Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01762/11.5BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/26/2018
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Pedro Vergueiro
Descritores:IRS
JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO
CORRECÇÃO À MATÉRIA COLECTÁVEL
ARTIGO 23º DO CIRC (POR REMISSÃO DO ARTIGO 32º DO CIRS ENTÃO VIGENTE)
Sumário:I) Ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 662º do C. Proc. Civil, incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
II) Sobre a administração tributária recai o ónus de provar os factos constitutivos do direito à liquidação adicional e sobre o sujeito passivo recai o ónus de provar os factos constitutivos do direito à anulação dessa liquidação – artigo 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária.
III) Estando em causa o imposto sobre o valor acrescentado deduzido com base em facturas que, alegadamente, não têm subjacente nenhuma transacção, cabe à administração tributária demonstrar a adequação entre os factos-índice recolhidos no procedimento e o juízo sobre a inexistência do facto que confere o direito à dedução e ao sujeito passivo demonstrar a existência do facto tributário.
IV) A administração tributária não cumpre o ónus que sobre si recai se os factos-índice invocados não estão suportados em dados objectivos ou não são adequados a suportar a sua conclusão, nomeadamente quando a elaboração do RIT subjacente aos presentes autos tem como pano de fundo, aparentemente, a existência de matéria sobre várias empresas do sector da cortiça, sendo que logo no intróito deveria ter sido feito o enquadramento da situação por forma a tornar claro o desenho da situação em apreço, sob pena de resumir o procedimento a apurar se a aqui Recorrida contabilizou facturas deste ou daquele sujeito passivo, a quem se colou o rótulo de “emitente de facturas falsas”, o que redunda numa situação de “pesca de arrasto”.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:A...
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
A..., devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 22-04-2015, que indeferiu o pedido de adiamento da audiência de inquirição de testemunhas.
Igualmente inconformado, veio o Excelentíssimo Representante da Fazenda Pública, devidamente identificado nos autos, interpor recurso jurisdicional da decisão do mesmo TAF, datada de 04-12-2017, que julgou procedente a pretensão deduzida por A... na presente instância de IMPUGNAÇÃO, relacionada com a liquidação adicional de IRS n.º 2009 0000193734, do exercício de 2004, no montante global de €108.482,60.

Relativamente ao recurso do despacho interlocutório proferido em 22-04-2015, o Recorrente formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 185-194), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…)
1° - O despacho de fls... dos autos, que indeferiu o pedido de adiamento da inquirição de testemunhas com base em doença, justo impedimento e motivo de força maior, do mandatário do impugnante sentença recorrida é uma autêntica decisão surpresa.
2° - Desde logo e no entender do ora recorrente, a sentença do Tribunal recorrido viola o exercício e direito ao contraditório, nomeadamente, o disposto nos art°s 3, 151 n°5 e 603 n°1, in fine, todos do CPC e o art°6 do CPPT.
3° - Na verdade, a decisão do indeferimento do pedido de adiamento da inquirição de testemunhas, não foi comunicada, em tempo útil (via telefone) nem ao impugnante, nem ao seu mandatário, art° 268 n°3 da C.R.P.
4° - No sentido agora defendido pelo recorrente veja-se o Ac. TCAN de 25-05-2006, Recurso n° 330/017 citado por Jorge Lopes de Sousa, in CPPT anotado, pag. 850, edição de 2006, volume I.
5° - Por último a interpretação que o Tribunal recorrido fez do disposto no art° 118 n°4, do CPPT, viola no entender do recorrente, pelas razões apresentadas supra, o disposto nos art°s 2, 13, 20 e 268 n°3, todos da Constituição da República Portuguesa, o que alega e para os devidos efeitos legais.
6° - Foi, pois, no entender da recorrente violados no caso concreto com tal interpretação o princípio fundamental do Estado de Direito e os seguintes subprincípios: subprincípio do Estado Constitucional ou da Constitucionalidade; subprincípio da independência dos Tribunais e do acesso à justiça; do subprincípio da prevalência da lei; no subprincípio da segurança jurídica e da confiança dos cidadãos; no subprincípio das garantias processuais e procedimentais ou do justo procedimento, e conforme discriminado na motivação supra referida.
7° - No subprincípio das garantias processuais e procedimentais ou do justo procedimento e direito ao contraditório, aflorado em diversos preceitos da C.R.P. e segundo o qual a todos é garantido um procedimento justo e adequado de acesso ao direito e de realização do direito.
8° - Entende, ainda, o ora recorrente que para além da referida inconstitucionalidade, a referida decisão padece de nulidade, uma vez que o Tribunal recorrido proferiu decisão cujos fundamentos estão em oposição com a decisão e não se pronunciou sobre questões que deveria ter tomado conhecimento - art° 615 n°1 alíneas b), c) e d) do CPC, o que se alega e para os devidos efeitos legais.
9° - A decisão recorrida, violou para além dos preceitos legais supra mencionados o art° 6 do CPPT e os art°s 3, 151, 603 n°1, 615, todos do CPC, para além dos art°s 2, 13, 20, 205 e 268 n°3 da Constituição da República Portuguesa.
Por todas as razões supras aludidas - itens I e II o presente recurso deverá ser julgada procedente na sua totalidade, e em consequência deve ser revogado o despacho de fls... dos autos que não adiou a inquirição de testemunhas por justo impedimento e motivo de força maior.
TERMOS em que por todas as razões supra expostas julgando o presente recurso totalmente procedente farão V. Exas. inteira justiça.”

Não houve contra-alegações.

Quanto ao recurso da sentença proferida em 04-12-2017, o ERFP formulou nas respectivas alegações (cfr. fls.257-263), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…)
A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2009 0000193734, referente ao exercício económico de 2004, no montante de € 108.482,60, por a Administração Tributária (doravante, AT), haver concluído, resultante do apuramento de um conjunto de factos e provas, que determinadas facturas registadas na contabilidade da impugnante, não consubstanciam operações reais.
B. Não pode a Fazenda Pública conformar-se com o doutamente decidido, porquanto considera que da prova produzida não é de extrair a conclusão que serviu de base à decisão proferida, padecendo a mesma de erro de julgamento na apreciação da matéria de facto, nomeadamente pela forma como não valorou a prova produzida e constante do relatório de inspecção tributária (RIT), desrespeitado ainda as regras de repartição do ónus da prova, quer da matéria de direito, uma vez que não efectuou correcta subsunção dos factos dados como provados às normas jurídicas invocadas – artigos 74º da LGT e do artigo 23.º do Código do IRC (CIRC), por remissão do artigo 32.º do Código do IRS (CIRS), pelas razões que passa a expender.
- Vejamos:
C. Considera a AT que as operações e o valor mencionado nas facturas em causa não correspondem à realidade, tendo demonstrado a existência de indícios sérios de que as operações referidas nas facturas foram simuladas.
D. A AT fez prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação.
E. A lei não exige senão indícios fundados, ou seja, não impõe à AT a “prova provada” de que por detrás dos documentos não está a realidade que reflectem, bastando indícios fundados para fazer cessar a presunção de veracidade da contabilidade e dos respectivos documentos de suporte, a favor do contribuinte (1).
(1) Acórdão do Pleno da Secção do CT do STA, de 17.02.2016, no processo n.º 0591/15, disponível em www.dgsi.pt.

F. A factualidade apurada, e devidamente explanada no relatório de inspecção, é bastante para se concluir que as visadas facturas não reportam custos correspondentes a operações reais.
G. A constatação dos indícios de falsidade das facturas poderá ser efectuada em ambos os sujeitos das operações económicas, devendo, inclusive, direccionar-se preferencialmente ao emitente das facturas.
H. Na situação sub judice, além dos indícios recolhidos no terreno dos emitentes das facturas desconsideradas, a factualidade apurada confronta-nos, ainda, com indícios significativos e, sobretudo, típicos dos procedimentos de utilização de “facturas falsas”, susceptíveis de serem preenchidos em função da específica e estrita actuação do aqui Impugnante, factualidade essa, devidamente explanada e fundamentada no relatório da inspecção que o Tribunal a quo não atendeu na factualidade apurada pela AT.
I. A AT enunciou diversos factos indiciários que são demonstrativos de que os emitentes das facturas em causa nos autos não venderam as mercadorias a que estas se referem.
J. Analisados tais indícios no seu conjunto é evidente que os mesmos são claramente suficientes para suportar a conclusão pretendida pela AT.
K. Aqui reside o referido erro de julgamento.
L. Foi possível à AT apurar factualidade com relevância para apreciação e decisão da causa, estando a mesma devidamente explanada nos Capítulos II e III do relatório da inspecção tributária (RIT) junto aos autos, para o qual, por brevidade, remetemos.
M. Não fez o Impugnante prova capaz de afastar a valia técnica e valor probatório do RIT. (2)
(2) Em abono do que se deixou expresso, vide o Acórdão do TCA – Sul, de 13/04/2010, no processo nº 02800/08, disponível em www.dgsi.pt
N. A AT, como lhe competia, cumpriu o ónus da prova quanto aos factos constitutivos do seu direito de actuação, i.e., do seu direito de tributar, devidamente explicitado no RIT.
O. Desta forma, e por todo o conjunto de factos apurados, apenas poderia a AT ter concluído como concluiu.
- Assim,
P. A actuação dos emitentes das facturas consubstancia suporte adequado a um juízo inicial de suspeita quanto à efectiva realidade da venda mencionada na factura.
Q. A AT logrou provar abundantes indícios demonstrativos de que às facturas e vendas a dinheiro contabilizadas pela impugnante, e cujo aumento de custos pretendiam titular, não subjazem as operações que nelas se referem, por os serviços não terem sido prestados.
R. O entendimento final de que as facturas titularam negócios simulados, no sentido de negócios sem adesão à realidade, mostra-se, formal e substancialmente fundamentada não tendo a AT que demonstrar o que quer que fosse mais.
S. As vendas a dinheiro e as facturas emitidas pelos “fornecedores” do Impugnante e por este contabilizadas como compras, não corresponderam a efectivas transmissões de bens, antes configuram operações simuladas, logo não poderiam ter sido consideradas como custo fiscal, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC. (3)
(3)Apenas se consideram como custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
T. Tratou-se de operações simuladas, sem qualquer conteúdo comercial e, uma prática abusiva com um objectivo contrário àquele que o normativo legal pretende acautelar – a salvaguarda da cadeia da dedução do imposto.
U. A prática é abusiva porque, apesar das operações em causa pretenderam dar cumprimento formal aos normativos legais, tal prática tem como resultado a obtenção de uma vantagem fiscal cuja concessão é contrária ao objectivo prosseguido por esse mesmo normativo,
V. visando com a sua conduta (i) a redução da obrigação de pagamento de IRS, em consequência da diminuição do rendimento declarado e (ii) a redução da obrigação de pagamento de IVA nos períodos de imposto em que, em consequência dessas simulações, foi apurado e declarado um débito de imposto inferior ao devido.
W. No seu conjunto, os indícios recolhidos são fortes, objectivos e suficientes, os quais, analisados, reitera-se, no seu conjunto, só se pode retirar a válida conclusão de existência de facturação fictícia, incorrendo assim, o Tribunal a quo em erro de julgamento, no tocante à apreciação que fez da matéria de facto, nomeadamente por ter desrespeitado as regras de repartição do ónus da prova, ao decidir pela procedência da impugnação. (4)
(4) Neste sentido, o sumário do douto Acórdão de 01.03.2007, no processo n.º 00027/00 – COIMBRA
X. Do exposto se infere que a sentença recorrida fez uma aplicação inadequada do disposto nos artigos 74º da LGT e 23.º do CIRC, por remissão do artigo 32.º do CIRS, incorrendo também em erro de julgamento no tocante à apreciação que fez da matéria de facto, e por ter desrespeitado as regras de repartição do ónus da prova.
Termos em que, deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, com as legais consequências, assim se fazendo a desejada JUSTIÇA!”

O recorrido A... apresentou contra-alegações em defesa da manutenção da sentença, embora sem formular conclusões.

O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido da extinção, por inutilidade superveniente, do recurso interposto do despacho interlocutório, devendo conceder-se provimento ao recurso interposto da sentença – cfr. fls. 274-276 dos autos.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, impondo-se apreciar o descrito erro de julgamento de facto e de direito com referência à legalidade da liquidação de IRS impugnada, emitida pela Administração Tributária, com referência ao ano de 2004, no seguimento das correcções aritméticas efectuadas de acordo com o disposto no artigo 23º do Código do IRC (por remissão do artigo 32º do Código do IRS então vigente) ao Recorrido no pressuposto de que as facturas por “E…, Lda.”, F…, J…, D… e Franc…, nesse ano contabilizadas por esse sujeito passivo são falsas, não podendo ser consideradas como custo fiscal.
3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
A fls. 171 dos autos, consta a seguinte decisão:
“Atento o artigo 118º, n°4 do CPPT nada há a ordenar, mantendo-se a data designada para a realização da diligência de inquirição de testemunhas. Notifique da forma mais expedita.”

Já na sentença de fls. 228 a 247, consta o seguinte:
“(…)
Factos provados
1. O Impugnante encontra-se coletado pela atividade de comércio por grosso de sucatas, com o CAE 46771 – cfr. fls. 22 do PA;
2. No seguimento da ordem de serviço n.º OI 200604420, foi aberta uma inspeção externa ao Impugnante, de âmbito parcial, referente a IVA e IRS e ao exercício de 2004 – cfr. fls. 22 do PA;
3. O Impugnante assinou a ordem de serviço n.º OI 200604420 em 25 de Setembro de 2008 – cfr. fls. 99 do procedimento de Reclamação Graciosa apenso;
4. No dia 17 de Março de 2009 foi entregue ao Impugnante o Relatório de Inspeção – cfr. “termo de notificação” de fls. 160 do procedimento de Reclamação Graciosa apenso;
5. Os serviços de inspeção concluíram pela necessidade de efetuar correções à matéria tributável, não aceitando como custo as faturas emitidas pelos sujeitos passivos “E…, Lda.” (NIPC 5…); F… (NIF 1…); J… (NIF 1…); D… (2…2); e Franc… (NIF 1…), por violação do número 1 do artigo 23.º do Código do IRC, por inexistência de uma efetiva operação comercial – cfr. fls. 24, 63 e 64 do PA;
6. Quanto à sociedade E…, apresentaram como indícios dessa inexistência:
a) A sociedade ter declarado apenas a aquisição de mercadoria a fornecedores conotados com a emissão de faturas falsas;
b) A sede da empresa tratar-se de um apartamento de habitação, arrendado pelo gerente, sem meios adequados para o exercício da atividade, sem que existissem indícios de esta se desenvolver noutro local;
c) Os veículos indicados nas vendas a dinheiro, matrículas BU e QM, não são propriedade da empresa nem constam dos registos contabilísticos da empresa;
– Cfr. capítulo 2.2.1 do Relatório de Inspecção, fls. 25 a 30 do PA, e fls. 135 a 143, que se dão por reproduzidas;
7. Quanto ao fornecedor F…, apresentaram como indícios:
a. Inexistência de estrutura comercial que suportasse as vendas faturadas, por as suas instalações não estarem a ser utilizadas nem serem aptas para a atividade de comércio de sucatas, por falta de pessoal, equipamento de transporte e meios de natureza financeira;
b. Incongruência na fatura emitida ao Impugnante (n.º 3.202, de 05-11-2004), ao indicar como local de carga um armazém desativado à data e como meio de transporte um veículo ligeiro, com peso máximo de 3.500 kg, quando a carga transportada seriam 5.010 kg;
c. E não ser respeitada a sequência numérica, ao existirem faturas de número posterior (n.º 3.241) mas com data anterior (29-10-2004) – Cfr. capítulo 2.2.2 do Relatório de Inspeção, fls. 31 a 43 do PA, e fls. 123 a 134 do PA, que se dão por reproduzidas;
8. Quanto ao fornecedor J…, a AT sustentou a desconsideração das faturas com base:
a. Na inexistência de estrutura empresarial, por não possuir instalações com capacidade para armazenar mercadoria nem veículos que a pudessem movimentar, não tendo também trabalhadores a cargo;
b. Na incongruência temporal das faturas n.ºs 154 a 160, de Novembro e Dezembro de 2004, cuja ordem numérica é posterior a outras faturas emitidas, ao Impugnante, em 2005 (faturas n.ºs 117, 118, 126 e 127);
c. Na circunstância do veículo constante das faturas em causa, NJ, se encontrar abatido desde o ano de 1999;
d. Na existência de transportes de sucata registados ao sábado e domingo;
– Cfr. capítulo 2.2.3 do Relatório de Inspeção, fls. 43 a 50 do PA, e fls.144 a 153 do PA, que se dão por reproduzidas;
9. No tocante ao fornecedor D…, os serviços de inspeção basearam as suas conclusões:
a. Na circunstância do emitente não estar registado em sede de IVA à data de emissão das faturas;
b. De as vendas a dinheiro conterem letra manuscrita diferente entre o cabeçalho e a descrição do documento; e,
c. De o veículo utilizado nos transportes estar abatido desde 2001 e transportar carga (9.820 kg) de peso superior ao permitido legalmente (3.500 kg)
– Cfr. capítulo 2.2.4 do Relatório de Inspeção, fls. 50 a 53 do PA, e fls. 112 a 126 do PA, que se dão por reproduzidas;
10. Finalmente, quanto ao fornecedor Franc…, basearam as suas conclusões na circunstância:
a. De ter iniciado e encerrado a atividade, para efeitos de IVA, no mesmo dia, 31-12-2003, apenas tendo apresentado a declaração de rendimentos no ano de 2003;
b. De não ser proprietário de qualquer veículo;
c. De não ser respeitada a ordem cronológica na fatura 43 e ter sido uma nova série de faturas, a série 1000, que se intercalava com a faturação inicial;
d. De ter indicado nas faturas n.º 37, 45 e 109 como local de carga “Espinho”, quando não possuía lá qualquer instalação;
e. De ter registado cargas superiores às permitidas para os veículos que as efetuavam, nas faturas n.º 37, 85, 92 e 109;
f. De existirem contradições entre os esclarecimentos prestados pelo fornecedor e pelo impugnante;
– Cfr. capítulo 2.2.5 do Relatório de Inspecção, fls. 54 a 63 do PA, e fls. 156 a 210 do PA, que se dão por reproduzidas;
11. Em 23 de Março de 2009 foi emitida a liquidação adicional de IRC n.º 2009 5000037314 e a liquidação de juros compensatórios n.º 2009 59973, referente ao ano de 2004, no valor global de €108.482,60, com data limite de pagamento de 06 de Maio de 2009 – cfr. fls. 5 a 7 do PA posterior à PI da Impugnante;
12. O Impugnante delas apresentou reclamação graciosa, que tomou o número 3581200904001273, no dia 31 de Agosto de 2009 – cfr. fls. 1 a 3 do procedimento de reclamação graciosa apenso;
13. Por despacho de 26 de Maio de 2010, enviado ao Impugnante pelo ofício 35849/0403, de 27 de Maio de 2010, foi a reclamação graciosa indeferida – cfr. fls. 200 a 227 do procedimento de reclamação graciosa apenso;
14. No dia 29 de Junho de 2010, o impugnante apresentou Recurso Hierárquico da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa número 3581200904001273, que tomou o número 1056/2010 – cfr. fls. 2 do procedimento de recurso hierárquico apenso;
15. Por despacho de 01 de Fevereiro de 2011, enviado ao Impugnante pelo ofício 12414/0403, de 23 de Fevereiro de 2011, foi o Recurso Hierárquico 1056/2010 indeferido – cfr. fls. 17 a 25 do procedimento de Recurso Hierárquico apenso;
16. A presente impugnação foi enviada ao Tribunal, via SITAF, no dia 26 de Maio de 2011 – cfr. fls. 2 do processo físico.
*
Factos não provados
Não se deram como não provados quaisquer factos relevantes para a decisão da causa.
*
Motivação da decisão sobre a matéria de facto
Ao declarar quais os factos que considera provados, o juiz deve proceder a uma análise crítica das provas, especificar os fundamentos que foram decisivos para radicar a sua convicção e indicar as ilações inferidas dos factos instrumentais.
A convicção do Tribunal sobre a matéria de facto provada baseou-se na prova documental oferecida pelas partes e indicada a seguir a cada um dos factos.
Conforme consta da ata de inquirição de testemunhas junta aos autos a fls. 179 e seguintes dos presentes autos, foram ouvidas as testemunhas M…, C… e J…. Foi a inquirição de testemunhas gravada através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso.
A testemunha M… revelou ter conhecimento dos factos em discussão no processo por ter efetuado negócios com o Impugnante e já o conhecer há mais de 20 anos, conhecendo também um dos fornecedores em causa. Já a testemunha C… revelou conhecimento direto dos factos por ser irmão do Impugnante e ter trabalhado para este até finais de 2006, acompanhando as entregas e carregamentos da mercadoria comprada e vendida. A testemunha J… trabalhou como empregado de armazém para o Impugnante entre 2003 e 2006, conhecendo a matéria em causa no processo por acompanhar toda a atividade desenvolvida por aquele nos anos em causa.
Pese embora tenham as testemunhas revelado conhecimento direto dos factos em discussão nos presentes autos, não contribuíram os seus depoimentos para a convicção formada por este Tribunal, limitando-se as testemunhas a corroborar matérias de como se operava a pesagem e entrega de mercadorias nas instalações do Impugnante e de quais os veículos de transporte usados por este na sua atividade, declarando não conhecer os aspetos da atividade relacionados com a faturação e os pagamentos.”
«»
3.2. DE DIREITO
Como já ficou dito, no âmbito dos presentes autos, o Recorrente A... questiona a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 22-04-2015, que indeferiu o pedido de adiamento da audiência de inquirição de testemunhas, sendo que a Recorrente Autoridade Tributária e Aduaneira coloca em crise a decisão do mesmo TAF, datada de 04-12-2017, que julgou procedente a pretensão deduzida por A... na presente instância de IMPUGNAÇÃO, relacionada com a liquidação adicional de IRS n.º 2009 0000193734, do exercício de 2004, no montante global de €108.482,60.
Ora, nos termos do art. 660º do C. Proc. Civil “O tribunal só dá provimento à impugnação das decisões interlocutórias, impugnadas conjuntamente com a decisão final nos termos do n.º 3 do artigo 644.º, quando a infração cometida possa modificar aquela decisão ou quando, independentemente dela, o provimento tenha interesse para o recorrente.”.
Tal significa que, antes de mais, cabe apreciar o recurso da decisão recorrida, porquanto, em função do resultado dessa apreciação pode ficar prejudicado o conhecimento do recurso relativo ao despacho interlocutório.

Assente a factualidade apurada cumpre, agora, entrar na análise da realidade que envolve o presente recurso jurisdicional, sendo que está em causa indagar da legalidade da liquidação adicional de IRS (e respectiva liquidação de juros compensatórios), emitida pela Administração Tributária, com referência ao ano de 2004, no seguimento das correcções aritméticas efectuadas de acordo com o disposto no artigo 23º do Código do IRC (por remissão do artigo 32º do Código do IRS então vigente) ao Recorrido no pressuposto de que as facturas por “E…, Lda.”, F…, J…, D… e Franc…, nesse ano contabilizadas por esse sujeito passivo são falsas, não podendo ser consideradas como custo fiscal.

Nas suas conclusões, a Recorrente defende que a factualidade apurada, e devidamente explanada no relatório de inspecção, é bastante para se concluir que as visadas facturas não reportam custos correspondentes a operações reais, sendo que a constatação dos indícios de falsidade das facturas poderá ser efectuada em ambos os sujeitos das operações económicas, devendo, inclusive, direccionar-se preferencialmente ao emitente das facturas na situação sub judice, além dos indícios recolhidos no terreno dos emitentes das facturas desconsideradas, a factualidade apurada confronta-nos, ainda, com indícios significativos e, sobretudo, típicos dos procedimentos de utilização de “facturas falsas”, susceptíveis de serem preenchidos em função da específica e estrita actuação do aqui Impugnante, factualidade essa, devidamente explanada e fundamentada no relatório da inspecção que o Tribunal a quo não atendeu na factualidade apurada pela AT, que enunciou diversos factos indiciários que são demonstrativos de que os emitentes das facturas em causa nos autos não venderam as mercadorias a que estas se referem, verificando-se que analisados tais indícios no seu conjunto é evidente que os mesmos são claramente suficientes para suportar a conclusão pretendida pela AT e aqui reside o referido erro de julgamento.
Foi possível à AT apurar factualidade com relevância para apreciação e decisão da causa, estando a mesma devidamente explanada nos Capítulos II e III do relatório da inspecção tributária (RIT) junto aos autos, para o qual, por brevidade, remetemos e não fez o Impugnante prova capaz de afastar a valia técnica e valor probatório do RIT.
A AT, como lhe competia, cumpriu o ónus da prova quanto aos factos constitutivos do seu direito de actuação, i.e., do seu direito de tributar, devidamente explicitado no RIT e desta forma, e por todo o conjunto de factos apurados, apenas poderia a AT ter concluído como concluiu.
Assim, a actuação dos emitentes das facturas consubstancia suporte adequado a um juízo inicial de suspeita quanto à efectiva realidade da venda mencionada na factura e a AT logrou provar abundantes indícios demonstrativos de que às facturas e vendas a dinheiro contabilizadas pela impugnante, e cujo aumento de custos pretendiam titular, não subjazem as operações que nelas se referem, por os serviços não terem sido prestados e o entendimento final de que as facturas titularam negócios simulados, no sentido de negócios sem adesão à realidade, mostra-se, formal e substancialmente fundamentada não tendo a AT que demonstrar o que quer que fosse mais.
As vendas a dinheiro e as facturas emitidas pelos “fornecedores” do Impugnante e por este contabilizadas como compras, não corresponderam a efectivas transmissões de bens, antes configuram operações simuladas, logo não poderiam ter sido consideradas como custo fiscal, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC, ou seja, tratou-se de operações simuladas, sem qualquer conteúdo comercial e, uma prática abusiva com um objectivo contrário àquele que o normativo legal pretende acautelar – a salvaguarda da cadeia da dedução do imposto e a prática é abusiva porque, apesar das operações em causa pretenderam dar cumprimento formal aos normativos legais, tal prática tem como resultado a obtenção de uma vantagem fiscal cuja concessão é contrária ao objectivo prosseguido por esse mesmo normativo, visando com a sua conduta (i) a redução da obrigação de pagamento de IRS, em consequência da diminuição do rendimento declarado e (ii) a redução da obrigação de pagamento de IVA nos períodos de imposto em que, em consequência dessas simulações, foi apurado e declarado um débito de imposto inferior ao devido, sendo que, no seu conjunto, os indícios recolhidos são fortes, objectivos e suficientes, os quais, analisados, reitera-se, no seu conjunto, só se pode retirar a válida conclusão de existência de facturação fictícia, incorrendo assim, o Tribunal a quo em erro de julgamento, no tocante à apreciação que fez da matéria de facto, nomeadamente por ter desrespeitado as regras de repartição do ónus da prova, ao decidir pela procedência da impugnação, o que significa que a sentença recorrida fez uma aplicação inadequada do disposto nos artigos 74º da LGT e 23.º do CIRC, por remissão do artigo 32.º do CIRS, incorrendo também em erro de julgamento no tocante à apreciação que fez da matéria de facto, e por ter desrespeitado as regras de repartição do ónus da prova.

Que dizer?
Com interesse para o enquadramento desta matéria, cabe ter presente o exposto no Ac. do T.C.A. Sul de 28-06-2011, Proc. nº 02477/08, www.dgsi.pt, onde se aponta que “O Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (I.R.C.), introduzido no sistema tributário português pelo dec.lei 442-B/88, de 30/11, pode definir-se como um imposto directo, tanto de um ponto de vista jurídico (como tal é classificado no Orçamento do Estado), como de um ponto de vista económico, dado que incide sobre manifestações directas ou imediatas da capacidade contributiva como é o rendimento real (em geral lucros) das empresas com sede ou direcção efectiva em Portugal. É um imposto de características reais, visto não levar em consideração os sinais pessoais que se verificam na pessoa do contribuinte, antes se dirigindo objectivamente à tributação da riqueza. É, igualmente, um tributo de características unitárias, no sentido de abranger tendencialmente todos os rendimentos das pessoas colectivas. Encontramo-nos perante um imposto proporcional, dado a sua taxa ser fixa qualquer que seja o montante da matéria colectável e assentando, em princípio, na tributação do rendimento real ou efectivo, embora admita presunções de rendimento, assim como a sua fixação através de métodos indiciários. Por último, encontramo-nos perante um tributo periódico, visto que a obrigação de imposto se renova nos sucessivos períodos anuais de tributação, dando origem, consequentemente, a sucessivas obrigações tributárias anuais e independentes umas das outras (cfr.artºs.1, 2, 3, 7, 51 e 69, todos do C.I.R.C.; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, I, Editora Rei dos Livros, 1996, pág.215 e seg.; Soares Martínez, Direito Fiscal, 8ª.edição, Livraria Almedina, 1996, pág.573 e seg.).

A base de incidência do I.R.C. encontra-se consagrada no artº.3, do C.I.R.C., sendo, nos termos do seu nº.2, definido o lucro tributável como o resultante da “diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código”.

Por outro lado, é no artº.17 e seg. do mesmo diploma que se consagram as regras gerais de determinação do lucro tributável, especificando-se no artº.23 quais os custos que, como tal, devem ser considerados pela lei.

Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artº.23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que inevitavelmente daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para fins fiscais (cfr.J. L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, Lex Lisboa 2000, 2ª. Edição, pág.237 e seg.).

Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico (cfr.F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5ª.edição, 1996, pag.206 e seg.).

Refira-se, ainda, que as empresas são obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal, a qual permita o controlo do lucro tributável (cfr.artº.98, do C.I.R.C., na versão em vigor no ano de 2001, actual artº.115, do C.I.R.C.; artºs.29 e 31, do C.Comercial).

O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos (cfr.Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág.324; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1996, pág.57; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.269). Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada. …”.

Pois bem, neste âmbito, a jurisprudência aponta que o ónus da prova se reparte, em processo onde o contribuinte impugne a actuação da AT, desconsiderando operações consubstanciadas em determinadas facturas existentes na escrita daquele, no sentido de caber a esta (AT) a prova dos pressupostos da sua actuação e àquele (contribuinte) a prova de que as questionadas operações tiveram, efectivamente, lugar. Ou, numa outra formulação, obtendo a AT indícios sérios e credíveis de que determinada operação comercial titulada por uma factura não é real, cabe ao contribuinte o ónus da prova da veracidade dessa transacção (neste sentido, Ac. TCAN de 24-01-2008, Proc. nº 02887/04 - VISEU, www.dgsi.pt )

De notar que a administração tributária não precisa de demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência daquele juízo (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27-10-2004, processo n.º 810/04), invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade - artigo 75.º da Lei Geral Tributária.

Tal significa que, quando está em causa a correcção de liquidações de IRC por desconsideração dos custos documentados por facturas reputadas de falsas pela AT, e porque a liquidação de IRC tem por fundamento o não reconhecimento de custos declarados pelo sujeito passivo, compete à administração tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, tendo o juízo da administração tributária assentado na consideração de que as operações e o valor mencionado na factura em causa não corresponde à realidade, haverá de demonstrar a existência de indícios sérios de que a operação referida na factura foi simulada, sendo que, como já ficou dito, feita essa prova, compete ao sujeito passivo o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito a fazer reflectir negativamente os custos declarados na determinação da respectiva matéria tributável nos termos que decorrem dos artigos 17º nº 1 e 23º do CIRC, não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade, ainda que fundada, pois neste caso o artigo 100º do CPPT não tem aplicação; na verdade, o ónus consagrado no artigo 100º nº 1 do CPPT, contra a administração tributária (de que a dúvida quanto à existência e quantificação do facto tributário deve ser decidida contra a administração tributária: in dubio contra Fisco) apenas existe quando seja esta a afirmar a existência dos factos tributários e respectiva quantificação e não quando, como in casu, é ao contribuinte que compete demonstrar a existência e quantificação dos custos em que alega ter incorrido e que pretende ver reflectidos no apuramento do lucro tributável.
Assim sendo, cabe, em primeiro lugar, analisar se a administração tributária fez a prova que lhe competia da verificação de indícios que permitem concluir que às facturas contabilizadas pela Impugnante e emitidas pelas emitentes apontadas não subjaz a prestação dos serviços que, alegadamente, teria implicado a respectiva emissão.

Deve ter-se ainda presente que não é imperioso que a administração tributária efectue uma prova directa da simulação. Como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indirecta, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” - cf. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág. 154, o que significa que a AT não tem que demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência desse juízo, invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade - artigo 75º da LGT.

Ora, indícios são definidos por João de Castro Mendes como aqueles factos que “permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” - citado por José Luís Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, 2 edição, pág. 311, sendo que nesta tarefa, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado.

A partir daqui, e dentro da linha de análise apontada, deve salientar-se, porém, que a acima descrita regra do ónus probatório só opera verdadeiramente depois de a administração tributária ter reunido e invocado indícios fundados de que o facto tributário não ocorreu, ou seja, depois da administração tributária ter emitido um juízo administrativo de adequação entre os factos e as valorações em que a administração diz, formalmente, suportar a sua decisão e o resultado desse juízo no sentido de se lhe afigurar ter sido declarado uma dedução superior à devida e com a prova perante o tribunal da pertinência desse juízo ou seja, com a prova, perante o tribunal, da existência dos elementos que tornam possível ter como adequada a consideração por si feita de que o contribuinte declarou uma dedução superior à permitida pela lei.

Nestas condições, é jurisprudência firme que quando a administração tributária desconsidera as facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da Lei Geral Tributária, competindo à administração tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade, sendo que, feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção.

Tal significa que, antes de mais, cabe analisar da bondade da decisão recorrida, numa primeira fase, quando refere que “…Como resulta do probatório, os indícios utilizados para desconsiderar as faturas em causa limitam-se a apontar irregularidades aos fornecedores, apoiadas em juízos conclusivos retirados de ações de inspeção anteriores – veja-se a págs. 10 do RIT, “Das ações de inspeção realizadas aos fornecedores, concluiu-se que a atividade declarada pelos mesmo é aparente e fictícia” – logo se determinando que todas as faturas por estes emitidos se mostram falsas, sem contudo demonstrar qualquer incorreção na esfera do Impugnante que pudesse justificar o juízo de falsidade atingido, ou que as operações económicas não se haviam realizado.
Mais, mesmo os próprios indícios recolhidos quanto aos fornecedores são falíveis.
Com efeito, são invocadas pelos serviços de inspeção incorreções formais nas faturas (cessação de atividade, matrículas dos veículos que houvessem feito o transporte, locais de carga que não coincidem com a sede, peso transportado superior ao legalmente permitido) mas que não permitem determinar que a compra ali referida, de facto, não ocorreu. Note-se que não existe qualquer referência aos meios de pagamento utilizados.
Falhou então a Autoridade Tributária em provar a existência de indícios sólidos de falsidade das faturas, que lhe permitissem efetuar as correções impugnadas.
Não logrando a Autoridade Tributária cumprir o ónus que lhe competia, mantém-se a presunção de veracidade da contabilidade do Impugnante, prevista no artigo 75.º da LGT, mostrando-se a liquidação impugnada ilegal, devendo ser, portanto, anulada. ...”

A partir daqui, e dentro da linha de análise apontada, deve salientar-se, porém, que a acima descrita regra do ónus probatório só opera verdadeiramente depois de a administração tributária ter reunido e invocado indícios fundados de que o facto tributário não ocorreu, ou seja, depois da administração tributária ter emitido um juízo administrativo de adequação entre os factos e as valorações em que a administração diz, formalmente, suportar a sua decisão e o resultado desse juízo no sentido de se lhe afigurar ter sido declarado uma dedução superior à devida e com a prova perante o tribunal da pertinência desse juízo ou seja, com a prova, perante o tribunal, da existência dos elementos que tornam possível ter como adequada a consideração por si feita de que o contribuinte declarou uma dedução superior à permitida pela lei.
Avançando para o caso concreto, não podemos deixar de ter presente que o Recorrido contabilizou as facturas emitidas pelos seus indicados fornecedores, o que terá feito nos termos previstos na lei, visto que não foi apontada nenhuma irregularidade nem a essas declarações nem a elementos contabilísticos que as suportassem.
Nenhuma dúvida, por isso, de que o Recorrido beneficiava da presunção da verdade a que alude o artigo 75.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, quanto aos elementos inseridos nessas declarações.
Daí que coubesse à administração tributária, no âmbito da sua actividade fiscalizadora averiguar da sua conformidade com a verdade fiscal do sujeito passivo e, sendo caso disso, reunir os indicadores que, apesar do cumprimento formal dos seus deveres declarativos e de escrituração, e da aparência de colaboração com a administração fiscal que dele decorre, não teria o direito à dedução arrogado nesses documentos.
O que a administração tributária pretendeu fazer precisamente através da acção de fiscalização apontada nos autos.
Todavia, dessa acção de fiscalização, e na parte em que incidiu sobre a escrita do Recorrido também não foram extraídos elementos que infirmassem as declarações.
Com efeito, a fiscalização balizou logo a sua actividade ao referir que a Ordem de Serviço em apreço “… resultou de uma proposta de fiscalização efectuada na sequência de uma acção inspectiva à empresa “E…, Lda.” … cujas conclusões apontam para que esta seja emitente de facturação falsa. …”.
Depois, ao nível da Descrição dos facto e fundamentos das correcções meramente aritméticas, aponta-se no nº 1 que “Durante a acção inspectiva foram analisados e recolhidos alguns documentos de suporte aos registos contabilísticos respeitantes à actividade exercida no ano de 2004, tendo-se posteriormente efectuado a recolha de elementos junto dos Arquivos dos Serviços, nomeadamente os relatórios produzidos pelos Serviços de Inspecção, no âmbito da investigação levada a efeito ao sector do comércio da sucata e desperdícios metálicos. …”, seguindo-se depois a descrição das facturas contabilizadas no ano de 2004 relativamente aos cinco fornecedores aí apontados - “E…, Lda.”, F…, J…, D… e Franc….
Nesta sequência, deparamos com a descrição de um conjunto de elementos relativamente a cada um dos aludidos fornecedores extraídos de inspecções realizadas a esses sujeitos passivos, procedendo-se depois a uma denominada “Síntese conclusiva – na óptica do emitente e do utilizador (A...).
Perante este cenário, deparamos com uma autêntica situação de “pesca de arrasto” em que a actuação da AT considerou essencialmente o facto de o ora Recorrido ter contabilizado as facturas emitidas pelos referidos “E…, Lda.”, F…, J…o, D… e Franc….
Efectivamente, e não podemos deixar de assinalar que, para além da consideração da aludida contabilização das mencionadas facturas, não se vislumbra, em termos essenciais, que a AT tenha desenvolvido outras diligências que não a elaboração do presente RIT.
Ora, se é certo que não nos impressiona particularmente a normal postura dos utilizadores das facturas quando se tentam alhear da situação, procurando transmitir a ideia que tudo se relaciona com a situação dos emitentes, também não podemos dar cobertura a esta “pesca de arrasto”, ou a afirmação de um determinado estigma (emitente/utilizador de facturas falsas), ou seja, não podemos aceitar este procedimento da AT em que, de forma automática, e perante as informações recolhidas noutras acções de inspecção realizadas com referência aos emitentes das facturas, procede à elaboração do RIT sem fazer o cotejo dos elementos que envolvem toda a realidade em apreço, no caso, as relações estabelecidas entre o ora Recorrido e aqueles fornecedores.
Isto porque as realidades analisadas não se situam no mesmo plano, sem olvidar o risco de generalizações que importa afastar, o que quer dizer que cabe proceder à contextualização daquilo que realmente interessa neste processo para que a análise em discussão possa ser concretamente apreciada e julgada.
Senão vejamos.
No que concerne à E…, quando se lê a transcrição do RIT efectuado pelos Serviços de Inspecção no âmbito da acção de inspecção que visou a aludida sociedade, afirma-se que “a actividade da E… foi meramente aparente e fictícia, posicionando-se no sector das “sucatas” como emitente e utilizadora de facturas que não tiveram subjacentes quaisquer informações comerciais”, sendo que a tal síntese conclusiva apenas acrescenta que do resultado das diligências efectuadas e constantes do RIT de 31-05-2005 conclui-se que os veículos com as matrículas BU e QM, indicados nas vendas a dinheiro arquivadas e contabilizadas por A... nunca poderiam ter sido utilizados para o transporte de qualquer sucata relacionada com a empresa “E…”.
Nesta sequência, diga-se ainda que não foi referenciada nenhuma ocorrência de que pudesse decorrer violação dos deveres de cooperação do sujeito passivo no decurso da inspecção, não havendo notícia de que lhe tenham sido solicitados elementos adicionais que não tivesse apresentado, ou que lhe tivessem sido solicitados esclarecimentos sobre a natureza dessas operações.
Por outro lado, não pode deixar de notar-se que os indicadores descritos não foram recolhidos como que em primeira mão, na medida em que foram ponderados a partir de elementos relativos a acção de inspecção que visou a “E…” e de que o RIT não se apropriou nos seus exactos termos (visto que o RIT dessa inspecção não foi anexado ao PAT respeitante a este processo nem foi feita a transcrição integral do seu teor), tendo-se limitado, em termos essenciais, à ponderação de extractos desse RIT com referência aos indicadores que extraíram desse outro relatório e que aqui aparecem já glosados e em segunda mão (não sendo de excluir, por isso, que se tenham perdido alguns dados relevantes e que aqui já não se possam aproveitar).
É, por isso, inequívoco que as únicas razões que levaram a administração tributária a concluir que as facturas em causa não respeitaram a serviços prestados dizem respeito à emitente dessas facturas e aos indicadores de que essa sociedade não teria meios para as executar.
No entanto, embora a experiência demonstre, que em muitas situações relacionadas com a denominada facturação falsa, a incapacidade manifestada pelo emitente para aparentemente fornecer ou prestar os serviços em apreço, importa notar que é apenas um elemento a considerar, ou seja, só assume importância quando conjugado com outros elementos indiciadores daquela situação.
Ora, no caso em apreço, em função do que ficou exposto, entende-se que o único elemento com alguma consistência que poderia ter algum peso indiciário seria a situação relacionada com os veículos identificados.
No entanto, para além dos elementos vertidos no RIT não serem inequívocos quanto a esta matéria, temos por adquirido que, isoladamente, este elemento sempre seria insuficiente e, como tal, incapaz de, por si só, assegurar o cumprimento do ónus da prova que, neste caso, cabia à AT.
E quanto ao F… em que, diga-se, desde já, está apenas em causa uma única factura, aquilo que ficou exposto para a “E…” tem todo o cabimento nesta sede, dado que, o RIT adoptou o mesmo procedimento, alinhando apenas como matéria que poderá relevar o local de carga, a situação da carga que o veículo identificado podia transportar e a anarquia das sequências numéricas dos documentos de venda que, para o caso, nada aportam de relevante, tal como o primeiro elemento, voltando apenas a ter relevo potencial a questão do veículo que, como vimos, e da mesma maneira, isoladamente, sempre seria insuficiente e, como tal, incapaz de, por si só, assegurar o cumprimento do ónus da prova que, neste caso, cabia à AT.
Em relação ao J…, a situação não conhece novos desenvolvimentos, porquanto, a matéria posta em evidência é a ordem cronológica das vendas a dinheiro, enquanto situação que vista na sua globalidade tem uma leitura que de forma isolada já não acontece, sendo que o que está em causa é a relação entre o Recorrido e este emitente, o que significa que sem o tal estigma de emitente de facturas falsas, a posição da AT fica fragilizada, sendo que em relação ao mais quanto à existência de transporte no Domingo e Sábado e o hiato que existe entre duas das vendas a dinheiro nada aportam em termos de poder conferir qualquer virtualidade à posição da AT, o que quer dizer que, mais uma vez, temos apenas a matéria relacionada com os veículos descritos, realidade que, isoladamente, e mais uma vez, é insuficiente e, como tal, incapaz de, por si só, assegurar o cumprimento do ónus da prova que, neste caso, cabia à AT, situação que se repete em relação ao fornecedor D…, em que não assume relevo nos termos pretendidos pela AT a questão da cessação de actividade e a questão da letra numa das vendas a dinheiro, o que equivale a dizer que deparamos apenas com o ponto das viaturas, incapaz, só por si, de permitir à AT cumprir com o ónus que a lei lhe comete.
Finalmente, no que diz respeito ao Franc…, que é o grande fornecedor neste âmbito, a situação não conhece melhor sorte no que diz respeito ao exposto pela Recorrente, porquanto, como já vimos, a matéria da cessação de actividade e a ordem cronológica das facturas não permitem avançar nos termos propostos pela AT que, aliás, continua a sublinhar a diferença entre a visão de conjunto e a análise face a um determinado cliente, o que significa que ela própria reconhece a insuficiência do exposto, sendo que a questão da transcrição de frases da autoria do referido Franc… e do aqui Recorrido não têm a virtualidade de, nas condições descritas, permitir outra leitura da actividade da AT, impondo-se ainda referir que a questão das viaturas nem sequer emerge de forma tão interessante como em relação aos outros fornecedores, pelo que é apodíctico que não tem aptidão para viabilizar a pretensão da Recorrente.
Isto para dizer que, tudo somado, não pode dizer-se que a AT tenha feito prova dos pressupostos da sua actuação, na medida em que os elementos disponíveis não são susceptíveis, em função do seu alcance e “lidos” à luz das regras da experiência comum, de constituírem indícios sérios e credíveis da situação afirmada pela Administração Tributária, comprometendo de forma irremediável a posição da AT neste âmbito.
Em suma, pelo que fica exposto entendemos que a AT, ao conformar-se com os elementos vertidos em relatórios de inspecção efectuados relativamente aos emitentes, não recolheu, ou melhor dizendo, não afirmou indícios que legitimam a sua actuação no sentido de desconsiderar as facturas descritas nos autos, porquanto, o enquadramento desses RIT quando relacionados com a situação descrita nos autos não apresentam a exuberância que a AT lhes conferiu em função do que ficou exposto, sendo que a posição de inércia adoptada não permitiu o tal cotejo dos elementos a considerar neste domínio, por forma a permitir uma verdadeira leitura da realidade em apreço, ou seja, ao nível da relação que envolve o ora Recorrido e aqueles emitentes.
O mesmo é dizer que não cumpriu o ónus que sobre si impendia no sentido de fundamentar as correcções da matéria tributável que levaram à liquidação impugnada, a qual está, assim, ferida de ilegalidade, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão no que concerne ao presente recurso.
Daí que na improcedência das conclusões da alegação da recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.
Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.

Fica prejudicado o conhecimento do recurso do despacho interlocutório.


4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique-se. D.N..
Porto, 26 de Abril de 2018
Ass. Pedro Vergueiro
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos