Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00600/18.2BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/31/2020
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:DISCIPLINAR. RECURSO HIERÁRQUICO NECESSÁRIO
Sumário:I – Regra geral em matéria disciplinar: o recurso hierárquico ou tutelar previsto no art. 225º da Lei 35/2014, de 20/6 (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas) tem natureza necessária. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:R.M.C.A.
Recorrido 1:Ministério da Justiça
Votação:Maioria
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:

R.M.C.A. (Rua (…)), em acção administrativa intentada contra o Ministério da Justiça, recorre de decisão do TAF de Coimbra, pela qual o réu foi absolvido da instância.

Conclui:


A) Sendo que o n.º 4 do artigo 225º da LGTFP (aprovada pela Lei n.º 35/2014), dispõe que “[o] recurso hierárquico ou tutelar suspende a eficácia do despacho ou da decisão recorridos…” e que a al. c) do n.º 1 do artigo 3º do Decreto-Lei n.º 4/2015 preceitua que “[as] impugnações administrativas existentes à data da entrada em vigor do presente decreto-lei só são necessárias…” quando refiram que a sua utilização “…«suspende» ou «tem efeito suspensivo», deve concluir-se que uma decisão disciplinar emanada de um órgão hierarquizado, susceptível de ser impugnado graciosamente naqueles termos, i. é, não sendo verticalmente definitivo, é ainda irrecorrível.
B) Pelo que, a fundamentação e decisão do Tribunal a quo, - transcrevendo: “Assim, o despacho do Diretor-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, de 2 de Março de 2018, que, no âmbito do processo disciplinar n.º 1123-D/2017, lhe aplicou a sanção disciplinar de repreensão escrita, era, por si mesmo, um acto administrativo imediatamente impugnável, atento o princípio geral consignado pelo artigo 51.º, n.º 1, do CPTA.
Deste modo, verificam-se todos os pressupostos da caracterização dos actos confirmativos. E sendo o acto impugnado um acto meramente confirmativo, o mesmo não se configura como um acto lesivo e, nessa medida, não é contenciosamente impugnável.”, decidindo, a final que: “…procede na íntegra a exceção de inimpugnabilidade da decisão de 30.07.2018 tal como invocada pela Entidade Demandada, o que conduz à sua absolvição da instância.
Face à procedência da excepção dilatória inominada aqui em causa, e nos termos da alínea i) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA, não poderá a presente acção prosseguir, por ocorrerem razões que obstam ao conhecimento do respectivo mérito.” - por contender com a interpretação conjugada daqueles preceitos, padece de vício de violação de lei.
C) Por via da natureza necessária da impugnação administrativa, prevista do artigo 225º da LGTFP, o A./Recorrente apenas poderia impugnar contenciosa/jurisdicionalmente uma decisão disciplinar aplicada pelo Director-Geral da Reinserção e Serviços Prisionais após dela ter apresentado recurso hierárquico e deste ter obtido decisão, pois, até então, não se encontrava disponível “via contenciosa”. Esse acto primário, datado de 2/3/2018, sem prévia impugnação graciosa, é irrecorrível.
D) A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem decidido pela impugnabilidade jurisdicional das decisões disciplinares que não sejam verticalmente definitivas, nomeadamente como se explanou nos seus acórdãos de 8/6/2017, proferido no proc. n.º 0647/17, e de 13/3/2019, proferido no processo n.º 0358/18.5BESTN, supra parcialmente transcritos, destacando-se deste: “As instâncias classificaram o recurso hierárquico como necessário e, pese embora, esta questão não se mostrar controversa, ela mostra-se crucial para a decisão que viermos a tomar, sendo que, a natureza do recurso, como infra referiremos, se mostra acertada, mostrando-se correta a solução aduzida no Acórdão recorrido, quando em síntese, conclui: «por força do regime previsto nos artºs 224º e 225º, nº 4 LTFP, a impugnação administrativa das decisões disciplinares sob a forma de recurso hierárquico ou tutelar, com atribuição expressa de efeito suspensivo da eficácia do acto recorrido, por disposição expressa do artº 3º, nº 1, al. c) do DL 4/2015 de 07.01, diploma que aprovou a revisão do CPA, assume a natureza de impugnação necessária, tal como estabelece o artº 189º, nº 1, CPA/revisão de 2015».”. (http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/8b4b4bf9a929e1e3802583be00507aa1?OpenDocument&ExpandSection=1).
E) Sendo que acto primário não é imediatamente impugnável, não podemos falar em relação de confirmatividade, pelo que o acto secundário, pelo que, a decisão recorrida viola violou o disposto na al. c) do n.º 1 do artigo 3º do Decreto-Lei n.º 4/2015, conjugado com o disposto no n.º 4 do artigo 225º da LGTFP, e, consequentemente, o preceituado no artigo 51º do CPTA, bem como o direito à tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 20º da Constituição, pelo que deve ser revogada.

Contra-alegou o réu, dando em conclusões:

A. A sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra (TAFC) de 5 de julho de 2019, que julgou totalmente procedente a exceção dilatória da inimpugnabilidade do ato impugnado pelo Autor/Recorrente, não padece de qualquer invalidade, concretamente de violação de lei, e deve-se manter, pela sua confirmação, na ordem jurídica.
B. Ao contrário, as alegações de recurso apresentadas pelo Recorrente são infundadas e não encontram arrimo no bloco legal vigente e aplicável à situação em apreço, impondo a total improcedência do recurso.
C. O despacho da Senhora Secretária de Estado Adjunta e da Justiça de 30 de julho de 2018, que indeferiu o recurso hierárquico interposto pelo Autor/Recorrente, é um ato confirmativo do despacho do Diretor-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais de 2 de março de 2018 que, no âmbito do processo disciplinar n.º 1123-D/2017, lhe aplicou a sanção disciplinar de repreensão escrita, que não é impugnável.
D. Ao invés, verifica-se que o citado ato do Diretor-Geral da Reinserção e Serviços Prisionais de 2 de março de 2018, que foi notificado em 9 de março de 2018, é um ato direta e imediatamente impugnável, por força do disposto nos artigos 51.º do CPTA e 224.º e 225.º da LTFP.
E. A lei determina, expressamente, em disjunção, admitindo a possibilidade de acesso, direto e imediato, aos tribunais ou a prévia utilização de maios impugnatórios, pelo interessado, que «Os atos proferidos em processo disciplinar podem ser impugnados hierárquica ou tutelarmente, nos termos do Código do Procedimento Administrativo, ou jurisdicionalmente» (artigo 224.º da LTFP).
F. E reforça este entendimento ao estabelecer, no n.º 1 do artigo 225.º da LTFP, que «O trabalhador ou o participante podem interpor recurso hierárquico ou tutelar dos despachos e das decisões que não sejam de mero expediente, proferidas pelo instrutor ou pelos superiores hierárquicos», em alternativa, à possibilidade de impugnar jurisdicionalmente o ato proferido em processo disciplinar, após a sua notificação ou na pendência da impugnação administrativa (nº 4 do artigo 190.º do CPA e nº 5 do artigo 59.º do CPTA).
G. Se não fosse essa a intenção do legislador, ele teria omitido a referência à opção da impugnação jurisdicional, limitando-se a fazer referência aos meios de impugnação administrativa, ao recurso hierárquico e tutelar, remetendo a previsão do acesso aos meios contenciosos impugnatórios para outra sede que não a da utilização dos meios administrativos impugnatórios.
H. A intenção do legislador é a que se encontra clara expressamente exarada na lei e a que tem sido acolhida pela maioria da jurisprudência dos tribunais centrais administrativos e do Supremo Tribunal Administrativo ao decidir pela impugnabilidade jurisdicional das decisões disciplinares, que sejam ou não precedidas da utilização dos meios graciosos de impugnação, por serem atos impugnáveis direta e imediatamente para os tribunais (artigo 51.º do CPTA), como, aliás, reconhece o próprio Autor/Recorrente.
I. O recurso hierárquico no âmbito do processo disciplinar é uma das situações que concretiza o tipo de impugnação administrativa prevista no citado artigo 189.º, n.º 2 do CPA - recurso de natureza facultativa e com efeito suspensivo, porque a lei assim expressamente dispõe, (nºs 1 e 4 do artigo 225.º da LTFP), ao consagrar que no âmbito dos processos disciplinares o trabalhador e o participante podem interpor recurso hierárquico ou tutelar (natureza facultativa do recurso) e que este recurso hierárquico facultativo suspende a eficácia do despacho ou da decisão recorridos (efeito suspensivo do recurso).
J. No caso concreto, não houve uma alteração do ato do órgão subalterno pelo ato do órgão superior, em sede de recurso hierárquico, o que obstava à impugnabilidade do ato confirmativo da Secretária de Estado Adjunta e da Justiça de 30 de julho de 2018, notificada em 22 de agosto de 2018, nos termos da douta sentença a quo, que se subscreve e que aqui se dá por integralmente reproduzida.
K. Havia apenas um único ato impugnável, de facto e de Direito: o ato do órgão subalterno, concretamente, o ato do Diretor-Geral da Reinserção e Serviços Prisionais de 2 de março de 2018, que foi notificado em 9 de março de 2018, de cuja impugnação dependia o acesso aos meios contenciosos impugnatórios.
L. Neste sentido, refere-se na lei que a prévia utilização de meios administrativos de impugnação «não impede o interessado de proceder à impugnação contenciosa do ato [do órgão subalterno por não haver outro] na pendência da impugnação administrativa» (nº 4 do artigo 190.º do CPA e nº 5 do artigo 59.º do CPTA), após o decurso do prazo legal do recurso hierárquico e sem que haja sido tomada uma decisão (nº 3 do artigo 190.º do CPA e nº 4 do artigo 59.º do CPTA).
M. A tempestividade da prática do ato processual é um pressuposto da impugnabilidade do ato impugnável e da possibilidade de acesso aos meios contenciosos de impugnação, cuja ausência obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância, o que se verifica nos termos decididos na sentença a quo que aqui se reitera.
N. A possibilidade de acesso aos meios contenciosos de impugnação inicia-se a partir da notificação do ato impugnável, através da impugnabilidade jurisdicional direta e imediata do ato impugnável, o ato do órgão do subalterno e, em caso de prévia utilização dos meios de impugnação administrativa, suspende-se durante esta utilização e reabre-se com a notificação da decisão confirmativa proferida sobre a impugnação administrativa ou o decurso do respetivo prazo legal, sem que haja sido proferida uma decisão, consoante o que ocorra em primeiro lugar (nº 3 do artigo 190.º do CPA e nº 4 do artigo 59.º do CPTA).
O. O acesso à via contenciosa iniciou-se com a notificação do ato impugnável, como se viu, em 9 de março de 2018, suspendeu-se desde a data em que se iniciou a utilização do recurso hierárquico, em 20 de março de 2018, até se esgotar o respetivo prazo legal, que ocorreu em 29 de maio de 2018, segundo a sentença, recorrida, e (re)abriu-se em 30 de maio de 2018, na pendência da impugnação administrativa, sem que nesta data haja sido tomada uma decisão.
P. Ora, o Autor/Recorrente interpôs a ação administrativa em 16 de outubro de 2019, ou seja, muito para além do prazo de três meses, previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 58.º do CPTA, para a impugnação contenciosa de atos administrativos.
Q. Impõe-se ainda acrescentar que, no caso em apreço, a abertura da via contenciosa não ocorre no quadro da distinta natureza dos meios administrativos de impugnação, em função dos efeitos da impugnação, até porque é a lei que atribui expressamente efeito suspensivo à impugnação administrativa facultativa do ato administrativo (n.º 2 do artigo 189.º do CPA), nem do respetivo prazo legal por este ser o mesmo, ou seja, 45 (15+30) dias úteis (artigos 195.º e 198.º do CPA).
R. A abertura da via contenciosa, no prazo de três meses, inicia-se pela possibilidade de impugnabilidade jurisdicional direta e imediata do ato impugnável, suspende-se durante a prévia utilização de meios administrativos de impugnação e retoma o seu curso após o decurso do respetivo prazo legal, sem que haja sido proferida uma decisão, na pendência da impugnação administrativa, por ter sido este decurso que ocorreu em primeiro lugar (n.º 3 do artigo 190.º do CPA e n.º 4 do artigo 59.º do CPA).
S. Nesta linha, terá de improceder o invocado pelo Autor/Recorrente ao afirmar que só após a decisão do recurso hierárquico surgiria o ato impugnável e se abriria a via contenciosa.
T. Por conseguinte, citando a sentença recorrida, «Pelos motivos invocados, procede na íntegra a exceção de inimpugnabilidade da decisão de 30/07/2018 tal como invocado pela Entidade Demandada, o que conduz à sua absolvição da instância. Face à procedência da exceção dilatória inominada aqui em causa, e nos termos da alínea i) do nº 4 do artigo 89.º do CPTA, não poderá a presente ação prosseguir, por ocorrerem razões que obstam ao conhecimento do respetivo mérito».
U. Conclui-se assim pela total falta de razão da argumentação expendida pelo Recorrente nas alegações de recurso e pela inexistência dos invocados vícios de violação de lei apontadas à douta decisão recorrida que se deve confirmar, julgando totalmente improcedente o presente recurso.

*
O Exmº Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art.º 146º, nº 1, do CTA, emitiu parecer no sentido de não provimento do recurso; respondido.
*
Dispensando vistos, cumpre decidir.
*
A apelação:
O autor veio a juízo erigindo que “O objecto dos presentes autos é o acto da Senhora Secretária de Estado Adjunta e da Justiça, determinando a aplicação de uma sanção disciplinar (repreensão escrita) ao A.” (art.º 11º da p. i.).
O réu veio excepcionar que o despacho impugnado, de 30 de Julho de 2018, indeferiu o recurso hierárquico, sendo meramente confirmativo de decisão punitiva proferida em 02.03.2018 pelo Director-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais; e, em acréscimo, com relação a este último, ocorre a caducidade do direito de acção.
Na procedência do excepcionado, o tribunal “a quo” absolveu o réu da instância, servindo-se dos seguintes:
Factos, que aqui e agora também importam:
1. Após ter sido notificado da Acusação o ora Autor apresentou a sua defesa alegando, em suma, a incorrecta numeração do processo disciplinar, a prescrição do processo disciplinar e que estava de folga no dia 02.08.2017, requerendo, a final, o arquivamento do processo - cfr. fls. 862 a 864 do Processo Administrativo (PA), cujo teor se dá por integralmente por reproduzido;
2. Em 05.02.2018, foi elaborado o Relatório Final em que foram rebatidos os argumentos da defesa, e mantida a proposta de aplicação de pena disciplinar – cfr. fls. 876 a 881 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
3. Por despacho de 02 de Março de 2018, do Diretor-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, no âmbito do processo disciplinar n.º 1123-D/2017, foi aplicada ao ora Autor a sanção disciplinar de repreensão escrita, com fundamento no facto «de forma livre, consciente e dolosa, faltar aos exercícios práticos de tiro no ano de 2017 – foi convocado para o dia 02/08/2017 mas não compareceu e na segunda fase, esteve ausente do serviço, desde 31/08/2017 a 03/09/2017, e não foi convocado – sem para tal ter uma justificação legalmente atendível, bem sabendo, e não podendo deixar de saber, ser o seu comportamento censurável» - cfr. despacho de fls. 883 do PA, de concordância com o Relatório Final;
4. O despacho precedente foi notificado ao ora Autor em 09.03.2018 – cfr. fls. .. do PA;
5. Em 20.03.2018, o ora Autor interpôs recurso hierárquico para a Ministra da Justiça – cfr. fls. 904 e segs. do PA;
6. Por despacho da Secretária de Estado Adjunta e da Justiça de 30 de julho de 2018, emitido ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1.1. da delegação de competências contida no Despacho n.º 977/2016, de 14 de janeiro de 2016, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 13, de 20 de janeiro, “ Nos termos do disposto no artigo 225.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, conjugado com o artigo 197.º do Código do Procedimento Administrativo, e com os fundamentos expostos na informação da Direção de Serviços Jurídicos e de Contencioso da Secretaria-Geral deste Ministério n.º I-SGMJ/2018/680, datada de 24 de julho de 2018, não [concedeu] provimento ao recurso hierárquico interposto por R.M.C.A., guarda prisional, confirmando o ato impugnado, consubstanciado no despacho do Diretor-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, de 2 de março de 2018, que, no âmbito do processo disciplinar n.º 1123-D/2017, lhe aplicou a sanção disciplinar de repreensão escrita»;
7. Da Informação precedente destaca-se o seguinte:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

8. O Autor foi notificado da decisão precedente em 22.08.2018 – cfr. fls. 951 do PA.
9. Em 16-10-2018 o A. apresentou neste Tribunal a petição inicial da presente acção (cf. registo de autuação de fls. 1 do processo físico).
Direito, que aqui cabe aplicar.
O tribunal “a quo” desenvolveu fundamentação na qual adquiriu três proposições justificativas da absolvição da instância:
- a decisão do interposto recurso hierárquico sobre o acto primário foi confirmativa;
- tratando-se de um recurso hierárquico “facultativo, conforme decorre do artigo 225.º da Lei Geral do Trabalho Em Funções Públicas, aprovada pela Lei n° 35/2014, de 20/06, que prevêem a possibilidade do arguido/trabalhador interpor recurso hierárquico, não atribuindo a tal recurso o cunho de necessário ou obrigatório, visto que, em ambos os comandos legais o legislador optou pela expressão de "podem interpor recurso hierárquico ou tutelar", o que significa tratar-se de um recurso hierárquico meramente facultativo”;
- decorreu já o prazo para “impugnar o sobredito acto primário, por ter já decorrido o prazo de impugnação do mesmo”, imediatamente impugnável que era.
A questão chave é a de saber se na/para reacção contra decisão disciplinar punitiva o recurso hierárquico se afigura como facultativo ou necessário.
A decisão recorrida teve o recurso hierárquico interposto como facultativo, com apoio jurisprudencial.
E, em regra, as reclamações e os recursos têm carácter facultativo (art.º 185, n.º 2, do CPA).
Todavia.
Como se sabe, apesar de, com a reforma introduzida com o CPTA, ter acabado o princípio da tripla definitividade do acto administrativo, para ser impugnável contenciosamente, tal não significa que não continuem a haver casos especialmente previstos na lei, em que se mantenha a precedência obrigatória de impugnação administrativa.
E entendemos ser esse aqui o caso.
A lei 35/2014, de 20/06 (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas), prevê no seu art.º 225º:
1 - O trabalhador e o participante podem interpor recurso hierárquico ou tutelar dos despachos e das decisões que não sejam de mero expediente, proferidos pelo instrutor ou pelos superiores hierárquicos daquele.
2 - O recurso interpõe-se diretamente para o respetivo membro do Governo, no prazo de 15 dias, a contar da notificação do despacho ou da decisão, ou de 20 dias, a contar da publicação do aviso a que se refere o n.º 2 do artigo 214.º
3 - Quando o despacho ou a decisão não tenham sido notificados ou quando não tenha sido publicado aviso, o prazo conta-se a partir do conhecimento do despacho ou da decisão.
4 - O recurso hierárquico ou tutelar suspende a eficácia do despacho ou da decisão recorridos, exceto quando o seu autor considere que a sua não execução imediata causa grave prejuízo ao interesse público.
5 - O membro do Governo pode revogar a decisão de não suspensão referida no número anterior ou tomá-la quando o autor do despacho ou da decisão recorridos o não tenha feito.
6 - Nas autarquias locais, associações e federações de municípios, bem como nos serviços municipalizados, não há lugar a recurso tutelar.
7 - A sanção disciplinar pode ser agravada ou substituída por sanção disciplinar mais grave em resultado de recurso do participante.
Por outro lado, o art.º 3º do DL n.º 4/2015, de 7/1, que aprova o novo CPA, dispõe no seu art.º 3º:
1 - As impugnações administrativas existentes à data da entrada em vigor do presente decreto-lei só são necessárias quando previstas em lei que utilize uma das seguintes expressões:
a) A impugnação administrativa em causa é «necessária»;
b) Do ato em causa «existe sempre» reclamação ou recurso;
c) A utilização de impugnação administrativa «suspende» ou «tem efeito suspensivo» dos efeitos do ato impugnado.
2 - O prazo mínimo para a utilização de impugnações administrativas necessárias é de 10 dias, passando a ser esse o prazo a observar quando seja previsto prazo inferior na legislação existente à data da entrada em vigor do presente decreto-lei.
3 - As impugnações administrativas necessárias previstas na legislação existente à data da entrada em vigor do presente decreto-lei têm sempre efeitos suspensivos da eficácia do ato impugnado.
4 - São revogadas as disposições incompatíveis com o disposto nos n.os 2 e 3.
Assim, e na consideração também desta conjugada leitura, é fora de dúvida que se «Os atos proferidos em processo disciplinar podem ser impugnados hierárquica ou tutelarmente, nos termos do Código do Procedimento Administrativo, ou jurisdicionalmente» (artigo 224.º da LTFP), uma tal disjunção também não importa consagração de uma directa e imediata impugnabilidade, e antes resulta que estamos perante recurso hierárquico necessário (derivando, por força do artº 189º, n.º 1, do CPA: «1. As impugnações administrativas necessárias de atos administrativos suspendem os respectivos efeitos»).
Neste sentido, os Acs. do STA, de 08/06/2017, proc. n.º 0647/17, e de 13-03-2019, proc. n.º 0358/18.5BESNT.
É, pois, de ter a decisão do recurso hierárquico como acto impugnável.
Dele notificado em 22.08.2018, e interposta a acção em 16-10-2018, resulta que esta é tempestiva.
*
Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida e baixando os autos para ulteriores termos de conhecimento.
Custas: pelo recorrido.

Porto, 31 de Janeiro de 2020.


Luís Migueis Garcia
Nuno Coutinho
Frederico Branco

(Voto Vencido. Confirmaria a decisão de 1ª instância, por entender que o Recurso Hierárquico em questão é meramente facultativo)
Frederico Branco