerrado o processo de insolvência por insuficiência da massa insolvente e encontra-se extinta na Conservatória de Registo Comercial desde 14/04/2015;
3. Das diligências efectuadas verifica-se que nos períodos em dívida é/são responsável/eis subsidiário/s (Cf. Artº 159 e 160° do CPPT):
a) NIF 1…– E…, de 03/10/2001 a 14/04/2015»; Cfr. fls. 3 do PEF em apenso.
6. Na mesma data foi elaborado pelo Chefe do Serviço de Finanças de Coimbra-1 projecto de decisão de reversão contra a ora Oponente, com o seguinte teor:
«1. Processo de execução fiscal: 728200801041630
2. Executado(a) ou devedor originário: E… - UNIPESSOAL LDA., NIF – 5…- Sede: Rua…;
3. Dívidas Tributárias: As dívidas perfazem a quantia exequenda de € 6631,04, cujos processos, títulos executivos, natureza dos tributos, períodos a que respeitam e respectivo valor, constam da relação anexa que faz parte integrante deste projecto de decisão.
4. De acordo com o informado e compulsados os elementos disponíveis nas bases de dados da Autoridade Tributária e Aduaneira, conclui-se pela inexistência e ou insuficiência de bens penhoráveis ao originário devedor.
5. Não são conhecidos responsáveis solidários.
6. Conforme certidão da Conservatória do Registo Comercial que é parte integrante
desde projecto de decisão, o(s) gerente(s) que execeu(ram) funções de administração, na sociedade executada, no(s) período(s) da(s) divida(s) acima identificada(s), cujo prazo de pagamento ou entrega terminou no período do seu cargo foi(ram)
a) E… - NIF 1…- 3000-329 COIMBRA responsável de 03/10/2001 a 14/04/2015, na quantia exequenda de €6.631,04;
7. A gerência de facto comprova-se em relação a E…, pela assinatura de certidão de citação que se anexa cópia a este projecto de decisão; 8. O Direito: Nos termos dos artigos 22, 23 e alínea b) do nº 1 do 24° todos da Lei Geral Tributária e tendo em conta os factos descritos a responsabilidade pelas dívidas tributárias pode abranger subsidiariamente os gerentes e outras pessoas que exerceram de facto as funções de administração ou gestão na pessoa colectiva quando o prazo legal de pagamento ou entrega de tais dívidas, tenha terminado no período do exercício do seu cargo quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.
Tal responsabilidade efectiva-se por reversão do(s) processo(s) de execução fiscal, nos termo dos artigos 153º e 159º ambos do Código do Procedimento e do Processo Tributário, logo que se verifique a inexistência ou fundada insuficiência de bens penhoráveis do devedor principal.
Assim sendo, pode concluir-se estarem reunidas as condições, com vista à reversão da execução.»; Cfr. fls. 4 do PEF em apenso.
7. Enviada uma primeira notificação em 25.11.2015 para o domicílio fiscal da ora Oponente, para efeitos de exercício do direito de audição prévia à reversão, veio a mesma devolvida com a menção de “desconhecido”; Cfr. fls. 12-15 do PEF em apenso
8. O mesmo sucedendo com a tentativa de segunda notificação, enviada em 30.11.2015;
Cfr. fls. 16-17 do PEF em apenso.
9. Em 02.02.2016 a ora Oponente mudou o seu domicílio fiscal para a Rua…, 3000-041 Coimbra; Cfr. fls. 18 e ss. do PEF em apenso.
10. Em 05.02.2016 o Chefe do Serviço de Finanças de Coimbra-1 proferiu despacho de reversão contra a ora Oponente, relativamente às dívidas em cobrança coerciva no processo de execução fiscal identificado em 1., com o seguinte teor:
«Face ao projecto de decisão de 20/11/2015 e após notificação para efeitos de direito de audição ao(s) responsável(eis) E..., notificada em 03/12/2015, nos termos do nº 5 e nº 6 do artigo 39° do CPPT e do nº 4 do artigo 19° da Lei Geral Tributária, verifica-se que o(s) mesmo(s) não veio exercer o seu direito de audição, pelo que não se tendo aferido ou trazido ao processo novos elementos que contrariem os pressupostos em que se apoiou a decisão: Reverto a execução, com os fundamentos expressos no projecto de decisão, contra o(s) identificado(s) responsável(eis):
a) E… - NIF 1…- pela dívida de €6.631,04;
Cite-se nos termos dos artigos 160° e 189° a 194° todos do Códigos de Procedimento e de Processo Tributário.»; Cfr. o referido despacho presente a fls. 17-A do PEF em apenso.
11. Em 12.02.2016 foi recepcionado no domicílio fiscal da ora Oponente, por terceira pessoa, o ofício tendente à sua citação como revertida, enviado no seguimento do despacho referido no ponto anterior, tendo sido realizada posteriormente a advertência prevista no artigo 241.º do Código de Processo Civil; Cfr. ofício de citação e AR respectivo e ofício referente ao cumprimento do disposto no art.º 241.º do CPC, a fls. 20 e ss. do PEF em apenso.
12. Em 14.03.2016 a ora Oponente requereu protecção jurídica no âmbito do processo de execução fiscal referido em 1., nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e de nomeação e pagamento de compensação de patrono, a qual lhe foi concedida nas modalidades requeridas, por decisão do Centro Distrital de Coimbra do Instituto da Segurança Social, I.P., de 21.03.2016; Cfr. requerimento de protecção jurídica e decisão da Segurança Social a fls. 6-9 e 30 dos autos.
13. Foi nomeado patrono pela Ordem dos Advogados, no âmbito do pedido referido no ponto anterior, o qual foi notificado da sua nomeação no dia 01.06.2016; Cfr. mensagem de correio electrónico da Ordem dos Advogados a fls. 27 dos autos.
14. A presente Oposição foi recepcionada no Serviço de Finanças de Coimbra-1 no dia 29.06.2016; Cfr. mensagem de correio electrónico a fls. 10 dos autos.
Mais se provou que:
15. A ora Oponente consta como única sócia e única gerente na matrícula comercial da devedora originária, desde o momento da sua constituição; Cfr. Inscrição 1 à matrícula comercial da visada sociedade - factos levados a registo pela AP. 13/20011003, cfr. certidão permanente da visada matrícula, acedida em 20.11.2015, presente a fls. 7 e ss. do PEF em apenso.
16. Em 22.06.2007 a ora Oponente, na qualidade de representante legal da devedora originária, solicitou junto do Chefe do Serviço de Finanças de Coimbra-1 autorização para o pagamento da dívida exequenda em cobrança coerciva no processo executivo n.º 0728200601096257 e apensos, instaurados conta a mesma sociedade, em 12 prestações, «em virtude de não lhe ser possível solver a mesma na totalidade uma só vez, devido a dificuldades de tesouraria», dando como garantia «uma viatura Volvo matrícula VX»; Cfr. requerimento a fls. 52 frente dos autos.
17. A ora Oponente assinou diversos requerimentos em representação da devedora originária, os quais foram apresentados junto dos Serviços da Autoridade Tributária, e assinou ainda notificações feitas por estes Serviços, dirigidas à devedora originária, mormente em 25.06.2006, 31.03.2011 e 29.07.2011; Cfr. documentos a fls. 55 verso e 58 frente e verso dos autos.
18. A ora Oponente procedeu a vários depósitos em conta bancária da devedora originária, domiciliada no …banco, mormente em 20.07.2009 e 14.12.2009; Cfr. documentos a fls. 57 frente e verso dos autos.
19. A ora Oponente, na qualidade de gerente da devedora originária, aceitou uma letra emitida em 21.02.2009 e com vencimento em 21.04.2009, no valor de €14.455,32, em que consta como sacador A…, Lda.; Cfr. documento a fls. 56 verso dos autos.
20. A ora Oponente assinou cheque datado de 19.09.2009 sacado sobre a conta da devedora originária, domiciliada no …banco, no valor de €2.000,00; Cfr. documento a fls. 61 frente dos autos.
21. A ora Oponente assinou diversos orçamentos e recibos emitidos pela devedora originária, referentes a encomendas, datados dos meses de Maio, Setembro e Outubro de 2009; Cfr. documentos a fls. 61 verso, 62 frente, 66 verso e 67 frente e verso dos autos.
22. Em 03.02.2010 foi a devedora originária citada pessoalmente, na pessoa da ora Oponente, no âmbito do processo executivo principal n.º 0728200801105027 instaurado igualmente pelo Serviço de Finanças de Coimbra-1, sendo esta citação a referida no despacho de reversão aludido em 6. e 10.; Cfr. certidão de citação a fls. 10 do PEF em apenso.
23. Em 20.11.2012 a ora Oponente foi declarada insolvente por sentença proferida em tal data no processo n.º 3111/12.6TJCBR que correu termos no 2.º Juízo Cível De Coimbra; Cfr. anúncio do visado Tribunal, publicado no portal CITIUS, de acesso público em http://www.citius.mj.pt/Portal/consultas/ConsultasCire.aspx. Igualmente a fls. 68 verso dos autos.
24. Em 04.02.2013 foi o visado processo de insolvência encerrado por «inexistência total de bens apreensíveis para a massa insolvente», com efeitos do encerramento os previstos no artigo 233.º do CIRE, tendo tal decisão transitado em julgado em 22.02.2013. Cfr. anúncio do visado Tribunal, publicado no portal CITIUS, de acesso público em http://www.citius.mj.pt/Portal/consultas/ConsultasCire.aspx, igualmente a fls. 69 frente dos autos e documento a fls. 8 dos autos (cópia de certidão elaborada no âmbito daqueles autos, em 12.04.2013).
*
Não existem factos alegados a dar como não provados e a considerar com interesse para a decisão.
**
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no teor dos documentos constantes dos autos, dos processos de execução fiscal em apenso e da consulta aos documentos relativos à insolvência publicados no Portal CITIUS, tudo conforme referido a propósito de cada um dos pontos do probatório».

4 – APRECIAÇÃO JURÍDICA

Como se disse, são as conclusões extraídas pelo Recorrente das respectivas alegações que delimitam o âmbito do recurso. E assim sendo, a questão a resolver reconduz-se a saber se da prova produzida resulta que a oponente exercia a gerência da devedora originária.

Como é jurisprudência pacífica do STA (cf. por todos os acórdãos do Pleno da Secção do Contencioso Tributário, de 24/3/2010, tirado no proc.º58/09 e de 11/05/2011, tirado no proc.º0175/11, bem como os demais arestos neste último citados), a responsabilidade subsidiária dos gerentes e respectivos pressupostos é matéria regulada pela lei vigente à data do facto gerador dessa responsabilidade.

Assim, estando em causa dívida exequenda proveniente de IVA de Fevereiro/2008, o regime de responsabilidade subsidiária dos gerentes concretamente aplicável é o previsto no art.º24º da LGT, que foi, aliás, o normativo invocado pelo órgão de execução fiscal no acto de reversão.

O n.º1 desse art.º24º da LGT, estabelece o seguinte:

«1. Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.
2 – (…)».

Na repartição do ónus de prova quanto aos pressupostos da responsabilidade subsidiária dos gerentes que decorre desse preceito, (i) incumbe à AT comprovar a alegação de exercício efectivo do cargo e a culpa do revertido na insuficiência do património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado para a satisfação da dívida tributária, quando esta se tenha constituído no período de exercício do cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado após aquele exercício (al. a) do nº 1 do art.º24º da LGT); (ii) incumbe à AT comprovar a alegação de exercício efectivo do cargo e incumbe ao revertido comprovar que não lhe é imputável a falta de pagamento pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo (al. b) do nº 1 do art.º24º da LGT).

Tendo a reversão sido concretizada ao abrigo da alínea b) do n.º1 do art.º24.º da LGT, à Administração tributária cabe fazer a prova do exercício de facto da gerência da oponente e a esta que não lhe é imputável a falta de pagamento pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo.

Resulta desse normativo que a responsabilidade subsidiária é atribuída em função do exercício do cargo de gerente e reportada ao período do respectivo exercício. Ou seja, a gerência de facto, real e efectiva, constitui requisito da responsabilidade subsidiária dos gerentes, não bastando, portanto, a mera titularidade do cargo, ou o que se designa por gerência nominal ou de direito.

Ora, é sobre a Administração tributária, enquanto titular do direito de reversão, que recai o ónus de demonstrar os pressupostos que lhe permitem reverter a execução fiscal contra o gerente da devedora originária e, nomeadamente, os factos integradores do efectivo exercício da gerência, de acordo com a regra geral de direito probatório segundo a qual, àquele que invoca um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito que alega – cf. artigos 342º, nº 1, do Código Civil e 74º, nº 1, da LGT.

Com efeito, não há qualquer presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente nominal ou de direito, o efectivo exercício da função e que faça inverter o referido ónus de prova que recai sobre a Administração tributária, cumprindo salientar que da inscrição no registo comercial da nomeação de alguém como gerente apenas resulta a presunção legal (art.º11º do Código do Registo Comercial) de que o nomeado é gerente de direito, não de que exerce efectivas funções de gerência e só quem tem a seu favor uma presunção legal, escusa de provar o facto a que ela conduz (art.º350º, nº 1, do Código Civil).

A este propósito, deixou-se consignado no acórdão do STA, de 02/03/2011, proferido no proc.º0944/10, o seguinte:
«Na verdade, há presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC).
As presunções legais são as que estão previstas na própria lei.
As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.).
De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.
No entanto, como se refere no acórdão deste STA de 10/12/2008, no recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.
E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.).
Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal.
Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.»
Todavia, ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente que a revertida tinha não se pode presumir a gerência de facto, é possível efectuar tal presunção se o Tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de esse exercício da gerência de facto ter ocorrido.
Mas, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, nunca há num processo judicial apenas a ter em conta o facto de a revertida ter a qualidade de direito, pois há necessariamente outros elementos que, abstractamente, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, o que as partes alegaram ou não e a prova que apresentaram ou deixaram de apresentar».

Com este pano de fundo, regressemos aos autos.

Consta da matéria assente integrada na sentença, nomeadamente, que: (i) a Oponente consta como única sócia e única gerente na matrícula comercial da devedora originária, desde o momento da sua constituição; (ii) Em 22.06.2007 a oponente, na qualidade de representante legal da devedora originária, solicitou junto do Chefe do Serviço de Finanças de Coimbra-1 autorização para o pagamento da dívida exequenda em cobrança coerciva no processo executivo n.º 0728200601096257 e apensos, instaurados contra a mesma sociedade, em 12 prestações, «em virtude de não lhe ser possível solver a mesma na totalidade uma só vez, devido a dificuldades de tesouraria», dando como garantia «uma viatura Volvo matrícula 28-64-VX»; (iii) a oponente assinou diversos requerimentos em representação da devedora originária, os quais foram apresentados junto dos Serviços da Autoridade Tributária, e assinou ainda notificações feitas por estes Serviços, dirigidas à devedora originária, mormente em 25.06.2006, 31.03.2011 e 29.07.2011; (iv) a oponente procedeu a vários depósitos em conta bancária da devedora originária, domiciliada no …banco, mormente em 20.07.2009 e 14.12.2009; (v) a oponente, na qualidade de gerente da devedora originária, aceitou uma letra emitida em 21.02.2009 e com vencimento em 21.04.2009, no valor de €14.455,32, em que consta como sacador “A…, Lda.”; (vi) a oponente assinou cheque datado de 19.09.2009 sacado sobre a conta da devedora originária, domiciliada no …banco, no valor de €2.000,00; (vii) a oponente assinou diversos orçamentos e recibos emitidos pela devedora originária, referentes a encomendas, datados dos meses de Maio, Setembro e Outubro de 2009 – cf. pontos 15 a 21 da matéria assente.

Não impugnando embora a factualidade provada, a Recorrente discorda das ilações extraídas daquela factualidade, que entende, não deveriam levar a concluir pelo exercício efectivo da gerência pois não ficou demonstrada a prática de actos de gerência no período a que respeita a dívida, isto é, Fevereiro/2008, devendo antes concluir-se pelo afastamento da sua responsabilidade.

Mas a Recorrente não tem razão.

A série de actos descritos no probatório e temporalmente localizados reflectem o exercício continuado da actividade normalmente praticada pelos gerentes na prossecução do objecto social, não estamos em presença de actos isolados não incompatíveis com uma gerência de tipo nominal.

Os actos descritos praticados pela oponente em representação da devedora originária e no interesse desta, consubstanciam claramente operações destinadas a assegurar o giro comercial da sociedade e assumindo carácter de actividade continuada, pelo menos desde 2006, prolongando-se até 2009, abrangem o período de Fevereiro/2008, a que respeita a dívida exequenda.

Se ocorreram circunstâncias concretas que devessem ser ponderadas e inquinam o juízo de facto extraído quanto ao carácter continuado da gerência, elas não integram a factualidade conhecida no processo.

E assim, a conclusão da Mma. juiz extraída da matéria de facto assente quanto ao exercício efectivo da gerência do oponente no período a que respeita a dívida, não merece censura, sendo de confirmar a sentença recorrida e de negar provimento ao recurso.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo da Recorrente (litiga com apoio judiciário – vd. fls.30).
Porto, 13 de Julho de 2017
Ass. Vital Lopes
Ass. Cristina da Nova
Ass. Pedro Vergueiro