Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00741/08.4BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/12/2014
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Mário Rebelo
Descritores:IMPUGNAÇÃO
AVALIAÇÃO INDIRECTA
VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE
Sumário:1. No recurso à avaliação indirecta compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação.
2. O sujeito passivo pode opor-se com sucesso à liquidação mediante prova do excesso na sua quantificação. Isto sem prejuízo de a partir da prova efectuada resultar fundada dúvida sobre a quantificação.
3. Porém a fundada dúvida sobre a quantificação não pode ser uma dúvida de «partida», mas antes o resultado de um «percurso» probatório empreendido pelas partes, no termo do qual o julgador se confronta com uma dúvida inultrapassável pela prova.
4. O encargo que recai sobre o contribuinte de provar o excesso na quantificação não desonera a AT do dever de escolher um critério de quantificação que mais se aproxime do resultado que seria alcançado mediante avaliação directa, como resulta da aplicação do princípio da subsidiariedade previsto no art. 85º LGT.
5. O caráter excecional da avaliação indirecta, aliado ao princípio da subsidiariedade implica que, sempre que seja possível, prevaleça neste modo de determinação da matéria colectável as regras da avaliação directa, só se aplicando os critérios próprios da primeira aos factos tributários perante os quais a aplicação das regras da avaliação directa se mostrem desadequadas.
6. Se através da contabilidade for possível efectuar o apuramento das margens de lucro relativamente a cada uma das mercadorias, a AT não pode descartar esta forma de avaliação só porque não é um método indirecto e que uma amostragem que abrangesse a totalidade das compras e das vendas desvirtuaria o método indirecto e não seria uma amostragem.
7. A escolha de um critério indiciário para determinação da matéria tributável quando é possível um critério directo, torna aquele inidóneo para a quantificação, ferindo o princípio da subsidiariedade que a AT deve observar.
8. Preterindo a AT, sem justificação, a regra básica da subsidiariedade na quantificação da matéria tributável, o contribuinte apenas tem que provar a inadequação do critério quantificador usado para assim demonstrar a ilegalidade da liquidação que dele resultou.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:D..., Lda.
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

Síntese do processado mais relevante.
A impugnante foi sujeita a fiscalização externa com incidência nos exercícios de 1999, 2000 e 2001.
Os exercícios de 2000 e 2001 foram corrigidos com recurso à avaliação indirecta, com recurso a amostragem das mercadorias vendidas.
Instaurado procedimento de revisão, não foi alcançado acordo entre os peritos.
Foi apresentada impugnação judicial contra as liquidações de IVA de 2000 e 2001, e foi realizada prova pericial.
Os peritos concluíram que a ATA poderia ter procedido ao cálculo das margens de lucro relativamente a cada uma das mercadorias através da contabilidade.
Facto que o MMº juiz «a quo» considerou provado.
Razão porque determinou a anulação das liquidações impugnadas.

O recurso.

Inconformado com a sentença a Exma. Representante da Fazenda Pública dela recorreu formulando alegações e concluindo como segue:
A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida contra as liquidações adicionais dos anos de 2000 e 2001, referentes a IVA e respectivos Juros Compensatórios de que resultou o valor global a pagar de €67.367,70.
B. Entendeu-se na douta sentença que a impugnante demonstrou que era possível determinar as margens de lucro de todas as mercadorias comercializadas através da sua contabilidade e pela utilização de métodos mais fiáveis, apurando-se a margem de lucro em função da totalidade das compras e das vendas, o que comprovaria que a quantificação da matéria tributável realizada pela administração tributária utilizou métodos errados, por não serem os mais fiáveis.
C. Ressalvado o sempre devido respeito, com o desta forma decidido, não se conforma a Fazenda Pública, porquanto considera que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, consubstanciado não só na incorrecta apreciação e valoração da matéria factual, como igualmente na errada interpretação dos preceitos legais convocados para sustentar a anulação da liquidação em crise nos autos.
D. Os factos provados relativos à prova pericial, elaborados na forma de conclusões, devem ser compatibilizados com a aplicação de métodos indirectos.
E. É pacífico, nos presentes autos, que existia impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de IVA, que justificou o recurso a métodos indirectos.
F. Esta impossibilidade decorria, nos termos do Relatório de Inspecção Tributária (RIT), do facto de terem sido detectadas compras não registadas e de os inventários não merecerem credibilidade.
G. Para o cálculo das margens de lucro é essencial conhecer com exactidão as compras e os inventários, pelo que a totalidade da contabilidade não dispunha dos elementos para a sua real determinação.
H. Perante a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável, em sede de RIT, expuseram-se os critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos, que tiveram como ponto de partida contabilidade da impugnante.
I. Na amostragem realizada, fez-se uma segmentação por tipo de cliente e por origem da mercadoria, para contornar o problema de haver omissões de compras e falhas nos inventários, adoptando-se um método que partiu das vendas.
J. A hipótese teórica de ter em conta cada uma das mercadorias não se mostrava viável no terreno, nem com o auxílio de colaboradores da impugnante.
K. A metodologia alternativa apresentada pela impugnante em sede de comissão de revisão, depois de devidamente escalpelizada, apenas conseguiu fazer oscilar ligeiramente a margem bruta das vendas (aumentando de 27,34% para 27,54% em 2000 e diminuindo de 30,15% para 28,23% em 2001), o que constitui uma variação perfeitamente aceitável, atendendo à técnica amostral utilizada.
L. A douta sentença a quo concordou com a impugnante quando esta defendeu que a amostragem deveria ser realizada por fornecedor e abranger totalidade das compras e das vendas de cada exercício.
M. Contudo, não era viável realizar a amostra a partir dos fornecedores, por causa das omissões das compras.
N. E, uma amostragem que abrangesse a totalidade das compras e das vendas desvirtuaria o método indirecto e não seria uma amostragem; porque o estudo por amostragem é, por definição, o estudo de um pequeno grupo de elementos retirado de uma população que se pretende conhecer.
O. O método utilizado pela inspecção mostra-se adequado e fiável para determinar a margem de lucro da impugnante, não se podendo assacar, por esta via, qualquer vício à quantificação.
P. A impugnante não conseguiu demonstrar que a AT utilizou um método errado, e errado seria fazer uma amostragem que englobasse a totalidade das compras e das vendas, ou que partisse dos fornecedores depois de se constatar a omissão de compras.
Q. Em termos práticos, a impugnante não logrou demonstrar que a sua contabilidade tinha todos os elementos necessários para calcular as margens de lucro – porque então não se justificaria o recurso a métodos indirectos.
R. Acresce que, a amostragem da totalidade das compras e das vendas não é um método indirecto, pelo que não se pode comparar com o método que foi efectivamente implementado, muito menos para desse confronto concluir pela menor fiabilidade do método indirecto utilizado.
S. Atento o exposto, não se verificando a apontada ilegalidade, inexistem os motivos conducentes à anulação dos actos tributários de liquidação, devendo estes permanecer na sua estabilidade e vigência no ordenamento jurídico.
T. Decidindo como decidiu, é nossa convicção que a douta Sentença incorreu em erro de julgamento, consubstanciado na incorrecta apreciação e valoração da matéria factual, como igualmente na errada interpretação do disposto na alínea b), n.º 1 do Art.º 87º da LGT.


CONTRA ALEGAÇÕES.
Não houve.


PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
Não foi emitido parecer.

II QUESTÕES A APRECIAR.
As questões que se impõe apreciar neste recurso, delimitadas pelas conclusões formuladas, conforme dispõem os artºs 635º/4 e 639º CPC «ex vi» do artº 281º CPPT, é saber se a sentença padece de erro de julgamento de facto e de direito.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


III a) FUNDAMENTOS DE FACTO.

A sentença fixou os seguintes factos provados:
A) A impugnante foi alvo de uma acção inspectiva, que teve início em 11/03/2003 e terminou em 06/08/2003, conforme relatório de inspecção tributária junto de fls. 46 a 76 do processo de reclamação graciosa apenso (PRG), que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais e do qual se destaca o seguinte:
«(…) 2. Correcções efectuadas com recurso a métodos indirectos:
2.2. IVA
ANO
IMPOSTO LIQUIDADO, RECEBIDO E NÃO ENTREGUE
2000
53.323,24
2001
3.001,11
(…) II – OBJECTIVOS, ÂMBITO E EXTENSÃO DA ACÇÃO INSPECTIVA
A. Credencial
Ordem de Serviço nº 44388 de 22/01/2003, iniciada em 11/03/2003 e concluída em 06/08/2003.
B. Motivo, âmbito e incidência temporal
Motivo
Diversos – Despacho do DF
Âmbito
Código PNAIT – 22140
Critério de selecção – DOA2
Incidência temporal
Exercício: 1999, 2000 e 2001
3. Outras situações
1. Caracterização da empresa
O sujeito passivo, sociedade por quotas, foi constituído em 18/12/1981, e o seu objecto consiste na venda de máquinas e acessórios para a indústria de carpintaria, tendo como sócios-gerentes D..., NIF: 1…, e M…, NIF: 1….
Está registado, para efeitos de IVA, para o exercício da actividade de “comércio por grosso de máquinas-ferramentas”, CAE 51610, e enquadrado no regime normal de periodicidade mensal do IVA, com domicílio fiscal em Lugar da Boavista – 4580 Besteiros, área fiscal do Serviço de Finanças de Paredes. (…)
IV – MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICARAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
Da análise à contabilidade do sujeito passivo, verificou-se as seguintes situações:
- Em 31/12/2001, contabilizou/declarou o documento interno nº 101, diário 1, com os seguintes movimentos: (…).
- Contabilizou igualmente em 31/12/2001, o documento interno nº 102, diário 1, com os seguintes movimentos: (…).
Através da análise aos documentos verifica-se que estes movimentos resultaram de acertos de contas, nomeadamente, do caixa, empréstimos obtidos e sócios, resultando num saldo credor das contas de sócios, 25511-D... e 25512-M…, no montante de 182.231,58 cada, ou seja, os sócios efectuaram empréstimos à sociedade no valor total de 364.463,16.
No entanto, os rendimentos declarados pelos sócios no ano de 2001 ascendem a 5.586,54, sendo que o vencimento mensal do sócio-gerente, no valor de 80.000$00 (€ 399,04), é ligeiramente superior ao salário mínimo nacional, e a esposa (sócia da firma) não aufere quaisquer rendimentos.
Em 30/11/2000, contabilizou/declarou o documento interno nº 84, diário 2, regularizando diversas contas de fornecedores nacionais e comunitários, por contrapartida com a conta caixa, resultando num movimento a débito na conta 111-Caixa no montante de 52.347.885$00 (€ 261.110,15).
Da análise às contas dos fornecedores italianos “M... S.P.A.”, e “CB L... S.R.L.”, constatou-se que:
» Contabilizou na conta 22120201, em 31/01/2000, o documento nº 3, diário 1, no montante de 5.199.577$00 (€ 25.935,38), respeitante a ordem de pagamento para o estrangeiro, de 26/01/2000, ao beneficiário M... S.P.A., para liquidação de máquinas, serras de esquadrejar madeira.
» Contabilizou na conta 22121184, em 31/12/2000, o documento nº 41, diário 1, no montante de 11.396.636$00 (€ 56.846,18), respeitante a ordem de pagamento para o exterior, de 14/12/2000, ao beneficiário CB L... S.R.L., para liquidação de máquinas lixadoras calibradoras de madeira.
No entanto, o sujeito passivo não contabilizou/declarou as respectivas facturas de compra, apesar de as ter em seu poder, pois, após os termos solicitado, foram-nos apresentadas, a saber, a factura nº 82, de 15/02/2000, emitida pela firma M... S.P.A., no montante de 50.217.900 liras, e a factura nº 809, de 17/12/2000, emitida pela firma CB L... S.R.L., no montante de 109.139.550 liras.
Inquirido o sujeito passivo, o mesmo veio apresentar as facturas de venda das máquinas constantes nas ditas facturas omitidas, tendo 5 das 8 máquinas sido vendidos no ano de 2000, e as restantes 3 transitaram no Inventário final, e posteriormente vendidas em 2001 e 2003.
Tendo em vista a verificação da coerência entre os valores registados relativos a vendas, compras e existências, efectuou-se o controlo quantitativo a um “grupo” de artigos, constituído pelos tipos de máquinas constantes dessas 2 facturas, conforme descrito no quadro seguinte: (…).
Sendo Exist.Inicial + Compras – Vendas = Exist. Final, uma igualdade, da análise às quantidades das máquinas Sintesi IIs RT 1100 1Mot., Sintesi IIs R-KRT 1100 1 Mot., Start IIs RT 970, Esq. MSW 3200 E, e Esq. MSW 3200 R, resultam diferenças quantitativas que reflectem a não conformidade dos elementos da contabilidade com a igualdade acima descrita.
Se aos valores declarados, acrescentarmos as compras omitidas, reconhecidas pelo sujeito passivo através do envio das declarações periódicas de IVA de substituição – Modelo C – dos períodos 00/02 e 00/12, nas quais acresceu ao campo 10 o valor das referidas aquisições intracomunitárias, ainda se verificam divergências conforme se pode comprovar pela análise do quadro seguinte (…)
Perante isto, procedeu-se a uma amostragem para apurar a margem bruta de vendas das mercadorias vendidas nos anos de 2000 e 2001.
Como critério, seleccionou-se, para cada ano, os 2 meses com maior montante de vendas, e entre esses meses, o dia com maior montante de vendas declaradas, incidindo a análise nos dias 03/04/2000, 06/11/2000, 16/01/2001 e 08/10/2001.
Após relacionar todos os artigos constantes das facturas de venda desses dias, e contando com a colaboração do sujeito passivo, na pessoa do funcionário J…, seleccionaram-se as facturas de compra e obtiveram-se as margens brutas de vendas por artigo, tendo em conta os respectivos preços unitários de venda e compra líquidos de desconto, e as margens brutas ponderadas pelo valor de venda dos artigos.
Tendo em conta a especificidade da actividade, ponderou-se a amostragem por 3 grupos, tendo em conta o tipo de cliente (grossista/retalhista), e, dentro do grupo “grossista”, a origem da mercadoria (nacional/comunitário), ponderado pelo peso de cada grupo nas vendas totais em cada ano.
Da amostragem efectuada, obtiveram-se os seguintes resultados: (…).
Aplicando o mesmo rácio, margem bruta das vendas de mercadorias (MBVM = [VND – CMVMC]VND), aos valores constantes da contabilidade, para os anos de 2000 (já corrigido das 2 facturas de compras omitidas) e 2001, obtiveram-se os seguintes valores:
2000: MBVM = (1.802.596,03 – 1.629.325,78)/ 1.802.596,03 = 9,61%
2001: MBVM = (1.234.569,94 – 1.039.327,11)/ 1.234.569,94 = 15,81%
Note-se que são valores bastante inferiores aos obtidos pela amostragem, e aos valores constantes na base de dados da DGCI, dos rácios do sector de actividade em que está inserido, e unidade orgânica do Porto (mediana = 24,22% no ano de 1999, e mediana = 25,70% no ano de 2000). (…).
Em suma:
- detectaram-se compras não registadas
- os inventários não merecem credibilidade
Assim, conclui-se que os factos descritos constituem indícios seguros de que a contabilidade não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido, o que, nos termos da alínea b) do artigo 87º da Lei Geral Tributária (LGT), traduz a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável. Face a isto, procedeu-se à aplicação de métodos indirectos, nos termos do art.º 52º do Código do IRC (CIRC), e do art.º 84º do Código do IVA (CIVA), para apuramento da matéria tributável , nos anos de 2000 e 2001.
V – CRITÉRIOS E CÁLCULOS DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
V.1. – Proveitos
Como critério adoptado, face ao exposto no capítulo anterior, considerou-se as margens de comercialização ponderadas obtidas na amostragem descrita no capítulo anterior, 27,34% em 2000, e 30,15% em 2001.
Estando as margens de comercialização calculadas sobre o preço de venda, procedeu-se à sua conversão para o preço de custo, sendo as margens obtidas de 37,62% e 43,16% para os anos de 2000 e 2001, respectivamente.
A quantificação do volume de vendas de mercadorias vai ser efectuado, partindo do pressuposto que a variação de stocks é nula, e tendo por base as compras corrigidas, isto é, às compras registadas em 2000, foram acrescidas as facturas de compras que não foram registadas (M... e CB L...), no montante de 82.301,25, resultando a que as compras totais corrigidas sejam de 1.537.757,71, e para o ano de 2001 considera-se as compras registadas, no montante de 874.702,11. (…)
V.2. – Custos
Pelos motivos já referidos, consideramos o C.M.V.M.C. igual ao valor das compras corrigidas.
Em relação aos outros custos, foram considerados os declarados pelo sujeito passivo, excepto os referidos no capitulo III, por não se considerarem indispensáveis à realização dos proveitos (…).
V.4. – IVA em falta
Em resultado da presunção de vendas, dado que o sujeito passivo apenas vende para o mercado interno, e predominantemente bens tributados à taxa normal (17%), nos termos do nº 4 do art.º 82º do CIVA, apuramos IVA em falta nos montantes, nos termos do artigo 84º do CIVA, conforme a seguir se indica:
ANOS
VENDAS PRESUMIDAS
VENDAS DECLARADAS
VENDAS EM FALTA
IVA EM FALTA (17%)
2000
2.116.262,16
1.802.596,03
313.666,13
53.323,24
2001
1.252.223,54
1.234.569,94
17.653,60
3.001,11
Para determinação do IVA por período de imposto, considerou-se que as vendas foram distribuídas uniformemente por todos os períodos.
VI – REGULARIZAÇÕES EFECTUADAS PELO CONTRIBUINTE NO DECURSO DA ACÇÃO INSPECTIVA
Conforme já referido no capítulo IV, o sujeito passivo procedeu ao envio das declarações periódicas de IVA de substituição – Modelo C – dos períodos 00/02 e 00/12, nas quais acresceu ao campo 10 o valor das aquisições intracomunitárias não contabilizadas, e liquidado e deduzido o respectivo IVA nos campos 11 e 22. (….)» (fls. 46 a 61do PRG).
B) Na sequência da acção inspectiva, a impugnante pediu a revisão da matéria colectável fixada por métodos indirectos, cujas actas e decisão do procedimento constam de fls. 97 a 141 do PRG, cujo teor aqui se dá por reproduzido, tendo sido decidido que:
Após leitura, análise e ponderação da documentação do processo e face à factualidade evidenciada no relatório da inspecção tributária existem os pressupostos para a tributação por métodos indirectos nos termos da alínea b) do artigo 87º e alínea a) do artigo 88º da Lei Geral Tributária, conforme ponto IV do relatório – Motivos e exposição dos factos que implicaram o recurso a métodos indirectos de páginas 5 a 10.
Quanto à quantificação da matéria tributável, encontra-se explanado no ponto V os critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos de páginas 10 a 12.
Assim foi efectuada uma amostragem onde foram obtidas margens de comercialização sobre o preço de venda de 37,62% e 43,16% para os exercícios de 2000 e 2001 respectivamente.
Na petição o contribuinte questiona algumas margens, bem como a forma com foi obtida propondo para o exercício de 2000 a margem de 16,97% e para o exercício de 2001 a margem de 16,23%.
Face à discrepância das margens em apreço, por acordo dos peritos (acta nº 174 de 17.11.2003) foi proposto que a inspecção tributária se pronunciasse concreta e objectivamente sobre o seguinte:
* Se o método seguido na ponderação será justificadamente o mais adequado.
* Se os artigos contemplados na amostragem são suficientemente representativos para se concluir que a margem bruta é diferente da obtida pelo técnico.
* Se a amostragem elaborada aos produtos vendidos nos mesmos dias que os escolhidos pelo técnico, com os mesmos documentos, alcança de facto margens significativamente diferente.
Foi prestada informação complementar pela inspecção tributária em 18.02.2004, confirmando os valores obtidos para as margens de comercialização.
Assim, face ao exposto, concordo com o parecer do perito da Administração Tributária que dou aqui por integralmente reproduzido.
CONCLUINDO
Nos termos e para os efeitos do nº 6 do artigo 92º da Lei Geral Tributária, mantenho os valores fixados com base no relatório da inspecção tributária de 25.08.2003, quer para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas IRC, quer para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado IVA, para os exercícios de 2000 e 2001.» (fls. 56 a 70 do PRG).
C) No decurso do procedimento de revisão da matéria tributável referido na alínea anterior, em 18/2/2004, foi prestada informação complementar, pela Direcção de Finanças do Porto, em 18/2/2004, que consta de fls. 77 a 94 do PRG e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (fls. 77 a 94 do PRG).
D) Esta informação foi remetida à impugnante em 18/10/2004 (fls. 21 do PRG).
E) Esta informação foi analisada na reunião da comissão de revisão de 15/3/2004 em que estava presente o perito da impugnante (fls. 132 a 139 do PRG).
F) Em nome da impugnante foram emitidas as seguintes liquidações adicionais (fls. 144, 147 a 149 do PRG):
De IVA:
- N.º 04090770, com data de 19.04.2004, relativa ao ano 2001, pelo valor de € 3.001,11; e
- N.º 04090758, com data de 19.04.2004, relativa ao ano de 2000, pelo valor de € 53.323,24.
De Juros compensatórios:
- N.º 04090769, com data de 19.04.2004, no valor de € 25,99.
- N.º 04090768, com data de 19.04.2004, no valor de € 27,48.
- N.º 04090767, com data de 19.04.2004, no valor de € 28,82.
- N.º 04090766, com data de 19.04.2004, no valor de € 30,40.
- N.º 04090765, com data de 19.04.2004, no valor de € 31,84.
- N.º 04090764, com data de 19.04.2004, no valor de € 33,33.
- N.º 04090763, com data de 19.04.2004, no valor de € 34,81.
- N.º 04090762, com data de 19.04.2004, no valor de € 36,20.
- N.º 04090761, com data de 19.04.2004, no valor de € 37,74.
- N.º 04090760, com data de 19.04.2004, no valor de € 39,18.
- N.º 04090759, com data de 19.04.2004, no valor de € 40,57.
- N.º 04090757, com data de 19.04.2004, no valor de € 744,70.
- N.º 04090756, com data de 19.04.2004, no valor de € 772,82.
- N.º 04090755, com data de 19.04.2004, no valor de € 798,39.
- N.º 04090754, com data de 19.04.2004, no valor de € 824,81.
-N.º 04090753, com data de 19.04.2004, no valor de € 851,22.
- N.º 04090752, com data de 19.04.2004, no valor de € 875,94.
- N.º 04090751, com data de 19.04.2004, no valor de € 903,21.
- N.º 04090750, com data de 19.04.2004, no valor de € 929,63.
- N.º 04090749, com data de 19.04.2004, no valor de € 953,49.
- N.º 04090748, com data de 19.04.2004, no valor de € 981,61.
- N.º 04090747, com data de 19.04.2004, no valor de € 1.007,18.
- N.º 04090746, com data de 19.04.2004, no valor de € 1.033,59.
Total …………………………………………………..€ 11.042,95.
G) Em 4/3/2005, a impugnante apresentou a reclamação graciosa que consta de fls. 2 a 14 do RG, cujo teor aqui se dá por reproduzido (fls. 2 a 13 do PRG).
H) Foi elaborado projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa, sobre o qual se pronunciou a impugnante, em sede de audiência prévia, que constam de fls. 153 a 156 do PRG, cujo teor aqui se dá por reproduzido (fls. 153 a 156 do PRG).
I) Em 13/2/2006 foi proferida decisão definitiva de indeferimento da reclamação graciosa, com os fundamentos constantes do projecto de indeferimento, por a administração tributária entender que, em sede de audiência prévia, não foram apresentados elementos novos susceptíveis de contrariar a decisão já tomada anteriormente (fls. 162 do PRG).
J) Da decisão referida na alínea anterior, a impugnante interpôs recurso hierárquico para o Ministro das Finanças, em 10/3/2006, documento que consta de fls. 186 a 198 do PRG, que se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (Fls. 186 e seguintes do PRG).
K) Em 13/10/2008, a impugnante foi notificada do despacho de indeferimento do recurso hierárquico, proferido em 30/9/2008, constante de fls. 220 e seguintes do PRG, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (fls. 209 e seguintes do PRG).
L) Em 10/12/2008, deu entrada neste tribunal, a petição inicial da presente impugnação judicial remetida por correio registado em 9/12/2008 (fls. 2 e 16 verso).
M) A inspecção tributária podia proceder ao cálculo das margens de lucro relativamente a cada uma das mercadorias através da contabilidade da impugnante (exame pericial).
N) O método mais fiável para determinação da margem de lucro é o cálculo das margens em função do total das compras e das vendas (exame pericial).

Motivando a decisão de facto, foi expresso o seguinte:
O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos e do teor do relatório pericial juntos aos autos que não foram impugnados pelas partes.
O exame pericial foi determinante para a prova dos factos das alíneas M) e N).
O tribunal deferiu a realização de uma perícia colegial à escrita da impugnante, tendo como quesitos:
«1. Era ou não possível à Inspecção Tributária proceder ao cálculo das margens de lucro relativamente a cada uma das mercadorias, através do recurso à contabilidade?
2. O relatório elaborado em 18 de Fevereiro de 2004 pelos Serviços de Inspecção Tributária é substancialmente diferente do primitivo relatório elaborado em 7 de Agosto de 2003?
3. A análise dos dois relatórios é diferente, em termos de bens e valores?
4. Para apuramento das margens de lucro do relatório elaborado, as mesmas devem ser apuradas pela divisão “por linha” ou tendo em consideração o total das compras e o total das vendas?
Qual o métodos mais fiável?» (fls. 13 e 37).
Os peritos apresentaram o relatório dos peritos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, mas do qual se destaca o seguinte:
«… 2. RESPOSTA AOS QUESITOS
- Quesito 1º - …
Resposta dos peritos: Sim era possível.
- Quesito 2º -….
Resposta dos peritos: Na informação emitida em 18 de Fevereiro de 2004 o técnico da inspecção tributária prestou a informação solicitada no procedimento de revisão, na qual aborda novos considerandos, não referidos no relatório de 7 de Agosto de 2003, nomeadamente a ponderação da margem bruta em função das compras, representatividade da amostragem e conclui comparando as margens brutas obtidas pela Inspecção tributária e pela empresa.
- Quesito 3º - …
Resposta dos peritos: Em 18 de Fevereiro de 2004 o técnico da inspecção tributária prestou a informação solicitada no procedimento de revisão fazendo a sua análise em função das compras acabando por chegar a margens brutas ligeiramente diferentes do relatório de 7 de Agosto de 2003.
- Quesito 4º - 1ª parte - …
Resposta dos peritos: As margens deverão ser apuradas em função do total das compras e do total das vendas.
- Quesito 4º - 2ª parte - …
Resposta dos peritos: O método mais fiável consiste no cálculo das margens em função do total das compras e do total das vendas.» (fls. 48 a 50).
O relatório dos peritos foi notificado às partes que o aceitaram.
O Tribunal solicitou aos peritos, em relação a todas as respostas dadas, o seguinte esclarecimento: «Caso se tenham detectado compras não registadas e os inventários não mereçam credibilidade (fls. 50 e 51 do apenso), a resposta aos quesitos mantém-se ou não; Na negativa, qual é a resposta a cada um dos quesitos.».
Os peritos juntaram aos autos o relatório, com a resposta aos esclarecimentos adicionais, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, mas do qual se destaca o seguinte:
«… 2. Esclarecimento adicional aos quesitos já respondidos em 30 de Junho de 2009.
As respostas aos quesitos tiveram em consideração que na elaboração do relatório de perícia era do conhecimento dos 3 peritos que haveria omissão de registo de compras, e que os inventários não mereciam credibilidade.
Neste sentido mantêm-se todas as respostas anteriormente dadas aos quesitos formulados pelo Sr. Dr. Juiz.».
Os restantes factos alegados não foram julgados provados ou não provados, por constituírem conclusões de facto ou de direito e por não terem relevância para a decisão da causa.


III b) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Imputando-se à sentença erro de julgamento de direito e de facto, apreciaremos as duas questões em conjunto dada a sua interligação e falta de autonomia, no contexto do recurso em apreço.

Entrando então na apreciação do recurso, vejamos uma síntese do processo para melhor clarificação das questões que se impõe tratar.
A impugnante, ora recorrida foi sujeita a fiscalização externa de caráter parcial com incidência nos exercícios de 1999, 2000 e 2001.

No âmbito dessa fiscalização, foram realizadas correcções com recurso à avaliação indirecta nos exercícios de 2000 e 2001. Para o efeito, a AT utilizou um critério de amostragem selecionando para cada ano, os dois meses com maior montante de vendas e nesses meses, o dia com maior montante de vendas declaradas. Assim, a análise recaiu nos dias 3/4/2000, 6/11/2000, 16/1/2001 e 8/10/2001.

Escolhidos os dias com maior montante de vendas declaradas, foram relacionados todos os artigos constantes das facturas de venda desses dias e selecionaram-se as facturas de compra obtendo assim as margens brutas de venda por artigo, tendo em conta os respectivos preços unitários de venda e compra, líquidos de desconto, e as margens brutas ponderadas pelo valor de venda dos artigos.

De seguida, ponderou-se a amostragem por 3 grupos, tendo em conta o tipo de cliente (grossista/retalhista) e dentro do grupo «grossista», a origem da mercadoria (nacional/comunitário), ponderado pelo peso de cada grupo nas vendas totais em cada ano.

A amostragem assim realizada teve como resultado uma margem de comercialização ponderada de 27,34% para o exercício de 2000 e 30,15% para o exercício de 2001.

Com base nestas margens de comercialização calculadas sobre o preço de venda, procedeu-se à sua conversão para o preço de custo (37,62% e 43,16%, para 2000 e 2001 respectivamente), a partir do que a AT apurou o montante de vendas presumidas para os dois exercícios, no montante de € 2.116.262,16 para 2000 e € 1.252.223,54 para 2001, de que resultou IVA a pagar no montante de € 53.323,24 (2000) e € 3.001,11 (referente a 2001).

Notificada do relatório, a recorrida requereu procedimento de revisão da matéria tributável e juntou outra amostragem por si realizada, mais detalhada, apurando margens de lucro inferiores.

Reunidos os peritos, foi decidido remeter todo o processo aos SPIT tendo em vista a obtenção de elementos adicionais relacionados com a amostragem que a reclamante anexou ao pedido de revisão (fls. 133 do PA).

Efectuada esta verificação, ainda assim não foi alcançado acordo entre os peritos, pelo que foi decidido manter os valores fixados com base no relatório da inspecção.

Contra as liquidações efectuadas foi apresentada reclamação graciosa, a qual foi indeferida. Interposto recurso hierárquico, também ele indeferido.

Impugnando as liquidações, alegou a impugnante, entre o mais, que os valores propostos se baseiam em dois meses com maior volume de vendas e entre esses meses foram selecionados dois dias com o maior montante de vendas e foram selecionados todos os artigos constantes das facturas de venda desses dias (artigos 52 e 53º da petição inicial)

Adianta que a sua «… actividade não pode ser aferida pelos dois melhores dias de vendas, nem pelo método de amostragem. Além do mais, também era e é possível a verificação de toda a documentação» (artigos 64º e 65º da petição inicial).

Na contestação, a ERFP pugnou pela manutenção das liquidações, defendendo não existir qualquer ilegalidade no procedimento, ou na quantificação.

Foi realizada prova pericial colegial, tendo esta, no essencial, concluído que a «Inspecção Tributária poderia proceder ao cálculo das margens de lucro relativamente a cada uma das mercadorias, através do recurso à contabilidade»
e que
«o método mais fiável para determinação da margem de lucro é o cálculo das margens em função do total das compras e das vendas» (alíneas M) e N) dos Factos Provados).

Conclusão a que chegaram não obstante reconhecerem haver omissão de registo de compras e que os inventários não mereciam credibilidade, como declararam na sequência de esclarecimentos pedidos pelo MMº juiz «a quo».

O MMº juiz «a quo» julgou procedente a impugnação e determinou a anulação das liquidações adicionais de IVA e respectivos juros (compensatórios e moratórios) dos anos de 2000 e 2001 ponderando que «…o critério de determinação da amostragem (vendas realizadas em dois dias de cada exercício com maior volume de vendas) e o método de ponderação de determinação da margem de lucro (em função do tipo de cliente – grossista/ retalhista e dentro do grossista atendendo à origem nacional ou comunitária da mercadoria) utilizados pelos serviços de inspecção tributária não se revelaram mais adequados…»
pois que
«…apesar das omissões do registo de compras e da falta de credibilidade dos inventários que determinaram o recurso a métodos indirectos para a determinação da matéria tributável, ainda assim era possível à administração tributária, através do recurso à contabilidade da impugnante, apurar a margem de lucros de todas as mercadorias comercializadas pela impugnante e que o critério mais fiável para a determinação das margens de lucro era o cálculo em função do total das compras e das vendas e por linha, como fez a administração tributária.
O método utilizado pelos serviços de inspecção tributária para determinação da margem de lucro não foi o mais adequado e fiável, pelo que não pode dizer-se que a quantificação apurada seja devida.
Com efeito, mesmo que as margens de lucro apuradas pelos serviços de inspecção tributária tenham tido em consideração os dois dias com maiores vendas da impugnante de cada exercício, ainda, assim a representatividade da amostragem e a respectiva ponderação em função dos clientes (grossistas ou retalhistas) e da origem das mercadorias vendidas aos grossistas, não podem julgar-se as mais fiáveis à determinação da margem de lucro».

A AT recorre da sentença defendendo, além do mais, a adequação do método seguido pela inspecção para determinar a margem de lucro da impugnante, designadamente através de amostragem (segmentação por tipo de cliente e por origem da mercadoria). Alega não ter que recorrer a uma amostragem que abrangesse a totalidade das compras e das vendas pois esta não seria uma amostragem. Além disso, exigir-se que fossem consideradas a totalidade das compras e vendas estaríamos a estudar a população e a não a amostra, desvirtuando o método indirecto, com a qual a AT e a impugnante concordaram.

Assim, a questão que cabe a este TCAN apreciar é saber se houve erro de julgamento consubstanciado na incorrecta apreciação e valoração da matéria factual, e na errada interpretação dos preceitos legais invocados para determinar a anulação da liquidação.

É o que procuraremos fazer de seguida.
Como referia o art. 84º do CIVA (cuja redação é idêntica à do actual art. 90º do CIVA) na numeração vigente à data dos factos, a liquidação do imposto com base em presunções ou métodos indirectos efectuar-se-á nos casos e condições previstos nos artigos 87º e 89º da Lei Geral Tributária seguindo so termos do artigo 90º da referida lei.

O IVA - e o IRC – são impostos que não obstante incidirem sobre factos tributários diferentes, são ambos determinados com base na contabilidade (fiável) do sujeito passivo, creditada com a presunção de verdade e boa fé (art.º 75º/1 LGT), a partir da qual se procede ao cálculo da matéria tributável apurando o valor real dos rendimentos sujeitos a tributação (art.º 83º/1 LGT).

Porém, se as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo cessa a presunção de verdade e boa fé nas declarações dos contribuintes e nos apuramentos inscritos na sua contabilidade (art.º 75º/1,2,a) LGT).

E se mercê dessa infidelidade se tornar impossível a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável (art.º 87º/1,a) e 88º LGT) há lugar à avaliação indirecta. Visando esta, não já a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação, mas sim a determinação destes a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha (art.º 83º/2 LGT).

Este modo de determinação da matéria tributável só pode efectuar-se nos casos previsos no art.º 87º e 88º LGT, assumindo especial relevo, pela sua incidência prática, a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto (art.º 87º/1,b) LGT).

Nestas situações em que é impossível determinar directamente a matéria tributável e só através de presunções ou indícios esta se pode conhecer há um certo «risco», na medida em que há sempre dúvidas sobre a sua quantificação real, pois os métodos indirectos tomam em consideração indicadores que apenas podem fornecer uma indicação aproximada do valor que a matéria tributável provavelmente teria (assim, Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado, I, Áreas Editora, 2006, pp. 723)

Contudo, embora a avaliação indirecta constitua um modo aproximado de determinação da matéria tributável em que pela própria natureza do método empregue nunca pode garantir a correspondência entre a quantificação e a realidade (cfr. ac. do STA n.º 026679 de 24-04-2002 (Relator: JORGE DE SOUSA), o sujeito passivo nem por isso fica à mercê de uma carga tributária excessiva resultante de factores, critérios discricionários ou exorbitantes que não suportaria no modo de avaliação directa. Não só porque a AT está vinculada na sua actuação aos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé (art.º 266º/2 da Constituição e 55º a 60 LGT) mas também porque o contribuinte pode demonstrar haver excesso na quantificação (art.º 74º/3 LGT) - para além de outros vícios invalidantes do procedimento.

Com efeito, sendo a incerteza da quantificação na avaliação indirecta uma hipótese (muito) possível como consequência do método utilizado na determinação da matéria tributável «…que por culpa do contribuinte não foi apurada através da forma normal dadas as deficiências que a sua escrita comercial apresentava ou dada a sua pura e simples falta, cabe àquele a quem o método é oposto (o contribuinte) o ónus probandi de que a realidade é completamente distinta do resultado a que conduziu a utilização das mencionadas regras, que o critério utilizado é ostensivamente desadequado e/ou inadmissível, que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada»( Ac. deste TCAN n.º 00165/04 de 24-02-2005 (Relator: Dulce Neto) in www.dgsi.pt)

A distribuição do encargo probatório no procedimento de avaliação indirecta está claramente desenhada na lei: compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação (art.º 74º/3 CPPT, na linha, aliás, do que dispõe o art.º 344º/2 do Código Civil).

Ou seja, demonstrada a verificação dos pressupostos da avaliação indirecta, o sujeito passivo pode opor-se com sucesso à liquidação mediante prova do excesso na sua quantificação. Isto sem prejuízo de a partir da prova efectuada resultar fundada dúvida sobre a quantificação (ou existência) do facto tributário (art.º 100º/1 CPPT).

Porém a fundada dúvida sobre a quantificação não pode ser uma dúvida de «partida», mas antes o resultado de um «percurso» probatório empreendido pelas partes, no termo do qual o julgador se confronta com uma dúvida inultrapassável pela prova. Isto porque a norma do art.º 74º/3 LGT devidamente articulada com o disposto nos art.º 100º/1 CPPT e 414º do CPC, leva-nos a concluir que só após o labor probatório do onerado com vista à demonstração do excesso na quantificação se poderá concluir que esta não revela o mínimo de segurança jurídica, por estar desfasada da realidade, ou por assentar em pressupostos infirmados, ou por o critério usado ser ostensivamente desadequado, concluindo-se então, haver dúvida sobre a quantificação.

Antes desse esforço probatório a dúvida, como ponto de partida, não é fundada, e não se pode repercutir na validade da liquidação; deve antes ser dissipada pelo esforço probatório em função do ónus que cada um suporta (Como salientam Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, Código de Procedimento e de Processo Tributário comentado e anotado, Almedina, 2000, pp. 236: «A dúvida que implica a anulação do acto impugnado não pode considerar-se «fundada», se assentar na ausência ou na inércia probatória das partes, sobretudo do impugnante. Este não deve limitar-se a alegar factos que ponham em dúvida «a existência e quantificação do facto tributário». Cabe-lhe o ónus da prova de tais factos, sem embargo de o juiz, no âmbito do seu poder –dever inquisitório, diligenciar também comprová-los. Só mediante a prova concludente de tais factos é que é possível concluir-se pelo fundamento daquela dúvida).

Do exposto também se não pode concluir que na determinação indirecta da matéria tributável a AT possa lançar mão de qualquer critério endereçando, depois, ao contribuinte o encargo de provar o excesso na quantificação.

A existência deste encargo sobre o contribuinte não desonera a AT do dever de escolher um critério de quantificação que mais se aproxime do resultado que seria alcançado mediante avaliação directa, pois como resulta do disposto no art.º 85º LGT
(1) - A avaliação indirecta é subsidiária da avaliação directa. (2) - À avaliação indirecta aplicam-se, sempre que possível e a lei não prescrever em sentido diferente, as regras da avaliação directa.

Com efeito, o caráter excecional da avaliação indirecta, aliado ao princípio da subsidiariedade enunciado explicitamente neste preceito, implica que, sempre que seja possível, «…na avaliação indirecta do facto tributário, o recurso à avaliação directa de qualquer dos seus segmentos devem prevalecer as regras da avaliação directa, só se aplicando então, aos segmentos restantes desse facto as normas da avaliação indirecta (António Lima Guerreiro, "LGT Anotada", Rei dos Livros, 2001, pp. 378.)

Conforme referem Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, «Resulta deste artigo que há uma preferência legal absoluta pela utilização de métodos de avaliação directa para fixação da matéria tributável, o que se compreende por serem maiores as garantias de rigor que estes métodos fornecem. Assim, só se pode recorrer à avaliação indirecta para fixação da matéria tributável quando não for possível proceder a tal fixação através da avaliação directa e, mesmo nestes casos, utilizar-se-ão na avaliação indirecta, na medida do possível, as regras da avaliação directa. Corolário destas normas é que as regras da avaliação indirecta só se utilizarão na medida do estritamente necessário, nas situações em que for inviável efectuar avaliação directa» (In "Lei Geral Tributária", Encontro da Escrita, 2012 pp. 741)

Por conseguinte, se através da contabilidade for possível efectuar o apuramento das margens de lucro relativamente a cada uma das mercadorias, a AT não pode descartar esta forma de avaliação só porque não é um método indirecto e que uma amostragem que abrangesse a totalidade das compras e das vendas desvirtuaria o método indirecto e não seria uma amostragem (conclusões “N” e “R”).

Na verdade, parece-nos, é precisamente o contrário: como já deixámos expresso, na avaliação indirecta, porque é subsidiária da avaliação directa, devem prevalecer as regras próprias desta, e só onde isso não se mostrar possível, pode a AT lançar mão dos indícios ou presunções.

A questão seguinte é saber se, com base contabilidade da impugnante, era possível determinar as margens de lucro de todas as mercadorias.

A este propósito, a sentença fixou nos «Factos Provados» que A inspecção tributária podia proceder ao cálculo das margens de lucro relativamente a cada uma das mercadorias através da contabilidade da impugnante (alínea “M” dos Factos Provados).

Para a prova deste facto foi determinante, como consta da sentença, a perícia colegial realizada (e na qual interveio um perito da AT que votou favoravelmente o relatório).

Parecendo pôr em causa as conclusões do exame pericial, e os factos provados nele baseados, a AT defende neste recurso que «os factos provados relativos à prova pericial, elaborados na forma de conclusões, devem ser compatibilizados com a aplicação de métodos indirectos…»
e que
E. É pacífico, nos presentes autos, que existia impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de IRC, que justificou o recurso a métodos indirectos.
F. Esta impossibilidade decorria, nos termos do Relatório de Inspecção Tributária (RIT), do facto de terem sido detectadas compras não registadas e de os inventários não merecerem credibilidade.
G. Para o cálculo das margens de lucro é essencial conhecer com exactidão as compras e os inventários, pelo que a totalidade da contabilidade não dispunha dos elementos para a sua real determinação.
H. Perante a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável, em sede de IT, expuseram-se os critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos, que tiveram como ponto de partida contabilidade da impugnante».

Mas não é por as partes acordarem na verificação dos pressupostos para recurso à avaliação indirecta que se demonstra a impossibilidade de as margens de lucro serem apuradas através da contabilidade.

Tal «acordo» não veda à AT, nem ao tribunal, o dever de indagar o melhor critério (aquele que mais se aproxima da quantificação directa) para determinação da matéria tributável. E se esta se puder obter através da contabilidade, o «acordo» nos pressupostos da avaliação indirecta não preclude o dever de a ela recorrer.

A possibilidade de quantificação através da contabilidade ficou provada e não se vislumbram razões para que o facto provado constante da alínea “M” da sentença seja alterado; a AT não alega fundamentos determinantes para o efeito nem junta qualquer prova que contrarie, de modo claro e seguro, haver erro na apreciação da matéria de facto. (Dado constarem da contabilidade elementos que permitem apurar as margens de lucro de cada uma das mercadorias, também nos podemos interrogar sobre a bondade do recurso à avaliação indirecta; mas como esse é assunto não submetido a recurso, dele não cuidaremos)

A circunstância de haver compras não registadas e de os inventários não merecerem credibilidade não acarreta, por si só, a impossibilidade de quantificação com base na contabilidade (e a avaliação indirecta). Pode muito bem acontecer que embora esta apresente deficiências, ainda assim viabilize a quantificação (Nas palavras de António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária Anotada, Rei dos Livros, 2000, pp. 371, anotação ao art.º 88º LGT, Como resulta do preceito legal, a pura e simples verificação das anomalias nele previstas não é, por si só, suficiente para a aplicação de métodos indirectos. É igualmente necessário, no dizer da norma, que essas anomalias “inviabilizem o apuramento da matéria tributável”. É o resultado da subsidiariedade da avaliação indirecta perante a avaliação directa)

Tal parece ter sido o entendimento da perícia colegial e do MMº juiz que considerou provada a possibilidade de usar a contabilidade da impugnante para apuramento das margens de lucro.
Por essa razão, não se vislumbra qualquer erro de julgamento de facto nesta matéria. Como se refere no Ac. do TCAS n.º 03399/08 de 22-11-2012 (in www.dgsi.pt), «…só quando das provas juntas ao processo resultar com total clareza e segurança que a decisão dada sobre a matéria de facto é errada, é que a mesma há-de ser alterada», o que não sucede neste recurso.

Assim, demonstrada a possibilidade de se proceder ao cálculo das margens de lucro relativamente a cada uma das mercadorias através da contabilidade, bem como ao cálculo do montante das vendas presumidas, não há fundamento para, com o mesmo objectivo, a AT recorrer a indícios, estimativas ou projeções.

Estas nunca poderão alcançar o grau de certeza e segurança obtidas a partir da contabilidade (desde que forneça os dados para o efeito) uma vez que a cadeia dedutiva resultante da aplicação das estimativas comporta sempre um grau de incerteza, que será tanto maior quanto menor for a base dos factos relevantes.

Nestas condições, a escolha de um critério indiciário para determinação da matéria tributável quando é possível um critério directo, torna aquele inidóneo para a quantificação, ferindo o princípio da subsidiariedade que a AT deve observar.

O critério inadequado de quantificação e a violação do princípio da subsidiariedade estão sujeitos a escrutínio jurisdicional, e podem determinar a anulação do acto tributário, como referem Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa…O controlo do tribunal sobre o uso dos referidos critérios pode determinar a anulação total ou parcial do acto de determinação da matéria tributável e do subsequente acto de liquidação do imposto in "Lei Geral Tributária", Encontro da Escrita, 2012, pp. 795.

Ora, preterindo a AT, sem justificação, a regra básica da subsidiariedade na quantificação da matéria tributável, o contribuinte apenas tem que provar a inadequação do critério quantificador usado para assim demonstrar a ilegalidade da liquidação que dele resultou.

Feita esta demonstração, conclui-se ter havido violação das regras e princípios jurídicos aplicáveis na tributação por métodos indirectos, pelo que nos termos do art.º 135º do CPA impõe-se a anulação das liquidações impugnadas.

O MMº juiz «a quo» andou bem, o recurso deve improceder.


IV DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença recorrida

Custas pela ATA.


Porto, 12 de Dezembro de 2014.

Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina da Nova
Ass. Paula Teixeira