Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01107/06.6BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/07/2016
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA COMUM
Sumário:I-São nulas as deliberações de qualquer órgão municipal que envolvam o exercício de poderes tributários ou determinem o lançamento de taxas ou mais-valias não previstas na lei;
I.1-e são nulos os actos que prorroguem ilegal ou irregularmente os prazos de pagamento voluntário dos impostos, taxas, derramas, mais-valias, tarifas e preços;
I.2-assim, não pode, igualmente, deixar de ser nulo o acordo no qual um município garante, em primeiro lugar, a isenção, sem se estribar em qualquer das isenções previstas no respectivo regulamento municipal, de certas taxas municipais devidas por determinada operação urbanística e, em segundo lugar, a aplicação de taxas diferentes das vigentes à data da ocorrência do respectivo facto tributário.
II-Ainda que o acordo em questão não fosse nulo e se encontrasse consolidado na ordem jurídica, nem assim poderia o tribunal a quo ter concluído pela existência de incumprimento contratual por parte do Réu, pois que se infere do comportamento da Autora que a mesma se conformou com a liquidação das taxas tal como empreendida pelo Município, procedendo ao seu pagamento;
II.1-sendo assim, conclui-se que a obrigação do Município, ora Recorrente, a ter alguma vez existido, se extinguiu por remissão. *
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Município do Porto
Recorrido 1:M&SS, S.A.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
O Município do Porto interpôs recurso da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou parcialmente procedente a acção administrativa comum, com processo ordinário, proposta pela sociedade M&SS, S.A., com sede na Rua …, e, em consequência, o condenou no pagamento a esta da quantia de € 1,149.505,89, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Nas alegações concluiu assim:

1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou parcialmente procedente a acção administrativa comum proposta pela sociedade M&SS, SA contra o Município do Porto, condenando o Réu ao pagamento da quantia de € 1.149.505,89, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento.

2. Fundou-se o tribunal recorrido em acordo celebrado entre a Autora e o então Vereador do Pelouro do Urbanismo da Câmara Municipal do Porto, por via do qual este último se terá obrigado a envidar todos os esforços necessários para a “(…) isenção de quaisquer taxas de compensação de loteamento pela eventual não cedência de áreas ao domínio público” (cláusula 5.ª) e para a “(…) aplicação as taxas de loteamento e construção previstas no RGTL publicado na II.ª Série do DR n.º 237, Apêndice 121, de 11 de Outubro de 1999 e demais diplomas em vigor à data de 15 de Outubro de 2001” (cláusula 6.ª).

3. Em concreto, entendeu que a liquidação das taxas municipais promovida pelo Réu, no valor de € 1.435.843,60, configura um incumprimento por este das mencionadas cláusulas do acordo na parte em que excede € 286.337,72, que constitui o que seria devido pela Autora, a título de taxas municipais pela realização operação urbanística, ao abrigo do acordo celebrado, com o que condenou o Réu no respectivo pagamento.

4. Como precedente prévio, julgou o tribunal a quo não se tratar o acordo em causa – como então alegado pelo Réu, aqui Recorrente – de contrato nulo,

5. Andou mal o tribunal a quo na sentença posta em crise, quer quanto à consideração de que o acordo invocado não é nulo, quer ainda, e também, quanto a ter declarado existir incumprimento contratual por parte do Réu, mais propriamente, de incumprimento do disposto nas cláusulas 5.ª e 6.ª do dito acordo.

6. A sentença recorrida, aludindo à diferença entre os casos de actos objecto juridicamente impossível e os casos de actos geradores de efeitos proibidos pela ordem jurídica, afirma que “no presente caso, não estamos em boa verdade numa situação de impossibilidade jurídica, mas sim perante um contrato cujo vínculo jurídico envolveu a assunção de obrigações por parte do Réu, alegadamente, não passíveis de serem autorizadas pelo Vereador do Pelouro do Urbanismos e Mobilidade da Câmara Municipal do Porto” (página 15 da sentença recorrida),

7. Segundo o decidido, enquanto no caso dos primeiros – de objecto juridicamente impossível – estaria em causa nulidade enquadrável no artigo 133.º, n.º 2, alínea c) do CPA), relativamente aos segundos – de objecto proibido – o mesmo já não se verificaria, pois que, quanto a esses, não estará propriamente em causa uma impossibilidade jurídica, mas a desconformidade com a lei, em relação aos quais há que apurar em concreto a sanção cominada pela lei para a sua verificação.

8. Considerando o facto de o contrato aqui implicado constituir contrato com objecto passível de acto administrativo, para o qual a lei estabelece o regime da invalidade próprio dos actos administrativos (cfr. artigo 185.º, n.º 3, alínea a) do CPA), e de no direito administrativo a invalidade dos contratos contrários à lei não revestir, por regra, a nulidade, mas a anulabilidade (cfr. artigo 133.º e 135.º do CPA), o tribunal a quo sustenta que as desconformidades legais invocadas pelo Réu ao acordo implicado nos autos, constituindo vícios de violação de lei que “(…) a verificarem-se seriam cominados com a forma mais ligeira de invalidade, ou seja, anulabilidade”.

9. Se do ponto de vista abstracto nada há apontar ao percurso lógico empreendido pelo tribunal a quo, o mesmo não se verifica quanto à conclusão formulada de que as específicas desconformidades legais especificamente invocadas pelo Réu não ferem o referido acordo de nulidade.

10. De resto, apesar de literalmente apontar para que tenham sido representados todos os vícios assacados pelo Recorrente ao acordo, o tribunal a quo acaba por os reconduzir à mesma e única questão de estarmos perante “um contrato, cujo vínculo jurídico envolveu a assunção de obrigações por parte do Réu, alegadamente, não passíveis de ser autorizadas pelo Vereador do Pelouro de Urbanismo e Mobilidade da Câmara Municipal do Porto”.

11. As questões postas pelo aqui Recorrente, não se quedam, porém, no facto de o Vereador do Pelouro do Urbanismo e Mobilidade não ter competência para assinar o acordo em questão, o que, efectivamente, implicaria a anulabilidade do contrato, nem de o Município não poder resultar vinculado às obrigações ali vertidas, designadamente nas cláusulas 1.º, 5.º e 6.º.

12. Para lá da questão relativa ao órgão autárquico que outorgou o acordo e da respectiva competência, não pode ter lugar - senão com a violação grave, muito grave, de vários princípios e normas jurídicas. a vinculação de uma pessoa colectiva pública à não adopção, por um lado, e à adopção, por outro, de actos administrativos desconformes com os regulamentos municipais.

13. De facto, o regime de isenção e redução do pagamento de taxas, estabelecendo as situações e entidades potencialmente beneficiárias, a competência para a sua concessão/redução, bem como, os requisitos e procedimentos a observar, encontra-se taxativamente previsto no Capítulo III do Regulamento de Liquidação e Cobrança de Taxas e Outras Receitas Municipais, e do mesmo modo, a liquidação das taxas devidas deve ser feita de acordo com as normas regulamentares em vigor à data em que ocorreu o facto tributário.

14. Ao obrigar-se num caso concreto a desaplicar o aludido regulamento - seja por via da concessão a isenção (cláusula 5.ª), seja pela aplicação ao facto tributário de regras diferentes, no caso mais favoráveis, que as previstas no regulamento municipal em vigor (cláusula 5.ª) -, o Recorrente estaria, não só, mas desde logo, a violar o princípio da inderrogabilidade singular dos regulamentos, segundo o qual “(o) que à administração não é permitido fazer, no que toca a regulamentos externos, é derrogá-los sem mais em casos isolados, mantendo-os em vigor em todos os restantes casos”.

15. Ademais, resultariam também violados os princípios legalidade (artigo 3.º do CPA) e da igualdade (artigo 4.º do CPA), na medida em que o princípio da legalidade, como defendeu Afonso Queiró, quanto à Administração “(…) só lhe permite agir nos termos da lei geral e naqueles que ela mesma fixe, segundo habilitação legal, em termos genéricos” e o princípio da igualdade impede que “(…) aplicar um regulamento a todos os casos possíveis menos a um ou dois pode redundar em situações de desigualdade sem fundamento material bastante”.

16. Os serviços municipais estavam, aliás, por força dos aludidos princípios, e muito particularmente por força do princípio da legalidade (artigo 3.º do CPA), legalmente impedidos de dar cumprimento às mencionadas cláusulas 5.ª e 6.ª do acordo.

17. A violação flagrante – como ocorre no caso - dos sobreditos princípios não pode cominar-se senão com a invalidade mais grave, a nulidade.

18. Não obstante a invalidade regra no direito administrativo ser a anulabilidade, a nulidade não se reconduz ao elenco meramente exemplificativo de casos descritos no n.º 2 do artigo 133.º do CPA e o n.º 1 do mesmo artigo 133.º do CPA estabelece uma cláusula geral de nulidade que destaca os actos para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade, mas também “aqueles a que falte qualquer dos elementos essenciais”.

19. Entendendo-se como tais não só “os actos administrativos que careçam de elementos que, no caso concreto, devam considerar-se essenciais, em função do tipo de acto em causa ou da gravidade do vício que o afecta (…), mas também “(…) o acto que esteja inquinado com o vício anormal ou particularmente grave (…)”,

20. Consagram as alíneas a) e c) do número 2 do artigo 95.º da Lei n.º 169/99, de 11 de Janeiro, que “são igualmente nulas”: a) As deliberações de qualquer órgão dos municípios e freguesias que envolvam o exercício de poderes tributários ou determinem o lançamento de taxas ou mais-valias não previstas na lei; (…) c) Os actos que prorroguem ilegal ou irregularmente os prazos de pagamento voluntário dos impostos, taxas, derramas, mais-valias, tarifas e preços.

21. Sendo nulas as deliberações de qualquer órgão municipal que envolvam o exercício de poderes tributários ou determinem o lançamento de taxas ou mais-valias não previstas na lei e, além disso, sendo nulos os actos que prorroguem ilegal ou irregularmente os prazos de pagamento voluntário dos impostos, taxas, derramas, mais-valias, tarifas e preços, não pode, igualmente, deixar de reputar-se nulo o acordo no qual um município garante, em primeiro lugar, a isenção, sem se estribar em qualquer das isenções previstas no respectivo regulamento municipal, de certas taxas municipais devidas por determinada operação urbanística e, em segundo lugar, a aplicação de taxas diferentes das vigentes à data do ocorrência do respectivo facto tributário.

22. Andou mal o tribunal recorrido ao julgar que o acordo visado nos autos não seria nulo, mas anulável.

23. Ainda que o acordo em questão não fosse nulo e se encontrasse consolidado na ordem jurídica - o que não se concebe, nem aceita, senão por escrúpulo de patrocínio, nem assim poderia o tribunal ter concluído pela existência de incumprimento contratual por parte do Réu.

24. De facto, infere-se do comportamento da Autora que a mesma se conformou com a liquidação das taxas tal como empreendida pelo Município, pois que a não só procedeu a seu pagamento (cfr. ponto h2) dos factos provados), como, antes disso, ainda solicitou o respectivo pagamento em espécie (cfr. ponto d2) dos factos provados), o que não lhe foi concedido, e, como se ainda não bastasse, também não impugnou o respectivo acto de liquidação em questão, pelo que não pode senão concluir-se que a obrigação do Município – a ter alguma vez existido – se extinguiu por remissão.

Termos em que, e nos mais de Direito que se suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida e, em conformidade, julgando a presente acção totalmente improcedente, com as legais consequências, com o que farão
Justiça!
A Autora contra-alegou, sem conclusões, terminando desta forma:
Termos em que, negando provimento ao recurso e confirmando nos seus precisos termos a decisão Recorrida, farão JUSTIÇA

O MP, notificado nos termos e para os efeitos contidos no artº 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
a) A Autora é uma sociedade anónima que se dedica à actividade de concepção, organização, gestão e promoção de investimentos imobiliários;
b) No âmbito do desenvolvimento da sua actividade, em 23 de Fevereiro de 1999, a Autora apresentou no departamento de urbanismo da Ré um pedido de informação prévia (registado sob o número 4.914) relativo às construções que a Autora pretendia efectuar num terreno de sua propriedade;
c) Tal terreno encontrava-se descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial do Porto sob o número 2.951 da freguesia de Campanhã e inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia com o artigo 10.974.º;
d) Para o referido prédio estava previsto o desenvolvimento de dois núcleos habitacionais autónomos, sendo um deles com frente para a Rua do F... e Novo Arruamento (núcleo habitacional da Rua do F...) e o outro com frente para o Novo Arruamento e a Alameda de C... (núcleo habitacional da Alameda de C...);
e) A Autora obteve deferimento da informação prévia referida em B) no dia 1 de Abril de 1999;
f) A Autora apresentou em 26 de Abril de 1999 o pedido de licenciamento;
g) Em 15 de Março de 2000, a Autora cedeu à Ré a posse de parcelas do seu prédio para a execução dos projectos da APOR – Agência para a Modernização do Porto, S.A. relativos ao prolongamento da Rua das Escolas e da Alameda de C..., o que fez no interesse do Município;
h) Em 29 de Janeiro de 2001, a Ré emitiu o Alvará de Obras de Urbanização com o número 3/2001;
i) Em 20 de Dezembro de 2000 a Autora entregou a garantia bancária no valor de Esc. 91.048.000$00 (actuais €454.145,51);
j) Em 5 de Julho de 2001 a Ré aprovou o destaque de parcela do prédio descrito na alínea C), supra;
l) O destaque de parcela referido em J) destinou-se a concretizar a construção do núcleo habitacional da Rua do F...;
m) Em 15 de Outubro de 2001 a Ré aprovou o projecto de arquitectura relativo à construção do núcleo habitacional da Alameda de C...;
n) A construção do núcleo habitacional da Rua do F... obteve o Alvará de Licença de Construção em 10 de Julho de 2002, tendo-lhe sido atribuído o número 157;
o) Ao abrigo do Alvará de Licenciamento de Obras de Urbanização número 3/2001 a Autora executou todos os projectos de infra-estruturas no arruamento em prolongamento da Rua das Escolas e na Alameda de C..., em acordo com os trabalhos da APOR;
p) Em 30 de Julho de 2002 a Autora requereu o licenciamento da construção do núcleo habitacional da Alameda de C...;
q) Desde 30 de Julho de 2002, o processo de adjudicação da empreitada de execução da obra projectada estava praticamente concluído e iniciada a comercialização em planta das fracções do projecto;
r) Em 19 de Novembro de 2002, tendo concluída a negociação dirigida à adjudicação da empreitada e pretendendo iniciar os trabalhos, a Autora requereu à Ré a emissão da licença de escavação e contenção periférica, para a qual apresentou documentação pertinente e a respectiva garantia bancária bastante;
s) Em 20 de Dezembro de 2002 os representantes do Departamento de Urbanismo da Ré comunicaram à Autora que não concordavam com o projecto aprovado e pretendiam negociar uma solução arquitectónica diferente, segundo directrizes que comunicaram verbalmente em reunião realizada na Câmara Municipal do Porto em 7 de Abril de 2003 com a presença dos Senhores Arquitecto RF, Arquitecto JC, Arquitecto MM, APEL (Arquitecto GM) e MSS (Engenheiro SS);
t) A Autora dispôs-se a aceitar fazer a reformulação do estudo de acordo com a solução em planta e com os parâmetros propostos pela Ré, desde que esta aceitasse determinadas condições, por isso entre as partes foi celebrado um acordo sobre o núcleo habitacional da Alameda de C..., cuja cópia faz fls. 38 a 41 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
u) O Vereador do Pelouro do Urbanismo da Câmara Municipal do Porto assegurou a aprovação final do loteamento que compensaria todos os prejuízos advenientes da reelaboração dos projectos, do custo de taxas e emolumentos já pagos;
v) O Vereador do Pelouro do Urbanismo da Câmara Municipal do Porto garantiu a aplicação ao novo projecto e operações urbanísticas as taxas e emolumentos que seriam devidos ao abrigo do regime de taxas e emolumentos vigente em 15 de Outubro de 2001, nomeadamente no que se refere às taxas de urbanização, sendo que haveria isenção de taxas de compensação;
w) De entre as obrigações assumidas pelo Vereador do Pelouro do Urbanismo da Câmara Municipal do Porto em 9 de Dezembro de 2003, poucas foram as que acabaram por ser efectiva e atempadamente cumpridas;
x) A Ré recusou a aplicação das taxas em vigor em 15 de Outubro de 2001 ao caso em apreço;
y) Sendo adiada a emissão do competente alvará de loteamento;
z) A Autora requereu a realização de reuniões com o Vereador do Urbanismo e com o Exmo. Senhor Presidente da Câmara no sentido de esclarecer algumas deficiências de informação da Divisão Municipal de Receitas quanto às taxas a liquidar na emissão das licenças requeridas;
a1) As reuniões referidas na alínea z), supra, não se realizaram;
b1) Em 11 de Maio de 2005, a Autora pagou as taxas que lhe foram liquidadas pelo Município;
c1) Pagando a Autora o montante de €1.435.843,60 quando, por aplicação do acordo/garantia referida em v) pagaria apenas a quantia de €286.337,72 (duzentos e oitenta e seis mil trezentos e trinta e sete euros e setenta e dois cêntimos (em 15 de Outubro de 2001));
d1) Nos termos da cláusula 4.ª do acordo referido em s1), o alvará de loteamento deveria ter sido emitido no prazo de 30 dias a contar do requerimento da Autora;
e1) O alvará de loteamento supra referido foi emitido em 13 de Setembro de 2004;
f1) A Autora aceitou reformular os projectos que já haviam sido aprovados porque lhe foi garantida a isenção de taxas de compensação e aplicação das taxas em vigor a 15 de Outubro de 2001;
g1) E porque lhe foi garantida a emissão do alvará de loteamento no prazo de trinta dias a contar do requerimento;
h1) No dia 2/6/2004, a Autora requereu a “aprovação do pedido de emissão de alvará de licença de operação de loteamento (…) em conformidade com o estabelecido no número 1 do artigo 76º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 177/01, de 4 de Junho e no artigo 2º da Portaria n.º 1105/01, de 18 de Setembro”;
i1) Nesta data o pedido de licenciamento da operação de loteamento cuja aprovação a Autora requerera ainda não tinha sido objecto de deliberação final/aprovação;
j1) Encontrando-se a decorrer o período de discussão pública.
k1) No dia 17/6/2004 a Autora requereu a junção ao processo de um conjunto de elementos instrutórios que estavam em falta, saber:
“- planta de síntese da operação de loteamento em base transparente;
- memória descritiva com descrição pormenorizada dos lotes e artigo matricial de proveniência;
- certidão da Conservatória do Registo Predial”.
l1) O Sr. Director do Departamento de Licenciamento, Salubridade e Fiscalização da Câmara Municipal do Porto, Eng.º JD, proferiu, em 15/7/2004, o seguinte despacho:
“Pelo facto de não ter sido ainda praticado o acto licenciador, nem tal ser nesta data possível em virtude de estar a decorrer a discussão pública do projecto de operação de loteamento, não estão reunidas as condições definidas no art.º 74º e seguintes do RJUE para emissão do alvará de licença, conforme foi requerido através dos pedidos com ref. 16979/2004 e 18753/2004.
Pelos factos e fundamentos atrás referidos o pedido irá ser indeferido.
Notifique-se previamente o interessado para efeito de audiência prévia, cf. art.º 100º e 101º do CPA.”;
m1) A Autora foi notificada, por carta datada de 20/7/04, da intenção de indeferimento da sua pretensão;
n1) A deliberação final de aprovação do pedido de licenciamento da operação de loteamento requerida pela Autora foi proferida pelo Sr. Vereador do Pelouro do Urbanismo e Mobilidade da CMP no dia 22/7/2004, logo após ter finalizado o período de discussão pública;
o1) No dia 28/7/2004, a Autora voltou a requerer a emissão de “alvará de licença de operação de loteamento”;
p1) Para o efeito, apresentou as 3 cópias da planta síntese do loteamento em 8/9/2004;
q1) Em 13/9/2004, a Sra. Gestora do Processo considerou que, “uma vez que foram apresentados os elementos constantes na portaria n.º 1105/01 de 18 de Setembro, poderá ser emitido o respectivo alvará de loteamento” ;
r1) O alvará de loteamento foi, assim, emitido no dia 13/9/2004, com o n.º 7/04, tendo o processo sido então remetido à Direcção Municipal de Finanças e Património da Câmara Municipal do Porto “para os devidos efeitos”, ou seja, para os competentes serviços da CMP procederem à liquidação e cobrança das taxas devidas pela emissão do alvará de loteamento n.º 7/04;
s1) O Sr. Vereador do Pelouro do Urbanismo e Mobilidade, Arquitecto RF, assinou o acordo junto a fls. 38 dos autos e que se encontrava anexo aos requerimentos registados sob os nº.s. 27784/2003 e 1842/2004.
t1) O acordo em questão não foi submetido a apreciação/aprovação por parte do órgão Câmara Municipal do Porto.
u1) A Divisão Municipal de Receita, no dia 16/9/2004, produziu a INF/7844/04/DMR, onde se conclui o seguinte:
“(…) Ponto 1 – Questão da isenção do pagamento da taxa de compensação:
(…)
B) Verifica-se assim que, atendendo à localização da operação urbanística em causa e dado que a mesma implica um acréscimo de área bruta de construção, a presente situação não tem enquadramento nas normas regulamentares que prevêem a isenção/redução da taxa de compensação.
Ponto 2 – Questão da aplicação das taxas de loteamento e construção previstas na Tabela de Taxas Publicada em 11 de Outubro de 2001:
(…)
D) Assim, e tendo e conta que, para efeitos de liquidação das taxas se aplicam as normas regulamentares em vigor à data em que ocorreu o facto tributário, a liquidação deverá ser efectuada de acordo com o previsto na Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais, publicada no D.R. n.º 104, II Série, Apêndice n.º 56, de 4 de Maio de 2004, que entrou em vigor em 11 de Maio de 2004.”
v1) Na sequência da referida informação referida em t1), foi solicitado, pela Ré, e pela primeira vez, parecer jurídico sobre as cláusulas 5ª e 6ª do acordo junto a fls. 38 a 41 doa autos.
w1) Tal parecer foi emitido em 24/9/2004, concluindo pela ilegalidade manifesta das sobreditas cláusulas 5ª e 6ª e pela impossibilidade de a Câmara Municipal do Porto dar cumprimento ao ali determinado.
x1) Tendo merecido a total concordância da Sra. Directora Municipal de Finanças e Património da CMP, o processo foi novamente remetido para a Direcção Municipal de Urbanismo (DMU) da Câmara Municipal do porto, ao cuidado do respectivo Director, Arquitecto JC.
y1) No dia 16/10/2004, o Sr. Vice-Presidente da CMP homologou o pedido de rectificação à redacção inicial do alvará n.º 7/04, nos termos constantes de fls. 175 dos autos
z1) O processo foi posteriormente remetido à Direcção Municipal de Finanças e Património da Câmara Municipal do Porto para liquidação e cobrança das taxas devidas, sem que a Direcção Municipal de urbanismo (DMU) da Câmara Municipal do Porto emitisse qualquer comentário quanto à questão da impossibilidade de serem aplicadas as cláusulas 5ª e 6ª do acordo.
a2) A Divisão Municipal de Receita procedeu à liquidação das taxas devidas pela Autora de acordo com a lei e regulamentos aplicáveis, notificando-a do acto de liquidação e da data limite de pagamento por carta datada de 10/11/2004.
b2) No dia 30/11/2004, entraram em vigor as alterações introduzidas pelo Réu ao nível da taxa de compensação, nomeadamente no que respeita à sua fórmula de cálculo.
c2) Na sequência de tal, a Autora foi notificada, por cartas de 21/12/2004 e 22/12/2004, do novo valor devido a título de taxa de compensação e para proceder ao pagamento das taxas devidas pelo licenciamento da operação urbanística.
d2) A Autora, no dia 7/1/05, apresentou o requerimento que ficou registado sob o n.º 1044/05/DMSP, no qual, fazendo referência expressa aos ofícios recebidos da Divisão Municipal de Receita com os n.ºs 5530/04/DMR e 6589/04/DMR, solicitou “o pagamento em espécie das taxas de loteamento, compensação e TMI, a abrigo do previsto no art.º 16º, do Aviso n.º 9245 – A/2000, do Diário da República n.º 277, II Série, Apêndice n.º 141 de 25.11.04 e Apêndice n.º 7, II Série, n.º 12, de 15 de Janeiro de 2003, sugerindo o Lote 1, havendo lugar às eventuais compensações depois da respectiva avaliação”.
e2) Tal pedido foi indeferido por despacho da Sra. Directora Municipal de Finanças e Património da Câmara Municipal do Porto de 19/4/2005, com fundamento não apenas no facto de só ser possível o pagamento em espécie da taxa de compensação, mas também na circunstância das actuais condições de mercado e nas dificuldades de venda de terrenos em hasta pública.
f2) A Autora foi notificada da decisão de indeferimento da sua pretensão por carta expedida no dia 2/5/2005.
g2) Foi entregue o alvará de loteamento nº. 7/2004 à Autora.
h2) No dia 11.05.2005 a Autora liquidou a importância de € 1,435,843,60 a título de taxas devidas.
i2) O Vereador RF, quando actuava no exercício das suas competências delegadas em matéria urbanística, representava o Município do Porto.
j2) A Dra. Graça Ambrósio prestava auxilio como jurista ao Vereador RF.
k2) O Sr. Vereador nunca agiu de forma a suscitar qualquer dúvida nos intervenientes do procedimento em questão sobre a suficiência de poderes para a prática dos actos que foram emanados.
l2) Dá-se por reproduzido o teor dos documentos constantes de fls. 32 a 55 e 106 a 184 dos autos.

X
DE DIREITO
Está posta em causa a sentença proferida pelo TAF do Porto que julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência, condenou o Réu/ Município do Porto no pagamento à Autora da soma de € 1,149.505,89, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.
O Recorrente insurge-se contra a decisão, lançando mão, em síntese, dos seguintes fundamentos:
-ao obrigar-se num caso concreto a desaplicar o aludido regulamento seja por via da concessão da isenção (cláusula 5ª), seja pela aplicação ao facto tributário de regras diferentes, no caso mais favoráveis, que as previstas no regulamento municipal em vigor (cláusula 5ª) -, o recorrente estaria, não só, mas desde logo, a violar o princípio da inderrogabilidade singular dos regulamentos;

-mas também os princípios da legalidade e da igualdade;

-ora, a violação flagrante dos sobreditos princípios não pode cominar-se senão com a invalidade mais grave, a nulidade;

-sendo certo que - não obstante a invalidade regra no direito administrativo ser a anulabilidade - a nulidade não se reconduz ao elenco de casos descritos no n.º 2 do artigo 133º do CPA;

-é que o n.º 1 do mesmo artigo 133º do CPA estabelece uma cláusula geral de nulidade que destaca os actos para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade, mas também aqueles a que falte qualquer dos elementos essenciais”, entendendo-se como tais “os actos administrativos que careçam de elementos que no caso concreto devam considerar-se essenciais, em função do tipo de acto em causa ou da gravidade do vício que o afecta”, mas também “a acto que esteja inquinado com o vício anormal ou particularmente grave, como é o caso da hipótese aqui em estudo;

-ademais, consagram as alíneas a) e c) do número 2 do artigo 95º da Lei 169/99, de 11 de Janeiro, que “são igualmente nulas”:

-as deliberações de qualquer órgão dos Municípios e Freguesias que envolvam o exercício de poderes tributários ou determinem o lançamento de taxas ou mais-valias não previstas na lei;

-os actos que prorroguem ilegal ou ilegalmente impostos, taxas, derramas, mais-valias, tarifas e preços;

-não pode, igualmente, deixar de ser nulo o acordo no qual um Município garante, em primeiro lugar, a isenção, sem se estribar em qualquer das isenções previstas no respectivo regulamento municipal, de certas taxas municipais devidas por determinada operação urbanística e, em segundo lugar, a aplicação de taxas diferentes das vigentes à data da ocorrência do respectivo facto tributário;

-infere-se do comportamento da A. que a mesma se conformou com a liquidação das taxas tal como empreendida pelo Município; não só porque procedeu ao seu pagamento como, antes disso, ainda solicitou o respectivo pagamento em espécie;

-a A. também não impugnou o respectivo acto de liquidação em questão, tudo donde não pode senão concluir-se que a obrigação do Município - a ter alguma vez existido - se extinguiu por remissão.

Cremos que lhe assiste razão.
Antes, porém, deixa-se transcrito o discurso jurídico fundamentador da sentença sob escrutínio:
Conforme emerge do respectivo libelo inicial, a Autora mantêm a firme convicção na existência do seu direito ao ressarcimento dos prejuízos causados pela actuação do Município Réu decorrente, no seu entender, do incumprimento do disposto nas cláusulas 5º e 6º do acordo referido na alínea s1) do probatório.
Por se revestir de interesse para a decisão a proferir, passa-se a transcrever o teor integral do apontado acordo.
ACORDO
Entre
PRIMEIRA: - Câmara Municipal do Porto, pessoa colectiva n° 501 306 099, com sede na praça General Humberto Delgado, Porto, neste acto representada pelo Senhor Arquitecto RFTAF, na qualidade de Vereador do Pelouro do Urbanismo e Mobilidade, como primeiro outorgante, daqui em diante designada abreviadamente por “CMP”, e
SEGUNDA: - M&SS, 5 A, pessoa colectiva 5…, com sede na Rua …, matriculada na Segunda Conservatória do Registo Comercial do Porto, sob o número 53…, aqui representada pelo Presidente do Conselho de Administração, Senhor Engenheiro MAOSS, portador do Bilhete de Identidade número 3… emitido em 14.04.1999 pelo Arquivo de Identificação de Lisboa, contribuinte número 1…., daqui em diante designada abreviadamente por “MSS, S.A.’, declaram que, pelos motivos expostos seguidamente, se obrigam nos termos das cláusulas abaixo estabelecidas:
EXPOSIÇAO DE MOTIVOS:
A) Em 1 de Abril de 1999, CMP aprovou o Pedido de Informação Prévia registado sob o número 4 914, relativamente às construções que MSS, S.A. pretende efectuar num terreno que veio a ser descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial do Porto sob a ficha 2 951, com a área 14 238 m2, sito na Rua de F..., números 890, 892, 894. 904 e 906, Travessa do F... e Viela de C..., na freguesia de Campanhã, desenvolvendo-se em dois núcleos habitacionais autónomos, um com frente urbana voltada para a rua do F... e Novo Arruamento, e outro para Novo Arruamento e Alameda de C....
B) Em 29 de Janeiro de 2001, CMP emitiu o Alvará de Obras de Urbanização número 3/2001, pelo qual licenciou as obras de urbanização a realizar no terreno, descrito na alínea anterior, tendo MSS, SA entregue a correspondente garantia bancária.
C) Em 9 de Agosto de 2001, CMP aprovou destaque de parcela do terreno supra referido, com a área de 3 241 m2, para projecto de construção no núcleo da frente urbana voltada para a Rua do F..., cujo projecto previamente aprovara, e, em 10 de Julho de 2002, emitiu o respectivo Alvará de Licença de Construção número 157.
D) Para execução dos projectos da APOR relativos ao prolongamento da Rua das Escolas e da Alameda de C..., que, entretanto, estão já concluídos, inaugurados e em utilização, MSS, SA cedeu a posse de parcelas do seu terreno, que para o efeito CMP necessitava, mediante o requerimento número 6 956, de 15/3/2000.
E) Em 15 de Outubro de 2001, CMP aprovou o projecto de arquitectura relativo à construção no terreno objecto do presente acordo, localizado entre o Novo Arruamento e a Alameda de C... e, posteriormente, MSS, SA apresentou os projectos de especialidades necessários ao licenciamento da construção, que foram também aprovados.
F) Aquando da execução dos trabalhos de aterro e terraplanagem da Alameda de C... e do prolongamento da Rua das Escolas, e uma vez que os terrenos da MSS, SA., continham saibros da melhor qualidade, a APOR solicitou à MSS, S.A., autorização para os utilizar, comprometendo-se a escavar apenas nas zonas de implantação do edifício e a entregar o espaço limpo, sem riscos de desmoronamento e vedado.
O) Ao abrigo do Alvará de Obras de Urbanização número 3/2001, a MSS, S.A., executou todos os projectos de infra-estruturas no arruamento prolongamento da Rua das Escolas e na Alameda de C..., em acordo com os trabalhos da APOR.
H) Em 30 de Julho de 2002, MSS, SÃ requereu o licenciamento da construção no terreno descrito na alínea anterior, tendo desde essa altura pronta a adjudicação da empreitada de construção e concretizada parcialmente a comercialização em planta das fracções do projecto, decorrendo daí encargos financeiros ainda não totalmente contabilizados.
1) Em 19 de Novembro de 2002, tendo concluído a negociação dirigida à adjudicação da empreitada e pretendendo iniciar os trabalhos, MSS, SA requereu licença de escavação e contenção periférica, para a qual apresentou a documentação pertinente e a respectiva garantia bancária.
J) Todavia, não obstante a obrigação de emissão da licença de construção em que se constituiu, CMP reteve o seguimento normal do procedimento e em 20 de Dezembro de 2002, os responsáveis pelo Pelouro de Urbanismo da CMP comunicaram a MSS, SA que não concordavam com o projecto aprovado e pretendiam negociar uma solução arquitectónica diferente, segundo directrizes que comunicariam até 15 de Janeiro de 2003.
K) Em resultado das conversações havidas entre as partes, MSS, SA dispõe-se a aceitar fazer a reformulação do estudo de acordo com a solução em planta e com os parâmetros propostos pela CMP, sob a condição de CMP garantir desde já a aprovação final do loteamento que compensa todos os prejuízos advientes da reelaboração dos projectos, do custo de taxas e emolumentos já pagos, e garantir também a aplicação ao novo projecto e operações das taxas e emolumentos que seriam devidos ao abrigo do regime de taxas e emolumentos vigente em 15 de Outubro de 2001.
CLÁUSULAS
1) A CMP garante a aprovação do projecto de loteamento do prédio descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial do Porto, sob a ficha 2951 da freguesia de Campanhã a que se refere o anexo que faz parte integrante do presente acordo, no prazo máximo de 60 dias contados desde a apresentação das peças finais por MSS, SA.
2) As áreas de cedência assinaladas no anexo serão efectivamente recebidas pela CMP no âmbito do licenciamento da operação de loteamento em apreço.
3) A MSS renuncia ao exercício do direito de reversão relativamente a área / lote de cedência a integrar no domínio privado da CMP, de acordo com a planta de cedências, podendo a CMP destinar tal área ao fim que tiver por conveniente.
4) A CMP garante a emissão do Alvará de Loteamento no prazo de 30 dias após solicitação por MSS, SA.
5) A CMP garante à MSS, SA., a isenção de quaisquer taxas de compensação na operação de loteamento pela eventual não cedência de áreas ao domínio público.
6) A CMP garante a aplicação das taxas de loteamento e construção previstas no R. O. T.L. publicado na II Série, DR, 237, Ap. 121 de 11 de Outubro de 1999 e demais diplomas em vigor à data de 15 de Outubro de 2001.
7) A CMP aceita a garantia bancária prestada por MSS, SA para boa execução do Alvará de Obras de Urbanização número 312001 como garantia válida da boa execução do Alvará de Loteamento referido na Cláusula 1ª
8) O cumprimento do presente acordo extingue os direitos adquiridos por MSS, SA no âmbito e por força dos procedimentos administrativos que nesta data estão em curso, mas a sua celebração não significa nem implica a renúncia de MSS, SA a quaisquer deles.
9) É considerado incumprimento definitivo deste acordo o atraso por período superior a 30 dias e imputável à CMP no cumprimento das obrigações previstas nas cláusulas 1ª, 2ª, 4ª e 5ª.
10) - Para dirimir quaisquer litígios entre as partes, no âmbito do presente acordo, é convencionado o foro da comarca do Porto, com exclusão de qualquer outro.
(…)”
Da análise do transcrito acordo constata-se, além do mais, e, para o que ora nos interessa, que o mesmo consubstancia um contrato administrativo(1) celebrado entre o Réu e a Autora, pois traduz um acordo de vontades das partes com vista à reformulação do projecto relativo à construção no terreno localizado entre o Novo Arruamento e a Alameda de C..., a efectuar de acordo com a solução em planta e com os parâmetros propostos pela Câmara Municipal do Porto.
Mais se constata que, para compensar a Autora por todos os prejuízos advientes da reelaboração dos projectos, do custo de taxas e emolumentos já pagos, a Câmara Municipal do Porto comprometeu-se a garantir i) a aprovação do projecto de loteamento do prédio descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial do Porto, sob a ficha 2951 da freguesia de Campanha a que se refere o anexo que faz parte integrante do presente acordo, no prazo máximo de 60 dias contados desde a apresentação das peças finais por MSS, SA [clausula 1º]; ii) a isenção de quaisquer taxas de compensação na operação de loteamento pela eventual não cedência de áreas ao domínio público [clausula 5º] e, bem assim, a iii) aplicação ao novo projecto e operações das taxas e emolumentos que seriam devidos ao abrigo do regime de taxas e emolumentos vigente em 15 de Outubro de 2001 [clausula 6º].
Alega que o Réu que o contrato em questão, subscrito pelo Vereador do Pelouro do Urbanismo e Mobilidade da CMP, não vincula o Município do Porto, pois este não tinha competência para assinar o apontado contrato.
Alega ainda que nem tão pouco este podia, em nome e representação da CMP, assumir as obrigações ali vertidas, designadamente nas cláusulas 1ª, 5ª e 6º, sem ter submetido tal documento a reunião do Executivo.
Não tendo o órgão Câmara Municipal do Porto apreciado/deliberado/aprovado o acordo em questão com a presença dos seus membros, não se pode considerar validamente obrigada ao cumprimento do mesmo.
Finalmente, alega ainda, para além das razões supra expostas, o contrato em questão é nulo, por impossibilidade legal do seu objecto [artigo 133º, nº.2, alínea c) do CPA] pois, atento ao facto de estamos perante poderes públicos estritamente vinculados da Administração, o vereador em questão não podia garantir a priori a aprovação de um projecto de loteamento, a isenção de quaisquer taxas de compensação e, bem assim, garantir a aplicação das taxas previstas no RGTL.
Constitui, no entanto, convicção firme deste Tribunal que não lhe assiste razão em nenhum dos argumentos supra aduzidos.
Com efeito, no tocante à falta de competência/ilegitimidade do Vereador do Pelouro do Urbanismo e Mobilidade da Câmara Municipal do Porto, a matéria de facto apurada nos autos revela-nos que o mesmo, quando actuava no exercício das suas competências delegadas em matéria urbanística, representava o Município do Porto, sendo certo que, no caso concreto, este nunca agiu de forma a suscitar qualquer dúvida nos intervenientes do procedimento em questão sobre a suficiência de poderes para a prática dos actos que foram emanados.
Por outro lado, não se encontra minimamente demonstrado nos autos que o Vereador em questão, com referencia ao caso concreto, se encontrava impedido e/ou legalmente impossibilitado de exercer as competências objecto de delegação.
Daí que não se possa perfilhar o entendimento sustentado pelo Réu, antes se concluindo que o Vereador em questão, efectivamente, representava e/ou vinculava o Município do Porto em matéria urbanística.
O mesmo se poderá dizer no que tange às demais matérias, maxime as relativas taxas e emolumentos, para as quais o Vereador em questão não possuía competência delegada, pois a prática de qualquer acto [e por maioria de razão, a celebração de qualquer contrato] eivado de vicio de incompetência relativa(2), que não seja revogado e/ou anulado no período legalmente admissível [sanação ope legis], não constitui condição bastante para desonerar o respectivo do cumprimento das obrigações ali assumidas, excepto se o objecto das mesmas for legalmente impossível [artigo 133º, nº.2, alínea c) do CPA], situação essa que não se verifica no caso presente, como teremos oportunidade de ver mais em diante.
Conclui-se, pois, por tudo o quanto ficou exposto, que, com referência ao caso concreto, o Vereador do Urbanismo e Mobilidade da Câmara Municipal do Porto representava e/ou vinculava o Município do Porto em matéria urbanística e, bem assim, pese embora fosse incompetente para praticar actos em matéria de taxas e emolumentos, considerando que o objecto das obrigações por ele assumidas no contrato visado nos autos não são de objecto legalmente impossível, vincula, igualmente, o Município do Porto nestas matérias.
Resta-nos apenas a invocada nulidade do contrato com fundamento na impossibilidade legal do respectivo objecto.
“São de objecto impossível os actos cujo efeito ou medida seja juridicamente impossível e não quando se trate apenas de efeitos proibidos pela ordem jurídica. Casos de actos de objecto juridicamente impossível, temo-los, por exemplo, na revogação de um acto nulo ou na expropriação de um bem que já foi vendido à Administração” – ESTEVES DE OLIVEIRA e outros, Código de Procedimento Administrativo, pág. 133.
No presente caso, não estamos em boa verdade numa situação de impossibilidade jurídica, mas sim perante um contrato, cujo vínculo jurídico envolveu a assunção de obrigações por parte do Réu, alegadamente, não passíveis de ser autorizadas pelo vereador do Pelouro de Urbanismo e Mobilidade da Câmara Municipal do Porto.
Mas, apesar de não estarmos perante um contrato com objecto legalmente impossível, mas sim perante um contrato com um objecto “proibido”.
A distinção entre objecto legalmente impossível e legalmente proibido tem efeitos práticos no direito administrativo diferentes daqueles que tem no direito civil.
Os negócios jurídicos contrários às obrigações impostas por lei são nulos, pois a regra geral sobre a nulidade é mais ampla: “é nulo o negócio jurídico cujo objecto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável” artigo 280º, 1, do C. Civil.
O contrato regido pelo direito civil cujo objecto mediato seja contrário à lei é nulo, ainda que se exija que estejamos em presença de uma lei imperativa não afastável pela vontade das partes – PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Coimbra, 1982, Vol I, pág. 257.
No direito administrativo não é assim.
O acto administrativo contrário à lei só é nulo, nos casos especialmente previstos no art. 133º do CPA, sendo que a desconformidade do acto com a lei é em regra sancionado com a mera anulabilidade.
Por isso, não pode, sem mais, considerar-se nulo um contrato administrativo cujo objecto mediato “contrario à lei”.
Só haverá nulidade do contrato administrativo, como veremos de seguida, se a sanção legalmente prevista para a desconformidade com a lei violada for a nulidade, ou se for aplicável o regime de invalidade dos contratos de direito civil.
O Código de Procedimento Administrativo, ao regular a invalidade dos contratos administrativos, consagrou a distinção entre contratos com objecto passível de acto administrativo e contrato com objecto passível de contrato de direito privado.
Para os contratos com objecto passível de acto administrativo estabeleceu, no art. 185º, 3, a), o regime de invalidade próprio dos actos administrativos.
Isto significa que, o conteúdo do contrato, isto é, as suas cláusulas devem subordinar-se ao “bloco de legalidade”, mas as sanções aplicáveis são do direito administrativo.
Com esta solução o legislador evitou que a abertura do Código à figura do contrato administrativo e à possibilidade da sua alternância com o acto administrativo (art. 179º) se tornasse uma porta para a ilegalidade administrativa.
E, por isso, segundo tal regime o contrato administrativo é nulo ou anulável, quando o fosse um acto administrativo com o mesmo objecto e idêntica regulamentação da situação concreta” – ESTEVES DE OLIVEIRA e outros, Código de Procedimento Administrativo, anotado, pág. 848.
O regime da invalidade típica do acto direito administrativo, ou seja, a mera anulabilidade, também confere aos contratos em que o seu objecto esteja em desconformidade com a lei não cominada com nulidade, uma maior estabilidade jurídica.
As razões que justificam uma mais rápida estabilização da regulação das situações jurídicas por acto administrativo, são igualmente válidas para os contratos “passíveis de acto administrativo”. FREITAS DO AMARAL exemplifica com a violação das regras sobre a forma do contrato, ora geradoras de anulabilidade (direito administrativo) ora geradoras de nulidade (direito civil) – Curso de Direito Administrativo, Vol II, Coimbra, 2002, pág. 606 e 607.
Esta solução, mais não representa – ao fim e ao cabo – que a subordinação da actividade administrativa, quer seja prosseguida por actos ou por contratos administrativos, às mesmas regras de invalidade. “Assume-se deste modo, com todas as suas consequências, que o regime dos contratos administrativos com objecto passível de acto administrativo não poderá afastar-se do regime de legalidade do acto administrativo com o mesmo objecto e idêntica regulamentação da situação concreta” – FREITAS DO AMARAL, Curso… pág. 607.
Se as cláusulas contratuais violarem regras de direito administrativo, cuja sanção seja a anulabilidade (e será esta a regra, face ao disposto no art. 134º do CPA) o contrato é anulável; se a violação for de regras sancionadas com nulidade, o contrato é nulo.
Ora, no caso dos autos, se as obrigações contratualizadas pelas partes sob as clausulas 5º e 6º do acordo referido na alínea s1) do probatório [aprovação do projecto de loteamento, a isenção de quaisquer taxas de compensação e, bem assim, a aplicação das taxas previstas no RGTL] fossem garantidas e/concedidas através de um acto administrativo, o mesmo acto seria anulável, pois os vícios de violação de lei [incompetência/ilegitimidade e, bem assim, a violação dos princípios da especialidade do fim, da indisponibilidade dos poderes urbanísticos, da legalidade e da tipicidade dos planos(3)] daí decorrentes, a verificarem-se, seriam cominados com a forma mais ligeira de invalidade, ou seja, anulabilidade.
Daí que, por força do disposto no art. 185º, 3, al. a), do C.P.A, o contrato visado nos autos também seja anulável.
Importará, por isso, analisar se houve, efectivamente, incumprimento do contrato visado nos autos por parte do Réu nos precisos termos em que vem alegados.
A este propósito, importa que se comece por sublinhar que, em teoria, tendo em conta a invocação da nulidade do contrato em análise, é perfeitamente admissível conjecturar-se que, aquando da celebração do contrato visado nos autos, o Réu tivesse perfeita consciência da eventual nulidade de algumas das clausulas do contrato visado nos autos, assim se inscrevendo a alegação em causa muito para além dos limites da boa fé por “venire contra factum proprium”.
Julga-se, no entanto, dada a dimensão e natureza da entidade pública em questão, não ter sido a situação dos autos, pois está-se em crer que o Réu, aquando da celebração do referido contrato, assumiu uma postura coadunante com o respeito pelos princípios gerais que devem pautar a conduta da administração no seu relacionamento com os particulares, maxime com o princípio da protecção da confiança e da boa-fé.
E porque assim, deve-se entender que o teor das cláusulas 5ª e 6ª do contrato visado nos autos devem ser interpretado, não no sentido do Vereador do Pelouro de Urbanismo em questão ter (ou não) competência para obrigar e/ou dispor sobre matéria relativa a taxas e emolumentos, o que já vimos que não tem, mas antes no sentido de recair sobre este a obrigação de encetar todas as diligências necessárias para que as matérias acordadas fossem objecto de cumprimento por parte da entidade publica em questão, nomeadamente, através de agendamento para reunião ou sessão do respectivos órgão executivos e deliberativos, respectivamente, dependendo das matérias em apreço.
Ora, sendo esta a interpretação correc(ti)va a dar às clausulas contratuais em análise, os elementos postos à disposição deste Tribunal não permitem, em momento algum, descortinar tal actuação ou mesmo um propósito de intenção por parte do Vereador em questão ou mesmo por parte de qualquer seu dirigente e/ou funcionário da entidade publica visada nos autos, pelo que, na perspectiva em apreço, deve-se concluir, sem margem para dúvidas, no sentido propugnado pela Autora da existência de incumprimento [por parte do Município do Porto] do disposto nas clausulas 5º e 6º do acordo, cuja cópia faz fls. 38 a 43 dos presentes autos, oportunamente celebrado pelas partes.
Destarte, verificado que está o invocado incumprimento contratual, no caso em apreço, quer a sua atribuição, importa, agora, apurar as consequências dai advindas.
No caso em apreço, ficou provado que, em consequência do apontado incumprimento, a Autora teve o prejuízo de € 1,149.505,89 [cfr. alíneas v) a c1) do probatório], ao qual acresce juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Nada mais existe a reparar, designadamente em sede de execução de sentença, pois não resultaram provados quaisquer prejuízos adicionais referentes a perdas e danos decorrentes do atraso na emissão do alvará de loteamento.
Destarte, impõe-se decidir em conformidade.”
X
Como se viu, o Recorrente vem reagir contra a sentença que julgou parcialmente procedente a acção administrativa comum proposta pela sociedade M&SS, SA contra o Município do Porto, e o condenou ao pagamento a esta da quantia de € 1.149.505,89, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento. Para tanto, fundou-se o tribunal a quo em acordo celebrado entre a Autora e o então Vereador do Pelouro do Urbanismo da Câmara Municipal do Porto, Arquitecto RF, acordo esse, por via do qual o então mencionado Vereador, no âmbito de operação urbanística da Autora, se terá obrigado a envidar todos os esforços necessários para a “(…) isenção de quaisquer taxas de compensação de loteamento pela eventual não cedência de áreas ao domínio público” (cláusula 5.ª) e para a “(…) aplicação as taxas de loteamento e construção previstas no RGTL publicado na II.ª Série do DR n.º 237, Apêndice 121, de 11 de Outubro de 1999 e demais diplomas em vigor à data de 15 de Outubro de 2001” (cláusula 6.ª).

Entendeu, em concreto, o tribunal que a liquidação das taxas municipais promovida pelo Réu, no valor de € 1.435.843,60, configura um incumprimento das mencionadas cláusulas do acordo na parte em que excede € 286.337,72, valor este último que constitui o que seria devido pela Autora, a título de taxas municipais pela realização operação urbanística, ao abrigo do acordo celebrado. Como precedente prévio de tal decisão, julgou o tribunal a quo não se tratar o acordo em causa - como então alegado pelo Réu, aqui Recorrente - de contrato nulo, designadamente, por impossibilidade legal do respectivo objecto cfr. artigo 133.º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo (CPA), isso, na medida em que, sendo o acordo em questão contrato com objecto passível de acto administrativo e, com isso, aplicável o regime da invalidade dos actos administrativos (cfr. artigo 185.º, n.º 3, alínea c) do CPA), tendo em conta que “(…) se as obrigações contratualizadas pelas partes (…) (aprovação do projecto de loteamento, a isenção de quaisquer taxas de compensação e , bem assim, a aplicação das taxas previstas no RGTL) fossem garantidas e/ concedidas através de um acto administrativo, o mesmo acto seria anulável, pois os vícios de violação de lei (incompetência/ilegitimidade e, bem assim, a violação dos princípios da especialidade do fim, da indisponibilidade dos poderes urbanísticos, da legalidade e da tipicidade dos planos) daí decorrentes, a verificarem-se, seriam cominados com a forma mais ligeira de invalidade, ou seja, anulabilidade”, o contrato visado nos autos seria, não nulo, mas anulável.

Ora, tal como advogado pelo Recorrente, cremos que o tribunal a quo, na sentença posta em crise, não fez a melhor leitura dos normativos e princípios visados.
Vejamos:
-da nulidade do contrato

Começa a sentença recorrida por aludir à diferença entre os casos de actos objecto juridicamente impossível - como o serão, a revogação de um acto nulo e a expropriação de um bem que já vendido à Administração - e os casos de actos geradores de efeitos proibidos pela ordem jurídica.

Como resulta da transcrição atrás efectuada, afirma o aresto em causa que “no presente caso, não estamos em boa verdade numa situação de impossibilidade jurídica, mas sim perante um contrato cujo vínculo jurídico envolveu a assunção de obrigações por parte do Réu, alegadamente, não passíveis de serem autorizadas pelo Vereador do Pelouro do Urbanismo e Mobilidade da Câmara Municipal do Porto”, o que implicaria - como também refere o tribunal - estarmos in casu perante “(…) um contrato com objecto “proibido”.

Ainda segundo o decidido, enquanto no caso dos primeiros - de objecto juridicamente impossível - estaria em causa nulidade enquadrável no artigo 133.º, n.º 2, alínea c) do CPA), relativamente aos segundos - de objecto proibido - o mesmo já não se verificaria, pois que, quanto a esses, não estará propriamente em causa uma impossibilidade jurídica, mas a desconformidade com a lei, em relação aos quais há que apurar em concreto a sanção cominada pela lei para a sua verificação.

A esse respeito, o tribunal, considerando o facto de o contrato dos autos constituir contrato com objecto passível de acto administrativo, para o qual, quanto à invalidade, a lei estabelece o regime da invalidade próprio dos actos administrativos (cfr. artigo 185.º, n.º 3, alínea a) do CPA), e - além disso - atendendo a que, diferentemente do que ocorre no direito civil, no direito administrativo a invalidade dos contratos contrários à lei não é, por via de regra, a nulidade (cfr. artigo 280.º do Código Civil), mas a anulabilidade (cfr. artigo 133.º e 135.º do CPA), sustenta que as desconformidades legais invocadas pelo Réu ao acordo sub judice, constituindo vícios de violação de lei, “(…) a verificarem-se seriam cominados com a forma mais ligeira de invalidade, ou seja, anulabilidade”.

Ora, se do ponto de vista abstracto nada há a apontar ao percurso lógico empreendido pelo tribunal a quo, (nem a parte/Recorrente o faz), o mesmo não se verifica quanto à conclusão formulada de que as específicas desconformidades legais especificamente invocadas pelo aqui Recorrente não ferem o referido acordo de nulidade.

A esse respeito, repete-se, a decisão sob recurso, apesar de literalmente apontar para que tenham sido representados todos os vícios assacados pelo Recorrente ao acordo, acabou por reconduzi-los a todos à mesma e única questão de estarmos perante “um contrato, cujo vínculo jurídico envolveu a assunção de obrigações por parte do Réu, alegadamente, não passíveis de ser autorizadas pelo Vereador do Pelouro de Urbanismo e Mobilidade da Câmara Municipal do Porto”.

Todavia, as questões postas pelo aqui Recorrente, não se limitam ao facto de o Vereador do Pelouro do Urbanismo e Mobilidade não ter competência para assinar o acordo em questão, o que, efectivamente, (só) implicaria a anulabilidade do contrato, nem de o Município não poder - dessa forma - resultar vinculado às obrigações ali vertidas, designadamente nas cláusulas 1ª, 5ª e 6ª.

A questão vai além disso, consubstanciando-se no facto de, para lá do órgão autárquico que outorgou o acordo e da respectiva competência, não poder ter lugar a vinculação de uma pessoa colectiva pública à não adopção, por um lado, e à adopção, por outro, de actos administrativos desconformes com os regulamentos municipais, senão com a violação grave de vários princípios e normas jurídicas.

De facto, o regime de isenção e redução do pagamento de taxas, estabelecendo as situações e entidades potencialmente beneficiárias, a competência para a sua concessão/redução, bem como, os requisitos e procedimentos a observar, encontra-se taxativamente previsto no Capítulo III do Regulamento de Liquidação e Cobrança de Taxas e Outras Receitas Municipais, e do mesmo modo, a liquidação das taxas devidas deve ser feita de acordo com as normas regulamentares em vigor à data em que ocorreu o facto tributário.

Assim, ao obrigar-se num caso concreto a desaplicar o aludido regulamento - seja por via da concessão da isenção (cláusula 5.ª), seja pela aplicação ao facto tributário de regras diferentes, no caso mais favoráveis, que as previstas no regulamento municipal em vigor (cláusula 5.ª) -, o Recorrente estaria, não só, mas desde logo, a violar o princípio da inderrogabilidade singular dos regulamentos, segundo o qual “(o) que à administração não é permitido fazer, no que toca a regulamentos externos, é derrogá-los sem mais em casos isolados, mantendo-os em vigor em todos os restantes casos”, e por força do qual “(…) o regulamento que derroga outro para um caso concreto e individual não é um regulamento: é um acto administrativo e acto administrativo ilegal por violação de regulamento”, mas também os princípios legalidade (artigo 3.º) e da igualdade (artigo 4.º), em que necessariamente radicam aquele primeiramente invocado princípio, na medida em que o princípio da legalidade, quanto à Administração só lhe permite agir nos termos da lei geral e naqueles que ela mesma fixe, segundo habilitação legal, em termos genéricos e o princípio da igualdade impede que aplicar um regulamento a todos os casos possíveis menos a um ou dois pode redundar em situações de desigualdade sem fundamento material bastante.

Assim, conclui o Recorrente e, quanto a nós bem, que os serviços municipais estavam por força dos aludidos princípios, e muito particularmente por força do princípio da legalidade (artigo 3.º do CPA), legalmente impedidos de dar cumprimento às mencionadas cláusulas 5.ª e 6.ª do acordo firmado entre a sociedade/Autora e o Vereador em causa.

Logo, à violação flagrante dos sobreditos princípios tem de seguir-se a invalidade mais grave, ou seja, a nulidade, sendo certo que - não obstante a invalidade regra no direito administrativo ser a anulabilidade - a nulidade não se reconduz ao elenco de casos descritos no n.º 2 do artigo 133.º do CPA, que, ostenta um elenco meramente exemplificativo. Acresce que o n.º 1 do mesmo artigo 133.º do CPA estabelece uma cláusula geral de nulidade que destaca os actos para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade, mas também “aqueles a que falte qualquer dos elementos essenciais”, entendendo-se como tais “os actos administrativos que careçam de elementos que, no caso concreto, devam considerar-se essenciais, em função do tipo de acto em causa ou da gravidade do vício que o afecta (…)”, mas também “(…) o acto que esteja inquinado com o vício anormal ou particularmente grave (…)”, como é o caso da hipótese vertida nos autos.

Ademais, consagram as alíneas a) e c) do número 2 do artigo 95.º da Lei n.º 169/99, de 11 de Janeiro, que “são igualmente nulas”:

a) As deliberações de qualquer órgão dos municípios e freguesias que envolvam o exercício de poderes tributários ou determinem o lançamento de taxas ou mais-valias não previstas na lei;
(…)
c) Os actos que prorroguem ilegal ou irregularmente os prazos de pagamento voluntário dos impostos, taxas, derramas, mais-valias, tarifas e preços.

Ora, se são nulas as deliberações de qualquer órgão municipal que envolvam o exercício de poderes tributários ou determinem o lançamento de taxas ou mais-valias não previstas na lei, e se são nulos os actos que prorroguem ilegal ou irregularmente os prazos de pagamento voluntário dos impostos, taxas, derramas, mais-valias, tarifas e preços, não pode, igualmente, deixar de ser nulo o acordo no qual um município garante, em primeiro lugar, a isenção, sem se estribar em qualquer das isenções previstas no respectivo regulamento municipal, de certas taxas municipais devidas por determinada operação urbanística e, em segundo lugar, a aplicação de taxas diferentes das vigentes à data da ocorrência do respectivo facto tributário.

Secundando-se este percurso jurídico, temos que andou mal a decisão recorrida ao julgar que o acordo visado nos autos não seria nulo, mas tão só anulável.
-do incumprimento contratual do Réu/Recorrente

Como também sufragado na peça processual do Recorrente, ainda que o acordo em questão não fosse nulo e se encontrasse consolidado na ordem jurídica, nem assim poderia o tribunal a quo ter concluído pela existência de incumprimento contratual por parte do Réu, pois que se infere do comportamento da Autora que a mesma se conformou com a liquidação das taxas tal como empreendida pelo Município, procedendo ao seu pagamento - ponto h)2 do probatório - (antes disso, ainda solicitou o respectivo pagamento em espécie - ponto d2) da factualidade assente -, o que não lhe foi concedido), sem sequer impugnar o acto de liquidação em questão.

E, sendo assim, conclui-se que a obrigação do Município, ora Recorrente, a ter alguma vez existido, se extinguiu por remissão.

Procedem, pois, na íntegra, as conclusões da alegação, o que equivale a dizer que se desatende a argumentação da Autora/Recorrida.

Não será de mais referir que o Direito deve estar ao serviço das causas que se afiguram mais justas.

DECISÃO
Termos em que se concede provimento ao recurso, revoga-se a sentença recorrida e julga-se improcedente a acção.
Custas pela Recorrida.
Notifique e D.N..

Porto, 07/10/2016
Ass.: Fernanda Brandão
Ass.: Frederico Branco
Ass.: Rogério Martins
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1 O art° 178° nº1 do CPA define contrato administrativo como o acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica administrativa.
Relação jurídica administrativa é aquela que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares, ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a Administração (Prof. Freitas do Amaral, Direito Administrativo III, p.439-440).
2 Gerador de anulabilidade e não de nulidade e/ou eventual ineficácia dos mesmos -cfr. artigos 135º e 185º do CPA.
3 Causas de invalidade associadas às clausulas em analise – cfr. artigos 44º e seguintes da contestação.