Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01128/11.7BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/13/2018
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:OPOSIÇÃO, REVERSÃO, CULPA, DISPENSA DE PROVA TESTEMUNHAL, NULIDADE DA CITAÇÃO, IVA, RETENÇÕES NA FONTE, IRS
Sumário:
I - A nulidade da citação, porque não determina a extinção da execução fiscal, mas apenas a repetição do acto com cumprimento das formalidades omitidas, não constitui fundamento de oposição à execução fiscal, antes devendo ser arguida em primeira linha perante o órgão da execução fiscal, com possibilidade de reclamação judicial de eventual decisão desfavorável.
II - Embora não constitua fundamento de oposição (artigo 204.º do CPPT), nada obsta a que se possa conhecer da falta ou da nulidade da citação no processo de oposição à execução fiscal se tal conhecimento for necessário para apreciar qualquer questão que deva ser apreciada na oposição.
III - Deduzido em processo de oposição pedido próprio desse mesmo processo, aliado a arguição de fundamentos, uns próprios de oposição, e outros de meio processual diverso, está o juiz impedido de ordenar a convolação no meio adequado para conhecimento dos fundamentos próprios desse processo, uma vez que lhe incumbe conhecer do pedido e dos fundamentos próprios do processo de oposição.
IV - No domínio da vigência da LGT, para afastar a responsabilidade subsidiária pelas dívidas de impostos cujo termo do prazo para pagamento ou entrega terminou durante o período da sua administração, é necessária a demonstração de que não é imputável aos gerentes ou administradores das sociedades a falta de pagamento ou de entrega do imposto (artigo 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT).
V - Assim, sendo as dívidas provenientes de IVA, ao gerente que exercia funções na data em que deveria ter sido entregue o imposto não basta, em sede de oposição à execução fiscal, alegar que a empresa atravessava dificuldades económicas provocadas por motivos exógenos, que ele se esforçou por ultrapassar, e que foi um gestor diligente.
VI - Haverá, isso sim, que demonstrar que a falta desse pagamento não lhe foi imputável, o que passa pela demonstração da falta de fundos da sociedade originária devedora para efectuar o pagamento e que tal falta se não deve a qualquer omissão ou comportamento censuráveis do gestor.
VII - A dúvida relativamente à verificação da culpa dos gestores, pela falta de pagamento dos impostos cujo pagamento ou entrega devesse ter sido feito durante o período em que exerceram funções de gestão, sempre terá de ser valorada contra o oponente. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:MCPC
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Pronunciou-se no sentido de dever ser dado provimento ao recurso, anulando-se a sentença recorrida e determinando-se a remessa dos autos ao TAF de Braga, a fim de ser completada a instrução nos termos supra referidos e, após, ser proferida nova decisão.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório
MCPC, Contribuinte Fiscal n.º 1…28, com os demais sinais nos autos, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, proferida em 10/07/2013, que julgou improcedente a oposição ao Processo de Execução Fiscal n.º 4200200501021273 e apensos instaurados pela Fazenda Pública contra “FICT Unipessoal, Lda.”, titular do NIPC 5…20, para cobrança de IVA dos meses de Agosto a Dezembro de 2005, e IRS (retenções na fonte) referente aos anos de 2002, 2003, 2004 e 2005, no montante global de €55.219,45.
A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
1) A douta sentença recorrida deve ser revogada, na sua totalidade, por manifesta desconformidade legal.
2) Com o devido respeito, a sentença do tribunal a quo declarou (mal), a improcedência da oposição;
3) Desde logo, não apreciou a matéria da caducidade, tendo a mesma sido definida como matéria objecto de apreciação em sentença;
4) Ora conforme supra alegado, a sentença é totalmente omissa quanto à questão da caducidade, a qual não é apreciada pura e simplesmente, pelo que a douta sentença é nula por omissão de pronúncia ao não se referir nem decidir sobre a alegada caducidade;
5) Em clara violação do disposto e previsto tanto no artigo 125.° do CPPT (ex vi do 211.º n.º 1 CPPT) como no 668.º, alínea d) do CPC, pois que indicia que é nula a sentença quando ocorra "a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer";
6) Atentas ainda as datas dos tributos e a data da citação da aqui Oponente, o Tribunal, diligente e oficiosamente, não se debruçou sobre a matéria da prescrição;
7) Caducidade e prescrição que desde já se alegam e requer a sua declaração para todos e devidos efeitos legais;
8) Quanto à matéria invocada versada sobre a nulidade da citação, abstém-se o Tribunal de apreciar o mérito da mesma, porquanto refere que há erro na forma de processo;
9) Tem sido esse efectivamente o entendimento da maioria jurisprudencial, que defende que essa questão tem de ser suscitada em sede de reclamação perante o próprio órgão de execução fiscal, no prazo para a dedução de oposição, artigo 198.° CPPT;
10) Ainda assim, teria o Tribunal de apreciar a potencial convolação na forma processual no que a essa questão diz respeito;
11) Ora, se para efeito de apresentação de oposição, a mesma foi apresentada em tempo, também o mesmo raciocínio se teria de fazer para a invocação da nulidade da citação;
12) Pelo que, ter-se-ia de ordenar a sua convolação, nos termos do disposto no artigo 98.° n.º 4 do CPPT, na forma do processo adequado, na respectiva parte a que diz respeito, desde que a petição fosse tempestiva, usufruindo do prazo dessa, condição verificada in casu;
13) Relativamente à segunda questão, apreciada em sede de sentença, no que à culpa diz respeito, pois que a gerência de facto estava assumida, refere a sentença que "apesar do esforço argumentativo e probatório desenvolvido pela Oponente entendemos que não foi suficiente para ilidir a presunção de culpa que recai sobre os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam funções de administração nas empresas e sociedades de responsabilidade limitada";
14) Para tanto, forma a sua convicção "no teor dos documentos juntos aos autos".
15) Ora, tais documentos foram todos ele acarreados pela Fazenda Pública;
16) A Oponente para elisão da presunção de culpa alegou que mesma empenhou todo o seu esforço e economias na empresa, contraiu empréstimos para modernizar e adequar a sua actividade às novas exigências de mercado, não obstante, a conjectura de mercado, os baixos preços praticados pela concorrência, a invasão dos têxteis chineses e a contrafacção de marcas, atenta a dimensão da empresa, arrastou a mesma para uma situação de insolvência, pois que não pôde competir com os baixos preços praticados por empresas importadoras de têxteis de países onde a sua produção é extremamente barata;
17) Tendo ficado impedida, a partir de certo momento, de puder cumprir a generalidade das obrigações a que se encontrava adstrita a empresa;
18) No entanto tudo fez para renegociar as dívidas, e, na qualidade de gerente da FICT, nunca deixou de cumprir as suas obrigações perante os trabalhadores da mesma;
19) Assim, verifica-se que culpa não existiu, por parte da aqui Recorrente pela insuficiência de bens da entidade devedora originária para fazer face às suas dívidas;
20) Jamais tendo a Oponente actuado com intenção (culposa) de prejudicar credores e/ ou terceiros;
21) Pelo que nenhuma culpa lhe pode ser imputada;
22) A culpa, como bem refere a sentença a quo, é aferida pelo bonus pater famílias;
23) Ou seja, tem o administrador de não actuar com a diligência exigida a um bonus pater familiae, em inobservância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial ao do artigo 64° do CSC, que lhe impõe a observância de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade;
24) Ora, além da dificuldade que existe na prova de um facto negativo, como é o caso da ausência de culpa, o oponente não deixou de alegar e provar factos concretos de onde se pôde inferir que a insuficiência patrimonial da empresa se deveu a circunstâncias que lhe são alheias e que não lhe podem ser imputadas;
25) O acto ilícito culposo que se presume praticado pelo administrador não se fica, nem pode ficar, pela omissão de pagamento do imposto vencido;
26) Nenhum outro facto ilícito e culposo ficou provado;
27) Atento o objecto social da devedora principal, o património da devedora restringia-se ao maquinismo que se encontrava na empresa e ao produto final confeccionado, o imóvel onde laborava era arrendado, pelo que, atenta a inexistência de património relevante da sociedade FICT, tal implica também simultaneamente que os seus bens não eram já à época suficientes para fazer face às dívidas, sendo lógico portanto que não possam ter sido dissipados com intenção de prejudicar credores, porque já não existiam e até porque os bens existentes foram apreendidos e liquidados em processo de insolvência;
28) No qual pôde a Fazenda Pública reclamar o seu crédito, por referência à entidade devedora principal;
29) Do alegado pela Oponente, em sede de Oposição, conclui a sentença que "extrai-se desde logo a fraca credibilidade, designadamente por pouco ou nada referir em termos de factos concretos, limitando-se a alegar genericamente que mais nada podia fazer do que fez, atribuindo a responsabilidade à crise económica generalizada e ao facto de vários cliente não pagarem, tendo sido instauradas acções judiciais contra os mesmos" (sublinhado nosso);
30) Ora, se o Tribunal de instância inferior não ficou convencido das alegações e fundamentos da petição inicial, para dirimir as suas dúvidas deveria ter procedido à audição das testemunhas indicadas, aliás única prova requerida pela Oponente, e não o fez;
31) Pois que despacho datado de 26/09/2012, a Oponente foi notificada para alegar por escrito, nos termos do 120.° do CPPT, em virtude de que "havendo documentos bastantes para a produção de prova, não se vislumbra da necessidade em inquirir testemunhas, podendo até falar-se na prática de actos inúteis, proibidos por Lei, nos termos do n.º 2 do art. 8.° do CPTA e art. 137.° do CPC ex vi als. c) e e) do art. 2 do CPPT ";
32) Isto quando em 02/03/2012, havia emitido despacho a decretar que os autos aguardassem o agendamento da inquirição, dado número de processos urgentes pendentes;
33) Na verdade, o juiz pode dispensar a inquirição das testemunhas arroladas, bem como a produção de outras provas, se houver de conhecer logo do pedido, por entender que o processo fornece os elementos necessários para tal – ao abrigo do n.º 1do artigo 113.º do CPPT.
34) Porém, ao dispensar a produção de prova testemunhal o Tribunal a quo violou, o princípio do contraditório previsto nos preceitos aplicáveis dos artigos 3.º do CPC e 2.° do CPPT e, por outro, o disposto dos preceitos ínsitos nos artigos 114.°, 115.° e 118.° do CPPT, aplicáveis por via do 211.º n.º 1 do mesmo diploma legal;
35) Entendeu ser desnecessário proceder à inquirição das testemunhas arroladas, cuja realização dispensou, apoiando-se nos artigos 2.° do CPPT, 137.° CPC e 8.° n.º 2 do CPTA;
36) Certo que as diligências de prova a ordenar são apenas aquelas que o juiz tiver por necessárias, em seu livre juízo de apreciação, o que faz sentido, pois que pertence também a esse domínio a pertinência e a necessidade ou não da realização dessa mesma prova;
37) Tudo isto, obviamente, sem comprometimento da possibilidade de sindicância, por meio de recurso, tal como aqui agora acontece, desse livre juízo acerca da necessidade da inquirição, nos temos do 285.° n.º 1 do CPPT;
38) Como refere Jorge Lopes de Sousa, de facto "ao juiz de poderes para dirigir o processo e do princípio da investigação ou do inquisitório, que consiste na atribuição do poder de ordenar as diligências que entender necessárias para a descoberta da verdade" - cfr. Jorge Lopes de Sousa, in CPPT, anotado e comentado, 5.ª edição, anotação 4.ª ao artigo 114.º;
39) Porém o exercício desse poder, além de atender aos critérios gerais de ponderação da necessidade ou utilidade das diligências requeridas, tem de ter em conta que são admissíveis os meios gerais de prova (artigo 115.° do CPPT) e que sobre os contribuintes recai o ónus de prova dos factos constitutivos dos direitos que invocam (artigo 74.°, n.º 1 da LGT), sob pena de revestir uma dimensão violentadora do princípio do contraditório e das garantias do direito a uma tutela jurisdicional efectiva;
40) Assim, só existindo prova documental acarretada pela Fazenda Pública, e estando em causa a prova de um ónus legal, ainda por cima, negativo, a inquirição das testemunhas não pode ser prescindida, pois é contributo relevante e essencial para a descoberta da verdade quanto à matéria alegada;
41) Sendo que aliás que esse é o único meio de prova da Oponente, que tem de rebater uma presunção de difícil ilição e que como indicia a Meritíssima Sra. Juíza do Tribunal de instância inferior "extrai-se fraca credibilidade", pelo que existindo alguma credibilidade, e portanto dúvida, ela poderia ser dissipada com recurso à prova testemunhal;
42) Pelo que, deve ser revogada a sentença, ordenando-se a inquirição das testemunhas arroladas pela Oponente;
43) Sem prescindir, aliás, sempre se dirá, que tendo o Tribunal a quo tendo dúvida acerca dos factos enunciados, bem como na formação da sua convicção, não deveria ter dado como provado a falta de prova quanto à culpa, mas sim tê-la valorado favoravelmente ao contribuinte Oponente;
44) Ainda assim, não havendo certeza quanto à culpa - alegadamente por a oponente não ter provado a falta de culpa - não pode o tribunal demitir-se de obter os elementos necessários para cabal esclarecimento - designadamente admitindo a inquirição das testemunhas indicadas, solicitar documentos contabilísticos ou outros com interesse para a causa -, pois que o princípio do inquisitório a isso o obriga, artigos 265.°n.° 3 e 535.° n.º 1 do CPC ex vi do 2.° do CPPT;
45) Porém não o fez;
46) Em nosso entender, a Oponente careou para os autos factos suficientes e susceptíveis de infirmar a sua culpa.
47) Assim, apodíctico é que sentença recorrida violou, entre outros, os seguintes preceitos legais: artigos 114.°, 115.°, 123.° do CPPT, 265.° do CPC (ex vi 2.° do CPPT), que acarreta uma nulidade ao abrigo dos artigos 125.° n.º 1, por falta de pronúncia quanto à caducidade, bem como na violou dos princípios gerais processuais, porquanto em virtude dos factos provados, não podia ter decidido como decidiu, acrescendo que preteriu a realização de prova requerida pela Oponente, por manifesta inutilidade, quanto tinha dúvida quanto à culpa ou ausência dela (ou não estava suficientemente convicta da mesma), no tocante ao facto de a empresa devedora principal não ter bens para satisfazer as suas dívidas;
48) Assim, dever-se-á proceder-se à inquirição das testemunhas indicadas, a fim da parte puder exercer o seu direito de contraditório, provando que os factos alegados por si correspondem à verdade, logo, não existe culpa, pelo que não lhe podem ser imputadas as dívidas da FICT Unipessoal, Lda.
Termos em que Vossas Excelências, suprindo e decidindo, farão inteira justiça!!!”
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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se, a fls. 174 a 181 do processo físico, no sentido de dever ser dado provimento ao recurso, anulando-se a sentença recorrida e determinando-se a remessa dos autos ao TAF de Braga, a fim de ser completada a instrução nos termos supra referidos e, após, ser proferida nova decisão.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa analisar se a sentença recorrida incorreu em nulidade, por omissão de pronúncia, e em erro de julgamento, por não ter determinado a convolação dos autos em face da verificação de erro na forma do processo e por considerar que a factualidade invocada era insuficiente, preterindo a realização da prova testemunhal requerida, por manifesta inutilidade, quando residiam dúvidas quanto à culpa, ou seja, para averiguar se a Oponente se desincumbiu do ónus probatório em termos bastantes para afastar a sua responsabilidade subsidiária pelas dívidas exequendas. Por último, haverá, ainda, que apreciar a prescrição das dívidas exequendas.
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III. Fundamentação
1. Matéria de facto
Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Com interesse para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
A) A FP instaurou contra a sociedade “FICT Unipessoal, Lda.”, titular do NIPC 5…20, execução fiscal que tomou o n.º 4200200501021273 e apensos, [para cobrança coerciva do montante global de €1.122,30], referente a dívidas de IVA dos meses de Agosto a Dezembro de 2005 e IRS (retenções na fonte) dos anos de 2002, 2003, 2004 e 2005, no montante global de €55.219,45;
B) Por despacho emitido pelo Chefe do SF foi ordenada a reversão da execução identificada em A. contra a aqui oponente;
C) Através do ofício n.º 602 de 25.03.2011, foi a Oponente notificada nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 23.º, n.º 4 e 60.º da LGT, para, querendo, exercer o direito de audição prévia, direito esse que não exerceu;
D) Em 29.04.2011, foi a Oponente citada pessoalmente, tendo no entanto, a citação sido efectuada em pessoa diversa do citando;
E) A presente Oposição foi remetida em 06.06.2011, via correio registado, tendo a mesma dado entrada no Serviço de Finanças de Vizela em 07.06.2011.
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Factos não provados
Os demais artigos constituem meras asserções e considerações pessoais do Oponente ou conclusões de facto e/ou direito.
Alicerçou-se a convicção do Tribunal no teor dos documentos juntos aos autos.”
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2. O Direito
Começamos por nos debruçar sobre a imputação de nulidade à sentença recorrida, por omissão de pronúncia, por o Tribunal “a quo” não se ter pronunciado acerca da questão da caducidade do direito de liquidar.
A sentença/decisão pode padecer de vícios de duas ordens:
Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e, então, a consequência é a sua revogação;
Por outro lado, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artigo 615.º, do Código de Processo Civil (CPC), na redacção da Lei n.º 41/2013, de 26/6, correspondente ao anterior artigo 668.º do CPC.
No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia ou a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125.º, n.º 1, do CPPT, no penúltimo segmento da norma.
A nulidade por omissão/excesso de pronúncia traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artigo 660.º, n.º 2 do CPC (actual artigo 608.º, n.º 2), que impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; e, por outro lado, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente.
Lembramos que ocorre nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do tribunal sobre questões a que esteja obrigado a pronunciar-se.
Nesta matéria, a jurisprudência tem reiteradamente afirmado que “só pode ocorrer omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio” (cfr. Acórdão do STA, de 19/09/2012, processo n.º 0862/12).
Por conseguinte, só há omissão de pronúncia “quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões” (cfr. Acórdão do STA, de 28/05/2014, processo n.º 0514/14).
Não residem dúvidas que a Recorrente, na sua oposição, somente invocou a nulidade da citação e a sua ilegitimidade, por ausência de culpa na insuficiência do património social da executada.
A este propósito, percorrendo a sentença recorrida, verificamos que o Tribunal “a quo” se pronunciou expressamente sobre estas duas questões.
Nesta conformidade, o tribunal recorrido apreciou todas as questões colocadas. Contudo, na sentença recorrida, quando se procede ao elenco das questões a resolver, surpreende a seguinte afirmação: “cumpre decidir se foi por culpa do Oponente que o património da devedora originária se tornou insuficiente para a satisfação das dívidas exequendas, bem como se a liquidação foi notificada dentro do prazo de caducidade.”
É nossa convicção tratar-se de um lapso de escrita, tanto mais que a decisão recorrida enferma de outros erros - não tendo chegado a elencar a questão relativa à nulidade da citação, mas concluiu verificar-se erro na forma do processo, abstendo-se de apreciar o mérito da mesma. Salientamos que no relatório da sentença existe uma menção incorrecta à devedora originária, que, manifestamente, não se trata da “GP&A, Lda.”, bem como a uma suposta dívida de IVA referente a 2004, quando a execução fiscal se reporta a dívidas de IVA dos meses de Agosto a Dezembro de 2005 e a IRS dos anos de 2002 a 2005, no montante global de €55.219,45. Tudo indica que na sentença foram utilizados recursos informáticos constantes de outra decisão e que aqui se mantiveram sem que se tenham efectuado todas as necessárias adaptações ao caso concreto. Somente assim se explica a referência ao facto de vários clientes não pagarem, tendo sido instauradas várias acções judiciais contra os mesmos como tendo sido alegado pela Oponente, quando tal invocação não consta da petição de oposição.
Por todos estes detalhes, existem fortes indícios de a sentença recorrida ter incorrido em lapso ostensivo na identificação das questões a resolver.
Reiteramos que a apontada nulidade por omissão de pronúncia só ocorre nos casos em que o Tribunal, pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão sobre a qual devesse tomar posição. In casu, a questão da caducidade não foi suscitada pelas partes.
Ora, como se disse, a nulidade por omissão de pronúncia ocorre apenas quando se verifica violação do dever processual que o tribunal tem em relação às partes, de se pronunciar sobre todas as questões por elas suscitadas.
Todavia, embora o tribunal tenha também o dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso não suscitadas pelas partes (parte final do n.º 2 do artigo 660.° do CPC), a omissão de tal dever não constituirá nulidade, mas sim erro de julgamento – cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 12/01/2010, proferido no âmbito do processo n.º 3583/09.
Nestes casos, a omissão de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso significará que o tribunal entendeu, implicitamente, que a solução das mesmas não é relevante para a apreciação da causa ou a mesma não procedia.
Ora, se esta posição for errada haverá um erro de julgamento e, se o não for, não haverá erro de julgamento, nem se justificaria, naturalmente, que fosse declarada a existência de uma nulidade para o tribunal ser obrigado a tomar posição explícita sobre uma questão irrelevante para a decisão.
Na esteira, ainda, de Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 2006, e do Acórdão do STA de 28/05/2003, proferido no recurso n.º 1757/02, nem seria razoável que se impusesse ao tribunal a tarefa inútil de apreciar explicitamente cada uma das questões legalmente qualificadas como de conhecimento oficioso sobre as quais não se suscita controvérsia e que não se afiguram como controvertíveis no caso concreto, o que ressalta, desde logo, da dimensão da lista de excepções dilatórias do conhecimento oficioso (artigos 494.° e 495.° do CPC), e da apreciável quantidade de vícios geradores de nulidade contida no artigo 133.° do CPA.
Embora não se possa dizer que ocorre a invocada nulidade da sentença, é importante ficar claro que a caducidade do direito à liquidação/saber se a liquidação foi notificada dentro do prazo de caducidade não é de conhecimento oficioso – cfr., neste sentido, os Acórdãos do STA, de 14/09/2011 e de 26/09/2012, proferidos no âmbito dos processos n.º 0559/11 e n.º 0251/12, respectivamente, e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 24/09/2015, proferido no âmbito do processo n.º 08523/15.
Na medida em que a lei não permite conhecer oficiosamente esta questão, abster-nos-emos de o efectuar.
A Recorrente suscita, ainda, a questão da prescrição da dívida exequenda respeitante a IRS, de 2002, uma vez que a sua citação para a reversão foi efectuada já depois de a dívida ter prescrito em 31/12/2010.
Ora, como é sabido, os recursos jurisdicionais, salvo o dever de conhecimento oficioso, que é o caso, visam apenas o reexame da decisão recorrida com vista à sua eventual anulação ou revogação. Vide, neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 01/06/2005, proferido no âmbito do processo n.º 28/05.
Na verdade, a prescrição é do conhecimento oficioso – artigo 175.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário - pelo que pode ser conhecida por este Tribunal de recurso, apesar de não ter sido arguida perante o Tribunal recorrido na oposição deduzida contra a execução fiscal, que sobre ela não se pronunciou.
No entanto, o dever de conhecimento oficioso desta questão em fase de recurso pelo Tribunal ad quem pressupõe que existam nos autos os elementos necessários ao seu julgamento (neste sentido, cfr. António Santos Abrantes Geraldes in «Recursos em Processo Civil - Novo Regime», segunda edição, rev. e act., página 26).
Diga-se, desde já, que junto aos autos apenas existe uma cópia do processo de execução fiscal e apensos, encontrando-se o respectivo original no serviço de finanças competente. Por um lado, não se vislumbra a data em que se terá procedido à citação da responsável originária. Por outro lado, desconhece-se a existência de outros factos interruptivos, além da citação do responsável subsidiário (relevante no regime previsto na LGT a partir de Julho de 1999), ou seja, não existe qualquer informação nos autos quanto ao facto de estar, eventualmente, a ser discutida a legalidade das dívidas, seja em meios graciosos, seja judiciais, maxime por via de impugnação judicial. Desconhece-se, igualmente, se existe algum processo de regularização tributária ou causas suspensivas da prescrição.
Manifestamente, este tribunal não se encontra em condições plenas e com informação integral para decidir com a segurança e certezas exigíveis a verificação de eventual prescrição de parte das dívidas, conforme solicitado.
De todo o modo, a Recorrente não fica desacautelada quanto a esta questão, dado que pode sempre suscitá-la junto do órgão de execução fiscal, nos termos do artigo 175.º do CPPT, e, em caso de indeferimento, poderá então recorrer judicialmente.
No que tange à primeira questão que o tribunal recorrido apreciou – nulidade da citação – foi julgado não constituir fundamento de oposição, por a sua procedência não dar lugar à extinção da execução, mas sim à anulação dos actos subsequentes do processo. Acrescentou-se que a nulidade da citação deveria ter sido arguida na própria execução fiscal, mediante requerimento dirigido ao órgão de execução fiscal, tendo em vista a sua sanação e prosseguimento do processo. Assim, relativamente a este fundamento, concluiu verificar-se erro na forma do processo, abstendo-se de apreciar o mérito do mesmo. Referiu-se, ainda, que, como foram invocados outros fundamentos, que são fundamentos de oposição, o processo de oposição terá de prosseguir, ficando sem efeito o pedido não previsto no artigo 204.º do CPPT, tornando-se desnecessária apreciar a eventual correcção do erro na forma do processo nos termos do artigo 97.º, n.º 3 da LGT e 98.º, n.º 4 do CPPT, a qual só é possível quando todo o processo passe a seguir a tramitação adequada.
A Recorrente insiste que teria de respeitar-se o disposto no artigo 98.º, n.º 4 do CPPT, ordenando-se a sua convolação na forma do processo adequado na respectiva parte, desde que a petição fosse tempestiva, usufruindo do prazo dessa (alertando tratar-se de nulidade secundária enquadrável no artigo 198.º do CPC, que tem de ser arguida pelo interessado no prazo para a dedução de oposição – cfr. o seu n.º 2).
Ora, das duas questões suscitadas na petição de oposição, elencadas supra, somente o invocado fundamento de ilegitimidade, por ausência de responsabilidade na insuficiência do património social da executada, é facto jurídico compatível com dedução de oposição à execução fiscal.
A oposição, que tem a natureza de uma contestação, visa, em regra, a extinção da execução fiscal, enquanto a nulidade da citação apenas pode determinar a repetição do acto com suprimento das irregularidades que determinaram a anulação e a repetição dos actos subsequentes que, porque dependentes da citação anulada, tenham sido também anulados (cfr. artigo 165.º/2 do CPPT).
Assim, porque a nulidade da citação não tem como efeito a extinção da execução fiscal não pode ser erigida, em circunstância alguma, como fundamento de oposição à execução fiscal.
Há apenas uma situação excepcional em que se admite o conhecimento da nulidade ou falta de citação em processo de oposição, que é quando tal conhecimento seja necessário para analisar qualquer questão que deva ser apreciada na oposição. Isto é, será possível o conhecimento incidental da nulidade quando a questão da sua existência seja uma questão prévia relativamente a qualquer questão incluída no âmbito da oposição - cfr. acórdão do STA, de 07/12/2011, Processo n.º 0172/11 e acórdão do TCAN, de 29/01/2015, proferido no âmbito do processo n.º 00307/13.7BECBR.
O que, manifestamente, não é o caso dos autos.
Por conseguinte, decidindo que a nulidade/irregularidade da citação não constitui fundamento de oposição, antes deve ser arguida perante o órgão da execução fiscal, com eventual reclamação da decisão para o tribunal, nenhuma censura nos merece a sentença recorrida.
Lembramos, ainda, que, deduzido em processo de oposição pedido próprio desse mesmo processo, aliado a arguição de fundamentos, uns próprios de oposição, e outros de meio processual diverso, está o juiz impedido de ordenar a convolação no meio adequado para conhecimento dos fundamentos próprios desse processo, uma vez que lhe incumbe conhecer do pedido e dos fundamentos próprios do processo de oposição – cfr. Acórdão do STA, de 25/11/2015, proferido no âmbito do processo n.º 0944/15.
É de elementar razoabilidade a conclusão de que o processo não se pode cindir e, por isso, não é possível os autos seguirem o meio processual adequado na respectiva parte, conforme peticionado neste recurso.
Por último, resta apreciar o julgamento que foi realizado no tribunal “a quo” com respeito à responsabilidade da Recorrente na insuficiência do património da sociedade originária e na falta de pagamento das dívidas tributárias.
Imputa a Recorrente à sentença recorrida défice instrutório, por preterição da prova testemunhal e erro de julgamento.
Na verdade, por despacho proferido em 22/06/2017, a Meritíssima Juíza “a quo” entendeu dispensar a produção da prova testemunhal, invocando, para tanto, a sua desnecessidade – cfr. fls. 72 do processo físico.
Efectivamente, só em face da concreta factualidade alegada pelas partes (não perdendo de vista as várias soluções plausíveis de direito), o julgador poderá tomar posição quanto à necessidade ou conveniência da produção dos meios de prova oferecidos pelos intervenientes processuais.
Ora, no que toca ao conhecimento/apuramento dos factos relevantes, importa não perder de vista o que preceitua o artigo 13.º do CPPT: que incumbe aos juízes dos tribunais tributários realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhe seja lícito conhecer. Por outro lado, de harmonia com o artigo 114.º do mesmo diploma, não conhecendo logo do pedido, o juiz ordena as diligências de prova necessárias. Destes preceitos decorre que o dever de realizar e ordenar as correspondentes diligências se deve limitar àquelas que o tribunal considere, no seu livre juízo de apreciação, como úteis ao apuramento da verdade. Contudo, não se deverá perder de vista que a descoberta da verdade material deve ser conjugada com os princípios da eficácia e racionalidade do processo tributário.
Assim, no processo tributário, e com base no princípio do inquisitório, temos que ao juiz é atribuído o poder de ordenar as diligências de prova consideradas necessárias para a descoberta da verdade, o que sempre deverá ocorrer quando, perante uma questão que não é apenas de direito, o processo não fornecer os elementos necessários para decidir as questões de facto suscitadas. Nesta conformidade, só haverá défice instrutório, se as partes tiverem invocado factos relevantes para o exame e decisão da causa, que devam considerar-se controvertidos ou necessitados de prova – cfr. artigos 265.º, n.º 3 e 513.º do CPC, bem como os actuais artigos 5.º, 410.º e 411.º do CPC.
Vejamos a invocação da Recorrente ínsita na sua petição inicial:
Começa por contextualizar a actividade da empresa devedora originária, tendo em vista demonstrar os factos que impossibilitaram o cumprimento das obrigações fiscais em apreço.
Existe referência ao empenho da gerente, aqui Recorrente, no processo de modernização dos meios de produção da sociedade executada, com o objectivo de tornar a empresa competitiva no mercado e prepará-la para a liberalização do comércio mundial e para a invasão dos têxteis chineses que se adivinhava.
De seguida, é descrita a influência externa no negócio e como vê o seu volume de encomendas interrompido, determinando que a empresa passasse a trabalhar apenas a 20% da sua capacidade, passando a haver trabalhadores desocupados.
Até ao momento em que decidiu suspender a sua actividade, em finais de 2005, invocou a Recorrente ter-se visto impedida de cumprir as obrigações que havia assumido, passando a enumerar as medidas que tomou no sentido de diminuir as despesas correntes: redução do número de trabalhadores ao seu serviço, negociação do pagamento a fornecedores habituais a prazos mais longos, acordos pontuais de pagamento de dívidas já existentes em prestações suaves. Mas, de imediato, refere que estas medidas não foram suficientes, tendo tomado a decisão de parar a laboração, após o recurso a meios próprios da gerente para pagar salários aos trabalhadores.
Invocou, também, que para fazer face à concorrência e para evitar a paralisação imediata da empresa e o despedimento dos cerca de 80 trabalhadores, a empresa foi obrigada a facturar abaixo do custo de produção, em alguns casos cerca de 30% a 40%.
No artigo 33.º da petição inicial foi alegado que a FICT, Lda., pese embora as suas dificuldades financeiras, no que diz respeito aos trabalhadores, os salários, e subsídios legais, sempre foram pagos.
Concluiu que a situação presente é fruto da evolução do mercado, da evolução e das características da empresa, da redução gradual das encomendas, da facturação abaixo dos custos de fabrico e das demais vicissitudes elencadas. Destarte, não era exigível à revertida enquanto sócia e gerente da devedora originária que dispusesse de meios financeiros para pagar dívida às finanças sobretudo quando se viu obrigada a facturar abaixo dos custos de produção para evitar o encerramento imediato da empresa e o despedimento de mais de 80 trabalhadores – cfr. artigos 34.º e 35.º da petição de oposição.
O enquadramento jurídico que foi efectuado na sentença recorrida mostra-se adequado, não sendo controvertida a aplicabilidade do disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT. Contudo, a Recorrente insurge-se contra o teor da sentença recorrida por afirmar que do alegado pela oponente se extrai fraca credibilidade, por pouco ou nada referir em termos de factos concretos, limitando-se a alegar genericamente que nada mais podia fazer do que fez, atribuindo a responsabilidade à crise económica generalizada, concluindo, por isso, que a oponente não logrou demonstrar que não teve culpa pela insuficiência patrimonial aludida, nem sequer tendo provado que haja desenvolvido esforços e empregue o melhor do seu saber para acautelar o pagamento das dívidas em apreço.
Portanto, à reversão em causa aplica-se o artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT, por o prazo legal de pagamento ou entrega das dívidas tributárias ter ocorrido no período do exercício do cargo de gerente pela oponente e ora Recorrente. E, assim, a gerente, é responsável pelo seu pagamento, salvo se provar que a falta de pagamento lhe não foi imputável. Neste caso, existe uma presunção legal de culpa, recaindo sobre o administrador ou gerente o ónus da prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento ou de entrega da prestação tributária.
Tratando-se de dívidas enquadradas no âmbito dessa alínea b), impõe-se esclarecer que o facto ilícito susceptível de fazer incorrer o gestor em responsabilidade não se consubstancia apenas na falta de pagamento da obrigação tributária, mas também numa actuação conducente à insuficiência do património da sociedade, pois que, sendo o propósito da norma inverter o ónus da prova de que foi por acto culposo do gestor que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida, naturalmente que para provar que não lhe pode ser imputada a falta de pagamento deve exigir-se que se prove que não foi por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente.
Ora, incumbindo à oponente demonstrar que a falta de pagamento das dívidas tributárias vencidas durante a sua gerência não lhe pode ser imputada, porque a inexistência ou insuficiência de bens na empresa que geriu não é da sua responsabilidade, a verdade é que não alegou factos simples, concretos de que assim foi, nem susceptíveis de prova capaz de ilidir tal presunção de culpa.
Na alínea b) do referido artigo 24.º, ao responsabilizar-se os gestores que «não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento», estabelece-se uma presunção legal de culpa, no pressuposto de que, tendo o prazo legal de pagamento terminado no período da sua gestão, não podem desconhecer a existência da dívida, e por conseguinte, ao colocarem a empresa numa situação de insuficiência patrimonial, indiciam uma conduta dolosa que é especialmente grave para os interesses do Estado Fiscal, e por isso, só lhes resta provar que não foi por culpa sua que a empresa caiu em tal situação.
O acto ilícito culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido. O que se presume é que o gestor não actuou com a diligência de um bonus pater familiae, com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial ao do artigo 64.º do Código das Sociedades Comerciais, que lhe impõe a observância de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios, que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade – cfr., entre muitos, o Acórdão deste TCAN, de 23/11/11, proferido no âmbito do processo n.º 00972/09.0 BEVIS.
Apesar da dificuldade que existe na prova de um facto negativo, como é o caso da ausência de culpa, a oponente não podia deixar de alegar e provar factos concretos de onde se possa inferir que a insuficiência patrimonial da empresa se deveu a circunstâncias que lhe são alheias e que não lhe podem ser imputadas. Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem pois que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável.
Ora, o que resulta da alegação constante da petição de oposição, além das circunstâncias genéricas do mercado internacional e das suas repercussões na sociedade executada, é que a gerente protelou o encerramento da empresa, dando prioridade ao pagamento de salários, tentando evitar o despedimento dos trabalhadores, em detrimento do pagamento das dívidas fiscais.
Ora, se assim foi, o problema não reside na prova (que foi dispensada), mas antes na alegação, que não se apresenta de molde a permitir a ilisão da referida presunção legal de culpa.
Realmente, o normativo que subjaz à nossa análise faz recair sobre o gestor o ónus da prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento ou de entrega da prestação tributária, pois tal imputabilidade presume-se. Note-se que, embora esta alínea b) se refira meramente a imputação, e não a culpa, a jurisprudência tem vindo a interpretá-la no sentido de que é sempre exigível a culpa do gestor, entendida esta como a inobservância ou violação de uma regra de conduta previamente estabelecida.
Assim, demonstrada que seja a falta de pagamento ou de entrega da dívida tributária por parte da sociedade originária devedora, recairá sobre o gestor o ónus da prova da falta de culpa por tal facto, sendo certo que a lei impõe a quem exerça funções de administração em pessoas colectivas ou entes fiscalmente equiparados «o cumprimento dos deveres tributários das entidades por si representadas» (artigo 32.º da LGT).
Conforme consta do probatório, estão em causa dívidas de IVA dos meses de Agosto a Dezembro de 2005 e retenções na fonte de IRS dos anos de 2002 a 2005.
No caso especial do IVA, bem como nos impostos retidos na fonte, a falta da sua entrega ganha particular gravidade, na medida em que se trata de impostos que traduzem um fluxo monetário na empresa que, ao não serem entregues nos cofres do Estado, estão a ser «desviados» do seu destino legal único, em proveito de «objectivos» alheios à sua finalidade.
Quando o gestor procede ao «desvio» da destinação das verbas recebidas (estamos a falar do IVA) não pode, assim, deixar de indiciar um comportamento censurável. E quanto mais censurável é o comportamento indiciado, mais esforço se exige na demonstração de factos positivos bastantes que contrariem aqueles indícios, sob pena de não afastar a presunção de culpa que a lei lhe atribui.
Como escreve Saldanha Sanches, «(…) No caso do IVA, a existência desse fluxo financeiro cria um forte indício de comportamento censurável que só em casos muito particulares pode ser objecto de uma demonstração de ausência de culpa por parte dos particulares. É uma demonstração difícil, mas não impossível, uma vez que a empresa não é o fiel depositário da quantia cobrada. Embora tenha o dever de entregar as quantias cobradas na aplicação do IVA no prazo previsto pela lei, a empresa pode considerá-las como uma receita normal, cabendo-lhe a devida diligência para que o pagamento seja feito. Pode haver justificação, pela verificação de um facto imprevisto e razoavelmente imprevisível, para que a entrega se não tenha verificado» (cfr. Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 3ª edição, pp. 274).
Dir-se-á que, protelando-se por tantos anos a alegada situação deficitária da sociedade, impunha-se que a Oponente requeresse a insolvência; ao não o fazer, esta circunstância, de per si, integra a noção de culpa grave nos termos do artigo 186.º, n.º 3, alínea a) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a que corresponde uma presunção juris tantum.
Face à matéria de facto que foi alegada pela Oponente, apenas poderíamos concluir, quando muito, que a Oponente não tem culpa pela actual situação de insuficiência patrimonial da empresa para responder pelas dívidas exequendas; mas já nada nos permite concluir no sentido de que a Oponente não tenha culpa pela não entrega em tempo oportuno do IVA. Ou seja, se a prova tivesse sido produzida, como pretende a Recorrente, quando muito apenas poderia servir para demonstração da falta de culpa na diminuição do património e já não para demonstração da falta de culpa pelo não pagamento do IVA.
Ora, da alegação que reproduzimos, a Recorrente não menciona que não tivesse recebido o IVA liquidado nas facturas, fazendo crer que os meios financeiros que teria os terá canalizado para pagamentos aos seus trabalhadores, logo, essa falta de meios terá sido devida a actuação ou omissão imputável à Oponente, conforme decorre da sua alegação.
Note-se que, embora o não recebimento do IVA dos clientes não justifique que o mesmo não haja de ser entregue ao Estado (ao sujeito passivo de IVA compete, em conformidade com o Código daquele imposto, entregar o IVA resultante da diferença entre o imposto liquidado e o imposto dedutível, independentemente de o ter recebido ou não do cliente), é facto que pode e deve ser ponderado na avaliação da culpa do gerente pela falta de entrega do imposto ao Estado, designadamente se puder estabelecer-se uma conexão entre a falta de fundos da empresa e o não recebimento dos clientes. O que significa que, em princípio, o montante correspondente ao imposto a entregar ao Estado terá entrado na sociedade. E, se assim foi, por certo apenas circunstâncias muito excepcionais poderiam justificar por que a sociedade não efectuou a entrega desse montante ao Estado e, assim, permitir que a Oponente, como gerente da sociedade, afastasse a presunção de culpa por essa falta de entrega.
Mas, ainda que a sociedade originária devedora não tenha recebido dos seus clientes o IVA que havia de entregar ao Estado, o que não se mostra invocado pela Recorrente, tal não determinaria, por si só, o afastamento da culpa da Oponente pela falta de entrega do imposto. Para tanto, sempre haveria que provar-se factualidade que permitisse a conclusão de que a sociedade não tinha os fundos necessários à entrega do imposto e que a Oponente nenhuma responsabilidade tinha nessa situação – cfr., neste mesmo sentido, o Acórdão do TCAN, de 29/10/2009, proferido no âmbito do processo n.º 00228/07.2BEBRG.
Atendendo ao mecanismo a que obedece este imposto - uma vez que o IVA arrecadado e entregue por terceiros não é receita própria da sociedade, havendo a obrigação de ser entregue ao Estado, não se vislumbra como pudesse a gerente, ora Recorrente, ilidir a presunção de culpa e demonstrar não lhe ser imputável a falta de pagamento do imposto somente com fundamento na profunda crise no sector têxtil e na modificação das condições do mercado em que a sociedade actuava. Trata-se de facturas emitidas, em que foi liquidado o IVA, entregue por terceiros; logo, estas quantias referentes a IVA tinham que existir disponíveis na sociedade.
Concluímos, pois, que não há nos autos alegação alguma no sentido de que a falta de pagamento das dívidas de IVA e retenções na fonte de IRS ora em cobrança coerciva não seja imputável à Oponente; consequentemente, não poderá ser provado, pois, mesmo o princípio do inquisitório, tem na sua base sempre factos invocados pelas partes. Assim, não se verifica o invocado défice instrutório, mas antes uma omissão de invocação de factualidade concreta (simples) e consequente falha de produção de prova por parte de quem tinha esse ónus, a Recorrente.
Neste domínio, cabe ter presente que a culpa traduz-se na falta do cumprimento diligente das obrigações a que a ora Recorrente estava adstrita por força das suas funções de gerente da devedora originária, sendo que se a executada foi objecto de penhora de bens pela Administração Tributária, foi exactamente porque as obrigações em relação ao fisco não foram cumpridas atempadamente, além de que se os bens da devedora originária são entretanto insuficientes para o pagamento das respectivas dívidas é porque o seu património foi dissipado em prejuízo dos credores.
Sendo assim, como é, estando demonstrado que a situação de insuficiência patrimonial foi antecedida do incumprimento de obrigação em relação ao fisco, afirma-se o apontado nexo de causalidade entre a actuação negligente do gerente e a insuficiência do património social, de modo que, tem de acompanhar-se a decisão recorrida quando conclui estar demonstrada a culpa da ora Recorrente na insuficiência do património da executada originária para a satisfação das dívidas tributárias revertidas, sendo que, por outro lado, na presente oposição, a oponente não conseguiu pôr em causa tal presunção, pelo que improcede a alegação da ilegitimidade da Recorrente para a execução fiscal.
Nada se demonstrando no sentido de afastar a culpa da Oponente pela não entrega dos impostos, deve ela responder pelas dívidas ao abrigo da alínea b) do artigo 24.º, n.º 1, da LGT.
Daí que, na improcedência das conclusões da alegação da Recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.
*
Conclusões/Sumário
I - A nulidade da citação, porque não determina a extinção da execução fiscal, mas apenas a repetição do acto com cumprimento das formalidades omitidas, não constitui fundamento de oposição à execução fiscal, antes devendo ser arguida em primeira linha perante o órgão da execução fiscal, com possibilidade de reclamação judicial de eventual decisão desfavorável.
II - Embora não constitua fundamento de oposição (artigo 204.º do CPPT), nada obsta a que se possa conhecer da falta ou da nulidade da citação no processo de oposição à execução fiscal se tal conhecimento for necessário para apreciar qualquer questão que deva ser apreciada na oposição.
III - Deduzido em processo de oposição pedido próprio desse mesmo processo, aliado a arguição de fundamentos, uns próprios de oposição, e outros de meio processual diverso, está o juiz impedido de ordenar a convolação no meio adequado para conhecimento dos fundamentos próprios desse processo, uma vez que lhe incumbe conhecer do pedido e dos fundamentos próprios do processo de oposição.
IV - No domínio da vigência da LGT, para afastar a responsabilidade subsidiária pelas dívidas de impostos cujo termo do prazo para pagamento ou entrega terminou durante o período da sua administração, é necessária a demonstração de que não é imputável aos gerentes ou administradores das sociedades a falta de pagamento ou de entrega do imposto (artigo 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT).
V - Assim, sendo as dívidas provenientes de IVA, ao gerente que exercia funções na data em que deveria ter sido entregue o imposto não basta, em sede de oposição à execução fiscal, alegar que a empresa atravessava dificuldades económicas provocadas por motivos exógenos, que ele se esforçou por ultrapassar, e que foi um gestor diligente.
VI - Haverá, isso sim, que demonstrar que a falta desse pagamento não lhe foi imputável, o que passa pela demonstração da falta de fundos da sociedade originária devedora para efectuar o pagamento e que tal falta se não deve a qualquer omissão ou comportamento censuráveis do gestor.
VII - A dúvida relativamente à verificação da culpa dos gestores, pela falta de pagamento dos impostos cujo pagamento ou entrega devesse ter sido feito durante o período em que exerceram funções de gestão, sempre terá de ser valorada contra o oponente.
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IV. Decisão
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, negar provimento ao recurso.
Custas a cargo da Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.
Porto, 13 de Dezembro de 2018.
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Pedro Vergueiro