Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00155/07.3BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/15/2011
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos
Descritores:REVERSÃO
RESPONSABILIDADE DOS MEMBROS DOS CORPOS SOCIAIS
EXERCÍCIO DE FACTO DA GERÊNCIA
RENÚNCIA DE TODOS OS GERENTES
OPOSIÇÃO
Sumário:I. A reversão das dívidas tributárias dos períodos de 1999 a 2001 contra os membros de corpos sociais de sociedades de responsabilidade limitada pressupõe o exercício de facto da gerência – artigo 24.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária;
II. Estando provado que o Oponente nunca exerceu quaisquer actos de gerência, não existe fundamento para a reversão, sendo totalmente irrelevante que a lei em geral e o artigo 253.º do Código das Sociedades Comerciais em particular lhe atribuam poderes de intervenção nos destinos sociais;*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:C...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. Relatório
1.1. C…, n.i.f. … … …, com domicílio indicado na E… (sendo a entrada 1, 4.º Frt., de acordo com o cabeçalho da p.i. e a entrada 3, 3.º Esq., de acordo com a procuração junta)…, recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou improcedente a presente oposição à execução fiscal n.º 1830200401007645 e apenso, que o Serviço de Finanças de Paços de Ferreira lhe move por reversão de dívida de M…, Lda., N.I.F. … … …, com sede no lugar de F… essa referente a I.V.A. e juros compensatórios respectivos de períodos de 1999, 2000 e 2001, no montante total de € 55.166,98.
1.2. Rematou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
I. Provado que seja que o revertido não exerceu de facto a gerência da sociedade executada, impõe-se julgar a oposição procedente (AC Supremo Tribunal Administrativo 5/5/1999).
II. Decidindo e bem como se decidiu que o oponente nunca exerceu as funções de gerência, impunha-se julgar a oposição procedente.
III. Compete à Fazenda Pública o ónus de prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, e contra esta deve ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência (Ac. Supremo Tribunal Administrativo Pleno 28/2/2007).
IV. Do Acórdão Uniformizador de 28/2/2007, resultou uma decisão que julgou, em última instância, num caso de reversão idêntico ao dos autos – com a diferença de que o oponente a partir de Outubro de 1999 nem sequer foi gerente nominal – procedente a oposição do gerente nominal por ausência de prova do exercício efectivo da gerência.
V. A responsabilidade subsidiária do artigo 24.º da LGT, pressupõe o exercício efectivo da gerência, não se bastando com uma mera gerência nominal e muito menos com a substituição legal da gerência, em resultado da renúncia ou falecimento dos gerentes nomeados.
VI. A gerência constante do artigo 253.º, n.º 1, do CSC, nem sequer gerência nominal constitui, e ao contrário da gerência nominal, nem sequer constitui princípio ou indício de prova do exercício efectivo da gerência.
VII. Violou a decisão recorrida o corpo do artigo 24.º da LGT, para além de contrariar o Acórdão Uniformizador do Pleno de 28/2/2007.
1.3. A ora Recorrida não contra-alegou.
1.4. Neste Tribunal, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso.
1.5. Cumpre agora apreciar e decidir, visto que nada a tal obsta.
1.6. A questão a decidir é a de saber se o Tribunal “a quo” incorreu em erro de julgamento ao tomar posição no sentido de que a dívidas fiscais em execução podem reverter contra o ora Recorrente ao abrigo dos artigos 80.º e 253.º do Código das Sociedades Comerciais apesar de se ter dado como assente que nunca praticou qualquer acto de gerência efectiva na sociedade executada.
2. Fundamentação de Facto
É o seguinte o acervo dos factos que em primeira instância foram dados como provados:
1º. Por dívidas de IVA referentes aos anos de 1999, 2000 e 2001 foi instaurada pelo Serviço de Finanças de Paços de Ferreira contra a sociedade “M…, Lda., a execução fiscal n.°1830200401007645 e apenso (1830200401011545), no valor global de 55.166,98 euros.
2º. Os autos foram instaurados com fundamento nos títulos executivos consubstanciados em certidões de dívida de IVA, mensais e anuais, referentes a todos os meses dos anos de 1999 e 2000 e também, referentes ao ano de 2001, uma certidão anual e certidões mensais dos meses de Janeiro a Julho e do mês de Setembro - cfr. docs. de fls.25 a 59 dos autos.
3º. No processo executivo, ficou comprovada a insuficiência dos bens penhorados à devedora originária para garantia da dívida exequenda e acrescido.
4º. O ora oponente foi notificado para exercer o direito de audição prévia para efeitos da avaliação da prossecução ou não da reversão, nos termos do n.°4 do art.23° e 60° da LGT.
5º. A 2.11.2006 exerceu o seu direito, alegando nunca ter exercido funções de gerência na sociedade executada, cuja gerência efectiva foi exercida pelo seu pai, C….
6º. A execução reverteu contra o oponente por ter sido sócio gerente da executada e por se ter comprovado a inexistência de bens da devedora originária - cfr.doc. de fls.207 dos autos.
7º. O período de pagamento voluntário das dívidas em causa decorreu até 30.11.2003 para o IVA de 1999 e até 31.12.2003 para o IVA referente aos anos de 2000 e 2001 - cfr. informação de fls.60 dos autos.
8º. Em 1.02.99 o ora oponente celebrou um contrato de cedência da sua quota na sociedade executada a favor da sócia (sua irmã) Alda Cristina Coelho Dias - cfr. doc. de fls.10 dos autos.
9º. Como o contrato prometido não foi celebrado, renunciou à gerência em 18 de Outubro de 1999, que foi registada na competente Conservatória do Registo Comercial em 28 de Outubro de 1999- cfr. doc. de fls. 11 e 23 dos autos.
10º. A gerente A… cessou funções em 29.06.2002 por renúncia - cfr. doc. de fls.23 dos autos.
11º. A sociedade tinha como objecto o comércio e indústria de madeiras e derivados - cfr. doc. de fls.23 dos autos.
12º. Eram sócios gerentes da sociedade executada C… e A… – cfr. teor do contrato de sociedade (doc. fls.23 dos autos).
13º. A sociedade obrigava-se pela assinatura de dois gerentes – cfr. doc. de fls. 23 dos autos.
14º. A executada originária nunca declarou o pagamento de remunerações ao oponente como gerente nas folhas que enviou à Segurança Social - cfr. docs. de fls.86 a 127 dos autos.
15º. O oponente foi citado como executado revertido em 12.01.2007 - cfr. doc. de fls. 66 dos autos.
16º. O ora oponente nunca contratou clientes e/ou fornecedores.- cfr. prova testemunhal.
17º. Nunca fez compras para a sociedade – cfr. prova testemunhal.
18º. Nunca contratou ou despediu trabalhadores - cfr. prova testemunhal.
19º. Não assinou quaisquer documentos relativos à sociedade M… - cfr. prova testemunhal.
20º. Não representou a sociedade em qualquer acto ou contrato - cfr. prova testemunhal.
21º. Enquanto exerceu funções na sociedade não passava de um mero funcionário, encarregado de produção e motorista - cfr. prova testemunhal.
22º. A gerência efectiva da sociedade foi sempre exercida pelo pai do oponente, Sr. C… - cfr. prova testemunhal.

3. Fundamentação de Direito
Na douta decisão recorrida foi considerado que o Oponente teria que «responder pelas dívidas em causa» porque, apesar de nunca ter praticado «qualquer acto de gerência efectiva da sociedade», esta «se vinculava com a assinatura conjunta de ambos os gerentes, e no período em que as dívidas se tornaram exigíveis (2003), ambos os gerentes já haviam renunciado ao cargo». Pelo que a oposição teria que improceder e a execução teria que prosseguir contra o Oponente.
Os fundamentos de facto da decisão recorrida foram, por isso, e de um lado, o facto de a sociedade se obrigar com a assinatura conjunta de ambos os gerentes e, de outro lado, o facto de, à data em que as dívidas se tornaram exigíveis, ambos os gerentes já terem renunciado ao cargo.
De direito, a decisão recorrida apoia-se nos artigos 80.º e 253.º, ambos do Código das Sociedades Comerciais.
O Recorrente não se conforma com o assim decidido porque a gerência decorrente destes artigos do Código das Sociedades Comerciais não constitui gerência nominal para efeitos fiscais e, de qualquer modo, o artigo 24.º da Lei Geral Tributária, não prescinde da gerência de facto.
Vejamos então.
Podemos dar como assente desde já que nem no período de formação das dívidas exequendas nem na data em que as mesmas se venceram a responsabilização dos administradores ou gerentes pelas dívidas tributárias das sociedades de responsabilidade limitada era regulada pelo Código das Sociedades Comerciais. Tal só aconteceu entre 1987 e 1991, altura em que o artigo único do Decreto-Lei n.º 68/87, de 9 de Fevereiro, mandava aplicar à responsabilidade dos gerentes ou administradores destas sociedades o regime do artigo 78.º do referido Código. Desde a entrada em vigor do Código de Processo Tributário, porém, que a responsabilização das pessoas que ocupam os órgãos sociais é regulada por disposições próprias, um corpo normativo que configura um verdadeiro regime especial, um instituto privativo do direito tributário.
Assim sendo, seguro é também que a reversão das dívidas exequendas contra o ora Oponente não se poderia fundar autonomamente nos referidos artigos 80.º e 253.º do Código das Sociedades Comerciais e não poderia dispensar o apoio das disposições que sustentam as decisões respectivas no direito tributário.
No caso, e reportando-se todas as dívidas exequendas aos períodos de 1999 a 2001, pode também dar-se como assente que lhes seria aplicável o regime de responsabilização dos órgãos sociais pelas dívidas tributárias da sociedade que resulta da Lei Geral Tributária e em especial do seu artigo 24.º.
É, com efeito, pacífica a jurisprudência no sentido da aplicação a cada situação da lei que rege sobre o ónus da prova vigente no momento em que se verificam os pressupostos de tal responsabilidade, visto se estar perante norma de cariz substantivo (a que se dá a designação de leis de direito probatório material) e atento o princípio tradicional da não retroactividade da lei substantiva, consagrado no artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil.
Ora, um dos pressupostos fundamentais da responsabilização dos membros dos corpos sociais que emana do artigo 24.º da Lei Geral Tributária é o exercício de facto de funções sociais em algum período contido entre a data da constituição das dívidas exequendas e o prazo legal de pagamento ou entrega.
E é neste pressuposto que se joga todo o destino do presente recurso: a M.mª Juiz “a quo” deu como provado que, apesar de o Oponente ter figurado como sócio gerente da sociedade executada no contrato de sociedade (ponto 12.º dos factos provados) e de a sociedade se obrigar com a assinatura de dois gerentes (ponto 13.º dos factos provados), a verdade é que este nunca contratou clientes e/ou fornecedores (seu ponto 16.º), nunca fez compras para a sociedade (17.º), nunca contratou ou despediu trabalhadores (18.º), não assinou quaisquer documentos relativos à sociedade (19.º) nem representou a sociedade em qualquer acto ou contrato (20.º) e não passava de um mero funcionário, encarregado de produção e motorista (21.º).
Ou seja, a M.mª Juiz “a quo” deu como provado que o oponente nunca exerceu funções sociais na sociedade executada. Até porque, segundo o facto dado como provado no artigo 22.º, a gerência efectiva da sociedade sempre foi exercida pelo pai do Oponente. Que, de acordo com informação prestada pelo próprio Órgão de Execução Fiscal a fls. 61 dos autos, só viria a falecer em 2006.03.23. Ou seja, muito depois do vencimento das dívidas exequendas.
De salientar que tal decisão sobre a matéria de facto não veio impugnada em via de recurso, nem pelo Recorrente, nem pela Recorrida (a coberto, neste último caso, do artigo 684.º-A, n.º 2, do Código de Processo Civil, na redacção anterior à que lhe foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 303/07, de 24.08), não fazendo, por isso, parte do objecto do recurso. E não existem nos autos quaisquer elementos que permitam a reavaliação oficiosa da matéria de facto e a decisão em sentido diverso do decidido em primeira instância.
Mas, a ser assim, é completamente irrelevante que a sociedade só se obrigasse com duas assinaturas. Porque este facto servia precisamente como indicador de que a gerência de facto só poderia ter sido exercida por intermédio do ora Recorrente. E essa questão já não se coloca em via de recurso.
O mesmo se diga do facto de, após a renúncia da outra gerente, ambos os sócios assumirem por força de lei (no caso, do artigo 253.º do Código das Sociedades Comerciais) os poderes de gerência. Esse facto poderia servir para indiciar (em conjunto com outros indicadores) que o ora Recorrente poderia ter tido intervenção nos destinos da sociedade após a renúncia da irmã, porque a lei lhe atribuía poderes para tal, apesar de ele próprio ter renunciado ao seu exercício em momento anterior. Mas é questão que também não se coloca, porque o tribunal de 1.ª instância já tinha dado como provado que ele nunca teve qualquer intervenção nos destinos da sociedade. Antes ou depois da renúncia da irmã.
Não se compreende, por isso, que o Tribunal “a quo”, depois de ter apreciado e respondido à matéria de facto em termos que não mereceram quaisquer reparos ou objecções das partes e de ter concluído que o Oponente não teve qualquer intervenção nos destinos sociais e ainda ter verificado que foi o pai do Oponente o timoneiro da sociedade, quer na data da constituição das dívidas quer na do seu vencimento, tivesse súbita e inopinadamente sentenciado que «alguém terá que responder pelas dívidas em causa» e, não tendo encontrado à mão a quem imputar essa responsabilidade, a tivesse atirado in extremis para o ora Recorrente.
É que, a ser verdade que a gerência de facto foi sempre exercida pelo pai do Oponente, não havia razões para tal dilema: era precisamente quanto ao pai do Oponente que deveria a Administração Tributária ter verificado se estavam ou não reunidos os demais requisitos da reversão e sendo caso disso, contra ele reverter a dívida exequenda, sem prejuízo das regras a aplicar quanto à sucessão universal por morte (cfr. artigo 29.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária), caso fosse confirmado que faleceu entretanto.
Pelo que o recurso não pode deixar de merecer provimento.
4. Conclusões
4.1. A reversão das dívidas tributárias dos períodos de 1999 a 2001 contra os membros de corpos sociais de sociedades de responsabilidade limitada pressupõe o exercício de facto da gerência – artigo 24.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária;
4.2. Estando provado que o Oponente nunca exerceu quaisquer actos de gerência, não existe fundamento para a reversão, sendo totalmente irrelevante que a lei em geral e o artigo 253.º do Código das Sociedades Comerciais em particular lhe atribuam poderes de intervenção nos destinos sociais.
5. Decisão
Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder integral provimento ao recurso e, em consequência:
a) Revogar a decisão recorrida;
b) Em substituição, julgar extinta a execução, na parte que contra o ora Recorrente reverteu.
Custas pela Fazenda Pública, mas apenas em primeira instância.
Porto, 15 de Outubro de 2011
Ass. Nuno Bastos
Ass. Irene Neves
Ass. Álvaro Dantas