Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01001/11.9BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/12/2019
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:INDEMNIZAÇÃO; VEÍCULO QUADRIMOTOR; PERDA DO USO; DANOS MORAIS.
Sumário:
1. Mostra-se equitativa a indemnização 2.700 € pela privação do uso de um quadriciclo a motor, pelo período de 90 dias.
2. Também se mostra justa a indemnização de 500 €, a título de indemnização por damos morais, pela privação do uso do veículo neste período, face à perda de independência e autonomia gerada pela privação do mesmo no dia-a-dia do autor, pelos desgostos, vexames, incómodos, tristezas e canseiras em que se manifestaram. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:DJCV
Recorrido 1:Infraestruturas de Portugal, S.A..
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Sumária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO
Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

A Infraestruturas de Portugal, S.A veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 30.04.2017, pela qual foi julgada parcialmente procedente a presente acção administrativa comum, intentada por DJCV contra a Recorrente, para exigir a responsabilidade extracontratual desta, com vista a sua condenação ao pagamento da quantia global de 6.186,15 €, bem como os juros legais vincendos desde a citação até efectivo pagamento, à taxa legal em vigor, tendo, pela referida sentença, a Ré sido condenada a pagar ao Autor 986,15 €, a título de danos patrimoniais sofridos na viatura sinistrada; 2.700,00 € a título de privação do uso do veículo; 500,00 € a título de danos não patrimoniais; juros, à taxa legal, contados desde a citação, incidentes sobre a quantia de 986,15 €.
Invocou para tanto que não se provaram os danos a título de privação do uso do veículo e que os danos morais não apresentam a gravidade que justifique a sua indemnização.
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O Recorrido contra-alegou defendendo a manutenção do decidido.
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O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.
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Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:
I. Não podemos aceitar que a decisão do tribunal a quo de condenar a IP no pagamento de indemnizações pela privação do uso do veículo, bem como pelos danos não patrimoniais.
II. Quanto à indemnização fixada a título de privação do uso, assume-se a mesma como, não só absolutamente injustificada, como absurdamente excessiva.
III. É injustificada porque o autor não provou que da privação do seu veículo tenha resultado para si um prejuízo concreto e quantificável.
IV. Aliás, alegou e provou factos que demonstram o contrário, uma vez que, de acordo com os factos dados como provados, tem contado com o apoio de um amigo que o tem transportado.
V. Caso o autor se deslocasse na sua própria viatura, teria que pagar o combustível da mesma, pelo que não se verifica qualquer prejuízo patrimonial, já que a despesa que supostamente teve, teria sempre e em qualquer caso.
VI. Mas, mesmo que se entenda que a despesa do abastecimento do combustível é de indemnizar, o que não se aceita, nunca a mesma importaria no valor exagerado fixado na sentença em crise, o qual se traduz em cerca de 3 vezes o valor do orçamento de reparação da viatura automóvel do autor.
VII. Quanto aos danos morais, os quais, resultam nos termos da sentença em crise, de vexames, incómodos, tristezas, desgostos e canseiras, não vemos que tais assumam relevância que justifique uma indemnização.
VIII. Quanto aos danos morais, importa referir que estes só são indemnizáveis quando especialmente graves, o que não resulta dos factos dados como provados.
IX. Ora, da factualidade dada como provada, não resulta que o autor tenha sofrido “vexames, incómodos, tristezas, desgostos e canseiras”, pelo que impugnamos expressamente o facto dado como provado n.º 32.
X. Nem se compreende que um evento que não causou qualquer problema de saúde ao autor, mas unicamente danos materiais à sua viatura, seja suscetível de causar algo mais do que um estado de ligeira preocupação e incerteza.
XI. Sendo certo que, se houvesse lugar a danos morais, o que de imediato se afasta, o montante seria sempre e necessariamente limitado por não existir dolo da Ré.
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II –Matéria de facto.
A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:
1- No dia 03.10.2010, na Estrada Nacional n.º 103, no lugar de P…, freguesia de R…, ocorreu um acidente de viação.
2- Foi interveniente nesse acidente o quadriciclo de passageiros, de marca V… e de matrícula xx-GU-xx.
3- Esse veículo era propriedade da VACVA Unipessoal, Ldª.
4- À data do acidente, o veículo era conduzido pelo Autor, em virtude de contrato de comodato celebrado entre este e a proprietária do mesmo.
5- Do relatório de ocorrência da Autoridade Nacional de Protecção Civil, elaborado pelos Bombeiros de Póvoa de Lanhoso resulta que foi dado alerta para o sinistro acima referido às 12.58horas, tendo sido enviadas duas viaturas de socorro para o local (uma ABTM e um VLCI), dando-se aqui tal documento como integralmente reproduzido.
6- Do auto de ocorrência n.º 180/10, datado de 05.10.2010, elaborado pela GNR do Posto Territorial de Póvoa de Lanhoso, consta a ocorrência do sinistro referido em 1) e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
7- O piso no local do acidente era betuminoso e apresentava-se em bom estado de conservação.
8- A via no local é constituída por uma curva à direita, atento sentido de marcha prosseguido pelo veículo conduzido pelo Autor, ou seja, no sentido Rendufinho-Póvoa de Lanhoso, com cerca de seis metros de largura, duas faixas de rodagem, com sentidos de trânsito opostos, demarcadas por uma linha longitudinal contínua, pintada a branco no centro do pavimento.
9- A curva é seguida e antecedida por rectas com boa visibilidade.
10- Na ocasião do acidente o piso estava molhado, por estar a chover.
11- O veículo conduzido pelo Autor circulava à velocidade de 40 km/hora.
12- E sem exceder o limite de velocidade permitido no local que é de 50 km/hora.
13- A curva em causa estava totalmente inundada, numa altura de água de 50 centímetros, em virtude do entupimento das sarjetas.
14- O veículo conduzido pelo Autor ao entrar na curva despistou-se, indo embater na berma do lado direito e ficando a boiar na água ali acumulada.
15- As sarjetas no local não eram limpas há algum tempo.
16- Em consequência directa e necessária do embate, o automóvel conduzido pelo Autor sofreu os estragos constantes do orçamento junto sob o documento n.º 4 da petição inicial.
17- Danos esses que se cifram em 986,15 €.
18- Em consequência do mesmo embate o Autor ficou impossibilitado de utilizar o veículo desde essa data e até ao dia de hoje.
19- O veículo é indispensável para o dia-a-dia do Autor.
20- Este não consegue deslocar-se noutro veículo, sendo certo que só o veículo sinistrado satisfaz as suas necessidades especiais, pois que é 95% incapaz do ponto de vista da mobilidade.
21- Em consequência, passou o Autor a ter que recorrer a um amigo para se fazer transportar.
22- A quem paga o combustível e o favor de o transportar, em automóvel e posteriormente em braços, e esperar por si para o trazer de volta a casa.
23- Para reparação da viatura sinistrada foi apresentado orçamento no valor de 986,15 €.
24- A via em causa foi objecto de beneficiação recente e previamente ao acidente em causa.
25- Existem em curso operações de conservação corrente por contrato, onde se mantêm, em normais condições de funcionamento, os sistemas de drenagem existentes, bem como a limpeza e conservação das bermas, das valetas e taludes.
26- Tal contrato teve início em Outubro de 2010.
27- À data do acidente era efectuada vigilância constantes das EENN do distrito pelas UMIA.
28- Dos relatórios das UMIA não consta qualquer questão relacionada com o não funcionamento dos órgãos de drenagem no local.
29- As referidas UMIA inteiravam-se das condições da referida EN103, pelo menos, uma vez por semana.
30- Por missiva datada de 20.10.2010, a Ré foi contactada pela mandatária do Autor para proceder ao ressarcimento dos danos causados no sinistro referido em 1- dando-se por integralmente reproduzido tal documento.
31- A Ré nunca respondeu à missiva datada de 20.10.2010 remetida pelo Autor.
32- O Autor sofreu vexames, incómodos e tristezas, desgostos e canseiras.
33- A petição inicial que motiva os presentes autos foi remetida a este Tribunal, por correio electrónico, em 07.06.2011 - cfr. fls. 2 dos autos em suporte físico.
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III - Enquadramento jurídico.
As questões a decidir resumem-se a saber:
– Se está correctamente fixado o valor da privação do veículo; – como deve fixar-se a compensação dos danos morais dados como provados.
A responsabilidade civil extracontratual da Recorrente está aceite, sendo apenas postos em questão os referidos danos.
Nos termos do artigo 562º do Código Civil:
“Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.”
Tal obrigação só existe em relação aos danos que o lesado não teria sofrido se não fosse a lesão (artigo 563º do Código Civil), compreendendo não só os chamados “danos emergentes”, como os “lucros cessantes” (as duas categorias são mencionadas na lei como “prejuízo causado” e “benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão” – nº 1 do artigo 564º do Código Civil). Na fixação da indemnização o tribunal pode atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis (artigo 564º nº 2 do Código Civil).
Em princípio a indemnização deverá visar a reconstituição natural, sendo fixada em dinheiro quando a reconstituição natural não for possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor (nº 1 do artigo 566º do Código Civil). A indemnização em dinheiro terá como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e que a que teria nessa data se não existissem danos (nº 2 do artigo 566º). Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (nº 3 do artigo 566º).
Analisemos então os danos alegados pelo Autor, não aceites pela Recorrente.
1. Danos patrimoniais.
1. 2. Danos patrimoniais resultantes da privação do uso do veículo.
Resultou provado que o Autor esteve privado do uso do seu veículo pelo período de 90 dias, tendo o Mmº Juiz a quo, fixado por tais danos a quantia de €2.700,00.
Citando A. Abrantes Geraldes, Indemnização do Dano de Privação do Uso, pág. 39, “a privação do uso, desacompanhada da sua substituição por um outro ou do pagamento de uma quantia bastante para alcançar o mesmo efeito, reflecte o corte definitivo e irrecuperável de uma fatia dos poderes inerentes ao proprietário. Deste modo, a simples privação do uso é causa adequada de uma modificação negativa na relação entre o lesado e o seu património que pode servir de base à determinação da indemnização. Aliás, o simples uso do veículo constitui uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privação constitui naturalmente um dano.
E o dano imediatamente ressarcível é precisamente a indisponibilidade do bem qualquer que fosse a actividade/lucrativa, benemérita ou de simples lazer, a que o veículo estava afecto”. Neste sentido, ver o acórdão de 26/11/2002, in CJ ano 2002, tomo V, pág. 19, que decidiu que “o uso de um veículo automóvel constitui uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privação consubstancia um dano patrimonial que deve, por si só, ser indemnizado com recurso a critérios de equidade. Por conseguinte, mesmo quando se trata de um veículo em relação ao qual inexista prova de qualquer utilização lucrativa, não está afastada a ressarcibilidade por danos tendo em conta a mera indisponibilidade do bem.”.
No mesmo sentido, na doutrina, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. I, 2ª edição, Almedina, 2002, páginas 316 e 317; Américo Marcelino, Acidentes de Viação e Responsabilidade Civil, 7ª edição revista e ampliada, Livraria Petrony, 2005, pág. 359, na jurisprudência, sobre esta matéria, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.01.2008, processo 07B3557, de 06.5.2008, processo 08A1279, de 16.9.2008, processo 8A2094, de 06.11.2008, processo 08B3402 e de 09.12.2008, 08A3401, citados no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21.05.2009, processo 1252/08.3TB.º FUN.L100.
Mas igualmente devem ser ressarcidos os danos não patrimoniais (BMJ nº 494, pág. 396), onde se defende que “são ressarcíveis, como danos de natureza não patrimonial, os transtornos e incómodos resultantes da privação prolongada do uso de veículo, tais como a necessidade de levantar cedo para ir para o trabalho e o regresso mais tardio a casa.”
O montante diário pelo custo diário de aluguer de um veículo de substituição semelhante ao do autor, fazendo recurso à equidade - nº 3 do artigo 566º do Código Civil - é de quantia não inferior a 30,00 €, pelo que para indemnização deste dano e atendendo ao prazo de indisponibilidade do veículo pelo Autor, parece-nos equitativa e justa, a quantia fixada em 1ª instância.
No acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 05.12.2013, processo 607/10.8TBFLG.G1 foi fixado o valor de 74,28 € por dia para um veículo ligeiro de mercadorias. No acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa 31.01.2013, processo 3793/10.3 TBOER.L1, foi fixado o valor de 30 € por dia pela imobilização de um veículo ligeiro de mercadorias. E no acórdão deste mesmo Tribunal de 21.05.2009, no processo 1252/08.3TBFUN.L1, foi fixado o valor diário de 40,25 € pela imobilização de um quadriciclo.
No sentido propugnado se orienta o acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 22.10.2015, com o mesmo Relator, no processo nº 219/08,6 MDL.
2. Danos não patrimoniais.
Ficou provado que na situação em apreço o Autor utilizava a viatura para se deslocar nos seus afazeres diários, em especial para se deslocar entre a sua residência e a cidade de Braga, local onde efectuava os treinos da modalidade desportiva por si praticada.
Mais ficou provado que a viatura em questão (quadriciclo a motor) se mostrava adaptada para a condução do Autor, possuindo este uma incapacidade de 95% do ponto de vista da sua mobilidade e que a privação do gozo de tal veículo se reflectiu directamente no grau de autonomia e liberdade individual do Autor, posto que passou a depender necessariamente da ajuda de terceiros para a sua actividade diária, em especial para se deslocar para os treinos da modalidade desportiva por si praticada e de que é um campeão.
É neste especial contexto de perda de independência e autonomia gerada pela privação do referido quadriciclo a motor no seu dia-a-dia, que os desgostos, vexames, incómodos, tristezas e canseiras se manifestaram.
Nos termos do preceituado pelo artigo 496º, nº 1, do Código Civil:
“Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.
No nº 3 do mesmo artigo estabelece-se que:
“O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494”, ou seja: “grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso”.
No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08.05.2012, no processo n.º 2 3492/07.3TBVFR.P1, de 08.05.2012, pode ler-se:
Na impossibilidade de fazer desaparecer o prejuízo, com a indemnização por danos não patrimoniais procura proporcionar-se ao lesado meios económicos que de alguma forma o compensem do padecimento sofrido. Por outro lado, sanciona-se o ofensor, impondo-lhe a obrigação de facultar ao lesado um montante pecuniário, substitutivo do prejuízo infligido”.
Ou seja, pretende-se aqui arbitrar uma compensação também com base na equidade e tendo em consideração os factores supra elencados.
Assim sendo, entende-se adequada a compensação fixada pela 1ª instância – 500,00 €.
O recurso não merece, pois, provimento, impondo-se manter nos seus precisos termos a sentença recorrida.
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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que mantém a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Porto, 12.07.2019
Ass. Rogério Martins
Ass. Conceição Silvestre
Ass. Luís Garcia, com a declaração de voto que se segue: Voto a decisão, considerando que a efectiva privação do uso se encontra provada e que não há manifesta desadequação do juízo de equidade”