Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01234/10.5BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/14/2017
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Mário Rebelo
Descritores:REGIME DE NEUTRALIDADE FISCAL
FUSÃO-CISÃO
TRANSFERÊNCIA DE CONJUNTO DE AÇÕES
RAMO DE ATIVIDADE
Sumário:1. É ilegal o entendimento de que a transferência de participaçoÞes sociais soì poderaì relevar como ramo de atividade se fizerem parte integrante de um conjunto de meios pessoais e materiais, em que os mesmos constituem uma organização empresarial necessária ao desenvolvimento da actividade que se transfere e que se pretende continuar na beneficiária
2. Nem a Directiva 90/434 nem o acórdão do TJ 15 de Janeiro de 2002, - Andersen og Jensen - que mais próximo se debruçou sobre a questão, nem o art. 73º do CIRC (especialmente o seu n.º 4), preconizam qualquer filtro abstrato como o que a AT usou para não aceitar a neutralidade fiscal da operação.
3. Admitindo que um conjunto de participações sociais pode constituir um ramo de atividade, só casuisticamente se pode saber se a sua exploração reveste ou não, caráter autónomo, ou seja, se é um conjunto capaz de funcionar pelos seus próprios meios.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:R..., S.A.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

R…, SA inconformada com a sentença proferida pela MMª juiz do TAF de Aveiro que julgou improcedente a impugnação deduzida contra a liquidação de IRC 2007 juros compensatórios e acerto de contas no montante de 3.149.804,83 dela interpôs recurso terminando as alegações com a seguintes conclusões:

1 - Um destaque de participações sociais geridas pela sociedade cindida constitui uma cisão de um ramo de actividade, para efeitos da neutralidade fiscal, sempre que, em cumprimento do n.° 4 do artigo 73° do Código do IRC, os elementos transmitidos constituam, do ponto de vista organizacional, uma unidade económica autónoma, ou seja, um conjunto capaz de funcionar pelos seus próprios meios, podendo este compreender as dívidas contraídas para a sua organização ou funcionamento.
2 - A lei - naquele n.° 4 ou em qualquer outro preceito - não fornece qualquer esclarecimento ou concretização quanto à qualidade ou quantidade dos elementos que devem estar presentes numa cisão a fim de esta aproveitar o regime em causa. Assim é porque a apreciação da aplicação do mesmo depende sempre de um juízo casuístico, que tenha em conta as características próprias, distintivas, de cada situação particular (é a própria Jurisprudência europeia citada na Sentença que o diz).
3 - Se tal não sucedesse, era impossível cumprir o espírito do regime da neutralidade, que impõe que se averigúe se a operação tem uma racionalidade económica susceptível de beneficiar do desagravamento fiscal: sob pena de não se conseguir apreender correctamente a racionalidade específica de cada negócio, não se pode fazer depender a existência dessa racionalidade da transferência, num processo de cisão, de determinados elementos, como se um único raciocínio quanto a esse aspecto pudesse valer para todo e qualquer caso.
4 - Não se pode dizer que uma cisão, seja em que negócio for, só tem uma justificação racional se incluir a transmissão de trabalhadores, de contratos de prestação de serviços, de máquinas, de contratos de financiamento, de programas informáticos ou de quaisquer outros elementos (assim como não faz sentido fazer o mesmo raciocínio presuntivo quanto à quantidade dos elementos): existem casos que requerem a transferência de uns elementos, casos que exigem a de outros, situações em que é necessária a passagem de vários ou todos os elementos e outras em que basta um tipo específico de elementos; do mesmo modo, casos há em que são mais importantes elementos materiais (como trabalhadores) e outros em que são mais relevantes elementos incorpóreos (como participações sociais, posições devedoras ou credoras, contratos de prestação de serviço).
5 - No caso particular da cisão de uma actividade de detenção e gestão de participações sociais, a concretização do conceito de “funcionamento pelos próprios meios” está mais ligado a uma capacidade de, economicamente e sem serem alienados, os activos destacados serem susceptíveis de se proverem por si, e sem contribuições adicionais de activos, do que ao mero facto de disporem no seu seio de um ou outro trabalhador dependente ou de um outro computador exclusivamente afecto a esses activos: fundamental, nestes casos, é a existência, antes e depois da operação, de recursos adequados e proporcionais ao desenvolvimento do negócio, sejam eles próprios ou cedidos por terceiro e a verificação de uma actividade efectiva, naturalmente, desenvolvida por trabalhadores, prestadores de serviços contratados ou pelos próprios administradores.
6 - O sentido deste entendimento prende-se naturalmente com a natureza da actividade holding, que se distingue de forma evidente das actividades “operativas” comerciais ou industriais (isto é, do exercício directo de actividades económicas): a gestão de participações sociais não requer a congregação de meios humanos e corpóreos relevantes, sendo que na maior parte dos casos, basta a existência de um órgão de administração, da sede da sociedade (que pode ser própria, arrendada ou utilizada por via de um contrato de comodato) e da estrutura de registo dos títulos transferidos, tendo ainda uma sociedade que a leve a cabo de dispor de meios próprios ou requisitados a terceiros para a prossecução da contabilidade da sociedade, das obrigações tributárias e do secretariado geral (actividades a que soe apelidar-se de “back-office”).
7 - Numa cisão, é irrelevante que os mesmos computadores que antes do destaque eram utilizados no âmbito de duas ou mais actividades continuem a servir para a gestão de todas depois da operação - incluindo a actividade cindida -, quando são tão frequentes os casos de grupos económicos em que, por desnecessidade de duplicação de meios, as empresas os partilham. 8 - Por outro lado, as mais das vezes, a gestão em causa não requer uma infra-estrutura de apoio de uma importância tal que exija a constituição de um quadro de pessoal próprio e a aquisição, a título de propriedade, de meios materiais, recorrendo as SGPS aos meios que lhes podem ser disponibilizados pelas suas participadas ou por empresas terceiras subcontratadas.
9 - Ora, na situação em apreço, estão verificados todos os requisitos exigidos pela lei: em primeiro lugar, os bens transmitidos já estavam agrupados no património da sociedade cindida de modo a formarem uma unidade organizacional (já desempenhavam uma função autónoma): antes da operação, era já possível identificar e distinguir na R..., de forma clara, dois ramos de actividade - de uma banda, a gestão de participações; da outra, a construção civil e obras públicas -, tendo a Recorrente, em virtude da cisão, passado a concentrar apenas aquele segundo ramo, dirigindo para a esfera da R... SGPS as partes de capital de outras sociedades que ela detinha (com a excepção imaterial, forçada e não intencional, das participações nas sociedades concessionárias de cujos contratos de adjudicação resultava que as empresas que participavam na construção das estradas para as quais aquelas sociedades foram constituídas não poderiam alienar as suas participações antes da conclusão das obras).
10 - Repare-se, aliás, que as participações que foram sendo adquiridas pela R... foram-no - reiterada, paulatina e coerentemente - em poucos e determinados sectores económicos (a concessão de auto-estradas, a hotelaria e as energias renováveis), pelo que se conclui que a sua actividade de aquisição, detenção e gestão de participações sociais não constitui um mero acumular de investimentos especulativos, mas o fruto de uma aposta sustentada, a longo prazo, em estrita colaboração com as sociedades detidas e com um plano de negócio bem definido, como é típico do exercício de uma actividade económica, lucrativa, no sentido mais próprio da definição.
11 - Em segundo lugar, não foram destacadas da R... apenas as participações por ela detidas, mas também todos os elementos patrimoniais a elas funcionalmente ligados, nomeadamente os empréstimos, as prestações suplementares e as garantias.
12 - Estes outros elementos não são despiciendos: pelo contrário, eles são fundamentais no exercício da gestão de participações, na medida em que são uma função ou obrigação essencial dos sócios ou accionistas das sociedades comerciais e, consequentemente, uma condição do potencial produtivo - ou lucrativo - daquela actividade de gestão de participações.
13 - Portanto, uma vez que teve lugar a transferência dos activos e dos passivos associados às partes sociais destacadas, daí resultou uma cisão-fusão de elementos com assinalável autonomia financeira, isto é, de um conjunto de activos capaz de funcionar economicamente pelos seus próprios meios (termos em que a doutrina e a jurisprudência europeias têm vindo a densificar a necessidade de autonomia e unidade funcional dos activos transmitidos em operações susceptíveis de aproveitarem o benefício da neutralidade fiscal).
14 - Para além disso, relativamente ao substrato pessoal, a R... SGPS dispõe de um conselho de administração composto por cinco administradores, os quais transitaram precisamente da R..., onde exerciam a gestão das participações em causa. A eles cabe exclusivamente a direcção dos negócios da SGPS.
15 - O que respeita aos serviços de apoio - contabilidade, fiscalidade, operações com títulos e respectiva custódia -, a SGPS conta com a dedicação do departamento administrativo e de contabilidade da sua participada R... , o qual, nas quatro ou cinco ocasiões em que, durante o ano, tem a seu cargo os assuntos da R... SGPS (essencialmente nos períodos de fecho e aprovação de contas e de reuniões do Conselho de Administração), o faz por iniciativa e a pedido da Administração desta última, utilizando, para o efeito, meios materiais pertença da primeira, nomeadamente computadores, salas ou mobiliário.
16 - À luz do que vem dito, conclui-se que a operação em apreço nos autos se concretizou num destaque e incorporação de um verdadeiro ramo de actividade - que era autónomo na esfera da sociedade cindida e o continuou a ser na da sociedade beneficiária. Não se poderia pois ter dado como provada a tese de que não existia nenhuma organização autónoma respeitante à gestão das partes de capital, que tenha sido transferida para a R... SGPS, porque esta não possuía qualquer tipo de recursos materiais e humanos afectos à sua actividade, antes da cisão-fusão, e continuou a deles não dispor depois da operação.
17 - Em conclusão, o Tribunal recorrido recusou a aplicação do regime da neutralidade à cisão-fusão em apreço sem ter refutado minimamente a factualidade aduzida pela Recorrente, que demonstra que a operação teve uma racionalidade empresarial estrita e perfeitamente compreensível, pelo que a decisão sofre de uma contradição insanável: por um lado, aceita os factos nos exactos termos em que a Recorrente os expôs, quer quanto às motivações económico-empresariais que conduziram à operação, quer quanto à demonstração de que os elementos transmitidos configuram um ramo de actividade distinto e autónomo; contudo, por outro lado, atribui à operação a consequência jurídico-fiscal de uma operação sem qualquer fundamento ligado à actividade do grupo em que se inserem as empresas envolvidas, como se aquela fosse equivalente a uma operação puramente especulativa (uma alienação de participações previamente adquiridas com o intuito único de posteriormente obter um ganho) ou à reafectação de elementos patrimoniais desgarrados para benefício do património ou riqueza pessoal dos sócios.
18 - Por outro lado - e esta é a segunda grande contradição da Sentença -, admite-se nela o princípio de que a detenção e gestão de participações pode perfeitamente constituir um ramo de actividade, mas depois não se retiram todas as conclusões obrigatórias dessa premissa: se um objecto societário que não traduz o exercício directo de uma actividade comercial ou industrial, mas apenas o exercício indirecto dessa actividade, pode ser um ramo autónomo, dever-se-ia ter concluído então, desde logo, que não se pode exigir, para a aplicação do regime de neutralidade à operação que produz o seu destaque, que este seja sempre acompanhado da transmissão dos elementos - humanos, técnicos, etc. - típicos do exercício directo da actividade económica.
19 - Mas o equívoco interpretativo de que padece a sentença recorrida não se fica por aqui; se é verdade que os meios postos à disposição da actividade destacada, e que com ela formam a dita “exploração autónoma”, devem merecer relevo proporcional às especificidades da mesma actividade, o mesmo já não se passa com o título sob o qual tem lugar essa colocação à disposição, irrelevando estar-se em presença de um direito de propriedade, de um aluguer, de um comodato, ou mesmo de uma mera cedência de espaço.
20 - Ora, ao desconsiderar ia casa a aplicação do regime da neutralidade, a Sentença acaba inexoravelmente por tratar a situação concreta dos autos como uma pura operação especulativa, isto é, como uma qualquer alienação de participações previamente adquiridas com o intuito único de com aquela alienação obter um ganho - portanto, sem nenhuma razão subjacente que se possa ligar minimamente a objectivos de índole empresarial -, sendo que isso é tanto mais estranho quanto o Tribunal não infirmou as motivações da operação expostas na factualidade carreada para os autos (e que, de resto, se essas motivações fossem passíveis de censurabilidade fiscal e tivessem como corolário uma vantagem patrimonial ilegítima, a Administração fiscal e o Tribunal teriam sempre a munição adequada para o efeito, ie., o dispositivo especial antiabuso previsto no n° 10 do artigo 67° do Código do IRC).
21 - Aquela não é, de todo, a forma correcta de caracterizar a operação apreciada, pelo que o sentido da Sentença, ao não considerar com a acuidade necessária os elementos relevantes dessa caracterização, ao defender que àquela são aplicáveis as regras de tributação desejadas pelo legislador para um outro tipo de situações, redunda na violação categórica do princípio da igualdade tributária, concretizado pelo princípio da capacidade contributiva: os actos impugnados são desproporcionalmente violentos, impondo à Recorrente uma factura fiscal de mais de 3 milhões de euros, quando não houve absolutamente nenhum enriquecimento e a operação em causa constituiu um paradigma de observância quer das condições legalmente expressas de destaque de um ramo de actividade, quer dos propósitos implícitos de continuidade empresarial e de animas reorganizativo e não especulativo (aliás, a R... SGPS mantém-se hoje, tal como no final de 2007, envolvida activamente nas concessões subjacentes às participações adquiridas na cisão).
22 - A comparação entre cisão e liquidação para a quaestio decidendi é totalmente desadequada: na primeira, o ramo de actividade destacado continua em exploração, apenas mudando de sujeito jurídico. Em contraponto, na segunda, transforma-se um bem ilíquido do sócio - a participação na sociedade liquidanda - em activos mais líquidos - o património da sociedade liquidada, chegando ao fim a vida desta e da sua actividade. Este é, por excelência, um momento de apuramento de ganhos, ao invés do que sucede com o destaque de activos sub judice.
23 - Assim, a Sentença recorrida enferma de erro na apreciação do direito aplicável, por errada subsunção ao mesmo dos factos provados.
Termos em que deve o presente Recurso ser julgado procedente, por provado, com a anulação da Sentença recorrida e todos os demais efeitos jurídicos.


CONTRA ALEGAÇÕES.
Não houve.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA emitiu parecer concluindo pela improcedência do recurso.

II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou ao julgar improcedente a impugnação, por não estarem verificados os requisitos para que a operação de cisão-fusão beneficie do regime de neutralidade fiscal.

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:
1. Por despacho de 14.04.2010, foi determinada a abertura do procedimento de inspecção interna à impugnante, relativa ao exercício de 2007, nos termos da seguinte proposta: “ Na sequência da acção de inspecção externa à R... SGPS, SA, a coberto da OI201000206, verificou-se a existência de uma operação de cisão-fusão entre a R..., SA e a R... SGPS, SA, no exercício de 2007. Com esta operação foram destacados da R... por cisão para serem fundidas na SGPS os seguintes elementos patrimoniais e extra-patrimoniais:
a) Participações sociais de várias empresas de diferentes sectores de actividade;
b) Prestações acessórias efectuadas às empresas cujas participações sociais foram destacadas;
c) Um empréstimo bancário contraído para realizar prestações acessórias a uma empresa cujas partes de capital são destacadas; e,
d) Garantias bancárias às concessionárias que foram destacadas.
Uma vez que o conjunto de elementos objecto da cisão-fusão aqui descritos não poderão ser considerados um ramo de actividade para efeitos do disposto no nº 4 artigo 67º do CIRC, em conformidade com o Despacho de 30-01-2008 do Director-Geral relativo ao processo nº 330/2007, propõe-se a abertura de uma Ordem de Serviço Interna para os exercícios de 2007.”, a que se reporta a ordem de serviço nº OI201001090 de 16/04/2010 – cfr. fls. 141, do PA;
2. No dia 21/06/2010, foi remetido à impugnante o projecto de correcções do relatório de inspecção, para exercer o direito de audição - cfr. fls. 128 e 129, do PA;
3. A impugnante não exerceu o direito de audição prévia, tendo sido aprovado o relatório de inspecção tributária definitivo, em 23/07/2010, no qual foram determinadas correcções de natureza meramente aritmética ao lucro tributável da impugnante, do ano de 2007, no valor de 11.243.777,35 €, cujo despacho é do seguinte teor:
“O presente relatório conclui o procedimento de inspecção nos termos do artigo 62º do RCPIT. O S.P. não exerceu o direito de audição previsto no artigo 60º da LGT e art. 60º do RCPIT, donde se mantêm os valores propostos no projecto de relatório, referente ao ano de 2007, em sede de IRC. Concordo com as correcções técnicas pelo facto de não se aplicar o regime de neutralidade fiscal previsto no artigo 68º do CIRC à operação descrita no ponto III deste relatório, atento o referido no artº 67º do CIRC, reforçado pelo parecer do CEF nº 76/07. Dê-se sequência ao documento de correcção, ao mapa de fixação e competente auto de notícia.” - cfr. fls. 5 e ss, do PA;
4. A impugnante foi notificada daquele relatório em 28/07/2010, cfr. fls. 4, do PA;
5. No ponto III.1.2. do indicado relatório, sob a epígrafe Fundamentação Legal, lê-se o seguinte:
“O nº 2 artigo 73º (anterior artigo 67º) do CIRC define que: “… 2- Considera-se cisão a operação pela qual:
a) Uma sociedade (sociedade cindida) destaca um ou mais ramos da sua actividade7, mantendo pelo menos um dos ramos de actividade, para com eles constituir outras sociedades (sociedades beneficiárias) ou para os fundir com sociedades já existentes,…”
No nº 4 do referido artigo esclarece-se o seguinte: “4-Para efeitos do número anterior e da alínea a) do nº 2, considera-se ramo de actividade o conjunto de elementos que constituem, do ponto de vista organizacional, uma unidade económica autónoma, ou seja, um conjunto capaz de funcionar pelos seus próprios meios, o qual pode compreender as dívidas contraídas para a sua organização ou funcionamento”.
A respeito deste último ponto o Despacho de 30-01-2008 do Subdirector-Geral relativo ao processo nº 330/2007 refere que: “O simples destaque de participações sociais não se reconduz a uma operação fiscalmente relevante de cisão simples para efeitos do regime da neutralidade fiscal, dado não consubstanciar, por si só, um ramo de actividade. Todavia, se conjuntamente com as participações se verifica a transmissão de outros elementos patrimoniais que configuram, no seu conjunto, uma infra-estrutura associada à gestão dessas participações, numa interacção funcional com os títulos, estaremos perante um verdadeiro ramo de actividade, que pode constituir, pois objecto de destaque enquanto tal no âmbito da cisão parcial fiscalmente relevante para efeitos do regime dos artigos 67º8 e seguintes do CIRC”.
Em conformidade com o parecer do Centro de Estudos Fiscais (CEF) nº 76/079, a partir do qual foi elaborada a ficha doutrinária acima transcrita, importa reter o seguinte:
i. A redacção, à data dos factos, do artigo 73º do CIRC resultou da Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro (lei do Orçamento de Estado para 2007) que alterou diversas disposições da disciplina do denominado “regime especial aplicável às fusões, cisões, entradas de activos e permutas de partes sociais”. Tais alterações resultam da transposição da Directiva 2005/19/CEE, do Conselho de 17 de Fevereiro, que altera a Directiva nº 90/434/CEE, relativa ao regime fiscal comum aplicável às fusões, cisões, entradas de activos e permuta de acções entre sociedades de Estados membros diferentes. A versão antecedente da Directiva nº 90/434/CEE diferentemente do que sucedia na legislação nacional apenas se aplicava às operações de cisão em que havia lugar à dissolução da sociedade cindida. A Directiva nº 2005/19/CEE veio alargar o âmbito de aplicação daquela directiva às operações de cisão parcial. No entanto, apenas estão abrangidas pelo regime de neutralidade fiscal as operações de cisão parcial que impliquem a transferência de um ou mais ramos de actividade para uma ou mais sociedades já existentes ou novas, permanecendo pelo menos um dos ramos de actividade na sociedade contribuidora.
ii. Antes desta alteração, nº 4 do artigo 73º do CIRC, mencionava o seguinte: “4-Para efeitos do número anterior, considera-se ramo de actividade1011:…b) A detenção e gestão de participações em sociedades que desenvolvam actividades no mesmo ramo, desde que tais participações correspondam a, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada ou que o valor de aquisição de cada participação não seja inferior a € 5.000.000, de acordo com o último balanço aprovado 12.”
iii. Com esta alteração o legislador quis restringir o tratamento em termos de neutralidade fiscal da cisão parcial à função essencial de meio de reorganização empresarial de unidades funcionais, afastando assim as operações de simples transferência de participações. A cisão simples ou parcial relevante em termos de neutralidade fiscal passou a caracterizar-se pela necessidade de satisfazer certo filtro que é justamente a ideia de ramo de actividade. Nestes termos, as partes do património transferidas em sede de cisão parcial têm de revestir uma configuração qualificada, já que não podem constituir um bem qualquer, mas têm que consubstanciar um ramo de actividade.
iv. A actual redacção do nº 4 do artigo 73º define: “ramo de actividade como o conjunto de elementos que constituem, do ponto de vista organizacional, uma unidade económica autónoma, ou seja, um conjunto capaz de funcionar pelos seus próprios meios, o qual pode compreender as dívidas contraídas para a sua organização ou funcionamento.”
v. Desta noção deve destacar-se logo a referência legal a um “…conjunto de elementos que constituem, do ponto de vista organizacional, uma unidade económica autónoma,…”, Isto é, não basta uma pluralidade de activos, já que é necessário que estes elementos se encontrem estruturados, que possuam uma certa organização.
vi. “….para considerar a presença de um ramo de actividade cabe recorrer, em regra, a dois critérios, a saber:
a. o critério da autonomia interna, segundo o qual os elementos a transferir devem representar uma estrutura orgânica própria (“um departamento”, na fórmula da Directiva), com autonomia face aos restantes elementos da entidade contribuidora;
b. o critério da autonomia externa, segundo o qual para se destacar um conjunto capaz de funcionar pelos seus próprios meios cabe atender às condições normais do mercado em que unidades do mesmo tipo operam 13”.
vii. “Em síntese, para ser possível considerar que se está perante a transferência de um ramo de actividade é indispensável que os elementos a transferir constituam, na sociedade contribuidora, uma exploração económica autónoma do ponto de vista organizacional, representando um complexo estruturado que, por si mesmo, permite a continuidade sem interrupção. O conceito de ramo de actividade reporta-se assim, essencialmente, a estabelecimentos, a centros ou unidades de produção, de distribuição ou prestação de serviços da sociedade contribuidora dotados de uma autonomia suficiente, que lhe permite subsistir pelos seus próprios meios”14
viii. Exposto que está o conceito de ramo de actividade, importa agora analisar a qualificação da transferência de participações sociais como ramo de actividade.
ix. “Pois bem, pode suceder que uma participação social ou um conjunto de participações sociais assuma uma função económica própria de tal forma que para a respectiva gestão é necessária a disponibilização de um conjunto de meios materiais e humanos que suporte o seu desempenho, caso em que, naturalmente, parece possível configurar um ramo de actividade.
…Já se se tratar apenas da transmissão de participações sociais, que apenas surgem como activo sem serem objecto de qualquer gestão especializada realizada por um departamento autónomo com meios materiais e humanos próprios não é possível configurar a presença de um ramo de actividade, não passando a transferência de participações de uma mera transferência de elementos patrimoniais que não supõe exploração económica autónoma15”.
Feito o enquadramento de natureza legislativa e doutrinal importa agora verificar se os elementos transferidos da R... para a R... SGPS configuram um ramo de actividade, ora:
a) Como se disse, para configurar um ramo de actividade é necessário que na sociedade contribuidora exista uma especifica e autónoma organização de meios materiais e humanos dedicado à gestão especializada de participações sociais, condição que não se verifica na R...;
b) É preciso que os bens já estejam agrupados no património da sociedade cindida de modo a formarem um unidade organizacional, não sendo suficiente que possam vir a ser agrupados na sociedade beneficiária de modo a formarem uma unidade económica16. Com efeito, a qualificação como ramo de actividade de uma certa conjugação de elementos afere-se sempre na perspectiva da sociedade contribuidora e nunca na perspectiva da sociedade beneficiária.

Na operação de cisão-fusão, página quatro, é referido que: “….a R... é constituída por dois grupos distintos de activos a que correspondem dois ramos de actividades distintos: por um lado os bens afectos à sua actividade produtiva de construção e obras públicas e, por outro lado os outros activos, correspondentes às participações sociais noutras sociedades, sem especial relação com aquela actividade principal, a exigir da R... um esforço de gestão e de investimento para a qual ela não está especialmente vocacionada e que, de alguma forma, condiciona o natural desenvolvimento do seu negócio produtivo.”
Pela transcrição anterior verifica-se que nesta operação foi assumido que um grupo de activos corresponde a uma ramo de actividade, no entanto, como foi amplamente explicado nos parágrafos anteriores, para ser considerado ramo de actividade é necessário haver uma gestão especializada, efectuada por um departamento autónomo, com meios materiais e humanos próprios. No caso em apreço não passa de uma mera transferência de elementos patrimoniais que não supõem uma exploração económica autónoma.
Aliás no projecto de cisão-fusão, página 4, é referido que: “As administrações da R... e da R... SGPS e os seus accionistas entendem que é chegado o momento de promover uma clara autonomização destes dois ramos de actividade, transferido a gestão de participações sociais para a entidade que está técnica e juridicamente vocacionada para o efeito, a R... SGPS”. No entanto, com a operação de cisão-fusão não são transmitidos quaisquer meios materiais ou humanos afectos à gestão de participações sociais.
Sendo assim, não se pode aceitar que a cisão implique o destaque de um ramo de actividade, mantendo pelo menos um ramo de actividade, pois não se verifica a existência de uma exploração económica autónoma, com um conjunto de meios pessoais e materiais, em que os mesmos constituem uma organização empresarial necessária ao desenvolvimento da actividade, que se transfere e que se pretende continuar na beneficiária, pelo que não se preenche o disposto na alínea a) do nº 2 e nº 4 do artigo 73º do CIRC, com as consequentes implicações na não verificação dos requisitos para a existência de neutralidade fiscal nesta operação.
Consequentemente, in caso não se aplicando o regime fiscal aludido, no que respeita à transferência das participações sociais, prestações acessórias e empréstimos da R... para a R... SGPS, deverá ser submetida ao regime geral de tributação, com a aplicação, designadamente do disposto no nº 3, da alínea d) do artigo 46º do CIRC, apurando-se as mais e menos-valias correspondentes na esfera da sociedades cindida ou transmitente a R....
O artigo 46º, nº 3, alínea d) do CIRC refere que em caso de fusão e cisão considera-se valor de realização “o valor de mercado dos elementos do activo imobilizado transmitidos em consequência daqueles actos”, à data a que se referem aquelas operações.” cfr. fls. 11 e ss, do PA;
6. No dia 30/04/2007, J…, C…, M…, G… e H…, titulares de 4.750.000 acções representativas de 95% do capital social da sociedade R..., S.A., venderam à sociedade R... – SGPS, S.A., as referidas acções, livres de ónus e encargos, pelo preço global de € 71 250 000$00, a que corresponde o preço de € 15,00 por cada acção - cfr. fls. 21 e ss, do PA;
7. No dia 17/07/2007, os órgãos de administração das sociedades R..., SA e R... – SGPS, SA, elaboraram em conjunto um projecto de cisão-fusão, organizado nos termos e para os efeitos dos artigos 118º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, e onde se pode ler, além do mais, no seu ponto C, sob a epígrafe “Motivos e Objectivos”, que:
“(…) Temos assim que, actualmente, a R... é constituída por dois distintos grupos de activos a que correspondem dois ramos de actividades distintos: por um lado, os bens afectos à sua actividade produtiva de construção de obras públicas e, por outro lado, os outros activos, correspondentes às participações sociais noutras sociedades, sem especial relação com aquela actividade principal, a exigir da R... um esforço de gestão e de investimento para a qual ela não está especialmente vocacionada e que, de alguma forma, condiciona o natural desenvolvimento do seu negócio produtivo.
As administrações da R... e da R... SGPS e os seus accionistas entendem que é chegado o momento de promover uma clara autonomização destes dois ramos de actividade, transferindo a gestão das participações para a entidade que está técnica e juridicamente vocacionada para o efeito, a R... SGPS. Esta autonomização, ao reduzir as responsabilidades directivas da empresa construtora e ao “libertar” o seu balanço do esforço de financiamento nas sociedades concessionárias e nas outras sociedades participadas, irá permitir à R... a concentração e melhor afectação dos seus activos e recursos no exigente e competitivo negócio da construção, o qual passará a ser exercido num ambiente autónomo e, tanto quanto possível, isento das influências dos restantes sectores em que o grupo opera.
Do ponto de vista da R... SGPS a detenção directa das diversas participações sociais do grupo, além do benefício imediato de simplificação e racionalização da estrutura corporativa, permitirá, a prazo, recolher os frutos de uma gestão mais profissional, mais directa e especializada de cada um desses activos financeiros, passando a holding a assumir definitivamente a função de plataforma para novas oportunidades de negócio” - cfr. doc. nº 4, junto com a petição inicial;
8. No ponto G., deste projecto, sob a epígrafe “Aumento de capital da R... SGPS, Participações sociais a atribuir e relação de troca”, pode ler-se que:
“O valor dos capitais próprios disponíveis já existentes na R... é superior ao valor líquido contabilístico do património que é objecto de destaque, pelo que a realização da projectada cisão não implicará a redução do capital social dessa sociedade. A diminuição da situação liquida da R... será feita por contrapartida da diminuição, no mesmo montante, da rubrica do seu balanço “Outras Reservas”.
Quanto à R... SGPS, ela verá acrescidos os seus capitais próprios pelo valor líquido contabilístico dos elementos patrimoniais que incorpora da R..., ajustado por diminuição de 97,8% correspondente ao interesse económico indirecto que a sociedade incorporante já detém nos elementos incorporados, repartindo-se esse acréscimo entre o aumento do capital social (com emissão, nos termos abaixo descritos.
A razão de troca das participações foi apurada à data a que se reportam os balanços e teve por base a razão entre o valor contabilístico dos bens a transmitir para a sociedade incorporante e a situação líquida dessa sociedade, com desconsideração das participações que estão legalmente impedidas de entrarem na relação de troca.
Com efeito, prevê a lei que aos actuais accionistas da R..., excluindo a própria sociedade incorporante, no entanto, nos termos do nº 3 dp artigo 104º do Código das Sociedades Comerciais (aplicável por força do artigo 120º do mesmo diploma) a sociedade incorporante não recebe quaisquer acções de si própria por força da incorporação no seu património das partes destacadas de sociedades suas participadas.
Tendo em consideração que os accionistas da R... – excluindo, pois, a própria sociedade e a incorporante R... SGPS – são exactamente os mesmos que os accionistas da R... SGPS e que a respectiva proporção relativa da sua participação em cada uma daquelas sociedades é também igual, para que se garanta a esses accionistas condições de rigorosa indiferença económica entre a composição do seu património antes da operação e depois dela, será suficiente que as novas acções da R... SGPS sejam atribuídas aos accionistas da R... com respeito pela proporção da sua participação no capital social desta sociedade.
Deste modo, tendo em conta que, por aplicação dos critérios de valoração e do ajustamento acima indicados, o conjunto de bens a transmitir da R... para a R... SGPS será aumentado dos actuais 50.000€ para 51.064,59€, no montante de 1.064,59€, mediante a emissão de 106.459 novas acções ordinárias, com o valor nominal de 0,01€ cada uma, a que corresponderá a constituição de uma “reserva de fusão”/prémio de emissão – no valor global de 288.939,10€.
Cada accionista da R..., com exclusão da própria sociedade e da R... SGPS, receberá, por efeito da cisão-fusão, uma nova acção da R... SGPS com o valor nominal de 0,01€ a emitir em resultado do referido aumento de capital, por cada acção actualmente detida no capital social da R....
Não há quantias em numerário a atribuir aos accionistas da sociedade cindida.” cfr. doc. nº 4, junto com a petição inicial;
9. No ponto Q. sob a epígrafe “Modalidade e condições da cisão fusão”, pode ler-se ainda que:
“O acto aqui projectado é uma operação de cisão-fusão realizada nos termos do artº 118º, nº 1, al. c) do Código das Sociedades Comerciais através da cisão parcial da R..., mediante o destaque de uma parte do seu património para fundir na R... SGPS.
A parte do património a cindir da R... e a transferir por fusão corresponde ao seu ramo de actividade de detenção e gestão de participações sociais que estão identificadas no ANEXO A1 deste PROJECTO e que constituem, do ponto de vista organizacional, uma unidade económica autónoma. Juntamente com a transferência das participações e, por isso, objecto de cisão-fusão, serão igualmente transferidas para a R... SGPS as prestações suplementares/acessórias de capital (também identificadas no ANEXO A1) que estão associadas a essas participações.
Com a transferência das participações, e também por efeito da cisão-fusão, serão transferidas para a R... SGPS o conjunto dos direitos, deveres, posições jurídicas contratuais e processuais que cabiam à R... associadas à detenção dessas posições societárias.
A cisão não determinará a dissolução da sociedade cindida, pelo que a R... manterá a sua existência jurídica, passando o seu património a ser constituído pelo conjunto dos bens que não são objecto de destaque.”; e, no seu ponto F. sob a epígrafe “Enumeração dos bens a cindir e a transmitir por fusão e valores que lhes são atribuídos”, que: “(…) Os bens a cindir da R... e a transmitir por fusão para a R... SGPS são os activos (participações sociais e prestações acessórias de capital associadas a essas participações, existentes à data de 1 de Maio de 2007) devidamente identificados e valorados nos ANEXOS A e A1 deste projecto, a que corresponde o valor contabilístico líquido global de 13.229.421,98€”, cfr. doc. nº 4, junto com a petição inicial;
10. No anexo A1, referido no número anterior, constam os seguintes activos a cindir da R... e a transmitir para a R... SGPS:
“1 624.000 acções representativas de 24,96% do capital da H…, S.A. com sede no Cais…, freguesia de Vera Cruz, Aveiro, matriculada na CRC de Aveiro sob o nº 5…/NIPC.
1A Prestações acessórias de capital com o valor nominal de € 374.400,00 sobre a identificada H…, S.A.
2 374.000 acções representantivas de 24,93% do capital social da H…, S.A., com sede na Quinta…, Águeda, matriculada na CRC de Águeda sob o nº 5…/NIPC.
3 74.999 acções representantivas de 29,99% do capital social da G…, S.A., com sede na Rua…, Póvoa do Varzim, matriculada na CRC do Porto sob o nº 5…/NIPC.
3A Prestações acessórias de capital com o valor nominal de €1.575.000,00 sobre a identificada G…, S.A.
4 68.096 acções representantivas de 1,36% do capital social da V…, S.A., com sede na Rua…, Lisboa, matriculada na CRC de Lisboa sob o nº 5…/NIPC.
5 151.178 acções representativas de 2,69% do capital social da A…, S.A., com sede no Edifício…, Perafita, Matosinhos, matriculada na CRC do Porto sob o nº 5…/NIPC.
5A Prestações acessórias de capital com o valor nominal de € 1.511.780,02 sobre a identificada A…, S.A..
6 269 acções representativas de 0,538% do capital social da O…, S.A, com sede na Rua…, Perafita, Matosinhos, matriculada na CRC do Porto sob o nº 5…/NIPC.
7A Prestações acessórias de capital com o valor nominal de € 643.539,60 sobre a identificada L…, S.A.
8 330 acções representativas de 0,66% do capital social da O…, S.A., com sede na Zona Industrial…, Aveiro, matriculada na CRC de Aveiro sob o nº 5…/NIPC.
9 168.300 acções representativas de 3,3% do capital social da L…, S.A., com sede na Área de Serviço…, concelho de Viseu, matriculada na CRC de Viseu sob o nº 5…/NIPC.
9A Prestações acessórias de capital com o valor nominal de € 1.684.452,01 sobre a identificada L…, S.A..
10 330 acções representativas de 0,66% do capital social da Operadora L…, S.A., com sede na Área de Serviço…, Concelho de Viseu, matriculada na CRC de Viseu sob o nº 5…/NIPC.
11 123.090 acções representativas de 3,3% do capital social da L…, S.A., com sede no Edifício…, Perafita, Matosinhos, matriculada na CRC do Porto sob o nº 5…/NIPC.
11A Prestações acessórias de capital com o valor nominal de € 1.227.600,95 sobre a identificada L…, S.A.
12 990 acções representativas de 0,66% do capital da O…, S.A., com sede no Edifício…, Perafita, Matosinhos, matriculada na CRC do Porto sob o nº 5…/NIPC.” cfr. fls. 37 e ss dos autos e documento nº 4, junto com a petição inicial;
11. Na alínea Q. sob a epígrafe “Trabalhadores”, do projecto referido no número 7. supra, pode ler-se o seguinte: “As posições contratuais dos trabalhadores de qualquer uma das sociedades participantes não sofrerão qualquer alteração em resultado da operação projectada” - cfr. documento nº 4, junto com a petição inicial;
12. As sociedades R..., SA e R... – SGPS, SA, por escritura datada de 19/12/2007, procederam “à cisão parcial da R... mediante o destaque de uma parte do seu património, correspondente ao seu ramo de actividade de detenção e gestão de participações sociais, composta pelo conjunto de participações sociais e pelas prestações suplementares/acessórias de capital associadas a essas participações, devidamente identificados e valorados nos ANEXOS A e A1 do Projecto, acrescidas dos bens activos e do passivo referidos no ponto F do Projecto, que incorporam por fusão na R... SGPS”, em execução das deliberações de aprovação do projecto referido no número 7 supra (cfr. fls. 71 e ss, dos autos e documento nº 4, junto com a petição inicial).
13. Na escritura identificada no número anterior, extrai-se ainda o seguinte:
“(…) Nos termos da lei e tendo por base as relações de troca expressas no Projecto, as novas acções a emitir em virtude deste aumento de capital serão atribuídas aos actuais accionistas da R..., excluindo a própria sociedade e a R... SGPS, na proporção de uma nova acção da R... SGPS, por cada acção detida no capital social de R....(…)”, cfr. fls. 71 e ss, dos autos e documento nº 4, junto com a petição inicial;
Factos não Provados:
Nada de mais se provou com relevância para a decisão a proferir.
Motivação:
A convicção do tribunal baseou-se na análise dos documentos juntos aos autos e dos documentos constantes do processo administrativo, apenso aos presentes autos, conforme se deixou indicado ao longo dos factos provados.

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
A Impugnante foi sujeita a fiscalização determinada pela OS OI201001090 no âmbito da qual se apurou ter sido efetuada uma cisão-fusão efetuada segundo a modalidade prevista na alínea c) do n.º 1 do art. 118º do CSC entre R... e R... SGPS.
Esta fusão-cisão consistiu no destaque de uma parte do património da R... de um conjunto de participações sociais detidas em várias empresas, de diferentes sectores de actividade, para fundir na R... SGPS, tendo sido elaborado um projecto de cisão-fusão entre estas duas sociedades em 17 de julho de 2007.
O tratamento fiscal dado a esta operação foi o regime especial da neutralidade fiscal previsto nos artigos 73º e segs. do CIRC pelo que os elementos patrimoniais objecto de cisão-fusão foram transmitidos e inscritos na R... SGPS pelos valores que se encontravam registados na sociedade cindida no dia 1 de maio de 2007.

Os motivos da operação conforme exposto no projecto de cisão-fusão foram os seguintes:
a) Transferir as participações sociais para a entidade que está técnica e juridicamente vocacionada para o efeito;
b) Reduzir a responsabilidade directa da empresa construtora nas participadas e
c) “Libertar” o balanço da R... Construtoras do esforço de financiamento das sociedades concessionárias e das outras sociedades participadas.
A cisão-fusão não determina a dissolução da sociedade cindida pelo que a R... manterá a sua existência jurídica.
Antes e após a operação de cisão-fusão a R... SGPS não tem pessoal afeto ao seu serviço.
Não foram transmitidos quaisquer meios materiais ou humanos, resumindo-se a transferência aos direitos, obrigações e responsabilidades que acompanharam a transferência das participações.

A AT considerou que esta operação não estava abrangida pelo regime da neutralidade fiscal no essencial, porque um grupo de activos não corresponde a um ramo de actividade. Para que seja considerado um ramo de actividade é necessário haver uma gestão especializada, efectuada por um departamento autónomo com meios materiais e humanos próprios. No caso em apreço, não passa de uma mera transferência de elementos patrimoniais que não supõem uma exploração económica autónoma.
Sendo assim, diz a AT Fls. 16 e 17 do relatório. “...não se pode aceitar que a cisão implique o destaque de um ramo de actividade (...) pois não se verifica a existência de uma exploração económica autónoma, com um conjunto de meios pessoais e materiais em que os mesmos constituam uma organização empresarial necessária ao desenvolvimento da actividade que se transfere e que se pretende continuar na beneficiária, pelo que não se preenche o disposto na alínea a) do n.º 2 e n.º 4 do art. 73º do CIRC...”.

Por conseguinte, considerando não estarem verificados os requisitos para aplicação do regime da neutralidade fiscal para a transferência realizada, a operação foi sujeita ao regime geral da tributação com aplicação, designadamente, do disposto no n.º 3 alínea d) do art. 46º do CIRC. Daí resultou a liquidação impugnada.

A Impugnante contestou e depois de resumir o contexto empresarial que determinou a realização da operação bem como os fundamentos invocados pela AT para efetuar a liquidação, contrariou-os da seguinte forma, que também sintetizamos:

A operação efetuada (cisão-fusão) encontra-se prevista na alínea c) do n.º 1 do art.º 118º do CSC;
O regime de cisão-fusão anterior a 2007, estava previsto no art. 67º do CIRC Por efeito de transposição da Directiva 90/434/CEE de 23 de julho e como resultava art. 68º do mesmo código, verificados certos requisitos, não produziam qualquer resultado fiscal, sendo que também os sócios da sociedade fundida ou cindida podiam evitar o apuramento de ganhos ou perdas, nos termos do art. 70º CIRC.

Até à entrada em vigor das alterações ao artigo 67º do CIRC introduzidas pela Lei do Orçamento para 2007 não se questionava que uma cisão-fusão do tipo previsto na alínea c) do n.º 1 do art.º 118 do CSC, com destaque de participações sociais envolvendo sociedades domiciliadas em Portugal, poderia gozar do regime de neutralidade, na medida em que a lei se referia simplesmente ao destaque de uma parte do património da sociedade a cindir, sem impor o tipo de bens que deveriam integrar essa parte.

Com as alterações introduzidas pela Lei n.º 53-A/2006 de 29 de dezembro, foi alterada a alínea a) do n.º 2 do art. 67º, passando então a referir-se ao destaque de um ou mais ramos de actividade e à obrigatoriedade de na sociedade cindida, se manter pelo menos um dos ramos da sua actividade (considera-se cisão a operação pela qual “...uma sociedade (sociedade cindida) destaca um ou mais ramos da sua actividade, para com eles constituir outras sociedades...”.

O art. 67º na redação anterior a 2007 apenas se referia ao conceito “ramo de actividade” a propósito da entrada de activos (alínea b) do n.º 4 do art. 67º) o qual dizia o seguinte: “Considera-se ramo de actividade (alínea a) “...o conjunto de elementos que constituam, do ponto de vista organizacional, uma unidade económica e autónoma, ou seja, um conjunto capaz de funcionar pelos seus próprios meios, o qual pode compreender as dívidas contraídas para a sua organização ou funcionamento”.

O que constitui uma aproximação à alínea i) do art. 2º da Directiva que define ramo de actividade como “o conjunto dos elementos do activo e do passivo de um departamento de uma sociedade que constituam, do ponto de vista organizacional, uma exploração autónoma, ou seja, um conjunto capaz de funcionar pelos seus próprios meios”.

Em relação às cisões-fusões, só com a alteração de 2007 se passou a ligar o regime da neutralidade fiscal ao destaque de “ramos de actividade”, conceito que até lá estava reservado apenas para a “entrada de activos”.

Mas não restam duvidas de que um conjunto de participações sociais pode constituir um ramo de actividade, como atesta o facto de o direito português admitir a constituição de sociedades com o único escopo de gerir partes de capital noutras sociedades (SGPS).

A detenção e gestão de participações sociais constitui uma atividade económica em sentido próprio e consequentemente, uma sociedade comercial que a ela se dedique labora num determinado ramo de atividade (a importância de uma participação social no âmbito de uma SGPS equivale à de uma máquina, matéria prima ou propriedade intelectual de um processo produtivo de outra natureza).
Ambos são meios susceptíveis de servir de base a uma actividade geradora de lucros.

Desta forma, o destaque de um conjunto de participações sociais está incluído, em princípio, no conceito de “ramo de actividade” e no âmbito da previsão da actual alínea a) do n.º 2 do art. 73º CIRC.

Antes da operação já era possível identificar na R... de forma clara, dois ramos de actividade: de uma banda, a gestão de participações, de outro a construção civil e obras públicas.

As participações adquiridas pela R... não constitui mero acumular de investimentos especulativos, mas são fruto de uma aposta sustentada, a longo prazo, em colaboração com as sociedades detidas.

O Tribunal de Justiça decidiu, a propósito da noção de “funcionamento autónomo da exploração” referida na Directiva Que embora não se aplique às operações internas de reestruturação, a interpretação não pode deixar de ser conforme à jurisprudência comunitária que tal “deve ser apreciado, em primeiro lugar, de um ponto de vista funcional – os activos transferidos devem poder funcionar como uma empresa autónoma, sem necessidade, para esse efeito, de investimentos ou entradas suplementares- e somente em segundo plano, de um ponto de vista financeiro” Acórdão de 15/1/2002 no processo C-43/00, “Andersen og Jensen”

Isto quer dizer que o funcionamento pelos próprios meios está mais ligado a uma capacidade de os ativos destacados serem susceptíveis de se proverem por si, sem contribuições adicionais de activos do que ao mero facto de disporem no seu seio de um ou outro trabalhador dependente ou de um ou outro computador exclusivamente afecto a esses activos.

Deste modo, não é correcto fazer depender a consideração da transferência de um ramo de actividade da transmissão e afectação exclusiva de outros meios, materiais e humanos, como se defende a AT.

A gestão de participações sociais não requer a congregação de meios humanos e corpóreos relevantes, bastando a existência de um órgão de administração, da sede da sociedade e da estrutura de registo dos títulos transferidos.

A título de exemplo, a “Caixa de Gestão de Ativos, SGPS, S.A” em 2009, sociedade do grupo Caixa Geral de Depósitos, não dispunha de “quadro próprio de pessoal, estando as tarefas inerentes ao seu funcionamento a cargo do Conselho de Administração” e tão pouco possuía qualquer ativo tangível.

Para além disso, a liquidação viola o princípio da igualdade, concretizado pelo princípio da capacidade contributiva.

A MMª juiz julgou improcedente a Impugnação, desenvolvendo a fundamentação em dois segmentos. Um relativo aos antecedentes históricos, e outro referente à questão concreta, propriamente dita, que é saber se a transferência de um conjunto de participações sociais (e respetivo passivo) carece de ser acompanhada da transferência de meios humanos e materiais para ser considerado um”ramo de actividade” e assim poder beneficiar do regime de neutralidade fiscal.

Quanto aos antecedentes históricos, a MMª juiz referiu o seguinte:
“Alega a impugnante que destacou, para a sociedade R... SGPS várias participações que detinha em outras sociedades, bem como as prestações de capital acessórias e suplementares que delas eram acessórias, e que essa operação concretizou uma cisão-fusão, pelo que, deveria estar sujeita ao regime de neutralidade fiscal, por força do artigo 67º (actual 73º) e seguintes do Código do Impostos Sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas, porquanto existiu na realidade o destaque de um ramo de actividade, relacionado com a gestão concreta das participações sociais transmitidas.
A questão decidenda (como já referimos supra) consubstancia-se em determinar se o destaque que a impugnante fez, de várias participações que detinha, para a R... SGPS, configura o destaque de um ramo de actividade, tal como este era definido no artigo 67º, nº 4, do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas Na redacção aplicável à data e que no que respeita a este regime especial aplicável às fusões, cisões, entradas de activos e permutas de partes sociais, decorria das alterações produzias pelo Decreto-Lei nº 193/92, de 02 de Julho, Lei nº 30-C/92, de 28 de Dezembro, Decreto-Lei nº 6/93, de 9 de Janeiro, Lei nº 75/93, de 20 de Dezembro, Decreto-Lei nº 366/98, de 23 de Novembro, Lei nº 87-B/98, de 31 de Dezembro, Lei nº 3-B/2000, de 4 de Abril, Decreto-Lei nº 55/2000, de 4 de Abril, Decreto-Lei nº 198/2001, de 3 de Julho, Decreto-Lei nº 221/2001, de 7 de Agosto, Lei nº 3-B/2002, de 30 de Dezembro, Lei nº 50/2005, de 30 de Agosto, Decreto-Lei nº 211/2005, de 7 de Dezembro e Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro. , o que permitiria enquadrar aquela operação, na cisão-fusão a que alude o artigo 67º, nº 2, alínea a), do mesmo Código Na versão que lhe foi conferida pelos Diplomas já acima referenciados e que se encontrava em vigor à data dos factos. , ficando esta sujeita ao regime especial de neutralidade fiscal previsto nos seus artigos 67º e ss A que correspondem actualmente os artigos 73º e ss do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei nº 159/2009, de 13 de Julho e Lei nº 3-B/2010, de 28 de Abril. .
Vejamos, então.
Estes normativos regulam o regime especial que, no Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas é consagrado às fusões, cisões, entradas de activos e permutas de partes sociais, e instituem um regime de neutralidade fiscal, no tratamento de operações que visam a reestruturação ou racionalização da actividade das empresas.
O Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, na sua redacção inicial Aprovada pelo Decreto-Lei nº 442-B/88, de 30 de Novembro.
, no capitulo III, secção VI, sob a epígrafe “Disposições comuns e diversas”, subsecção IV, sob a epígrafe “Fusões e Cisões”, artigos 62º a 64º, consagrou este regime da neutralidade fiscal, podendo ler-se no preâmbulo deste diploma, o seguinte: “Outra área onde se faz sentir a necessidade de a fiscalidade adoptar uma postura de neutralidade é a que se relaciona com as fusões e cisões de empresas. É que a reorganização e o fortalecimento do tecido empresarial não devem ser dificultados, mas antes incentivados, pelo que, reflectindo, em termos gerais, o consenso que, ao nível dos países da CEE, tem vindo a ganhar corpo neste domínio, criam-se condições para que aquelas operações não encontrem qualquer obstáculo fiscal à sua efectivação, desde que, pela forma como se processam, esteja garantido que apenas visam um adequado redimensionamento das unidades económicas.”
Assim, é neste enquadramento – o de garantir a efectivação de um adequado redimensionamento das unidades económicas – que é consagrado este regime de neutralidade fiscal, aplicável às fusões e cisões de sociedades com sede ou direcção efectiva em território português, verificados que estivessem as condições previstas naquele normativo (cfr. artigo 62º, nº 1), sendo que, aquele regime era ainda aplicável, com as necessária adaptações aos sujeitos passivos de IRC que não fossem sociedades, e aos respectivos membros (cfr. artigo 64º).
Conforme se constata, da redacção do indicado artigo 62º, nº 1, o conceito de fusão e cisão, para efeitos de aplicação daquele regime de neutralidade fiscal, não tinha qualquer especificidade, relativamente ao Código das Sociedades Comerciais Neste sentido, também J. L. Saldanha Sanches, no artigo publicado na revista Fiscalidade nº 34, intitulado Fusão Inversa e Neutralidade (da Administração) Fiscal e disponível no site www.saldanhasanches.pt. .
O regime da neutralidade fiscal veio a sofrer a primeira alteração legislativa, por força da necessidade de transposição para a ordem jurídica portuguesa do disposto na directiva nº 90/434/CEE Instituiu um regime fiscal comum aplicável às fusões, cisões, entradas de activos e permuta de acções entre sociedades de Estados membros diferentes e do disposto na directiva nº 90/435/CEE Relativa ao regime fiscal comum aplicável aos lucros distribuídos por sociedades afiliadas a sociedades-mães de Estado membros diferentes, mas cuja matéria não contende com a dos presentes autos .
Assim, é aprovado o Decreto-Lei nº 123/92, de 2 de Julho, que veio alterar a redacção do artigo 62º e aditar o artigo 62º-A, para efeitos daquela transposição, não tendo sido feito, no entanto, a transposição da matéria relacionada com a “entrada de activos” e “permuta de acções” uma vez era possível a Portugal diferir o inicio da aplicação destas matérias para 1 de Janeiro de 1993 Cfr. o próprio preâmbulo do diploma.
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Conforme se lê no preâmbulo deste diploma (Decreto-Lei nº 123/92, de 2 de Julho): “Quanto à directiva sobre fusões e cisões, são preocupações de neutralidade fiscal que norteiam as disposições constantes da mesma e que já haviam sido acolhidas no Código do IRC quanto às fusões e cisões entre sociedades residentes em território português. Assim, no essencial, estende-se às fusões e cisões entre sociedades de diferentes Estados membros das Comunidades Europeias, efectuadas em conformidade com o direito aplicável, o regime que já estava estabelecido para as fusões e cisões internas”.
Assim, o artigo 62º-A, nº 1 (aditado por este diploma), remete para o regime do artigo 62º, com as necessárias adaptações, os casos de fusão e cisão de sociedades, tal como estas são definidas no artigo 2º, daquela Directiva, em que intervenham também sociedade ou sociedades de outros Estados membros das Comunidades Europeias.
Ora, naquele artigo 2º da Directiva constavam, os termos em que, para os efeitos da sua aplicação, se deviam considerar os conceitos de fusão, cisão, entrada de activos, permuta de acções, sociedade contribuidora, sociedade beneficiária, sociedade adquirida, sociedade adquirente e ramo de actividade.
Assim, e para efeitos de aplicação do regime de neutralidade fiscal, os conceitos de fusões e cisões, no que respeita a estas operações, quando levadas a cabo por sociedades nacionais, mantiveram-se inalterados, mas os conceitos que deveriam ser considerados para as mesmas operações, entre sociedade ou sociedades de diferentes Estados da União Europeia, eram preenchidos com referência para o artigo 2º da Directiva Onde se encontravam as definições de fusões e cisão, para efeitos de aplicação daquele regime.
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Quanto às cisões e restantes fusões transfronteiriças, os conceitos de cisão e fusão eram já reconduzidos às definições constantes do artigo 2º, da Directiva nº 90/334/CEE.
Entretanto, com o Decreto-Lei nº 6/93, de 9 de Janeiro, foi transposto para a ordem jurídica interna, a matéria respeitante à entrada de activos e permuta de acções, prevista na indicada Directiva nº 90/334/CEE. Assim, lê-se agora no preâmbulo deste diploma que: “O Decreto-Lei nº 123/92, de 2 de Julho, efectuou a transposição para a ordem jurídica portuguesa do disposto na Directiva nº 90/434/CEE, de 23 de Julho de 1990, na parte referente a fusões e cisões. No tocante a entrada de activos e permuta de acções, essa transposição é feita pelo presente diploma, já que, neste domínio, haveria que estabelecer para as operações desse tipo em que intervenham apenas pessoas ou entidades residentes em território português um regime similar ao adoptado em resultado da transposição da mencionada directiva.
Esse regime, aplicável apenas para efeitos fiscais, é norteado pela preocupação de garantir neutralidade fiscal a essas operações, cuja importância para o reforço da competitividade das empresas se reconhece, mas acautelando que as mesmas não sejam usadas com propósitos de evasão ou fraude fiscais.”
As alterações produzidas por este diploma, e resultantes da aludida transposição, reportam-se desde logo à epígrafe da subsecção IV, que passa a ser identificada como “Fusões, cisões, entradas de activos e permuta de acções” e ao aditamento dos artigos 62º-B e 64º-A, o primeiro disciplinando o regime especial aplicável à “entradas de activos” e o segundo à “permutas de acções”.
Assim, J.L. Saldanha Sanches, em artigo publicado na revista Fiscalidade, intitulado “Fusão Inversa e Neutralidade (da Administração) Fiscal”, página 17 e 18, ainda quanto a esta matéria, diz o seguinte: “(…) O artigo 62º do Código do IRC veio criar o “regime especial aplicável às fusões e cisões de sociedades residentes”, onde se mantinham os traços essenciais do regime criado na primeira redacção do Código. O artigo 62º-A criava o regime das “fusões e cisões de sociedades de diferentes estados membros das Comunidades Europeias”. O artigo 62º-B tratava dos problemas da entrada de activos, que não existia anteriormente no Direito português, e o artigo 64º-A da permuta de acções.
Ou seja, numa primeira fase, o legislador português criou um regime para as operações internas e outro para as operações transfronteiriças. Só recentemente, seguindo o exemplo de outros estados-membros, veio criar um regime unificado – o que tem importantes consequências, como veremos adiante.”
E é no nº 2 do artigo 62º-B Que veio disciplinar o regime especial aplicável à entrada de activos. que o legislador nacional (pela primeira vez), consagra o conceito de “ramo de actividade”, mas apenas com referência à operação de “entrada de activos” (seguindo o enquadramento que era dado pela Directiva 90/334/CEE, a esta operação).
Assim, de acordo com nº 2, alínea a), a operação de entrada de activos, é definida como a “operação pela qual uma sociedade transfere, sem que seja dissolvida, o conjunto ou um ou mais ramos da sua actividade para outra sociedade, tendo como contrapartida partes do capital social da sociedade adquirente”, sendo que, de acordo com a alínea b), do mesmo número, “ramo de actividade” é considerado “o conjunto de elementos que constituam, do ponto de vista organizacional, uma unidade económica autónoma, ou seja, um conjunto capaz de funcionar pelos seus próprios meios, o qual pode compreender as dívidas contraídas para a sua organização e funcionamento”,
Mas é com o Decreto-Lei nº 221/2001, de 7 de Agosto, que o legislador nacional opta por fazer constar no Código, as definições da totalidade das operações abrangidas por aquele regime especial, as quais passam a ser aplicáveis no plano interno e no plano internacional Neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 22.04.2009, no processo nº 0548/08, disponível em www.dgsi.pt. . Assim, lê-se no preâmbulo deste Diploma que: “Tendo pois presente a importância que este regime especial tem na promoção da competitividade das empresas, a revisão agora efectuada orientou-se pela preocupação de introduzir no regime já existente maior eficácia e simplicidade.
As definições das operações abrangidas pelo regime especial passam a constar da própria lei fiscal, sendo aplicáveis, quer no plano interno, quer no plano internacional, pondo-se termo ao conjunto dual de definições até agora existente.”
Pelo exposto, e com referência às cisões Que se encontram agora reguladas no artigo 67º, uma vez que, com a republicação do Código pelo Decreto-Lei nº 198/2001, de 3 de Julho, este regime de neutralidade, que se encontrava consagrado nos artigos 62º a 64º-B, passou a constar dos artigos 67º a 72º.
, dispunha o artigo 67º, nº 2, que:
a) Uma sociedade (sociedade cindida) destaca uma ou mais partes do seu património para com elas constituir outras sociedades (sociedades beneficiárias) ou para as fundir com sociedades já existentes, mediante a atribuição aos seus sócios de partes representativas do capital social destas últimas sociedades e, eventualmente, de uma quantia em dinheiro que não exceda 10% do valor nominal ou, na falta de valor nominal do valor contabilístico equivalente ao nominal das participações que lhe forem atribuídas.”
Ora, a definição de cisão da Directiva nº 90/334/CEE, reconduzia esta figura apenas às situações em que “uma sociedade transfere, na sequência e por ocasião da sua dissolução sem liquidação, o conjunto do activo e do passivo que integra o seu património para duas ou mais sociedades já existentes ou novas, mediante a atribuição aos seus sócios, de acordo com uma regra de proporcionalidade de títulos representativos do capital social das sociedades beneficiárias da entrada, e, eventualmente, de uma quantia em dinheiro não superior a 10% do valor nominal ou, na ausência de valor nominal, do valor contabilístico desses títulos;” mas com este diploma o legislador nacional, estendeu a definição de cisão (para efeitos de aplicação deste regime) às situações em que a sociedade cindida não era dissolvida, ao contrário do que resultava da indicada Directiva, uma vez que, a cisão que era aqui considerada era apenas aquela onde a sociedade cindida era dissolvida.
Quanto à alusão a “ramo de actividade”, esta continua apenas a ser efectuada, nos termos supra referidos, ou seja, com referência à operação de “entrada de activos”.
Com a Lei nº 32-B/2002, de 30 de Dezembro, é introduzida uma alteração no conceito de ramo de actividade, a qual continua a ser, no entanto, apenas feita com referência à operação de “entrada de activos”.
Entretanto, e com a Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro, foi operada a última alteração de que veio a resultar a redacção que se encontrava em vigor à data dos factos em apreço nos presentes autos (factos assentes no ponto 10 e 12), e que resultou da transposição da Directiva nº 2005/19/CE, do Conselho, de 17 de Fevereiro Que alterou a Directiva nº 90/434/CEE, de 17 de Fevereiro de 2005 e que passou a prever, com relevância para a matéria em apreço nos presentes autos, a cisão em que a sociedade que “transfere ramos de actividade não seja dissolvida” mas fazendo depender esta não apenas da transferência de um conjunto de activos e passivos mas do destaque de um ramo de actividade, cfr. os seus considerando nº 9 e artigo 1º, 3 .
Pelo exposto, e na sequência daquela transposição por via desta Lei 53-A/2006, a operação de cisão prevista na alínea a), do nº 2, do artigo 67º E que não implicava a dissolução da sociedade contribuidora., passou a restringir-se às situações em que é destacado um ramo ou mais da actividade da sociedade contribuidora, para a sociedade beneficiária Ao contrário do que sucedia, em consequência da redacção que anteriormente tinha sido dada a esta alínea pelo Decreto-Lei nº 221/2001, de 7 de Agosto, onde a cisão se reconduzia à operação em que a sociedade cindida destaca uma ou mais partes do seu património, sem referência à necessidade de que esse activo constituísse um qualquer ramo de actividade daquela sociedade cindida .
Assim, pode ler-se nesta norma (artigo 67º, nº 2, alínea a)), que, para efeitos de aplicação daquele regime de neutralidade fiscal, é considerada cisão a operação pela qual “Uma sociedade (sociedade cindida) destaca uma ou mais partes do seu património para com elas constituir outras sociedades (sociedades beneficiárias) ou para as fundir com sociedades já existentes, mediante a atribuição aos seus sócios de partes representativas do capital social destas últimas sociedades e, eventualmente, de uma quantia em dinheiro que não exceda 10% do valor nominal ou, na falta de valor nominal das participações que lhes forem atribuídas;”.
Por outro lado, foi ainda alterado o nº 4, deste mesmo artigo 67º, onde se encontrava a definição de conceito de “ramo de actividade”, para efeitos de consideração de aplicação deste regime especial à operação de “entrada de activos”.
Assim, este conceito passou a reportar-se, não apenas àquela operação de “entrada de activos” mas também (e pela primeira vez) à operação de “cisão” prevista na alínea a), do nº 2, deste artigo 67º Uma vez que, conforme se referiu supra, esta operação passou a considerar-se como aquela que resultava da transferência de um ramo de actividade .
Resulta assim que, na sequência da transposição daquela Directiva 2005/19/CE, o legislador pretendeu afastar do regime da neutralidade fiscal, no que diz respeito às cisões em que a sociedade contribuidora não é dissolvida Uma vez que esta modalidade de cisão, a que alude a alínea b), permaneceu inalterada , ou seja, às operações de cisões previstas na alínea a), desde número 2, passando a depender aplicação deste regime, do facto de aquele destaque respeitar a um ramo ou mais da actividade da sociedade cindida, para a sociedade beneficiária Conforme resulta agora do disposto neste artigo 67º, nº 2, alínea a)
.
Com efeito, o regime anterior a esta alteração, no que respeita à cisão de que não resultava a dissolução da sociedade contribuidora, não estava harmonizado com o regime constante da Directiva 90/334/CEE, uma vez que, de acordo com esta Directiva as operações de cisão, contempladas eram apenas aquelas que ocorriam por ocasião da dissolução e liquidação da sociedade cindida, sendo por isso, suficiente a transferência do conjunto do activo e do passivo de uma sociedade, sem a imposição de que aquele conjunto constituísse um “ramo de actividade”.
Na verdade, o regime constante da Directiva 90/334/CEE tinha como objectivo permitir que as empresas fossem mais competitivas, nomeadamente, através do aumento de produtividade, tendo por isso, na sua base razões estritamente económicas do ponto de vista da sua actividade.
Aliás, constava dos seus considerandos que: “(…) importa, por conseguinte, instaurar, para essas operações regras fiscais neutras relativamente à concorrência, a fim de permitir que as empresas se adaptem às exigências do mercado comum, aumentem a sua produtividade e reforcem a sua posição concorrencial no plano internacional” e que “(….)não é possível atingir este objectivo através do alargamento dos regimes internos em vigor nos Estados-membros ao plano comunitário, uma vez que as diferenças entre esses regimes são susceptíveis de provocar distorções; que apenas um regime fiscal comum poderá constituir uma solução satisfatória a este respeito;” e ainda que “(…) o resultado das operações de fusão, cisão e entrada de activos será normalmente quer a transformação da sociedade contribuidora em estabelecimento estável da sociedade beneficiária da entrada que a afectação dos activos a uma estabelecimento estável desta última sociedade.”
E quanto ao conceito de estabelecimento estável, podemos ler, num recente acórdão do Tribunal de Justiça, de 20 de Outubro de 2011, no processo C-369/09 – onde é colocada a questão sobre o conceito de estabelecimento para efeitos do Regulamento (CE) nº 1346/2000 do Conselho, de 29 de Março, relativo aos processos de insolvência – que “O conceito de “estabelecimento”, na acepção do artigo 3º, nº 2, do mesmo regulamento, deve ser interpretado no sentido de que exige a presença de uma estrutura com um mínimo de organização e uma certa estabilidade, com vista ao exercício de uma actividade económica. A simples presença de bens isolados ou de contas bancárias não corresponde, em princípio, a essa definição.”
Pelo exposto, resultava da Directiva 90/434/CEE, que a única operação que não tinha por resultado a dissolução da sociedade contribuidora, a “entrada de activos”, era enquadrada no regime ali previsto apenas quando consubstanciasse a transferência de um “ramo de actividade”, e não e apenas a transferência de um conjunto de activos e passivos, percebendo-se, que desta forma se pretendia única e exclusivamente beneficiar fiscalmente operações que tivessem como propósito as reestruturações societárias cujo objectivo final fosse a continuidade da actividade produtiva, através “da transformação da sociedade contribuidora em estabelecimento estável da sociedade beneficiária” quer pela “afectação de activos a um estabelecimento estável desta última sociedade” Não sendo necessário a exigência da transferência de um ramo de actividade, nos casos em que a sociedade contribuidora era dissolvida, certamente porque se pressupõe que a transferência de activos e passivos para outra sociedade, nesta situações, reforça as empresas e aumente a sua produtividade, ao contrário da sua dissolução com a liquidação de todo o activo e passivo - aliás nas definições de fusão e cisão, da Directiva, no que respeita às sociedades contribuidoras, pode ler-se a expressão “dissolução sem liquidação”, percebendo-se que com a alteração que lhe foi introduzida pela Directiva 2005/19/CE, a operação de “cisão” de que não resultava a dissolução da sociedade cindida, veio a ser consagrada como uma operação à qual era aplicável aquele regime, mas apenas quando esta operação consubstanciasse a transferência de um “ramo de actividade” e não apenas a transferência de um conjunto de activo e passivo da sociedade cindida”.

Este percurso histórico não está distante do desenvolvido pela Impugnante na petição inicial (artigos 74º e segs.), parece-nos substancialmente correcto, pelo que nada de essencial temos a acrescentar.

Quanto ao recorte do conceito “ramo de actividade”.
Como vimos, este é o conceito nuclear para que uma operação de fusão-cisão em território nacional possa beneficiar do regime de neutralidade fiscal.

A Impugnante contesta a liquidação precisamente porque considera ter feito a operação de cisão-fusão com destaque de um ramo da sua actividade. “Grosso modo”, a Impugnante sustenta que se dedicava a dois ramos de actividade: por um lado, a actividade directa de construção civil e obras públicas e por outro a actividade exercida indiretamente através da participação no capital social de outras sociedades.

Com a operação em causa, a Impugnante destacou da sua actividade um dos ramos, concretamente, o ramo de detenção e gestão de participações sociais, que transferiu para R... SGPS bem como passivos de montante equivalente ao valor nominal desses activos, permanecendo apenas na R... as participações que por razões legais ou contratuais não poderiam deixar de a ter como detentora.

Na tese da Impugnante esta transferência corresponde ao destaque de “um ramo de actividade”, na medida em que respeita integralmente o disposto no n.º 4 do art. 73º do CIRC (redação e numeração actuais, correspondente ao n.º 4 do art. 67º do CIRC, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29/12).

Segundo dispõe a norma em causa, “Considera-se ramo de actividade o conjunto de elementos que constituem, do ponto de vista organizacional, uma unidade económica autónoma, ou seja, um conjunto capaz de funcionar pelos seus próprios meios, o qual pode compreender as dívidas contraídas para a sua organização ou funcionamento”

Louvando-se na jurisprudência do Tribunal de Justiça proferida no acórdão C-43/00 proferido em 15 de Janeiro de 2002, defende que “o funcionamento pelos próprios meios”, está mais ligado à capacidade de economicamente e sem serem alienados, os activos destacados serem susceptíveis de se proverem por si, e sem contribuições adicionais dos activos, do que ao mero facto de disporem no seu seio de um ou outro trabalhador dependente ou de um computador exclusivamente afecto a esses activos (art. 207º da douta petição inicial).

Até porque uma actividade de gestão de participações sociais não é, propriamente, uma actividade industrial; é muito mais desmaterializada e a sua autonomia não é obrigatoriamente traduzida na presença desse tipo de elementos, (...) para uma SGPS, as participações sociais têm a importância que para outras empresas mais tradicionais podem ter uma máquina, uma matéria-prima ou a propriedade intelectual de um processo produtivo” (artigo 210º da douta petição inicial).

A Administração Fiscal, por outro lado, entende que tal não sucedeu, uma vez que, para existir o destaque de um ramo de actividade era necessário que com essas participações fossem transmitidos outros elementos patrimoniais aptos a constituírem uma estrutura associada à gestão dessas participações. Entende que esta exigência acrescida resulta da alteração produzida em 2007, na redacção deste artigo, não bastando a transferência de uma pluralidade de activos, sendo imprescindível que os elementos destacados se identifiquem com uma exploração económica independente que, por si só, seja capaz de promover o exercício de uma actividade sem interrupções e que tal autonomia deve ser visível não na sociedade beneficiária mas na impugnante, a sociedade cindida.

Portanto, é em torno da noção “ramo de actividade” que temos de concretizar para percebermos se a transferência operada constituiu um destaque do ramo de actividade - se é um conjunto capaz de funcionar pelos seus próprios meios - e assim beneficiar do regime especial de neutralidade fiscal.

A MMª juiz dedicou à questão as seguintes reflexões:
“O conceito de ramo de actividade, encontrava-se definido já Directiva nº 90/334/CEE, não tendo sofrido qualquer alteração com a Directiva nº 2005/19/CE.
Assim, a alínea i), do nº 2, desta Directiva 2005/19/CE, define ramo de actividade como o: “conjunto de elementos do activo e do passivo de um departamento de uma sociedade, que constituem, do ponto de vista organizacional, uma exploração autónoma, ou seja, um conjunto capaz de funcionar pelos seus próprios meios.”
O legislador nacional, ao transpor para o direito interno, o conceito de ramo de actividade, pela primeira vez, com o Decreto-Lei nº 6/93, de 9 de Janeiro Mas aqui apenas com referência à “entrada de activos” , definiu ramo de actividade como “o conjunto de elementos que constituam, do ponto de vista organizacional, uma unidade económica autónoma, ou seja, um conjunto capaz de funcionar pelos seus próprios meios, o qual pode compreender as dívidas contraídas para a sua organização ou funcionamento”, utilizando a expressão unidade económica, ao invés da expressão exploração autónoma, utilizada na Directiva.
Ora, com a alteração produzida pela Lei 53-A/2006, de 29 de Dezembro, a definição deste conceito passou a constar de um corpo único, regressando o legislador à fórmula do Decreto-Lei 221/2001, de 7 de Agosto E que a Lei nº 32-B/2002, de 30 de Dezembro tinha alterado, conforme descrito supra, abandonando-se a definição de ramo de actividade constante da alínea b) , podendo ler-se agora, neste nº 4, o seguinte: “Para efeitos do número anterior e da alínea a) do nº 2, considera-se “ramo de actividade o conjunto de elementos que constituem, do ponto de vista organizacional, uma unidade económica autónoma, ou seja, um conjunto capaz de funcionar pelos seus próprios meios, o qual pode compreender as dívidas contraídas para a sua organização e funcionamento”, mantendo-se a expressão unidade económica, ao invés da expressão, exploração autónoma contida na Directiva.
Vejamos então qual então a interpretação a fazer deste conceito, no caso sub judice, por forma a decidir se a operação efectuada pela impugnante, pode ser subsumida a este artigo 67º, nº 2, alínea a).
Apesar de encontrarmos uma divergência entre a expressão utilizada pelo legislador nacional e pelo legislador comunitário, na definição deste conceito, uma vez que, o primeiro utiliza a expressão “unidade económica autónoma” e o segundo a expressão “exploração autónoma” Sendo certo que a expressão unidade económica é desde logo adoptada pelo legislador nacional, no preâmbulo do diploma que aprovou o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, ao referir-se a este regime e ao objectivo pretendido de com ele se visar “um adequado redimensionamento das unidades económicas , não podemos deixar de ter em consideração o direito da União Europeia, na interpretação do conceito de “ramo de actividade”.
Neste sentido pode ler-se as conclusões do Advogado-Geral Tizzano apresentadas em 11 de Setembro No pedido de decisão prejudicial: Vestre Landsret – Dinamarca – Aproximação das legislações – Directiva 90/434/CEE – Regime fiscal comum aplicável às fusões, cisões, entradas de activos e permuta de acções – Entrada de activos ou transferência de um ramo de actividade – Conceitos – processo C-43/00
, de onde se extrai o seguinte: “Segundo o Tribunal de Justiça, de facto “quando a legislação se adequa, para as soluções que dá a situações puramente internas, às soluções escolhidas em direito comunitário, a fim, nomeadamente, de evitar o aparecimento de discriminações contra cidadãos nacionais ou […] eventuais distorções de concorrência, existe um interesse comunitário manifesto em que, para evitar divergências de interpretação futuras, as disposições ou as noções que se foram buscar ao direito comunitário sejam interpretadas de forma uniforme, quaisquer que sejam as condições em que se devem aplicar. O Tribunal de Justiça sublinhou, todavia que, “numa tal situação, e no âmbito da repartição das funções jurisdicionais entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, prevista no artigo 177º, compete apenas ao órgão jurisdicional nacional apreciar o alcance exacto dessa remissão para o direito comunitário, sendo o Tribunal de Justiça competente para apenas as disposições deste direito.”
Neste sentido podemos ler, ainda na obra citada supra, J.L. Saldanha Sanches, página 22, que: “Referimos acima a competência do TJCE em matéria de fusões e cisões. Essa competência é hoje consensual e foi reafirmada pela advogada geral nas suas conclusões num caso recente: “o Tribunal de Justiça já declarou que o regime fiscal comum estabelecido na directiva, que inclui diferentes benefícios fiscais, se aplica indistintamente a todas as operações de fusão, de cisão, de entrada de activos e de permuta de acções, independentemente dos seus fundamentos”.
E o Tribunal de Justiça da União Europeia, já se pronunciou sobre o alcance do conceito de ramo de actividade, consagrado na Directiva nº 90/434/CEE, precisamente no processo nº C-43/00 (acórdão de 15.01.2002) a que se referem as conclusões do Advogado-Geral Tizzano, no entanto, neste processo, não está em causa uma “cisão” mas uma operação de “entrada de activos”, sendo certo que, se pode dizer que a diferença entre a operação de “cisão”, prevista no artigo 67º, nº 2, alínea a), e a de “entrada de activos”, plasmada no nº 3, deste artigo, se reconduz apenas ao beneficiário da operação, uma vez que, na “cisão” são os sócios e na “entrada de activos”, a sociedade contribuidora.
Ora, como se pode ler em “Código das Sociedades Comerciais anotado Coordenação de Menezes Cordeiro, 2.ª edição, Almedina, página 475.
”: “Da cisão simples há que distinguir a entrada de activos, prevista no 67º do CIRC. Na entrada de activos, a sociedade contribuidora transfere para a sociedade beneficiária parte do seu património (ramo de actividade, nos termos do artigo 67º, nº 3 do CIRC), recebendo como contrapartida uma participação social no capital social da sociedade beneficiária. Tal não é o que acontece na cisão simples. Na cisão, são os sócios – e não a sociedade cindida – quem recebe participações sociais na sociedade beneficiária. Justamente porque a distinção entre a cisão e a entrada de activos passa pelo beneficiário da contrapartida, o CIRC, no 67º/2 teve a preocupação de incluir na noção de cisão, ao contrário do artigo 118º, a atribuição aos sócios das sociedades cindidas de participações sociais nas sociedades beneficiárias.”
Ora, naquele Acórdão do Tribunal de Justiça, discute-se se uma determinada operação pode ser considerada “entrada de activos” na acepção da Directiva, quando não congrega o conjunto dos elementos do activo e do passivo atinentes a um “ramo de actividade”.
Assim, neste processo a questão essencial é se se pode operar a transferência de um ramo de actividade no caso em que não é transferido o conjunto do activo e do passivo que o integrariam.
Ora, a questão colocada naquele processo é necessariamente diferente daquela que é colocada nos presentes autos - resultando mesmo da factualidade assente que com os activos transmitidos para a R... SGPS também foram transmitidos os respectivos passivos (factos assentes nos ponto 9) -, uma vez que, no caso em apreço, a Administração Fiscal fundamenta a sua decisão no facto de entender que “não são transmitidos quaisquer meios materiais ou humanos afectos à gestão de participações sociais” (facto assente no ponto 5), não alegando a inexistência de transferência de passivo.
No entanto, entendemos que este acórdão é explícito nos termos em que deve ser interpretada esta alínea i), do artigo 2º, da Directiva, mais concretamente, sobre o que deve ser entendido como funcionamento autónomo de uma determinada exploração.
Assim, lê-se aí, no parágrafo 35, que: “o funcionamento autónomo da exploração deve ser apreciado, em primeiro lugar, de um ponto de vista funcional – os activos transferidos devem poder funcionar como uma empresa autónoma, sem necessidade, para esse efeito, de investimentos ou entradas suplementares – e somente, em segundo lugar, de um ponto de vista financeiro.”, lendo-se ainda, no parágrafo 37, que: “a apreciação do carácter autónomo de uma exploração deve, no entanto, ser deixada ao órgão jurisdicional nacional, tendo em conta as circunstâncias particulares de cada caso concreto.”
Mas encontramos ainda um acórdão do Tribunal de Justiça, de 13 de Outubro de 1992 (processo nº C-50/91), onde é abordado o conceito de “ramo de actividade” e que apesar de não versar sobre esta Directiva Reporta-se à Directiva nº 69/335/CEE, de 17 de Julho (entretanto, alterada pela Directiva 85/303/CEE), relativa aos impostos directos que incidem sobre as reuniões de capitais) , julgamos enquadrar-se no mesmo âmbito da Directiva 90/434/CEE.
Na verdade, nesta última Directiva pretendeu-se instaurar regras comuns aplicáveis às reestruturações de empresas, que são neutras do ponto de vista da concorrência, tendo como objectivo assegurar o diferimento da tributação dos rendimentos, dos lucros e das mais-valias resultantes de reorganizações de empresa; a Directiva nº 69/335/CEE, teve por objectivo evitar que, com obstáculos de natureza fiscal, sejam postos entraves às transferências de activos entre sociedades, de forma a favorecer a reorganização das empresas.
E, uma das questões que foi colocada ao Tribunal de Justiça, no indicado processo foi se: “A expressão “um ou vários ramos da sua actividade” utilizada no artigo 7º, nº 1, alínea b), da Directiva 69/335/CEE, pressupõe um “sector de empresa” no sentido de uma parte da totalidade de uma empresa, dotada de uma certa autonomia, com capacidade de vida própria e cujos bens económicos sirvam, no seu conjunto, para o exercício de uma actividade que, por sua natureza, se distingue claramente da actividade comercial do resto da empresa” A redacção daquele artigo 7º, nº 1, alínea a), era a seguinte: “A referida taxa será reduzida de 50 %, ou mais, quando uma ou mais sociedades de capitais entreguem a totalidade do respectivo património, ou um ou vários ramos da sua actividade, a uma ou várias sociedades de capitais em vias de constituição ou já existentes.” .
Naquele acórdão - parágrafo 12 - lê-se que, a fim de dar efeito útil ao indicado objectivo da Directiva “há que definir o conceito de ramo de actividade contido no artigo 7º como referindo-se a qualquer parte de empresa, quando constitua um conjunto organizado de bens e de pessoas capazes de concorrer para a realização de uma actividade determinada.”
Ora, esta interpretação vai ao encontro da definição que resulta também da Directiva 90/434/CEE, um vez que, aí é descrito ramo de actividade como o “conjunto de elementos do activo e do passivo de um departamento de uma sociedade, que constituem, do ponto de vista organizacional, uma exploração autónoma, ou seja, um conjunto capaz de funcionar pelos seus próprios meios.”
Assim, a interpretação a dar ao conceito de unidade económica tem que ser necessariamente igual ao da interpretação do conceito de exploração autónoma, para este efeito, pois tal interpretação é a mais correcta do ponto de vista sistemático e histórico, atendendo ao facto de, com esta última alteração da Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro, ter sido clara a intenção do legislador nacional de harmonizar o direito interno, nesta matéria, com o direito comunitário.
Na verdade, não se pode fazer uma leitura meramente literal deste normativo, a qual é, por natureza, demasiado redutora.
Com efeito, e como manda o artigo 9º do Código Civil, o intérprete deve, na fixação do sentido e alcance da lei, reconstituir, a partir da letra da lei, o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico e as circunstâncias em que a lei foi elaborada.
Deste modo, e na determinação do verdadeiro sentido e alcance das normas legais, o intérprete tem que utilizar sempre conjuntamente o elemento gramatical - a letra da lei -, e o elemento lógico - o espírito da lei -, neste se incluindo o elemento racional ou teleológico, o elemento sistemático e o elemento histórico Vide, neste sentido, os ensinamentos do Prof. BAPTISTA MACHADO, in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1985, pág. 181 , o que deve assim ser observado na interpretação das alterações introduzidas pelo artigo 99º, da Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro, mais concretamente, do nº 2, alínea a), conjugado com o nº 4, do artigo 67º, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas.
Por isso, entendemos que não foi intenção do legislador, consagrar neste normativo qualquer traço distintivo no conceito de “ramo de actividade”, face à definição consagrada na Directiva, o que se retira inclusivamente da revogação da alínea b), do artigo 67º, nº 4 -transformando este número num corpo único - no qual deixou de se fazer a alusão a “ramo de actividade” como “a detenção e gestão de participações em sociedades que desenvolvam actividades no mesmo ramo, desde que tais participações correspondam a, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada ou que o valor de aquisição de cada participação não seja inferior a (euro) 5000000, de acordo com o último balanço aprovado”.
É que, aquela alínea b), do nº 4, com a alteração que lhe tinha sido dada pela Lei do Orçamento de Estado de 2003 Lei nº 32-B/2002, de 30 de Dezembro e que vigorou até esta alteração da Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro, considerava que a detenção e gestão de tais participações sociais seria considerado ramo de actividade se as sociedades em causa desenvolvessem actividades no mesmo ramo e correspondessem a pelos menos 10% do capital com direito a voto da sociedade participada ou que o valor de aquisição de cada participação não fosse inferior a (euro) 5000000, por forma a abranger apenas as operações que tivessem claramente por objecto a detenção e gestão de participações sociais, enquanto forma indirecta de exercício de uma actividade económica determinada Atentos os requisitos de que o Regime Jurídico das Sociedades Gestoras de Participações Sociais faz depender o exercício de gestão de participações sociais, como forma indirecta do exercício de actividades económicas, cfr. o disposto nos artigos 1º, nº 2, do indicado Decreto-Lei nº 495/88, de 30 de Dezembro, Decreto-Lei nº 318/94, de24 de Dezembro, pelo Decreto-Lei nº 378/98, de 27 de Novembro e pela Lei nº 109-B/2001, de 27 de Dezembro
.
No entanto, e atenta a harmonização pretendida, entre o direito interno e o direito da união europeia, com a alteração do regime especial da neutralidade fiscal, previsto no Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, pretendeu o legislador nacional alterar os conceitos de cisão, a que aludia a alínea a), do nº 2, do artigo 67º (e ainda de permuta de partes sociais, a que aludia o nº 5, deste artigo 67º), e a revogar a previsão da alínea b), daquele anterior nº 4.
Na verdade, entendemos que nesta previsão, o legislador quis afastar-se da possibilidade de a detenção e gestão de participações sociais poder ser considerada um “ramo de actividade” de uma determinada sociedade, para efeitos de aplicação deste regime, se a mesma não se reconduzisse ao conceito que se encontrava plasmado na alínea a), deste nº 4, pelo que, manter aquela alínea b), resultaria numa clara redundância. (...)”


Nesta parte permitimo-nos discordar da douta sentença.

Sem embargo de reconhecermos que a questão está longe de ser pacífica e que a escassez de jurisprudência sobre a matéria também não ajuda a discernir uma interpretação absolutamente inequívoca, é nossa convicção que os subsídios recolhidos não confirmam a bondade da tese defendida pela MMª juiz “a quo” no que respeita à concretização do conceito “ramo de actividade” para efeitos do disposto no n.º 4 do art. 67º do CIRC, na numeração vigente em 2007 (e que corresponde, como já referimos, ao n.º 4 do actual art.º 73º CIRC).

Com efeito, não creditamos ao argumento retirado do acórdão do Tribunal de Justiça - (Primeira Secção) 13 de Outubro de 1992 no processo C-50/91 em interpretação da Diretiva n.º 69/335/CEE do Conselho, de 17 de Julho de 1969, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais - a valia que a MMª juiz lhe concede, desde logo, porque como veremos, o acórdão debruçou-se sobre realidades distintas daquelas que nos ocupam.

Se não vejamos.
De facto, na alínea b) do art.º 7º da Directiva 69/335 é mencionado o conceito “ramo de actividade” a propósito do qual o TJUE ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção) 13 de Outubro de 1992 no processo C-50/91., respondendo a um pedido de reenvio, entendeu que “...uma sucursal constitui um ramo de actividade, na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), da Directiva 69/335, quando constitua um conjunto de bens e de pessoas capazes de concorrer para a realização de uma actividade determinada” (sublinhado nosso).

Como vemos, o tribunal salvaguarda que o entendimento é perfilhado na acepção do art. 7º n.º 1 alínea b) da Directiva 69/335, relativo a uma sucursal, pelo que seria abusivo decalcá-lo, sem mais, à interpretação do art. 2º alínea i) da Directiva 90/434/CEE (correspondente à alínea j) do art. 2º da Directiva 2009/133/CE de 19 de Outubro de 2009).

Ora esta salvaguarda é importante e constitui como que um alerta para não transpormos interpretações de conceitos aparentemente idênticos (ramo de actividade) para contextos diferentes. A realidade subjacente ao conceito usado em determinado contexto factual pode não ser igual em todas as situações e por isso reclamar uma interpretação diferente, sempre consoante o pano de fundo em que é utilizado.

Mas vejamos esta questão com um pouco mais de atenção.
De acordo com a Directiva 69/335/CEE do Conselho, de 17 de Julho de 1969, relativa aos impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais, o seu art. 7º determinava redução da taxa de imposto sobre as entradas de capital nos seguintes termos:

“Artigo 7º

1. Até à entrada em vigor das disposições a adoptar pelo Conselho nos termos do no 2:

a) A taxa do imposto sobre as entradas de capital não pode exceder 2 % nem ser inferior a 1 %;

b) A referida taxa será reduzida de 50 %, ou mais, quando uma ou mais sociedades de capitais entreguem a totalidade do respectivo património, ou um ou vários ramos da sua actividade, a uma ou várias sociedades de capitais em vias de constituição ou já existentes”.


Na circunstância, o “Finanzamt” considerou que as sucursais objecto da entrada não constituíam uma parte da empresa a que pudesse ser aplicada a taxa reduzida de tributação, porque não eram inteiramente autónomas e não exerciam uma actividade distinta, por natureza, da do resto da empresa.

O “Bundesfinanzhof”, a quem foi submetido o litígio, interrogou-se sobre se a posição defendida pelo Finanzamt era conforme ao disposto no artigo 7.°, n.° 1, alínea b), da Directiva 69/335 e, por isso, apresentou ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1) A expressão “um ou vários ramos da sua actividade”, utilizada no artigo 7.°,
n.° 1, alínea b), da Directiva 69/335/CEE, pressupõe um “sector de empresa”, no sentido de uma parte da totalidade de uma empresa, dotada de uma certa autonomia, com capacidade de vida própria e cujos bens económicos sirvam, no seu conjunto, para o exercício de uma actividade que, por natureza, se distingue claramente da actividade comercial do resto da empresa?
2) No caso de a resposta à primeira questão ser negativa:
a) Quais os elementos essenciais do conceito de “ramo de actividade”, na acepção do artigo 7°, n.° 1, alínea b), da Directiva 69/335/CEE?
b) Uma sucursal, na acepção do § 13 do Handelsgesetzbuch (Código Comercial alemão), será um “ramo de actividade” na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), da Directiva 69/335/CEE?»

E o tribunal respondeu nos seguintes termos:
“8 Pelas suas questões, o órgão jurisdicional nacional procura, no fundo, saber se uma sucursal constitui um ramo de actividade na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), da Directiva 69/335.
(...)
11 Do preâmbulo dessas directivas resulta que este regime fiscal derrogatório tem por objectivo evitar que, com obstáculos de natureza fiscal, sejam postos entraves às transferências de activos entre sociedades, de forma a favorecer a reorganização das empresas, e nomeadamente o reagrupamento, no seio de uma mesma empresa, de diversas entidades que exerçam actividades idênticas ou complementares.
12 A fim de dar efeito útil a esse objectivo, há que definir o conceito de ramo de actividade contido no artigo 7.° como referindo-se a qualquer parte de empresa, quando constitua um conjunto organizado de bens e de pessoas capazes de concorrer para a realização de uma actividade determinada.
13 O Finanzamt alega que uma parte de empresa devia exercer uma actividade distinta, por natureza, da do resto da empresa para poder ser considerada ramo de actividade.
(...)
15 O Finanzamt sustentou ainda que uma sucursal não podia constituir um ramo de actividade porque não dispunha de personalidade jurídica, estava sujeita às instru­ções do estabelecimento principal e utilizava para efectuar as suas operações os recursos financeiros colocados à sua disposição por esse estabelecimento.

16 Quanto a este ponto, há que sublinhar que a ausência de personalidade jurídica não obsta a que uma entidade possa exercer uma actividade económica e que só o exercício dessa actividade deve ser tomado em consideração para determinar se uma parte de empresa constitui um ramo de actividade, mesmo que essa actividade seja financiada por meio de recursos fornecidos pelo estabelecimento principal ou que seja exercida por tal entidade em execução de instruções dadas por esse estabelecimento.

17 Em consequência, há que responder às questões submetidas pelo órgão jurisdicional nacional que uma sucursal constitui um ramo de actividade, na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), da Directiva 69/335, quando constitua um conjunto de bens e de pessoas capazes de concorrer para a realização de uma actividade determinada”. (itálico nosso)

Como vemos, estava em causa saber se uma sucursal podia constituir um ramo de actividade. E foi para esta questão concreta que o tribunal respondeu nos termos em que o fez.

Certamente se a questão tivesse sido colocada por um tribunal português facilmente concluiríamos, também, que uma sucursal não pode deixar de constituir um conjunto de bens e pessoas através do qual seja exercida uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, como resulta claro do art.º 5º/2-b) do CIRC na redação e numeração actuais.

Mas tendo o acórdão delimitado a sua análise à questão de saber se, e quando, a sucursal de uma sociedade exerce um ramo de actividade, não devemos extrapolar a interpretação para realidade distinta que é a contemplada na Directiva 90/434 (e também a Directiva 2009/133/CE de 19 de Outubro de 2009).

De resto, se esta Directiva, ou mesmo o legislador nacional, pretendessem que a noção de ramo de atividade integrasse “um conjunto de bens e de pessoas capazes de concorrer para a realização de uma actividade determinada” não teriam adoptado a fórmula que adoptaram, sendo certo que a interpretação daquele acórdão no processo C-50/91 não lhes era desconhecida.

Por outro lado, quer a Directiva 90/434 (artigo 11º) O artigo 11º da Directiva diz o seguinte:
1. Qualquer Estado-membro poderá recusar aplicar, no todo ou em parte, o disposto nos títulos II, III e IV ou retirar o benefício de tais disposições sempre que a operação de fusão, de cisão, de entrada de activos ou de permuta de acções:
a) Tenha como principal objectivo ou como um dos principais objectivos a fraude ou a evasão fiscais; o facto de uma das operações referidas no artigo 1° não ser realizada por razões económicas válidas, tais como a reestruturação ou a racionalização das actividades das sociedades que participam na operação, pode constituir presunção de que essa operação tem como principal objectivo ou como um dos principais objectivos a fraude ou a evasão fiscais; quer o CIRC (Art. 67º/10 na redação relevante e art. 73º/10 na redação actual) prevêm a possibilidade de não se aplicar o regime de neutralidade fiscal, total ou parcialmente “...quando se conclua que as operações abrangidas pelo mesmo tiveram como principal objectivo ou como um dos principais objectivos a evasão fiscal, o que pode considerar-se verificado, nomeadamente, nos casos em que as sociedades intervenientes não tenham a totalidade dos seus rendimentos sujeitos ao mesmo regime de tributação em IRC ou quando as operações não tenham sido realizadas por razões económicas válidas, tais como a reestruturação ou a racionalização das actividades das sociedades que nelas participam, procedendo-se então, se for caso disso, às correspondentes liquidações adicionais de imposto”.

Assim, a necessidade de prevenir a fraude e evasão fiscal será realizada através da análise dos objectivos realmente prosseguidos com a operação e não através da exigência de um conjunto de requisitos impostos administrativamente que a lei não contempla.

Retomando o já referido acórdão 15 de Janeiro de 2002, - Andersen og Jensen ApS contra Skatteministeriet, relativo a entrada de activos prevista na Directiva 90/434/CEE - sobre a conceito “ramo de actividade” decidiu o seguinte:

33 Os Governos dinamarquês e neerlandês são igualmente de opinião de que a questão de saber se uma sociedade pode funcionar pelos seus próprios meios deve ser apreciada segundo as circunstâncias específicas da situação. No caso concreto do processo principal, dada a existência de uma importante dívida e o penhor do conjunto das acções que representam o capital social da sociedade beneficiária da entrada de activos, parece que esta não pode funcionar de forma autónoma, pelos seus próprios meios.

34 A este propósito, recorde-se que o artigo 2._, alínea i), da directiva define o conceito de ramo de actividade como «o conjunto de elementos do activo e do passivo de um departamento de uma sociedade, que constituem, do ponto de vista organizacional, uma exploração autónoma».

35 Daqui resulta que o funcionamento autónomo da exploração deve ser apreciado, em primeiro lugar, de um ponto de vista funcional - os activos transferidos devem poder funcionar como uma empresa autónoma, sem necessidade, para esse efeito, de investimentos ou entradas suplementares - e somente, em segundo lugar, de um ponto de vista financeiro. O facto de a sociedade beneficiária de uma entrada de activos recorrer a um crédito bancário nas condições normais de mercado não pode, por si, excluir que a exploração recebida tenha carácter autónomo, mesmo quando o crédito seja garantido por accionistas da sociedade beneficiária da entrada de activos que dão as suas acções nessa sociedade como garantia do crédito concedido.

36 No entanto, o caso pode ser diferente quando a situação financeira da sociedade beneficiária da entrada de activos, considerada no seu conjunto, levar ao reconhecimento de que, muito provavelmente, não poderá sobreviver pelos seus próprios meios. Tal pode suceder quando os rendimentos da sociedade beneficiária da entrada de activos se afigurarem insuficientes comparativamente aos juros e às amortizações das dívidas assumidas.

37 A apreciação do carácter autónomo de uma exploração deve, no entanto, ser deixada ao órgão jurisdicional nacional, tendo em conta as circunstâncias particulares de cada caso concreto(sublinhado nosso).


Do exposto resulta que nem a Directiva nem o acórdão que mais próximo se debruçou sobre a questão preconizam qualquer filtro abstrato como o que a AT usou para não aceitar a neutralidade fiscal da operação.

Admitindo que um conjunto de participações sociais pode constituir um ramo de actividade (facto que a AT não questiona) só casuisticamente podemos saber se a sua exploração reveste ou não, caráter autónomo, ou seja, se é um conjunto capaz de funcionar pelos seus próprios meios.

Neste sentido, Maria Júlia Ildefonso Mendonça In “Entrada de Ativos e Permuta de Partes Sociais no regime de neutralidade fiscal: uma análise comparativa”, pp. 41 e segs. escreve em termos que nos parecem claros e que sufragamos:

“Segundo a AT, O simples destaque de participaçoÞes sociais naÞo se reconduz a uma operaçaÞo fiscalmente relevante de cisaÞo simples para efeitos do regime da neutralidade fiscal, dado naÞo consubstanciar, por si soì, um ramo de actividade.
Todavia, se conjuntamente com as participaçoÞes se verifica a transmissaÞo de outros elementos patrimoniais que configuram, no seu conjunto, uma infra-estrutura associada aÌ gestaÞo dessas participaçoÞes, numa interacçaÞo funcional com os tiìtulos, estaremos perante um verdadeiro ramo de actividade, que pode constituir, pois, objeto de destaque enquanto tal no âmbito de cisaÞo parcial fiscalmente relevante para efeitos do regime dos artigos 67.º e seguintes do CIRC”.
Desta forma, conforme o entendimento do Fisco, a transferência de participaçoÞes sociais soì poderaì relevar como ramo de atividade se as partes sociais forem transferidas como fazendo parte integrante de uma transferência mais alargada de ativos e passivos capazes de constituir uma infraestrutura associada aÌ gestaÞo dessas participaçoÞes.
No entanto, naÞo se pode deixar de notar que esta posiçaÞo peca por excesso ao exigir que as participações sociais contribuídas terão sempre de se fazer acompanhar por uma infra estrutura associada à sua gestão para se qualificarem como unidade económica autónoma.
A detenção de participações sociais gera rendimentos passivos que, por definição, não requerem inputs significativos. Significa isto que, dependendo do caso concreto, um portefoìlio de participaçoÞes sociais pode perfeitamente consubstanciar “um conjunto capaz de funcionar pelos seus proìprios meios”.
Com efeito, de acordo com o artigo 73.º n.º 4, apenas se exige que as participaçoÞes sociais constituam uma unidade econoìmica autoìnoma, ou seja, um conjunto capaz de funcionar pelos seus proìprios meios. Esta averiguaçaÞo deveraì ser feita caso a caso, atendendo aÌs especificidades das participaçoÞes sociais transmitidas. Existem portefoìlios de participaçoÞes sociais (ou ateì participaçoÞes sociais isoladas) que, pela sua dimensaÞo e risco associado, requerem estruturas complexas de gestaÞo, pelo que nestes casos, a transferência destes ativos soì poderaì qualificar como ramo de atividade se se fizerem acompanhar dos meios materiais e humanos associados aÌ sua gestaÞo. Noutros casos, em que as participaçoÞes sociais transferidas possuem, no seu conjunto, coerência econoìmica e naÞo existem quaisquer esforços adicionais associados aÌ sua gestaÞo, verifica-se, pois, a existência de uma unidade econoìmica autoìnoma.
ImpoÞe-se, entaÞo, uma anaìlise casuiìstica em detrimento de consideraçoÞes abstratas. Neste sentido vai igualmente o entendimento do TJUE, segundo o qual “a apreciaçaÞo do caraìcter autoìnomo de uma exploraçaÞo deve, no entanto, ser deixada ao oìrgaÞo jurisdicional nacional, tendo em conta as circunstâncias particulares de cada caso concreto”.
E note-se que o entendimento restritivo do Fisco, ao impor um “filtro” atraveìs do conceito de ramo de atividade, no limite redunda em algo parecido aÌ criaçaÞo de uma regra geral que automaticamente excluiì determinadas categorias de operaçoÞes do regime da neutralidade fiscal, prejudicando os objetivos prosseguidos pela Diretiva, o que, de acordo com a jurisprudência do TJUE, se encontra vedado aos Estados-membros.
Por outro lado, este entendimento tambeìm eì suscetiìvel de fomentar a adoçaÞo, por parte dos sujeitos passivos, de expedientes puramente artificiais, desprovidos de substância econoìmica, a fim de preencherem o conceito de ramo de atividade para efeitos de aplicaçaÞo do regime da neutralidade fiscal aÌ operaçaÞo por si visada. Ou seja, na projeçaÞo de uma operaçaÞo de entrada de ativos em que se vise a transferência de uma carteira de participaçoÞes sociais para outra sociedade, o sujeito passivo, antecipando a posiçaÞo da AT segundo a qual as participaçoÞes têm de ser transferidas conjuntamente com outros elementos patrimoniais que configurem uma infraestrutura associada aÌ gestaÞo dessas participaçoÞes, contribui igualmente para a sociedade beneficiaìria, um computador, uma mesa e uma cadeira. Faraì, entaÞo, sentido promover a artificialidade e reprimir a eficiência fiscal?”

Com efeito, se fosse averiguado que a gestão das participações não era levada a cabo pela administração, mas sim através de outros meios humanos (e materiais) então parece não haver dúvidas de que seria necessário transferir também estes sob pena de inaplicabilidade do regime de neutralidade fiscal. Sem eles o conjunto não podia funcionar pelos seus próprios meios.

Mas se fosse certo (se fosse averiguado) que a gestão das participações podia ser levada a cabo pela administração, como diz a Recorrente, então nenhuns meios humanos seria necessário transferir, a menos que pretendesse introduzir uma nota de “artificialidade” para contornar as exigências administrativas, como sugere a Recorrente.
O mesmo diríamos em relação aos meios materiais. Que meios materiais seria necessário transferir para tornar o conjunto capaz de funcionar pelos seus próprios meios?

Como salienta a Recorrente
“É óbvio que para a impugnante teria sido muito menos oneroso acrescentar um elemento de artificialidade ao dito destaque – um trabalhador, um computador, etc. – do que ter de enfrentar uma liquidação totalmente desprovida de ratio essendi fiscal, como é a aqui contestada. Mas poderia um elemento “artificial”, porque totalmente desnecessário para a atividade a desenvolver e máxime porque contraditório com o princípio da racionalidade económica das cisões (cfr. n.º 10 do artigo 67º do Código do IRTC), ser visto como um salvo conduto para a neutralidade fiscal?”

Não cremos que a introdução deste elemento de artificialidade seja “necessário” face ao conteúdo da lei e da interpretação acolhida pelo acórdão Andersen og Jensen, uma vez que só a apreciação casuística pode ditar se (e que) meios humanos e materiais são necessários para integrar o conceito de determinado “ramo de actividade” capaz de funcionar pelos seus próprios meios.

Contudo, a AT demitiu-se desta averiguação concreta. Sem indagar se os meios humanos e materiais eram ou não necessários neste caso específico, concluiu com base em critério abstracto que na “operação de cisão-fusão em estudo não são verificadas estas condições, pois na sociedade cindida não existe qualquer organização autónoma respeitante à gestão das partes de capital, que seja transferida para a R... SGPS em virtude da cisão. Pois a R... SGPS antes da operação de cisão-fusão não tem qualquer tipo de recursos materiais e humanos afectos à sua actividade, assim como continua a não os ter após a operação de cisão-fusão”.

E assim considerou não estar preenchido o disposto na alínea a) do n.º 2 e n.º 4 do art. 73º do CIRC pois não se verifica a existência de uma exploração económica autónoma, com um conjunto de meios pessoais e materiais, em que os mesmos constituem uma organização empresarial necessária ao desenvolvimento da actividade que se transfere e que se pretende continuar na beneficiária...” (fls. 16 do relatório)

Mas este critério abstrato não está previsto na lei, e a interpretação do preceito tão pouco autoriza tal restrição.
Por conseguinte, a liquidação impugnada é ilegal e não se pode manter devendo ser revogada a douta sentença que decidiu o contrário.
A apreciação das restantes questões submetidas a recurso fica, assim, prejudicada (art. 608º/2 "ex vi" do art. 663º/2 CPC).


V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a impugnação.
Custas pela AT em primeira instância.
Porto, 14 e junho de 2017.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Travassos Bento
Ass. Pedro Vergueiro