Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00984/16.7BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/15/2016
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Esperança Mealha
Descritores:ÂMBITO DA JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA; ATO CONEXIONADO COM EXECUÇÃO DE PENA
Sumário:Os tribunais de execução de penas são os tribunais “naturalmente” (em função da matéria em causa) competentes para apreciar a impugnação de atos que, não obstante a sua natureza administrativa, estejam estreitamente conexionados com o modo como está a ser executada a pena, como é o caso de um ato que “indefere a concessão do regime aberto no interior” (artigo 14.º do CEPMPL).*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:JMFRCC
Recorrido 1:DIRECÇÃO-GERAL DA REINSERÇÃO E SERVIÇOS PRISIONAIS e o MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte
1. Relatório
JMFRCC interpõe recurso jurisdicional da sentença do TAF de Braga que julgou os tribunais administrativos incompetentes, em razão da matéria, para conhecer da providência cautelar intentada pelo Recorrente contra o ESTABELECIMENTO PRISIONAL DE BRAGA, a DIRECÇÃO-GERAL DA REINSERÇÃO E SERVIÇOS PRISIONAIS e o MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, com vista à suspensão da decisão da Diretora do Estabelecimento Prisional de Braga que indeferiu a concessão do regime aberto no interior nos termos do artigo 14.º do CEP e artigos 179.º e 180.º do RGEP e à sua condenação a emanar decisão que coloque o Recorrente em regime aberto no interior.

O Recorrente apresentou alegações, concluindo nos seguintes termos que delimitam o objeto do recurso:

1. Se analisarmos corretamente a situação fáctica e jurídica em causa, estamos indubitavelmente, perante uma decisão que padece de erro de direito e erro na fundamentação jurídica.

2. Pelo que, através do presente recurso se pretende a sua reponderação.

3. A decisão sub iudice, incorreu em erro de direito por violação frontal Art. 4º, n.º 3 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e do Art. 138º, n.ºs 1 e 4, al. g) do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.

4. Com o devido respeito, o juiz a quo, descurou que, no caso concreto, estava perante um ato jurídico-administrativo definitivo, executório – dotado de eficácia externa e lesivo, logo, suscetível de ser impugnado e do âmbito de jurisdição administrativa nos termos do n.º 1, al. c), n.º 4, do ETAF.

5. Portanto objeto do presente litígio é um ato praticado por um órgão da Administração, ao abrigo de normas de direito público e que visou produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta. (Art. 148º do Código do Procedimento Administrativo (CPA)).

6. Deste modo, o meio processual que o lesado tem ao seu dispor para reagir contra tais atos, e, no caso em apreço, é através da ação administrativa, prevista nos Arts. 37º e ss do CPTA, que nos termos do n.º 1, al. c), n.º 4, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), compete aos tribunais de jurisdição administrativa a apreciação de litígios que respeitam, in casu, à referida norma do Art. 4º, n.º 1 do ETAF.

7. E não junto do Tribunal de Execução de Penas.

8. Dado o exposto, urge uma reponderação sobre o caso sub iudice, já que da forma como a sentença a quo aplicou o direito, não acautelou ou assegurou uma justa e completa solução do litígio e bem assim assegurou direitos, interesses e expectativas legalmente protegidos do Requerente postos em causa, como melhor vertido no r.i..

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A Recorrida Direção-Geral contra-alegou, concluindo o seguinte:

1. Do teor da sentença não resulta a assacada existência de qualquer erro na fundamentação jurídica da decisão, pelo contrário, parece-nos evidente que a decisão não incorre em qualquer erro de julgamento, em todas as suas dimensões ou implicações.

2. Conclui-se, tal como, o tribunal a quo, que os Tribunais administrativos não são competentes para apreciar a legalidade da decisão da Diretora de Braga, cuja sindicância está cometida aos Tribunais de Execução das Penas integrados na Jurisdição comum, nos termos do artigo 138, nº1 e 4, alínea g) do CEPMPL.

3. Tal como, conclui, o tribunal a quo, por efeito do disposto nos artigos 96º, 99º, nº1, 278º, nº1, al.a) e 577º, al.a) todos do CPC, aplicáveis por força do artº1º do CPTA, a entidade requerida deve ser absolvida da instância, por ser julgada procedente a exceção dilatória da incompetência material desse Tribunal.

4. Por hipótese meramente académica, caso assim não se entenda, ante tudo quanto anteriormente exposto, e por não estar preenchido os requisitos exigidos pelo n.º 1 do artigo 120.º do CPTA, o alegado interesse do Requerente não carece de tutela cautelar pretendida, logo não deve ser atendida a providência requerida nestes autos e, logo absolver-se a ora Requerida do pedido, com todas as suas legais consequências.

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O Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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2. Mérito do recurso
O Recorrente, atualmente detido no Estabelecimento Prisional de Braga, veio requerer providência cautelar contra os Recorridos, onde formula os seguintes pedidos
“a) A adopção da providência cautelar ora requerida e, em consequência,
b) Se determine a suspensão da decisão da Diretora do Estabelecimento Prisional de Braga que indefere a concessão do regime aberto no interior nos termos do Art. 14.º do CEP e Arts. 179.º e 180.º do RGEP, consequentemente:
c) Seja emanada decisão nos termos e para os efeitos das normas supra referidas, que coloque o Requerente em regime aberto no interior.”
A sentença recorrida julgou os tribunais administrativos incompetentes, em razão da matéria, para julgar esta providência cautelar, com a seguinte fundamentação:
“(...) esta questão cai fora do âmbito da jurisdição administrativa, conforme resulta da alínea c) do n.º 3 do artigo 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e
Fiscais, que dispõe: “Está nomeadamente excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto a impugnação de: (…) c) Atos relativos ao inquérito e instrução criminais, ao exercício da ação penal e à execução das respectivas decisões.”
Com efeito, a apreciação da legalidade do aludido despacho insere-se no âmbito de execução de penas, cuja sindicância está cometida aos Tribunais de Execução de Penas, integrados na jurisdição comum, nos termos do artigo 138.º, n.º 1 e 4, alínea g), do Código da Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela Lei nº 115/2009 de 12/10.
Por conseguinte, se os tribunais administrativos não são competentes para a apreciação da legalidade da decisão da Diretora do Estabelecimento Prisional de Braga, também não são competentes para apreciar o pedido cautelar ora formulado.
Em razão da matéria, este Tribunal não pode, assim, conhecer do mérito desta causa cautelar, pelo que vão absolvidas as Entidades Requeridas da instância - cf. artigos 96.º e ss., 576.º, n.º 2, 577.º, al. a), e 578.º do CPC ex vi art.º 1.º do CPTA, podendo, no entanto, o Requerente usar da faculdade prevista no artigo 14.º, n.º 2, do CPTA.”
O Recorrente recorre do assim decidido, em síntese, por considerar que está em causa a suspensão (e posterior impugnação) de um ato administrativo, para a qual são competentes os tribunais administrativos (e não o tribunal de execução de penas), nos termos do disposto no artigo 4.º/1-c) e 4 do ETAF.
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Adiante-se desde já que a sentença recorrida decidiu corretamente e deve ser mantida.
Com efeito, o Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (aprovado pela Lei n.º 115/2009, com as alterações posteriores, adiante CEPMPL) enuncia um princípio de “jurisdicionalização da execução” (artigo 133.º do CEPMPL) e atribui aos tribunais de execução das penas a competência para “garantir os direitos dos reclusos, pronunciando-se sobre a legalidade das decisões dos serviços prisionais nos casos e termos previstos na lei” (artigo 138.º/1). Essa competência é enumerada, de forma não exaustiva, nos n.ºs 2 a 4 deste artigo 138.º, onde figura expressamente a competência para decidir “processos de impugnação de decisões dos serviços prisionais” (artigo 138.º/ 4-f) do CEPMPL).
Isto significa que os tribunais de execução de penas, incluídos na hierarquia dos tribunais judiciais, são os tribunais especializados em matéria de execução de penas, assim se configurado como o “foro próprio e natural para a proteção dos direitos do recluso”, como já foi salientado pelo Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 20/2012.
Os tribunais de execução de penas são, assim, os tribunais “naturalmente” (em função da matéria em causa) competentes para apreciar a impugnação de atos que, não obstante a sua natureza administrativa, estejam estreitamente conexionados com o modo como está a ser executada a pena, como é o caso evidente do ato aqui em causa, que “indefere a concessão do regime aberto no interior” (cfr. artigo 14.º do CEPMPL).
E sendo o tribunal de execução de penas o competente para apreciar a legalidade de um tal ato, é também a esse tribunal que compete a apreciação de quaisquer medidas cautelares destinadas a acautelar a utilidade da ação que vise a sua impugnação.
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3. Decisão
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Sem custas, dado o benefício de apoio judiciário do Recorrente.

Porto, 15.07.2016
Ass.: Esperança Mealha
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Luís Migueis Garcia