Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01973/11.3BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/23/2020
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:IVA; ERRO DE JULGAMENTO
Sumário:O n.º 1 do art.º 13.º do CPPT determina que incumbe aos juízes dos tribunais tributários a direção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhe seja lícito conhecer.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:M.
Recorrido 1:Fazenda Pública.
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
O Recorrente, M., interpôs recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou improcedente a impugnação judicial relativa a liquidação de IVA do ano de 2007 e respetivos juros no montante de 49 388.99. €
O Recorrente, formulou nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem: (…)
1.
A douta sentença de que ora se recorre procedeu a um erróneo apuramento da matéria de facto dada como provada e fez errada interpretação e aplicação do direito aos factos, assim incorrendo em erro de julgamento, pelo que deverá ser revogada.
2.
Em matéria de prova, o ora Recorrente havia requerido não somente a produção de prova testemunhal, mas também, e ao abrigo do disposto no artigo 535.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável ex vi do artigo 2.º e) do C.P.P.T, a requisição de documentos, sendo que o M.mo Juíz do Tribunal “a quo” decidiu não determinar a realização de quaisquer actos instrutórios, conhecendo, sem mais, do pedido.
3.
E se é certo que quanto à inquirição da testemunha arrolada o Tribunal ainda proferiu despacho (constante a fls. 58 dos autos), em que entendeu pronunciar-se quanto à sua pretensa desnecessidade, dado que, no seu, aliás, douto, entendimento, os todos os factos seriam susceptíveis de prova documental, a verdade é que em nenhum momento do processo se dignou o M.mo Juíz da primeira instância justificar o afastamento dos demais meios de prova cuja produção foi requerida pelo então Impugnante, que foi totalmente surpreendido por uma decisão de mérito sem que tivessem sido cumpridas as exigências decorrentes do princípio do inquisitório, plasmado no artigo 99.º da L.G.T..
5.
Quer a prova documental requerida, quer a prova testemunhal igualmente solicitada pelo aqui Recorrente seriam absolutamente essenciais para fazer prova dos factos por si alegados, mormente quanto ao IVA já liquidado no último trimestre de 2007 e quanto ao valor real do contrato de empreitada em causa nos autos,
6.
não podendo aceitar-se que, como se faz no acórdão ora em crise, se considere por um lado não subsistirem factos controvertidos que determinassem a abertura de um período de produção de prova e depois julgar em sentido contrário, considerando que o Recorrente não reuniu a prova necessária dos factos por si invocados na sua impugnação.
7.
A não determinação de qualquer acto instrutório produz, nos presentes autos e nos termos do n.º 1 do art. 201.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art. 2.º do C.P.P.T., a nulidade da douta sentença ora recorrida, uma vez que a irregularidade cometida influiu decisivamente no exame e decisão da causa.
8.
Ao proceder ao enquadramento jurídico dos factos e argumentos evocados pelo Recorrente quanto ao preço determinado pelos contraentes para a empreitada em causa nos autos no artigo 205.º do C.P.P.T., o M.mo Juíz do Tribunal “a quo”, para além de incorrer em erro de julgamento, fez uma equívoca e inadequada aplicação do direito aos factos,
9.
uma vez que o Recorrente não procedeu à evocação do conceito de “duplicação de colecta” no sentido técnico-jurídico, nem o fez relativamente empreitada em si mesma, limitando-se a arguir uma errónea quantificação do imposto, decorrente da assumpção de um preço para o negócio desconforme com a realidade.
10.
Com efeito, o Recorrente apenas pretendeu demonstrar que o valor global da empreitada, que ascendeu a 255.000,00 €, incluía quer o pagamento do próprio terreno para construção, bem como o IVA,
11.
Pelo que, também nesta matéria incorreu o M.mo Juíz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga em erro de julgamento, ao considerar que não se verificavam, in casu, os pressupostos para a duplicação de colecta.
TERMOS EM QUE considerado procedente o presente recurso deve a douta Sentença recorrida ser revogada, mais se determinando a baixa do processo ao tribunal de primeira instância para realização da audiência de julgamento, com a inquirição da testemunha arrolada pelo Recorrente e com a solicitação da prova documental por este igualmente requerida, assim se actuando em conformidade com a lei e se fazendo JUSTIÇA!

A Recorrida não contra alegou.

Foi dada vista ao Exmº. Procurador Geral Adjunto o qual não emitiu parecer.

Colhidos os vistos às Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações sendo a de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito, por erróneo apuramento da matéria de facto dada como provada e por errada interpretação e aplicação do direito aos factos.

3. JULGAMENTO DE FACTO
No Tribunal a quo, o julgamento da matéria de facto foi efectuado nos seguintes termos:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

1. O impugnante esteve colectado pelas actividades de "Construção de edificios (residenciais e não residenciais) - CAE 041200 (actividade principal) e de "Comissionista" - CAE 1319 (actividade secundária), tendo cessado a actividade em 31/12/2007.
2. O impugnante foi sujeito a uma acção de inspecção credenciada pela Ordem de Serviço n.° 01201000167, de 19/1/2010, levada a cabo pela Divisão da Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Faro, a qual teve início a 24/9/2010 e terminou a 13/12/2010.
3. Nessa inspecção apurou-se, em suma, o seguinte:
(…)
- No ano de 2007, o impugnante adquiriu imóveis e prestou serviços na área da construção civil, tendo para o efeito subcontratado algumas empresas;
- Nesse ano, o impugnante encontrava-se enquadrado em sede de 1RS pela categoria B, nos termos da alínea a), n.° 1 do artigo 3. ° do CIRS, sendo a determinação dos rendimentos empresariais e profissionais efectuada com base na contabilidade (art.°28.°, n.° 1 do CIRS);
- No mesmo período, em termos de IVA, o impugnante foi sujeito passivo de imposto, de acordo com a alínea a) do n.° 1 do artigo 2.° do CIVA, encontrando-se enquadrado no regime normal com periodicidade trimestral;
- No exercício da sua actividade, o impugnante alienou o imóvel registado sob o artigo n.° … (Lote …-Sector ..), pelo valor de 50.000,00 €, onde, posteriormente procedeu à construção de uma moradia orçamentada no valor de 210.743,80€ (s/IVA), valor que foi aceite pela proprietária do terreno;
- Do exame efectuado aos documentos arquivados na contabilidade do impugnante, verificou-se que esta prestação de serviços não se encontrava facturada.
(…)"
4. Nessa sequência, considerando que a prestação de serviços referente à construção do imóvel no artigo n.° … se encontrava sujeita a IVA à taxa legal em vigor de 21%, a inspecção tributária procedeu a correcções em sede de IVA no montante de 44.256,20 € =(210.743,80 € x 21%);
5. A prestação de serviços que deu origem à correcção em sede de IVA encontra-se orçamentada em nome individual do impugnante, sendo que este mencionou apenas o seu NF…, quer no orçamento de construção, quer na declaração de adjudicação de empreitada;
6. O impugnante foi notificado da cessação oficiosa do EIRL, por se verificar a impossibilidade de associar o NIPC atribuído ao EIRL (973 621 796) ao NIF do impugnante (….), facto que lhe foi notificado através do ofício 164162, de 28/12/2004, da Direcção de Serviços de Cadastro.
7. Na declaração periódica de IVA relativa a 2007.12T, o montante de IVA liquidado foi de 18.810,11 €;
8. No âmbito do procedimento da reclamação graciosa que correu termos no S.F. respectivo, o impugnante foi notificado para remeter aos autos"...extractos contabillsticos e fotocópia dos documentos onde consta o IVA liquidado no período 2007. 12T que mencionou na respectiva declaração periódica que apresentou em 13.02.2008 (base tributável 89.571,96 e, imposto a favor do Estado 18.810,11)", o que não fez, nem no prazo que lhe foi concedido, nem posteriormente.
9. A escritura de compra e venda do terreno em questão nos autos foi celebrada no mês de Abril de 2007, pelo preço de 50.000,00 €;
10. A empreitada respeitante à construção da moradia para a compradora do terreno foi orçamentada e aceite pelo valor de 210.743,80 €;

4. JULGAMENTO DE DIREITO
Antes de mais importa esclarecer que a Administração Fiscal no âmbito do processo inspetivo ao Impugnante, ao exercício de 2007, procedeu a correções aritméticas no cálculo do IVA, decorrente da prestação de serviços.
Em sede de impugnação judicial, veio o Recorrente alegar que a liquidação de IVA no valor de 49 338,99 €, é ilegal, por não ser sujeito passivo de IVA, uma vez que a obra foi desenvolvida no âmbito da atividade do estabelecimento individual de responsabilidade limitada com a firma “M..” e que a liquidação enferma de errónea quantificação, uma vez que, se suportava em valores errados nomeadamente quanto ao valor da fatura n.º 1.11.6 emitida por aquele sujeito passivo na sequência de entrega de 40 000,00€, foi inscrita na declaração periódica referente ao 4.º trimestre o valor de 8 400,00 € o qual deveria ser deduzido ao valor em dívida.
Alega ainda que a Administração Fiscal contabilizou a prestação de serviços em 210 743,80 € quando foi acordado o pagamento global de 255 000,00 €, onde incluia o valor do terreno no 50 000$00.
A sentença recorrida entendeu relativamente à primeira questão que o Recorrente era sujeito passivo de IVA e relativamente à questão da fatura 1.11.6 de 20.11.2007, entendeu que aquele não apresentou elementos suficientes para aferir quais as operações que se encontravam na base do apuramento, facto exclusivamente a si imputável, uma vez que, deveria ter na sua posse os documentos que lhe permitiam apurar o imposto a favor do Estado.
No que concerne à questão da duplicação à coleta (errónea quantificação) considerou que a prestação de serviços foi orçamentada e aceite no valor de 210 743,80,00 €, e que o montante de 50 000,00 €, valor da transmissão do prédio urbano, é um facto autónomo que não se confunde com a prestação de serviços.
O Recorrente alega que a sentença recorrida procedeu a um erróneo apuramento da matéria de facto dada como provada e fez errada interpretação e aplicação do direito aos factos, assim incorrendo em erro de julgamento e que em matéria de prova, havia requerido não somente a produção de prova testemunhal e a requisição de documentos, sendo que o M.mo Juíz do Tribunal “a quo” decidiu não determinar a realização de quaisquer atos instrutórios, conhecendo, sem mais, do pedido.
Com efeito, o ora Recorrente, na petição inicial requereu na Prova [B) e C)] que fosse solicitado: (i) à Administração Fiscal a junção aos autos da decisão da cessacão da atividade da EIRL, bem como os comprovativos das notificações dessa decisão; (ii) solicitada a A. ., contabilista, residente em (…), a junção aos autos dos documentos de suporte contabilístico que sustentaram a apresentação da declaração periódica de IVA, referente ao ultimo trimestre de 2007; (iii) solicitada certidão eletrónica ao Tribunal de Lagos do proc. n.º…, da qual conste a sentença exarada nesses autos; e, (iv) a inquirição de A... por vídeo conferência.
Relativamente à inquirição de testemunha, foi proferido despacho nos autos, referindo que era manifestamente desnecessária, no pressuposto de que a prova deveria ser documental, no entanto, não emitiu qualquer pronúncia quanto à demais, prova documental requerida.
Compulsada a matéria de facto bem como os documentos existentes nos autos e ainda o processo administrativo apenso não estão aí contidos os elementos que provem que o Recorrente pretende.
Na verdade, o apuramento de tais factos são essenciais, para o apuramento das invocadas ilegalidade. A sentença recorrida deu como provado o ponto n.º 6, com base no relatório de inspeção, sem averiguar se o negócio em causa foi efetivamente realizado, em parte ou na totalidade, pelo Recorrente ou pelo estabelecimento em nome individual
Deu também como provado no ponto n.º 10 que a empreitada foi orçamentada no valor de 210 743.80 € quando o Recorrente na petição inicial afirma que o valor global foi de 255 000.00 € sendo que 50 000.00 € foi o valor da venda do prédio urbano, o que fazendo os devidos cálculos o valor da empreitada seria de 205 000,00 €, facto que pretendia provar através da sentença transitada em julgado, que requereu.
O n.º 1 do art.º 13.º do CPPT determina que incumbe aos juízes dos tribunais tributários a direção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhe seja lícito conhecer.
O n.º 1 do art.º 99.º da LGT preceitua que “O tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigure úteis para conhecer a verdade material relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer.”
Estes normativo consagram o principio da investigação ou do inquisitório, que consiste no poder de juiz ordenar as diligências que entender úteis e necessárias para a descoberta da verdade.
No entanto, os art.º s 99.º da LGT e 13.º do CPPT não descaracterizam nem invalidam, o princípio base do processo tributário do impulso processual, quer do contribuinte/sujeito passivo quer da Fazenda Pública, nomeadamente quanto à prova dos factos que pretende que o tribunal reconheça.
O princípio do inquisitório tem por objetivo superar insuficiências de alegação e de prova das partes, mas move-se dentro dos limites fixados dos factos alegados e do conhecimento oficioso.
Pelo que vimos de dizer conclui-se que a sentença recorrida ao ter julgado a impugnação improcedente por falta de prova dos referidos valores tributáveis, não tendo sido determinado as diligências de prova requeridas e sido inquirida a indicada testemunha, incorreu, no aludido, erro de julgamento impondo-se a sua revogação e a baixa dos autos ao tribunal de 1ª instância para que aí seja produzida a prova documental e testemunhal requerida e, após, proferida nova decisão de acordo com a prova que se vier a fazer sobre a matéria em causa.
4.2. E assim formulam-se a seguintes conclusões:
O n.º 1 do art.º 13.º do CPPT determina que incumbe aos juízes dos tribunais tributários a direção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhe seja lícito conhecer.

5. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso interposto, revogar a decisão recorrida e ordenar a baixa dos autos ao tribunal de 1ª instância para produção da prova documental e testemunhal requerida e prosseguimento dos ulteriores trâmites processuais.

Após trânsito em julgado, remeta-se cópia do presente acórdão ao Serviços do Ministério Público, no proc…. , melhor identificado a pag 113 do processo em suporte físico.

Custas pela Fazenda Pública, com dispensa do pagamento da taxa de justiça nesta instância, por não ter apresentado contra-alegações.

Porto, 23 de janeiro de 2020

Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Maria da Conceição Soares
Carlos Castro Fernandes