Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00145/18.0BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/31/2019
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:IMPROCEDÊNCIA DA EXCEPÇÃO DE ILEGITIMIDADE PASSIVA; SUBIDA A FINAL; INUTILIDADE DO RECURSO; ALÍNEA H), DO N.º 2, DO ARTIGO 644.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
Sumário:Da decisão de improcedência da excepção da ilegitimidade passiva, não cabe apelação autónoma, nos termos da alínea h), do n.º 2, do artigo 644.º do Código de Processo Civil, mas apenas recurso a subir com o recurso da decisão final, pois a subida a final neste caso não torna absolutamente inútil a impugnação.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Infraestruturas de Portugal, S.A.
Recorrido 1:A.M.B.P.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Outros despachos
Decisão:Não admitir o recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

Infraestruturas de Portugal, S.A. veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL do despacho saneador do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, de 27.03.2019, pelo qual foi julgada improcedente a excepção dilatória da ilegitimidade passiva da Recorrente, na presente acção administrativa que A.M.B.P. move, entre outros, contra a Recorrente.

Invocou para tanto, em síntese, que a Recorrente é parte ilegítima na presente acção de responsabilidade civil extracontratual por não ser responsável pela indemnização dos danos que a Autora peticiona, uma vez que a estrada onde ocorreu o acidente é municipal e não nacional.

A Autora suscitou a questão da inadmissibilidade do recurso e pugnou pela manutenção da decisão recorrida.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.
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Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1. – A Autora intentou a presente ação no pressuposto de que o local onde ocorreu o acidente é uma estrada municipal.

2. – Contudo, sem qualquer justificação, a Autora indicou a Recorrente como sujeito passivo para a hipótese de se considerar a estrada como nacional.

3. – O Município do M... de C... confessou que a estrada estava sob sua jurisdição.

4. – Por sua vez o IMT (instituto de Mobilidade e Transportes) confirmou a natureza municipal da estrada, o que não foi impugnando pelas partes.

5. – Ou seja, segundo o Município não existia qualquer conflito de jurisdição sobre a via.

6. – Contudo, a co-Ré companhia de F. (seguradora do Município) não aceita que a Rua da Raposeira seja uma via municipal.

7. – Perante a posição da F., o tribunal absteve-se de julgar procedente a ilegitimidade passiva da Recorrente, considerando aquela formalmente legitima para contestar a acção.

8. – Ora, a Autora não demonstrou ter diligenciado pela determinação do titular da jurisdição da via, nem fez prova da existência de indícios de qualquer conflito de jurisdição.

9. – Assim, nos termos conjugados do disposto no artigo 5.º, n.º 1, e artigo 30.º, n.º 3, ab initio, ambos do CPC ex vi artigo 1.º do CPTA, cabia à Autora demonstrar ao tribunal a existência de conflito de jurisdição atenta a fixação legal da jurisdição das vias públicas, pelo que na falta daquela dever-se-á considerar a mesma como injustificada, isto é, julgar-se a Recorrente como parte ilegítima.

10.– Sem prescindir, as partes carrearam para os autos factos suficientes para fundamentar a fixação da jurisdição da via, tal como seja a confissão do Município e a declaração do IMT.

11. – O tribunal deveria, com base no disposto nos artigos 446.º e 574.º ambos do CPC, a que acresce a não integração daquela rua na lista constante no Plano Rodoviário Nacional (DL n.º 222/98 de 17 de julho), ter determinado que a jurisdição da via tem natureza municipal e, em consequência, julgar procedente a ilegitimidade passiva material da Recorrente nos presentes autos.

12. – A Recorrente fez tudo o que tinha a fazer para ser julgada parte ilegítima nos autos, já que a prova da jurisdição das estradas faz-se por via documental, o que foi feita nos autos com a declaração do IMT, a qual não foi impugnada.

13. - Ou seja, a manter-se o despacho/sentença recorrido é inevitável a prática de atos inúteis, amarrando-se injustificadamente a Recorrente aos autos, o que é proibido nos termos do disposto no artigo 130.º do CPC.
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II –Matéria de facto.

Com relevo para a decisão do pleito resulta dos documentos juntos aos autos (SITAF) a seguinte matéria de facto:

1. Com a data de 27.03.2019, foi proferido este despacho, ora recorrido:

“Ilegitimidade passiva
Na sua contestação a ré Infraestruturas de Portugal, S.A., invoca a sua ilegitimidade passiva para estar presente na ação, sustentando a sua posição com o facto de a via em causa ser uma estrada municipal.
Vejamos.
Nos termos do artigo 10.º, n.º 1 do CPTA tem legitimidade passiva quem for parte contrária relativamente ao autor na relação material controvertida ou for titular de interesses contrapostos.
Daqui decorre que a legitimidade processual é aferida pela forma como a autora configura a ação, em função do que é alegado e pedido na p.i. (causa de pedir e pedido).
A legitimidade processual constitui um pressuposto que é aferido em função da situação jurídica tal como apresentada pelo autor na p.i., independentemente do mérito da causa. A legitimidade é, pois, uma questão de posição das partes em relação ao litígio desenhado pelo autor – cfr. João de Castro Mendes – Direito Processual Civil, Vol. II, pág. 153; Alberto dos Reis – Código de Processo Civil Anotado I, pág. 74. Pela legitimidade selecionam-se os sujeitos processuais «admitidos a participar em cada processo levado a Tribunal» - in Acórdão do TCA Norte de 22.02.2013, Proc. 00304/07.1BEPRT.
É importante notar que a legitimidade processual não se confunde com a legitimidade substantiva: aquela respeita à forma como é delimitada a ação; e esta resulta dos factos demonstrados e do direito aplicável para solucionar o litígio. A primeira constitui uma exceção dilatória; a segunda respeita ao próprio mérito da ação.
Olhando para a p.i., não pode afirmar-se que a ré Infraestruturas de Portugal, S.A. careça de legitimidade passiva (formal ou processual), já que no artigo 60º da p.i., a autora invoca que a Rua onde ocorreu o acidente invocado é uma estrada nacional. Embora seja uma invocação a título subsidiário, é inegável que tal invocação existe, resultando daí e da alegação subsequente, que a autora invoca que a referida ré estava obrigada a assegurar a manutenção e conservação da Rua em causa e que por isso está obrigada a indemnizar a autora.
No entanto, a questão suscitada pela ré contende com a legitimidade substantiva: entende a ré que está em causa uma estrada municipal e que por isso é parte estranha ao litígio.
Percebe-se perfeitamente o problema suscitado pela ré na sua contestação: sendo a rua em causa uma estrada municipal, e apesar da alegação formal da autora na p.i., vê-se obrigada a apresentar contestação e a praticar e participar em atos processuais que sabe não revestirem utilidade, com os inerentes custos de gestão, de meios humanos e materiais.
O Tribunal não teria qualquer relutância em aceitar a argumentação da mencionada ré, e até admitir a sua absolvição, se fosse pacífico nos autos que a estrada em causa é municipal.
Mas tal não ocorre nos autos, já que a companhia de seguros, também ré, tal como expressamente demonstra no requerimento de fls. 232 dos autos, expressamente recusa que a Rua em causa seja uma via municipal, o que significa que nos presentes autos constitui matéria controvertida a integração da via em causa na rede viária municipal ou nacional.
E repare-se que esta posição da companhia de seguros foi emitida posteriormente à junção aos autos do ofício do IMT referindo que a estrada em causa é municipal.
No entanto, do requerimento de fls. 232 resulta, de modo implícito que a companhia de seguros F. não aceita tal informação.
Portanto, sendo um aspeto controvertido, o Tribunal não poderá deixar de integrar esta matéria nos temas da prova, sujeitando este aspetos à prova e à subsequente decisão da matéria de facto.
Assim, improcede a presente exceção.”

2. Deste despacho interpôs a Infraestruturas de Portugal, S.A. o presente recurso jurisdicional.

3. Com a data de 21.06.2019, foi emitido o seguinte despacho pelo Tribunal recorrido, a admitir o recurso:

“A fls. 248, a ré IP veio apresentar recurso para o TCA Norte contra a decisão que julgou improcedente a exceção de ilegitimidade passiva invocada na contestação.
A fls. 270, a autora, apresentando contra-alegações, invoca ainda que o recurso não deve ser admitido.
Vejamos.
Nos termos do artigo 142.º do CPTA é admissível recurso, para além das decisões que decidam o mérito da causa (número 1), nas demais situações elencadas no número 3 ou no CPC. Nas demais situações só é admissível recurso no âmbito daquele que venha a ser interporto da decisão final (número 5).
O artigo 644.º, n.º 2 contém as situações em que é admissível recurso de apelação autónomo.
Não há dúvidas que cabe recurso imediato do despacho saneador quando este absolva da instância algum dos réus seja quanto a todos os pedidos seja quanto a qualquer dos pedidos formulados pelo autor (artigo 644.º, n.º 2 do CPC).
No caso em apreço, a situação sob recurso, respeita à improcedência da exceção de ilegitimidade passiva invocada pela ré IP, sustentado a referida ré que cabe recurso autónomo e a autora que não cabe recurso de apelação neste momento, pelo que o mesmo não deve ser admitido.
Analisadas as normas legais referidas supra, afigura que cabe apelação autónoma nos termos do disposto no artigo 644.º, n.º 2, al. h) do CPC que dispões que cabe recurso de apelação “Das decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil”.
Ora, no caso em apreço, no âmbito da decisão final será dirimida a questão relativa à integração ou não da estrada na rede viária municipal/nacional, que contende com o tema da prova n.º 2.
A tese da ré é que a legitimidade processual não deve ser analisada de modo meramente formal, tal como se decidiu no despacho saneador.
Ora, afigura-se que, proferida a decisão final a matéria relativa à legitimidade processual perderá qualquer utilidade que neste momento tem (evitar que a parte tenha que seguir para a audiência final).
Assim, afigura-se que o recurso em causa é de admitir por força do disposto no artigo 644.º, n.º 2, al. h) do CPC, que é o normativo invocado expressamente pela ré IP para fundamentar o recurso entreposto.
Assim, é de admitir o recurso.
A autora discorda ainda do efeito suspensivo solicitado pela ré IP.
Solicita que o efeito do recurso seja meramente devolutivo.
Vejamos então.
É certo que o efeito típico do recurso de apelação previsto no CPC é o efeito meramente devolutivo (artigo 647.º, n.º 1 do CPC). No entanto, o CPTA no artigo 143.º, n.º 1 prevê que nos processos a correr termos nos Tribunais Administrativos, o efeito típico das apelações é o efeito suspensivo.
Assim, o efeito do recurso em causa deve ser suspensivo.

Em conclusão:
Por ser legal e tempestivo admite-se o recurso interposto, a ser processado e julgado como apelação (artigos 141.º, 142.º, n.º 5 e 144.º e 147.º do CPTA e 629.º e 644.º, n.º 2, al. h) do CPC).
Tem subida imediata, em separado, e efeito suspensivo, nos termos do disposto nos artigos 143.º, n.º 1 do CPTA e 645.º, n.º 2 do CPC.
Notifique.
(…)
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III - Enquadramento jurídico.

Determina o artigo 142º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (de 2015):

“1- O recurso das decisões que, em primeiro grau de jurisdição, tenham conhecido do mérito da causa é admitido nos processos de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre, quando a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa.”

Ressalvadas as situações previstas nos nºs 2 e 3 do mesmo artigo, que, no caso concreto, ostensivamente, não se verificam, nas demais situações só é admissível recurso nos termos do nº 5 do aludido artigo, com a seguinte redacção:

“5- As decisões proferidas em despacho interlocutório podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final, excepto nos casos em que é admitida apelação autónoma nos termos da lei processual civil.”

O artigo 644.º do Código de Processo Civil contém as situações em que é admissível recurso de apelação autónoma, sendo a seguinte a sua redacção:

“1- Cabe recurso de apelação:

a) Da decisão, proferida em 1ª instância, que ponha termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente:
b) – Do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos.

2- Cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões de 1ª instância:
a) Da decisão que aprecie o impedimento do juiz;
b) Da decisão que aprecie a competência absolta do tribunal;
c) Da decisão que decrete a suspensão da instância;
d) Do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova;
e) Da decisão que condene em multa ou comine outra sanção processual;
f) Da decisão que ordene o cancelamento de qualquer registo;
g) De decisão proferida depois da decisão final;
h) Das decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil.
i) Nos demais casos especialmente previstos na lei.
3- As restantes decisões proferidas pelo tribunal de 1ª instância podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto das decisões previstas no nº 1.”

Não se verifica aqui nenhuma destas situações.

Em particular não se trata e saneador que tenha absolvido da instância ou do pedido, no todo ou em parte.

Trata-se, pelo contrário, de um saneador em que uma das partes foi julgada legítima, ao contrário do que a própria tinha suscitado.

Invoca o despacho que admitiu este recurso como apelação com efeito suspensivo o “artigo 644.º, n.º 2, al. h) do CPC que dispões que cabe recurso de apelação “Das decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil”.

Mas não se aplica ao caso concreto esta norma.

Em situação semelhante à dos presentes autos, já se pronunciou o acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 15.06.2018, no processo nº 01085/08.7 BRG-S1, com o mesmo Relator, no sentido de que numa situação de decisão de improcedência da excepção da ilegitimidade passiva, como ocorre nos presentes autos, não se está perante uma decisão de absoluta inutilidade da impugnação da decisão interlocutória se a mesma só subir com o recurso da decisão final.

Transcreve-se o excerto relevante do sumário deste acórdão:

“(…)
3- Nos termos dessa disposição da lei processual civil, a possibilidade de interposição de apelação autónoma de decisão interlocutória apenas se justifica quando a subida diferida do recurso importe a absoluta inutilidade de uma decisão favorável que eventualmente venha a ser proferida, impedindo que o recurso produza qualquer reflexo no resultado da ação ou na esfera jurídica do interessado.

4- Ora, estando em causa a absolvição da instância de uma das partes, e cabendo ao tribunal de recurso conhecer prioritariamente das questões processuais, por razões de precedência lógica em relação à matéria de fundo, isso significa que o recorrente sempre poderá obter o efeito útil de absolvição da instância, mesmo que o recurso da decisão intercalar venha ser processado, nos termos gerais, com o que vier a ser interposto da decisão final.

5- Deste modo, o recurso interposto pelo recorrente de decisão meramente intercalar não preenche o requisito mencionado na alínea h) do n.º 2 do artigo 644.º do CPC e não pode ser admitido como apelação autónoma.”

Do texto deste acórdão:

“(…)
Ora a proceder o recurso que versa sobre a questão adjectiva da ilegitimidade passiva não se torna inútil o recurso.

Tornam-se inúteis os actos processuais entretanto praticados, esses sim, com vista ao conhecimento de mérito da acção, dado o seu conhecimento ficar prejudicado pelo conhecimento da excepção de ilegitimidade.

Isto porque o conhecimento das questões adjectivas, como é o caso da ilegitimidade passiva, precede lógica e legalmente o conhecimento de mérito obstando ao mesmo – artigos 576º, n.º2, e 577º alínea e), do Código de Processo Civil, e artigo 89º, n.º2, e n.º 4 alínea e), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
(…)”

Tem, pois, inteira razão a Recorrida.

O despacho proferido pela Iª Instância que admitiu o presente recurso jurisdicional enferma de erro de interpretação da norma prevista no nº 2, alínea h), do artigo 644º do Código de Processo Civil.

Termos em que se impõe, como requerido pela Recorrida, não admitir a apelação autónoma apresentada por Infraestruturas de Portugal, S.A.
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II - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NÃO ADMITIR o presente recurso jurisdicional, ordenando que os autos baixem à Iª instância, para prosseguirem os seus ulteriores termos.

Custas pela Recorrente.
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Porto, 31.10.2019

Rogério Martins
Luís Garcia
Conceição Silvestre