Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 02324/04.9BEPRT |
Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
Data do Acordão: | 05/31/2012 |
Tribunal: | TAF do Porto |
Relator: | Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro |
Descritores: | IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO GERÊNCIA EFECTIVA ÓNUS DA PROVA |
Sumário: | 1. Se o recorrente pretende impugnar a matéria de facto da sentença recorrida mas para tanto limita-se a dizer de forma genérica que dos elementos dos autos ou dos depoimento das testemunhas, sem qualquer concretização dos meios de prova, resultaria matéria de facto diferente, não cumpre um dos ónus impostos pelo artigo 685.º-B do Código de Processo Civil, o que determina a rejeição do recurso nesta parte. 2. Tanto no âmbito do CPT como no da LGT, para se afirmar a responsabilidade subsidiária dos gerentes por dívidas tributárias exige-se que os mesmos tenham exercido efectivamente ou de facto a gerência. 3. Provado que a oponente não exerceu a gerência de facto ela é parte ilegítima na execução que relativamente a ela terá de ser extinta.* * Sumário elaborado pelo Relator |
Recorrente: | Fazenda Pública |
Recorrido 1: | M... |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I- Relatório A Fazenda Pública não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a oposição deduzida por M…, contribuinte fiscal n.º 1…, contra a execução fiscal n.º 3204200301045059 do Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia 2, instaurada contra a sociedade “A…– Indústria e Comércio de Têxteis, Lda” e contra si revertida na qualidade de responsável subsidiária, interpôs o presente recurso concluindo da seguinte forma as suas alegações: A) Nos autos em referência, a douta sentença recorrida julgou a oposição procedente, determinando, consequentemente, a extinção da execução quanto à reversão contra a oponente, por haver dado como não provados os factos – “ que a oponente tenha praticado actos consubstanciados no exercício da gerência de facto da devedora originária no período a que se reportam as dívidas, porquanto nenhuma prova foi apresentada pela Fazenda Pública nesse sentido” – e como factos provados os ordenados de 1 a 17 do ponto II. B) Para o efeito de dar como provados e não provados os factos elencados no ponto II, o Tribunal alicerçou a sua convicção no teor dos elementos constantes dos autos e nos depoimentos testemunhais, não se conformando a FP com: § Os factos dados como provados no segmento final dos pontos 12 e 13, porquanto da concatenação dos elementos probatórios não se entende poder-se concluir como se refere em 12 e se entende mostrar-se incompleto o provado em 13; § O facto dado como não provado. C) A responsabilidade subsidiária depende do exercício efectivo das funções de gerência, ainda que somente de facto, e a oponente foi nomeada como gerente desde a constituição da primitiva devedora, resultando dos elementos patentes dos autos que a oponente era remunerada pela sociedade e que essa remuneração era 66% superior à do outro gerente, o seu marido, mais resultou provado que ia às instalações da primitiva devedora regularmente e que no dia do pagamento dos salários estava na empresa. D) As testemunhas referiram que a oponente se deslocava à empresa com o marido e nada mais, uma vez que não sabiam o que a oponente e o marido ali iam fazer, mas todas sabiam que os sócios eram a oponente e seu marido sendo esses que tinham por patrões. Mais referiram que quem aparecia junto das funcionárias da primitiva executada era a encarregada, Sra. D. V…, que tinha contacto directo com os patrões (a oponente e o marido). E) As testemunhas não sabiam que tipo de relação existia entre a oponente o seu marido e a encarregada da primitiva devedora, mas sabiam que no dia do pagamento dos salários oponente e marido estavam na empresa. F) A ida da oponente à empresa, o facto de estar presente no dia do pagamento dos salários, de intervir em actos da empresa e receber remuneração da parte desta pelo exercício daquela gerência inculca na convicção do exercício da gerência de facto. G) Dos elementos constantes do processo, não se conclui pelo afastamento da responsabilidade da oponente pelas dívidas em cobrança nos processos de execução fiscal, devendo os mesmos prosseguir os seus termos contra a mesma, motivo pelo qual não pode manter-se a douta decisão recorrida, por violação do disposto nos art. 23º e 24º , nº 1 b) da LGT e art. 153º CPPT. Termos em que, deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença recorrida.». Não houve contra-alegações. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso. Colhidos os vistos legais cumpre agora decidir já que a tal nada obsta. As questões a decidir: a) Saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento da matéria de facto. b) Saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito ao extinguir a execução relativamente à oponente ora recorrida. II- Fundamentação II.1. De facto O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto fixou o seguinte quadro factual: «FACTOS PROVADOS: 1 - Em nome da devedora originária foi instaurada a execução fiscal 3204200301045059, para cobrança da dívida de IVA de 2002 no valor de € 3.642,42. 2 - As dívidas exequendas identificadas em 1), foram objecto de reversão em nome da oponente por insuficiência dos bens da devedora originária, conforme informação de fls. 28 e que aqui se dá por reproduzida. 3 - Com data de 01.06.2004 foi elaborado o projecto de reversão em nome da oponente e constante destes autos de fls. 30 e que aqui se dá por reproduzida. 4 - Por carta datada de 17.06.2004, foi a oponente notificada do projecto de reversão e para querendo exercer o direito de audição nos termos constantes de fls. 31 e que aqui se dá por reproduzida. 5 - A oponente foi citada para a presente execução em 07.09.2004, cfr. fls. 36 a 38 destes autos e que aqui se dão por reproduzidas. 6 - A devedora originária iniciou a sua actividade em Fevereiro de 1999. 7 - A oponente foi nomeada gerente da devedora originária, conjuntamente com o seu marido, A…. 8 - Em 1999, o filho da oponente, ficou doente e foi internado no I.P.O. do Porto. 9 - E veio a falecer em Março de 1999. 10 - A doença e a morte do filho, criaram na oponente perturbações psicológicas. 11 - Em Dezembro de 2000, a oponente sofreu um acidente de viação, tendo sofrido ferimentos graves. 12 - Era o marido da oponente A.. que dirigia a empresa. 13 - A oponente não estava diariamente na empresa. 14 - A área da confecção era dirigida por uma encarregada, de nome V…. 15 - Esta encarregada, algumas vezes, procedeu ao pagamento de salários. 16 - Dão-se aqui por reproduzidos os autos de declarações, constantes destes autos de fls. 109 a 113. 17 - Dá-se aqui por reproduzida cópia da alteração do pacto social da devedora originária, constante destes autos de fls. 105 a 106. Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração da matéria de facto dada como assente, nos factos alegados e não impugnados, nos documentos acima identificados e no depoimento das testemunhas. FACTOS NÃO PROVADOS: Não se provou, que a oponente, tenha praticado actos consubstanciados no exercício da gerência de facto da devedora originária, no período a que se reportam as dívidas, porquanto nenhuma prova foi apresentada pela Fazenda Pública nesse sentido.». II.2. De direito II.2.1. Erro de julgamento de facto A recorrente não se conforma com os factos dados como provados no segmento final dos pontos 12 e 13, dizendo que «da concatenação dos elementos probatórios não se entende poder-se concluir como se refere em 12 e se entende mostrar-se incompleto o provado em 13», nem com o facto dado como não provado na sentença recorrida. No que toca à impugnação da matéria de facto o artigo 685.º-B do Código de Processo Civil estabelece ónus para o recorrente, dispondo: «1- Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição. 3 - Na hipótese prevista no número anterior, incumbe ao recorrido, sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, proceder, na contra-alegação que apresente, à indicação dos depoimentos gravados que infirmem as conclusões do recorrente, podendo, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição. 4 - Quando a gravação da audiência for efectuada através de meio que não permita a identificação precisa e separada dos depoimentos, as partes devem proceder às transcrições previstas nos números anteriores. 5 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 684.º-A.». Esta norma conjugada com o que dispõe o artigo 712.º do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do artigo 2.º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, permite concluir que este Tribunal Central Administrativo, com competência para a apreciação das questões de facto (artigo 38.º, alínea a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e artigo 280.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário), o pode fazer mas dentro de determinados parâmetros. A norma transcrita afasta, desde logo, a possibilidade de o Tribunal de recurso com competência em matéria de facto efectuar um novo julgamento ao fazer recair sobre o recorrente o ónus de, primeiro, indicar os concretos pontos de facto que pretende ver modificados e, segundo, indicar os concretos meios probatórios constantes do processo, do registo ou da gravação que imponham decisão diversa sobre aqueles pontos de facto. Não são, assim, permitidos, sob pena de rejeição, recursos genéricos contra a matéria de facto assente pelo tribunal recorrido: o recurso não pode ser genérico atacando a matéria de facto no seu conjunto sem precisar os pontos concretos, nem pode ser genérico apontando para a prova em geral produzida no processo. O recorrente que pretenda impugnar a matéria de facto terá, assim, sob pena de rejeição, e cumulativamente: a) Especificar ou identificar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Indicar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. No caso dos autos a recorrente indicou os pontos concretos da matéria de facto que entende estarem incorrectamente julgados – os pontos 12 e 13 e o facto dado como não provado. Cumpriu assim o primeiro dos ónus que sobre si recaía. Mas já não cumpriu o segundo. Se atentarmos nas conclusões de recurso não está indicado qual ou quais os meios de prova concretos que imporiam um julgamento diferente daqueles pontos da matéria de facto. A recorrente faz referência aos “elementos patentes dos autos” (conclusão “C”), às “testemunhas” (conclusões “D”, “E”) e aos “elementos constantes do processo” (conclusão “G”), o que não satisfaz minimamente a exigência legal, pois não indica quais são os elementos dos autos a que se reporta, nem tão-pouco identifica as testemunhas cujos depoimentos levariam a decidir de forma diferente. Deste modo, não tendo a recorrente cumprido ónus que sobre si recaia, ao abrigo do disposto no artigo 685.º-B, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil rejeita-se o recurso na parte correspondente à impugnação da matéria de facto. II.2.2. Erro de julgamento de direito Importa agora saber a sentença recorrida errou o julgamento na aplicação do direito violando, como alega a recorrente, o disposto nos artigos 23.º e 24.º n.º 1, alínea b) da Lei Geral Tributária e artigo 153.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Antes de responder à questão importa referir que a recorrente não imputou à sentença nenhum erro de julgamento de direito com base na matéria de facto provada e não provada pelo Tribunal recorrido. A recorrente não diz que houve uma errada subsunção do direito aos factos, ou que aqueles factos provados e não provados conduziriam a solução oposta à adoptada. A recorrente pretendeu num primeiro passo que este Tribunal alterasse a matéria de facto para depois, com base nessa nova matéria de facto, alterar a solução de direito. Como vimos, o primeiro passo da recorrente falhou e a matéria de facto que este Tribunal tem de considerar é aquela que foi fixada na sentença recorrida e que não foi eficazmente impugnada. Posto isto. Entendeu o Tribunal a quo que é pressuposto da responsabilidade subsidiária dos gerentes o exercício efectivo da gerência e que a Fazenda Pública não tinha feito prova de que a oponente tivesse exercido de facto a gerência. E que essa prova cabia à Fazenda Pública, pelo que julgou a oponente parte ilegítima na execução. Apreciando. A responsabilidade subsidiária dos gerentes estava prevista no artigo 13.º do Código de Processo Tributário e está hoje prevista no artigo 24.º da Lei Geral Tributária. A responsabilidade subsidiária afere-se pela lei vigente à data dos factos - n.º 2 do art. 12.º do Código Civil que dispõe que aos efeitos de factos aplica-se a lei vigente no momento em que eles ocorreram. Acontece que tanto no Código de Processo Tributário (artigo 13.º), como na Lei Geral Tributária (artigo 24.º) é pressuposto da responsabilidade subsidiária dos gerentes e administradores pelas dívidas das sociedades, o exercício efectivo da gerência ou administração. Ou seja, não basta a chamada gerência formal ou de direito, é necessária a gerência de facto. A chamada gerência de facto de uma sociedade comercial consistirá no efectivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade. Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros – já nestes termos, Rúben Anjos de Carvalho - Francisco Rodrigues Pardal, Código de Processo das Contribuições e Impostos, Anotado e Comentado, 2ª Edição, Coimbra, 1969, p. 139. É à administração tributária, enquanto exequente, que compete demonstrar a verificação dos pressupostos que lhe permitam a reverter a execução fiscal contra o gerente da sociedade originária devedora e, entre eles, os respeitantes à existência da gerência de facto - de acordo com a regra geral de quem invoca um direito tem que provar os respectivos factos constitutivos – artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil artigo 74.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária. Não existe, como fez notar o Tribunal recorrido, presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente de direito o efectivo exercício da função – cfr. o acórdão para resolução de conflito de julgados de 28 de Fevereiro de 2007, proferido no processo com o n.º 1132/06 pelo Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo. Da inscrição no registo comercial da nomeação de alguém como gerente apenas resulta a presunção legal (artigo 11.º do Código do Registo Comercial) de que é gerente de direito, não de que exerce efectivas funções de gerência. Ora, analisando a matéria de facto provada verifica-se que não ficou assente qualquer acto praticado pela ora recorrida que traduza de algum modo o exercício efectivo da gerência, tendo ao invés o tribunal recorrido dado como não provado que a oponente os tivesse praticado. Deste modo, bem andou aquele Tribunal em considerar não estar preenchido um dos pressupostos da reversão e em consequência julgar a oponente parte ilegítima na execução por não ser responsável pelo pagamento da dívida exequenda, não merecendo o recurso provimento. III- Decisão Assim, pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso. Custas pela Fazenda Pública. Porto, 31 de Maio de 2012 Ass. Paula Ribeiro Ass. Fernanda Esteves Ass. Aragão Seia |