Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00312/21BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/30/2021
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Rosário Pais
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO DE AÇÃO; SUSPENSÃO DE PRAZOS; COVID; REGULARIDADE DA NOTIFICAÇÃO
Sumário:I - O prazo para apresentar o recurso previsto no n.º 7 do artigo 89.º-A da LGT, tem natureza substantiva ou de caducidade, pois é um prazo para interposição de uma ação ou de uso de um meio impugnatório judicial contra um ato tributário destacável.

II – Para efeitos do disposto no artigo 6.º-C, n.º 2, da Lei n.º 1-A/2020, de 19/03, introduzido pela Lei n.º 4-B/2021, de 01/02, o referido recurso é um meio impugnatório judicial tributário de natureza idêntica à impugnação judicial, ainda que apenas vise discutir a legalidade do ato destacável de determinação da matéria coletável em sede de IRS apurada através de métodos indiretos, nos termos do artigo 89.º-A, da LGT.

III - Os requisitos da regularidade das notificações, bem como as causas da respetiva nulidade, no âmbito do procedimento tributário, estão especialmente previstas no Código de Procedimento e de Processo Tributário.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:A.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. A., devidamente identificado nos autos, vem recorrer da decisão proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro em 28/04/2021, pela qual foi liminarmente rejeitada a petição apresentada nos termos dos artigos 89.º-A, n.º 7 e 8 da LGT e 146.º-B do CPPT, de recurso da avaliação da matéria coletável por método indireto, por entender verificada a caducidade do direito de ação.

1.2. O Recorrente terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões:

«I.
POR SENTENÇA PROFERIDA A 28 DE ABRIL 2021, NO ÂMBITO DO RECURSO TRIBUTÁRIO, COM O NÚMERO DE PROCESSO 312/21.0BEAVR, A CORRER TERMOS NA UNIDADE ORGÂNICA 2 DO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE AVEIRO, FOI REJEITADA LIMINARMENTE O RECURSO PELO RECORRENTE APRESENTADO, POR CADUCIDADE DO DIREITO DE AÇÃO.
II.
MANIFESTA-SE A ÓBVIA DISCORDÂNCIA DA RECORRENTE RELATIVAMENTE AO ENTENDIMENTO EXPRESSO NA DECISÃO RECORRIDA, POIS QUE A MESMA PADECE DE DIVERSOS VÍCIOS E ERROS DE DIREITO QUE SEMPRE LEVARÃO À SUA ALTERAÇÃO.
III.
O PRESENTE RECURSO VISA, ESPECIFICAMENTE, A DECISÃO E FUNDAMENTAÇÃO RELATIVAS ÀQUELA CADUCIDADE, QUE, ASSENTE NA ERRADA INTERPRETAÇÃO DA NORMATIVIDADE APLICÁVEL, SE TRADUZ A VIOLAÇÃO EXPRESSA DE DIVERSAS NORMAS LEGAIS E CONSTITUCIONAIS,
IV.
A DECISÃO DE REALIZAÇÃO DE AVALIAÇÃO INDIRETA NO PROCEDIMENTO INSPETIVO EM CRISE FOI NOTIFICADA AO ORA RECORRENTE A 22 DE MARÇO DE 2021, DA QUAL CONSTAVA QUE O PRAZO PARA INTERPOR O RESPETIVO RECURSO DAQUELA DECISÃO SE ENCONTRAVA SUSPENSO “... EM CONFORMIDADE COM O DISPOSTO NA ALÍNEA C) DO N.º1 DO ARTIGO 6.º-C DA LEI N.º 1-A/2020 DE 19 DE MARÇO, ADITADO PELA LEI N.º 4-B/2021 DE 1 DE FEVEREIRO, COM EFEITOS REPORTADOS A 22 DE JANEIRO DE 2021, CONFORME DISPÕE O ARTIGO 4.º DA CITADA LEI N.º 4/2021 DE 1 DE FEVEREIRO.”
V.
NO ENTANTO, E EM CONTRADIÇÃO COM CONTEÚDO DAQUELA NOTIFICAÇÃO, A SENTENÇA RECORRIDA JULGOU QUE, SENDO O RECURSO TRIBUTÁRIO DA DECISÃO DE AVALIAÇÃO DA MATÉRIA COLETÁVEL TRAMITADO COMO PROCESSO URGENTE, AO ABRIGO DO DISPOSTO NO NÚMERO 7 DO ARTIGO 89.º-A DA LGT, “O PRAZO PARA A SUA APRESENTAÇÃO NÃO SOFREU QUALQUER SUSPENSÃO EM VIRTUDE DO REGIME PROVISÓRIO DE SUSPENSÃO INTRODUZIDO PELA LEI N.º 4-B/2021, DE 01.02.”.
VI.
NÃO SE PODE CONCEDER TAL ENTENDIMENTO, ATENTA A INCORRETA INTERPRETAÇÃO DA NORMATIVIDADE APLICÁVEL, O QUE CULMINOU NO ERRO NA DETERMINAÇÃO DA NORMA APLICÁVEL, POIS QUE, QUANTO AOS PROCESSOS URGENTES, A REGRA DE SUSPENSÃO DE PRAZOS DE CADUCIDADE NÃO SE CONFUNDE COM A REGRA DE NÃO SUSPENSÃO DOS PRAZOS PROCESSUAIS NESSES PROCESSOS, NÃO SE CONFUNDINDO A SUA TRAMITAÇÃO COM O PRAZO PARA A SUA INTERPOSIÇÃO.
VII.
ADEMAIS, INCORREU O TRIBUNAL AD QUO NUM ERRO NA DETERMINAÇÃO DA NORMA APLICÁVEL, NA MEDIDA EM QUE O PRAZO PARA A APRESENTAÇÃO DO RECURSO EM CRISE SE ENCONTRAVA SUSPENSO, AO ABRIGO DA ALÍNEA C) DO NÚMERO 1 DO ARTIGO 6.º-C DA LEI 1-A/2020 NA REDAÇÃO DADA PELA LEI 4-B/2021, DE 1 DE FEVEREIRO.
VIII.
RAZÃO PELA QUAL DEVE SER A SENTENÇA RECORRIDA ALTERADA EM CONFORMIDADE, AO ABRIGO DO NÚMERO 1 DO ARTIGO 639.º DO CPC.
IX.
O ARTIGO 4.º DA LEI 13-B/2021, VEIO REGULAR O REGIME DE VENCIMENTO DOS PRAZOS SUSPENSOS AO ABRIGO DO ARTIGO 6.º-C DA LEI 1-A/2020, PELA REDAÇÃO DADA PELA LEI 4-B/2021.
X.
O QUE DETERMINA QUE, NO CASO CONCRETO, QUE O PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO ANTECEDENTE TERMINAVA A 3 DE MAIO DE 2021, TENDO O MESMO SIDO INTERPOSTO TEMPESTIVAMENTE.
XI.
COM EFEITO, ATENDENDO À NATUREZA DO ATO, PRATICADO POR PARTICULAR, NO ÂMBITO DOS PROCEDIMENTOS TRIBUTÁRIOS, FOI O MESMO SUJEITO AO REGIME EXCECIONAL DE SUSPENSÃO, CONJUNTAMENTE REGULADO COM OS PRAZOS NOS PROCEDIMENTOS ADMINISTRATIVOS, NAQUELE ARTIGO 6.º-C, ATENDENDO À COINCIDENTE IDENTIDADE PRETENDIDA PARA OS REGIMES.
XII.
NESTE SENTIDO, É APLICÁVEL O ARTIGO 4.º DA LEI 13-B/2021, DE 5 DE ABRIL DE 2021, À CONTAGEM DO VENCIMENTO DO PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO APRESENTADO PELO RECORRENTE,
XIII.
O QUE TAMBÉM DECORRE DAS LIMITAÇÕES INERENTES AOS PERÍODOS DE CONFINAMENTO, DESIGNADAMENTE A LIMITAÇÃO DE CIRCULAÇÃO, BEM COMO A ADOÇÃO DO REGIME DE TELETRABALHO, E AS CONTINGÊNCIAS E LIMITAÇÕES DO ATENDIMENTO DE SERVIÇOS PÚBLICOS, BEM COMO DE OUTRAS EMPRESAS, O QUE RESULTA NA DIFICULDADE NA OBTENÇÃO DE RECURSOS ESSENCIAIS PARA A INSTRUÇÃO DESSES PROCEDIMENTOS ADMINISTRATIVOS E TRIBUTÁRIOS.
XIV.
O REGIME PREVISTO NO ARTIGO 4.º DA LEI 13-B/2021, É EXTENSÍVEL À CONTAGEM DO PRAZO RELATIVO AO RECURSO TRIBUTÁRIO INTERPOSTO, ATENDENDO À TELEOLOGIA E FUNDAMENTO DAS NORMAS EXCECIONALMENTE APLICÁVEIS, BEM COMO À TELEOLOGIA E FUNDAMENTO DO ARTIGO 6.º-C DA LEI 1-A/2020, NA REDAÇÃO DADA PELA LEI 4-B/2021.
XV.
O RECURSO TRIBUTÁRIO EM CRISE INTEGRA O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO CONDUCENTE À LIQUIDAÇÃO, RAZÃO PELA QUAL, SENDO UM PRAZO PROCEDIMENTAL ANTERIOR À LIQUIDAÇÃO, E INSERIDO CRONOLOGICAMENTE NO SEIO DO PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO, TAMBÉM A SUA NATUREZA DETERMINAÇÃO A APLICABILIDADE DO ARTIGO 4.º DA LEI 13-B/2021, FRUTO DA SUSPENSÃO OPERADA PELO ARTIGO 6.º-C DA LEI 1-A/2020, NA REDAÇÃO DADA PELA LEI 4-B/2021.
XVI.
A SENTENÇA RECORRIDA VIOLOU EXPRESSAMENTE OS ARTIGOS 6.º-C DA LEI 1-A/2020, NA REDAÇÃO DADA PELA LEI 4-B/2021, BEM COMO O ARTIGO 4.º DA LEI 13-B/2021, JULGANDO VERIFICADA A CADUCIDADE DO DIREITO DE AÇÃO DO RECORRENTE, REJEITANDO LIMINARMENTE A PETIÇÃO INICIAL DO RECURSO, EM ESPECIAL DETRIMENTO PARA A TUTELA DOS DIREITOS DO RECORRENTE.
XVII.
DEVE A SENTENÇA RECORRIDA SER ALTERADA, NO SENTIDO DE JULGAR INVERIFICADA A CADUCIDADE DO DIREITO DE AÇÃO, E, POR CONSEQUÊNCIA, SEJA O RECURSO EM CRISE ADMITIDO.
XVIII.
A DECISÃO DA QUAL SE RECORRE E QUE DETERMINA A CADUCIDADE DO DIREITO DE AÇÃO FERE AS EXPECTATIVAS E CONFIANÇA QUE O RECORRENTE DEPOSITOU NA INFORMAÇÃO PRESTADA PELA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA NA NOTIFICAÇÃO DO RELATÓRIO, O QUE, VERIFICANDO-SE A CADUCIDADE DO DIREITO DE AÇÃO, DETERMINARIA IGUALMENTE A SUA NULIDADE, DEVENDO A MESMA SER ALTERADA.
XIX.
DECORRE DO TEXTO DA NOTIFICAÇÃO QUE O PRAZO PARA APRESENTAÇÃO DO RECURSO ESTÁ SUSPENSO INDEFINIDAMENTE, NÃO CONSEGUINDO O MESMO RETIRAR DO TEXTO AS CIRCUNSTÂNCIAS TEMPORAIS RELEVANTES PARA O EXERCÍCIO DO SEU DIREITO, AGRAVADO PELO FACTO DE NÃO SER NECESSÁRIA A CONSTITUIÇÃO DE MANDATÁRIO JUDICIAL
XX.
A NOTIFICAÇÃO É ININTELIGÍVEL, NA MEDIDA EM QUE INFORMA O SEU DESTINATÁRIO DE QUE O PRAZO PARA O EXERCÍCIO DOS MEIOS DE DEFESA SE ENCONTRA SUSPENSO, POR TEMPO INDEFINIDO, SEM QUALQUER MENÇÃO AO TERMO DA SUSPENSÃO.
XXI.
O ATO DE NOTIFICAÇÃO NÃO PODE PRODUZIR EFEITOS RELATIVAMENTE AO RECORRENTE, DECORRENTE DA PRETERIÇÃO DAS FORMALIDADES DE NOTIFICAÇÃO.
XXII.
O FACTO DE O RECORRENTE TER PROCEDIDO AO PAGAMENTO DE MULTA NÃO PODE CONTRIBUIR PARA AFASTAR A ININTELIGIBILIDADE DA NOTIFICAÇÃO, ATENDENDO À FALTA DE MENÇÃO DOS FACTOS ESSENCIAIS À CONTAGEM DO PRAZO DE RECURSO TRIBUTÁRIO, E QUE INDUZIAM EM ERRO O RECORRENTE.
XXIII.
A ININTELIGIBILIDADE DA NOTIFICAÇÃO DETERMINA A NULIDADE DO ATO DE NOTIFICAÇÃO, AO ABRIGO DO ARTIGO 161.0 DO CPA, NA MEDIDA EM NÃO É POSSÍVEL AO RECORRENTE INDUBITAVELMENTE CONCLUIR O PRAZO PARA O EXERCÍCIO DOS SEUS DIREITOS, BEM COMO O MODO DO SEU EXERCÍCIO,
XXIV.
ADEMAIS, O ATO DE NOTIFICAÇÃO É NULO, POR OFENSA AO CONTEÚDO ESSENCIAL DE UM DIREITO FUNDAMENTAL, NOS TERMOS DA ALÍNEA D) DO NÚMERO 2 DO ARTIGO 161.0 DO CPA, NA MEDIDA EM QUE EXCLUI EM ABSOLUTO A PRODUÇÃO DE PROVA TESTEMUNHAL.
XXV.
RAZÕES PELAS QUAIS DEVE A NOTIFICAÇÃO EM CRISE SER DECLARADA NULA, O QUE EXPRESSAMENTE SE REQUER.
XXVI.
CONTRIBUI PARA A ININTELIGIBILIDADE DO ATO DE NOTIFICAÇÃO A IDENTIFICAÇÃO DE NORMAS INEXISTENTES, O QUE RESULTA NA OFENSA A UM DIREITO FUNDAMENTAL DO RECORRENTE, POR VIOLAÇÃO DOS NÚMEROS 3 E 4 DO ARTIGO 268.º DA CRP.
XXVII.
ATENDENDO ÀS NULIDADES SUPRAMENCIONADAS, O RESULTADO JURÍDICO ALCANÇADO E A SUA MATERIALIZAÇÃO NA SENTENÇA RECORRIDA VIOLOU O PRINCÍPIO DE ESTADO DEMOCRÁTICO (2.º CRP), QUE POSTULA UMA IDEIA DE PROTEÇÃO DA CONFIANÇA DOS CIDADÃOS E DA CONTINUIDADE DA ORDEM JURÍDICA E NA ATUAÇÃO DO ESTADO, O QUE IMPLICA UM MÍNIMO DE CERTEZA E DE SEGURANÇA NO DIREITO DAS PESSOAS E NAS EXPECTATIVAS QUE A ELAS SÃO JURIDICAMENTE CRIADAS.
XXVIII.
A NOTIFICAÇÃO EM CRISE PROCEDEU À INDICAÇÃO INCORRETA DOS MEIOS DE DEFESA AO RECORRIDO, TANTO QUANTO AO PRAZO, COMO QUANTO AOS MEIOS DE PROVA, RAZÃO PELA QUAL, EM QUALQUER DOS CASOS, DEVE SER A NOTIFICAÇÃO EM CAUSA JULGADA NULA, PELA MANIFESTA OFENSA AOS DIREITOS CONSTITUCIONALMENTE CONSAGRADOS DO RECORRENTE.
RAZÕES PELAS QUAIS SE REQUER AOS PLECLAROS E MUI ILUSTRES JUÍZES CONSELHEIROS DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO A DECLARAÇÃO DE NULIDADE DA NOTIFICAÇÃO DO RELATÓRIO DE INSPEÇÃO TRIBUTÁRIA EM CRISE NOS AUTOS, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.
CONCOMITANTEMENTE, SE PUGNA POR QUE ACOLHAM A ARGUMENTAÇÃO SUPRA NARRADA, ALTERANDO A SENTENÇA DA QUAL SE RECORRE, JULGANDO POR NÃO VERIFICADA A CADUCIDADE DO DIREITO DE AÇÃO, ASSIM SE FAZENDO A HABITUAL JUSTIÇA.»

1.3. A Recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

1.4. O Ministério Público junto do Supremo Tribunal Administrativo emitiu o parecer com o seguinte teor:

«Veio A. recorrer da decisão proferida pelo TAF de Aveiro, na qual julgou verificada a exceção de caducidade de direito da ação e consequentemente rejeitou liminarmente a petição inicial.
O Recorrente está em desacordo com a decisão quando esta julgou que, sendo o recurso tributário da decisão de avaliação da matéria coletável tramitado como processo urgente, ao abrigo do disposto no número 7 do artigo 89.º-a da LGT, “o prazo para a sua apresentação não sofreu qualquer suspensão em virtude do regime provisório de suspensão introduzido pela lei n.º 4-b/2021, de 01.02..
Diz o Recorrente que em relação aos processos urgentes, a regra de suspensão de prazos de caducidade não se confunde com a regra de não suspensão dos prazos processuais nesses processos, não se confundindo a sua tramitação com o prazo para a sua interposição. E que o prazo para a apresentação do recurso se encontrava suspenso, ao abrigo da alínea c) do número 1 do artigo 6.º-c da Lei 1-A/2020 na redação dada pela lei 4-B/2021, de 1 de fevereiro.
Pede por isso que a sentença recorrida seja alterada, ao abrigo do nº1 do art. 639º do CPC.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Vejamos.
A única questão a resolver, consiste em saber se padece de erro de julgamento a decisão recorrida, que rejeitou liminarmente a petição inicial, por caducidade de direito da ação.
A avaliação indireta reveste natureza substantiva, pois que, nos termos do disposto no artigo 89.º-A da LGT, a decisão de avaliação indireta da matéria tributável apresenta-se como um ato praticado no âmbito de um procedimento administrativo, O prazo em causa é, pois, um prazo substantivo, de caducidade, pois que integra a própria relação jurídica material controvertida e visa determinar o período para o exercício de um direito, sendo que o seu decurso extingue o direito.
Ora, revestindo o prazo para apresentação de recurso da decisão de avaliação da matéria coletável, natureza substantiva, não lhe é aplicável a faculdade prevista no artigo 139.º, n.ºs 5 e 6 do Código de Processo Civil, de prática de atos nos três dias subsequentes ao termo do prazo mediante o pagamento de multa.
Diz o Recorrente que o prazo de interposição do recurso antecedente terminava a 3 de maio de 2021, tendo o mesmo sido interposto tempestivamente, por o prazo para a apresentação do recurso se encontrava suspenso, ao abrigo da alínea c) do número 1 do artigo 6.º-c da lei 1­a/2020 na redação dada pela lei 4-b/2021, de 1 de fevereiro.
Na realidade encontravam-se suspensos os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos, prevalecendo esta disposição sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, aos quais acresce o período de tempo em que vigorar a suspensão (arts. 6.º-B e 6.º-C, n.ºs 3 e 4).
Mas não é verdade (embora a suspensão tenha sido a regra), que o prazo de interposição de recurso, nos processos de natureza urgente se encontrasse suspenso. E foi este também o entendimento do Recorrente, ao lançar mão da faculdade prevista no artigo 139.º, n.ºs 5 e 6 do Código de Processo Civil.
O Recorrente ao pagar a multa quis evitar a caducidade da ação, uma vez que o prazo havia terminado em 15.04.2021, e a petição foi apresentada no dia 19.04.2021.
Não faz sentido, pagar uma multa, para evitar a caducidade da ação quando o prazo de interposição de recurso, segundo o ora Recorrente apenas terminava a 3 de maio.
Sem necessidade de mais considerações, em face de todo o exposto e em conclusão, emito parecer no sentido da improcedência do recurso, e em consequência deverá ser mantida a decisão recorrida.».
1.5. Por Decisão Sumária, o STA julgou-se hierarquicamente incompetente para conhecer do presente recuso, não só por estar em causa também matéria de facto, mas ainda por a sua competência estar circunscrita a decisões de mérito.
1.6. Remetidos os autos a este TCAN, foram os mesmos com vista ao DMMP que reiterou o parecer anteriormente proferido.
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Dispensados os vistos prévios (artigo 36.º, n.º 2, do CPTA ex vi do artigo 2.º, n.º 2, alínea c), do CPPT), dada a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.
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2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito ao julgar caducado o direito de ação.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:

«Com relevância para a apreciação da eventual caducidade do direito de ação, julgam-se provados os seguintes factos:
1. Mediante ofício remetido por correio registado com aviso de receção, que foi assinado em 22.03.2021, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Aveiro comunicaram ao Recorrente o Relatório de Inspeção Tributária e a decisão de fixação do rendimento coletável de IRS do ano de 2017, “por métodos indiretos, nos termos dos artigos 87.º a 90.º da Lei Geral Tributária [...], por remissão do artigo 39.° do código do IRS” – cfr. documentos de fls. 322 a 325 do sitaf;
2. No que respeita ao meio e prazo de reação, consta do ofício mencionado no ponto anterior o seguinte:
“Recurso para o Tribunal Tributário (Art.° 89.°-A, n.° 7 da Lei Geral Tributária [...])
[...] o contribuinte poderá recorrer [...] da decisão de avaliação da Matéria Coletável pelo Método Indireto, através de petição [...] a ser apresentada [...] no prazo de 10 [...] dias, contados a partir da data da assinatura do Aviso de Receção [...].
[...]
Nota: No que respeita o prazo para interpor recurso para o tribunal tributário, [...] informamos, de que o mesmo se encontra suspenso em conformidade com o disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 6.º-C da Lei nº 1-A/2020 de 19 de março, aditado pela Lei nº 4-B/2021 de 1 de fevereiro, com efeitos reportados a 22 de janeiro de 2021, conforme dispõe o artigo 4.º da citada Lei nº 4/2021 de 1 de fevereiro.”
– cfr. documento a fls. 322/323 do sitaf;
3. Em 19.04.2021, o Recorrente apresentou a petição inicial do presente recurso, acompanhada de comprovativo de pagamento da taxa de justiça, no montante de € 1.020,00, e de multa calculada nos termos do artigo 139.º do Código de Processo Civil, no montante de € 255,00 – cfr. comprovativos de fls. 305 a 398 e 311 a 314 do sitaf.
*
Não foram dados como provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão da questão.
A prova dos factos baseou-se no teor dos documentos constantes dos autos, indicados por referência a cada concreto ponto da matéria.».

3.2. DE DIREITO
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de direito:

«Está em causa, nesta fase preliminar, apreciar e decidir a eventual verificação da caducidade do direito de ação.
Decorre da interpretação conjugada do disposto nos artigos 89.º-A, n.ºs 7 e 8 da Lei Geral Tributária e 146.º-B do Código de Procedimento e de Processo Tributário que o prazo para propositura da ação de recurso da decisão de avaliação da matéria coletável pelo método indireto previsto no artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária – baseada na existência de manifestações de fortuna e outros acréscimos patrimoniais não justificados – é de 10 dias, contados da data de notificação da decisão.
Decorre ainda do artigo 89.º-A, n.º 7 da Lei Geral Tributária que o recurso tem efeito suspensivo e é tramitado como processo urgente.
A este propósito, importa ainda explicitar que a Lei n.º 4-B/2021, de 01.02 – estabelecendo um regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais decorrente das medidas adotadas no âmbito da pandemia da doença COVID-19 – aditou à Lei n.º 1-A/2020, de 19.03, entre outros, os artigos 6.º-B e 6.º-C, dos quais decorre a suspensão dos prazos para a prática da maioria dos atos processuais no âmbito dos processos judiciais tributários.
Este regime de suspensão produziu efeitos entre o dia 22.01.2021 (cfr. artigo 4.º da Lei n.º 4-B/2021, de 01.02) e o dia 05.04.2021 (porquanto os mencionados artigos 6.º-B e 6.º-C foram revogados pela Lei n.º 13-B/2021, de 05.04, que entrou em vigor no dia 06.04.2021).
Todavia, tal regime de suspensão dos prazos para a prática de atos processuais excecionou os processos urgentes, como resulta do estatuído no artigo 6.º-B, n.º 7: “Os processos, atos e diligências considerados urgentes por lei ou por decisão da autoridade judicial continuam a ser tramitados, sem suspensão ou interrupção de prazos, atos ou diligências”.
Ora, como decorre expressamente do disposto no mencionado artigo 89.º-A, n.º 7 da Lei Geral Tributária, a ação de recurso da decisão de avaliação da matéria coletável é tramitada como processo urgente. Assim sendo, o prazo para a sua apresentação não sofreu qualquer suspensão em virtude do regime provisório de suspensão introduzido pela Lei n.º 4-B/2021, de 01.02.
Verifica-se, no entanto, que a notificação da decisão recorrida, efetuada pela administração tributária, indicava que “o prazo para interpor recurso [...] se encontra suspenso em conformidade com o disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 6.º-C da Lei nº 1-A/2020 de 19 de março, aditado pela Lei nº 4-B72021 de 1 de fevereiro, com efeitos reportados a 22 de janeiro de 2021, conforme dispõe o artigo 4.º da citada Lei nº 4/2021 de 1 de fevereiro”.
Assim, tal indicação da suspensão do prazo para apresentação do recurso, embora errónea, deve necessariamente ser valorada e é merecedora de tutela jurídica, em função da expectativa e confiança que o Recorrente depositou em tal informação emanada da própria administração.
Neste sentido, pode ler-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 12.04.2012 no processo n.º 0122/12: “[...] a errónea indicação do prazo para reagir judicialmente deve ser valorada quando a petição foi oferecida dentro do prazo assinalado na notificação, face ao princípio geral de direito da boa fé, sob pena de total frustração da confiança que os administrados devem depositar nas informações emanadas da própria Administração, por se tratar de expectativas e confiança que merecem ser tuteladas. [...]”
No caso dos autos, é manifesto que a informação constante da notificação da decisão recorrida foi determinante da atuação do Recorrente, que contabilizou o prazo de 10 dias para apresentação da petição a partir do dia 06.04.2021, como resulta patente da circunstância de, lançando mão do disposto no artigo 139.º do Código de Processo Civil, ter procedido ao pagamento de multa correspondente à prática do ato no dia 19.04.2021, correspondente ao 2.º dia útil subsequente ao termo do prazo de 10 dias.
Assim, em face da expetativa gerada pelo teor da notificação da decisão recorrida, deve atender-se ao dia 06.04.2021 como termo inicial do prazo para a apresentação da petição de recurso.
Sucede, porém, que o Recorrente assumiu, incorretamente, que, ultrapassado o prazo de 10 dias para apresentação da petição de recurso, poderia ainda praticar tal ato dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, à luz da faculdade prevista no artigo 139.º do Código de Processo Civil. Com efeito, contado do dia 06.04.2021, o prazo de 10 dias terminou no dia 15.04.2021, sendo que a petição foi apresentada no dia 19.01.2021, que corresponde, como se disse, ao 2.º dia útil subsequente ao termo do prazo.
Em coerência com tal assunção, o Recorrente juntou à petição de recurso o comprovativo do pagamento de multa em montante apurado nos termos do artigo 139.º, n.º 5, alínea b) do Código de Processo Civil.
A este propósito, importa, por um lado, explicitar que o prazo para apresentação de recurso da decisão de avaliação da matéria coletável reveste natureza substantiva, não sendo, portanto, aplicável a faculdade prevista no artigo 139.º, n.ºs 5 e 6 do Código de Processo Civil, de prática de atos nos três dias subsequentes ao termo do prazo mediante o pagamento de multa.
Cumpre, por outro lado, sublinhar que o prazo para o exercício do direito à ação de recurso conta-se nos termos do artigo 279.º do Código Civil (cfr. artigo 20.º n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário), pelo que corre continuamente, sem qualquer interrupção ou suspensão, e quando termine em domingo, dia feriado ou em férias judiciais transfere-se o seu termo final para o primeiro dia útil subsequente.
Conclui-se, assim, que o prazo de 10 dias para interposição de recurso (iniciado, com os fundamentos explicitados, no dia 06.04.2021) terminou em 15.04.2021, pelo que a petição apresentada no dia 19.04.2021 é extemporânea.
Importa, ainda, fazer uma referência à circunstância de o Recorrente, embora ao longo da petição de recurso pugne pela anulação do relatório de inspeção – com diversos fundamentos já explicitados na parte inicial desta decisão –, conclui peticionando a declaração de nulidade do relatório, com fundamento na “manifesta desproporcionalidade e ilegalidade quanto à realização da avaliação indireta”.
Atendendo a que o desvalor da nulidade resulta de uma especial gravidade dos vícios do ato praticado, justificando que a ordem jurídica lhe retire “quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade” (cfr. artigo 162.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 07.01), cumpre aferir se algum dos vícios que o Recorrente imputa à decisão de avaliação da matéria coletável tem a virtualidade de implicar a sua nulidade. Ou seja, importa determinar, através da formulação de um juízo hipotético, qual é, na eventualidade de os vícios existirem, o desvalor que lhes corresponde.
Ora, em regra, os vícios do ato acarretam a sua anulabilidade, só implicando a sua nulidade quando a lei comine essa forma de invalidade (cfr. artigos 161.º n.º 1 e 163.º n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo).
Tal como estatuído no artigo 161.º n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo, são nulos:
“a) Os atos viciados de usurpação de poder;
b) Os atos estranhos às atribuições dos ministérios, ou das pessoas coletivas referidas no artigo 2.º, em que o seu autor se integre;
c) Os atos cujo objeto ou conteúdo seja impossível, ininteligível ou constitua ou seja determinado pela prática de um crime;
d) Os atos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental;
e) Os atos praticados com desvio de poder para fins de interesse privado;
f) Os atos praticados sob coação física ou sob coação moral;
g) Os atos que careçam em absoluto de forma legal;
h) As deliberações de órgãos colegiais tomadas tumultuosamente ou com inobservância do quorum ou da maioria legalmente exigidos;
i) Os atos que ofendam os casos julgados;
j) Os atos certificativos de factos inverídicos ou inexistentes;
k) Os atos que criem obrigações pecuniárias não previstas na lei;
l) Os atos praticados, salvo em estado de necessidade, com preterição total do procedimento legalmente exigido.”
No caso dos autos, não se afigura que qualquer dos vícios que vêm imputados pelo Recorrente ao ato recorrido, a verificar-se, acarrete a nulidade do mesmo.
Com efeito, apesar de o Recorrente enunciar um leque de princípios constitucionalmente consagrados, mormente os princípios da proporcionalidade e da legalidade, os termos em que concretiza a invalidade do ato recorrido subsumem-se a uma alegada violação do princípio da legalidade tributária, e não do conteúdo essencial de direitos fundamentais.
Ora, é entendimento jurisprudencial assente que os atos tributários praticados com violação, mormente, do princípio constitucional da legalidade são anuláveis e não nulos.
Assim sendo, tem necessariamente de concluir-se que os fundamentos de invalidade, nos quais assenta a pretensão do Recorrente, não têm a virtualidade de gerar a nulidade do ato recorrido, pelo que este é apenas, e em abstrato, suscetível de anulação, mediante recurso a interpor no prazo de 10 dias, nos termos já explicitados.
Resta, por fim referir que o prazo para o exercício do direito de apresentação de recurso tem natureza perentória, pelo que o seu decurso extingue o direito a praticar o ato (cfr. artigo 139.º n.º 3 do Código de Processo Civil) e que o mesmo, por ser referente a direitos indisponíveis do Estado, é de conhecimento oficioso (cfr. artigo 579.º do Código de Processo Civil, conjugado com o artigo 333.º do Código Civil).
Assim, a caducidade do direito à apresentação de recurso constitui uma exceção perentória que extingue o efeito jurídico pretendido com a presente ação de recurso, conduzindo à absolvição da Fazenda Pública do pedido (cfr. artigos 576.º n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil).
Face a todo o exposto, é forçoso concluir-se pela verificação da exceção de caducidade do direito de ação, o que, na presente fase processual, impõe a rejeição liminar da petição inicial.».

O Recorrente não se conforma com o assim decidido, apontando à sentença recorrida diversos erros, que passamos agora a analisar.
Nas conclusões V a VIII das suas alegações de recurso sustenta que a sentença enferma de erro na norma aplicável quando considerou que, sendo o recurso da decisão de avaliação da matéria coletável tramitado como processo urgente, ao abrigo do disposto no n.º 7, do artigo 89.º-A, da LGT, o prazo para a sua apresentação não sofreu qualquer suspensão em virtude do regime provisório introduzido pela Lei n.º 4-B/2021, de 01.02, porquanto, a seu ver, «A REGRA DE SUSPENSÃO DE PRAZOS DE CADUCIDADE NÃO SE CONFUNDE COM A REGRA DE NÃO SUSPENSÃO DOS PRAZOS PROCESSUAIS NESSES PROCESSOS, NÃO SE CONFUNDINDO A SUA TRAMITAÇÃO COM O PRAZO PARA A SUA INTERPOSIÇÃO» e «O PRAZO PARA A APRESENTAÇÃO DO RECURSO EM CRISE SE ENCONTRAVA SUSPENSO, AO ABRIGO DA ALÍNEA C) DO NÚMERO 1 DO ARTIGO 6.º-C DA LEI 1-A/2020 NA REDAÇÃO DADA PELA LEI 4-B/2021, DE 1 DE FEVEREIRO. ».

Cumpre, desde já, esclarecer que o prazo aqui em causa tem a natureza substantiva ou de caducidade (é um prazo para interposição de uma ação ou de uso de um meio impugnatório judicial contra um ato tributário destacável). Não é um prazo processual, pois este só existe no âmbito de um processo judicial, o qual apenas se inicia com a introdução da petição em juízo (artigo 259.º do CPC); nem é um prazo procedimental, o qual apenas corre no âmbito, in casu, de um procedimento tributário de inspeção que, findou, precisamente, com a notificação da decisão de determinação da matéria coletável em sede de IRS através de métodos indiretos, como decorre 62.º, n.º 2, in fine.
Vejamos, então, o que, no âmbito da resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-COV-2, o legislador estatuiu, sucessivamente, em matéria em suspensão de prazos:
Na Lei 1-A/2020 de 19/03, previa, no que agora nos interessa, o artigo 7.º, sob a epígrafe “Prazos e diligências”, o seguinte:
1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, aos atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos, que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, aplica-se o regime das férias judiciais até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, conforme determinada pela autoridade nacional de saúde pública.
2 - O regime previsto no presente artigo cessa em data a definir por decreto-lei, no qual se declara o termo da situação excecional.
3 - A situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos.
4 - O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional.
5 - Nos processos urgentes os prazos suspendem-se, salvo nas circunstâncias previstas nos n.os 8 e 9.
6 - O disposto no presente artigo aplica-se ainda, com as necessárias adaptações, a:
a) Procedimentos que corram termos em cartórios notariais e conservatórias;
b) Procedimentos contraordenacionais, sancionatórios e disciplinares, e respetivos atos e diligências que corram termos em serviços da administração direta, indireta, regional e autárquica, e demais entidades administrativas, designadamente entidades administrativas independentes, incluindo o Banco de Portugal e a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários;
c) Prazos administrativos e tributários que corram a favor de particulares.
7 - Os prazos tributários a que se refere a alínea c) do número anterior dizem respeito apenas aos atos de interposição de impugnação judicial, reclamação graciosa, recurso hierárquico, ou outros procedimentos de idêntica natureza, bem como aos prazos para a prática de atos no âmbito dos mesmos procedimentos tributários.
(…)
- o destacado é da nossa autoria.
A Lei n.º 4-A/2020, de 06/04, alterou este artigo 7.º, que passou a ter a seguinte redação:
1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, todos os prazos para a prática de atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal ficam suspensos até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, a decretar nos termos do número seguinte.
2 - O regime previsto no presente artigo cessa em data a definir por decreto-lei, no qual se declara o termo da situação excecional.
3 - A situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos.
4 - O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional.
5 - O disposto no n.º 1 não obsta:
a) À tramitação dos processos e à prática de atos presenciais e não presenciais não urgentes quando todas as partes entendam ter condições para assegurar a sua prática através das plataformas informáticas que possibilitam a sua realização por via eletrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente;
b) A que seja proferida decisão final nos processos em relação aos quais o tribunal e demais entidades entendam não ser necessária a realização de novas diligências.
6 - Ficam também suspensos:

a) O prazo de apresentação do devedor à insolvência, previsto no n.º 1 do artigo 18.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas;
b) Quaisquer atos a realizar em sede de processo executivo, designadamente os referentes a vendas, concurso de credores, entregas judiciais de imóveis e diligências de penhora e seus atos preparatórios, com exceção daqueles que causem prejuízo grave à subsistência do exequente ou cuja não realização lhe provoque prejuízo irreparável, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 137.º do Código de Processo Civil, prejuízo esse que depende de prévia decisão judicial.
7 - Os processos urgentes continuam a ser tramitados, sem suspensão ou interrupção de prazos, atos ou diligências, observando-se quanto a estes o seguinte:
a) Nas diligências que requeiram a presença física das partes, dos seus mandatários ou de outros intervenientes processuais, a prática de quaisquer atos processuais e procedimentais realiza-se através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente;

b) Quando não for possível a realização das diligências que requeiram a presença física das partes, dos seus mandatários ou de outros intervenientes processuais, nos termos da alínea anterior, e esteja em causa a vida, a integridade física, a saúde mental, a liberdade ou a subsistência imediata dos intervenientes, pode realizar-se presencialmente a diligência desde que a mesma não implique a presença de um número de pessoas superior ao previsto pelas recomendações das autoridades de saúde e de acordo com as orientações fixadas pelos conselhos superiores competentes;
c) Caso não seja possível, nem adequado, assegurar a prática de atos ou a realização de diligências nos termos previstos nas alíneas anteriores, aplica-se também a esses processos o regime de suspensão referido no n.º 1.

8 - Consideram-se também urgentes, para o efeito referido no número anterior:
a) Os processos e procedimentos para defesa dos direitos, liberdades e garantias lesados ou ameaçados de lesão por quaisquer providências inconstitucionais ou ilegais, referidas no artigo 6.º da Lei n.º 44/86, de 30 de setembro, na sua redação atual;
b) O serviço urgente previsto no n.º 1 do artigo 53.º do Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de março, na sua redação atual;
c) Os processos, procedimentos, atos e diligências que se revelem necessários a evitar dano irreparável, designadamente os processos relativos a menores em risco ou a processos tutelares educativos de natureza urgente e as diligências e julgamentos de arguidos presos.
9 - O disposto nos números anteriores aplica-se, com as necessárias adaptações, aos prazos para a prática de atos em:
a) Procedimentos que corram termos em cartórios notariais e conservatórias;
b) Procedimentos contraordenacionais, sancionatórios e disciplinares, incluindo os atos de impugnação judicial de decisões finais ou interlocutórias, que corram termos em serviços da administração direta, indireta, regional e autárquica, e demais entidades administrativas, designadamente entidades administrativas independentes, incluindo a Autoridade da Concorrência, a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, o Banco de Portugal e a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, bem como os que corram termos em associações públicas profissionais;
c) Procedimentos administrativos e tributários no que respeita à prática de atos por particulares.
10 - A suspensão dos prazos em procedimentos tributários, referida na alínea c) do número anterior, abrange apenas os atos de interposição de impugnação judicial, reclamação graciosa, recurso hierárquico, ou outros procedimentos de idêntica natureza, bem como os atos processuais ou procedimentais subsequentes àqueles.
(…) - o destacado é da nossa autoria.
Este artigo 7.º foi revogado pela Lei n.º 16/2020, de 29/05, que aditou, porém, o artigo 6.º-A, sob a epígrafe “Regime processual transitório e excecional”, com a seguinte redação:
1 - No decurso da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, as diligências a realizar no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal regem-se pelo regime excecional e transitório previsto no presente artigo. (…)
Também este este artigo 6.º-A viria a ser revogado pela Lei n.º 4-B/2021, de 01/02, que, por seu turno, introduziu, no que aqui interessa, os artigos 6.º-B e 6.º-C, respetivamente, com as seguintes redações:
Artigo 6.º-B Prazos e diligências
1 - São suspensas todas as diligências e todos os prazos para a prática de atos processuais, procedimentais e administrativos que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional e entidades que junto dele funcionem, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
2 - O disposto no número anterior não se aplica aos processos para fiscalização prévia do Tribunal de Contas.
3 - São igualmente suspensos os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos identificados no n.º 1.
4 - O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, aos quais acresce o período de tempo em que vigorar a suspensão.
(…).
Artigo 6.º-C
Prazos para a prática de atos procedimentais
1 - São suspensos os prazos para a prática de atos em:
a) Procedimentos que corram termos em cartórios notariais e conservatórias;
b) Procedimentos contraordenacionais, sancionatórios e disciplinares, incluindo os atos de impugnação judicial de decisões finais ou interlocutórias, que corram termos em serviços da administração direta, indireta, regional e autárquica, e demais entidades administrativas, designadamente entidades administrativas independentes, incluindo a Autoridade da Concorrência, a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, o Banco de Portugal e a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, bem como os que corram termos em associações públicas profissionais;
c) Procedimentos administrativos e tributários no que respeita à prática de atos por particulares.
2 - A suspensão dos prazos em procedimentos tributários, referida na alínea c) do número anterior, abrange apenas os atos de interposição de impugnação judicial, reclamação graciosa, recurso hierárquico, ou outros procedimentos de idêntica natureza, bem como os atos processuais ou procedimentais subsequentes àqueles.
(…)
- o destacado e sublinhado é da nossa autoria.
Esta Lei n.º 4-B/2021, de 01/02, reintroduziu, portanto, a suspensão dos prazos procedimentais, de prescrição, de caducidade do direito de ação e processuais e, tendo em conta que o legislador utiliza o termo “procedimento” indistintamente, sem rigor técnico, afigura-se-nos que o n.º 2 do artigo 6.º-C (A suspensão dos prazos em procedimentos tributários, referida na alínea c) do número anterior, abrange apenas os atos de interposição de impugnação judicial, reclamação graciosa, recurso hierárquico, ou outros procedimentos de idêntica natureza, bem como os atos processuais ou procedimentais subsequentes àqueles.) abrange o recurso previsto no artigo 89.º-A, n.º 7, da LGT.
Com efeito, à semelhança da impugnação judicial, este é também um meio impugnatório judicial tributário, ou seja, de natureza idêntica àquela, ainda que apenas vise discutir a legalidade do ato destacável de determinação da matéria coletável em sede de IRS apurada através de métodos indiretos, nos termos do artigo 89.º-A, da LGT.
Em idêntico sentido o entendeu o STA, no seu recente acórdão de 07/04/2021, proferido no âmbito do recurso 0545/20.6BELRA, disponível em www.dgsi.pt, ainda que quanto ao meio processual de reclamação de ato do chefe previsto no artigo 276.º e seguintes do CPPT, considerando que «(…) a apresentação de Reclamação Judicial constitui um acto processual a praticar por particular, o que, por si só, determina a suspensão do prazo para a sua prática. (…), este tipo de processo possui natureza de acção impugnatória incidental, pelo que, em conformidade com este entendimento, tem que lhe ser reconhecida natureza idêntica à da Impugnação Judicial, o que, per se, também nos determinaria a concluir que o prazo para a sua prática estava suspenso».
Concluímos, pois, que o prazo de apresentação do recurso nos termos do artigo 89.º-A, da LGT estava, de facto, suspenso, a tanto não obstando o facto de o processo em causa ter natureza urgente na medida em que o legislador não excluiu este tipo de processos do âmbito de aplicação do referido n.º 2, do artigo 6.º-C, e onde o legislador não distingue, não cabe ao intérprete fazê-lo. De qualquer forma, o processo apenas se inicial com a introdução da p.i. em juízo, pelo que só a partir desse momento ficaria sujeito à disciplina dos prazos dos processos urgentes.
Isto posto, cabe agora referir que a vigência da Lei n.º 4-B/2021 e, por consequência, o reinício da suspensão dos prazos, se iniciou em 02/02/2021 (cfr. artigo 5.º do mesmo diploma) sendo que, por força da Lei n.º 13-B/2021, de 29/05, foram revogados os artigos 6.º-B e 6.º-C, cessando o regime de suspensão dos prazos processuais e procedimentais adotado no âmbito da pandemia da doença COVID-19.
Os artigos 4.º e 5.º desta última Lei dispõem sobre a cessação, respetivamente, dos prazos administrativos e dos prazos de prescrição e de caducidade. Como vimos, logo no início da nossa análise, o prazo em discussão nestes autos tem natureza substantiva e de caducidade, pelo que deve aplicar-se o regime previsto no artigo 5.º da Lei 13-B/2021, de 29/05, segundo o qual «Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, os prazos de prescrição e de caducidade cuja suspensão cesse por presente lei são alargados pelo período correspondente à vigência da suspensão.».
Dado que a Lei em questão entrou em vigor no dia 6 de abril (cfr. artigo 7.º), a suspensão do prazo de caducidade em causa nestes autos vigorou entre o dia 23/03/2021 – dia imediato à receção da notificação – e o dia 5/04/02021, pelo que a p.i. devia ter sido apresentada em juízo até ao dia 15/04/2021, uma quinta feira. A sua apresentação na 2.ª feira seguinte, ainda que com multa, não obsta à respetiva intempestividade, como bem concluiu o Tribunal a quo, porquanto a prática de atos processuais com multa apenas é permitida relativamente a processos já pendentes, não se aplicando a petições iniciais.
Acresce dizer que, apesar de ter sufragado entendimento distinto do que vimos de sustentar, a sentença recorrida não deixou de admitir a suspensão do prazo nos termos informados pela AT, pelo que não se mostram frustradas quaisquer expectativas do Recorrente, nesta parte.
No que respeita à ininteligibilidade da notificação por não definir o termo da suspensão do prazo de recurso, cremos não ser razoável o argumento do Recorrente, pois, à data da notificação, não era sequer possível à AT, ou a quem quer que fosse, prestar tal informação.
Por último e quanto à nulidade da notificação, quer por preterição de formalidade legal (tanto quanto percebemos, por não indicar o termo da suspensão do prazo de recurso), quer por excluir a prova testemunhal como meio de prova, cabe dizer que os requisitos da regularidade das notificações, no âmbito do procedimento tributário, estão especialmente previstas no Código de Procedimento e de Processo Tributário, bem como as causas da respetiva nulidade.
Assim, o artigo 39.º, n.º 12, deste código, expressa que «O ato de notificação será nulo no caso de falta de indicação do autor do ato e, no caso de este o ter praticado no uso de delegação ou subdelegação de competências, da qualidade em que decidiu, do seu sentido e da sua data.».

Estas são as únicas causas legalmente admissíveis de nulidade das notificações no procedimento tributário e, visto que nenhuma delas vem arguida, improcede o alegado vício da notificação para apresentar recurso nos termos do artigo 89.º-A da LGT.

Assim e na improcedência de todas as conclusões do presente recurso, deve o mesmo improceder.

4. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida, com a presente fundamentação.
*
Custas a cargo do Recorrente.
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Porto, 30 de setembro de 2021

Maria do Rosário Pais - Relatora
Tiago Afonso Lopes de Miranda - 1.º Adjunto
Cristina da Nova - 2.ª Adjunta