Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00467/22.6BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/24/2023
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR;
PERICULUM IN MORA. ;
Sumário:1.O decretamento das providências cautelares, independentemente da sua natureza, está dependente da verificação cumulativa dos seguintes critérios: (i)que haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal (periculum in mora); ii) que seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente (fumus boni iuris); e iii) que da ponderação dos interesses públicos e privados em presença se conclua que os danos resultantes da concessão da providência não se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa ou que, sendo superiores, possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências (juízo de ponderação de interesses destinado a aferir a proporcionalidade e a adequação da providência).

2. A verificação do preenchimento do pressuposto do periculum in mora tem de fazer-se tendo em conta a alegação e a prova de factos, pelo requerente, que permitam ao julgador, com base numa análise conscienciosa, assente num juízo de razoabilidade, antever que as consequências alegadas, verificar-se-ão, com um grau de probabilidade suficiente, para fundar a procedência da providência cautelar.

3. Coligido o requerimento inicial, e verificando-se que a requerente não alegou nenhum dano reputacional para si em razão da não suspensão da decisão administrativa que determinou o encerramento do estabelecimento que tinha a funcionar como estrutura de acolhimento de idosos, antes, e apenas em sede de ponderação de interesses, invocou a verificação de um dano reputacional para a entidade administrativa para o caso de não ser suspensa a referida decisão de encerramento, não se pode dar como verificado o pressuposto do periculum in mora com tal fundamento.

4. O respeito pelo princípio da limitação dos atos, consagrado no artigo 130.º do CPC, para os atos processuais em geral, proíbe, enquanto manifestação do princípio da economia processual, a prática de atos no processo (pelo juiz, pela secretaria e pelas partes), que não se revelem úteis para alcançar o seu termo, pelo que, perante o não preenchimento do requisito do periculum in mora necessário ao decretamento da providência requerida, será inútil aferir do preenchimento dos demais requisitos atinentes ao fumus boni iuris e à ponderação dos interesses.
(Sumário elaborado pela relatora – art.º 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo:

I. RELATÓRIO
1.1. AA, residente nas ..., em ..., apresentou contra o INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, IP, com sede na Avenida ..., ..., em ..., previamente à instauração de uma ação administrativa, requerimento para o decretamento de providência cautelar de suspensão da eficácia da Deliberação do Conselho Diretivo do Instituto da Segurança Social, IP, proferida em 25/08/2022, que ordenou o encerramento administrativo do estabelecimento de apoio social da requerente.
Para tanto alegou, em síntese que, no dia 26 de abril de 2022, pelas 15 horas, foi realizada uma ação de fiscalização na localidade de ..., ..., na sua casa, na sequência de uma denúncia em que foi acusada de promover uma atividade de apoio social a pessoas idosas, com alojamento, por se encontrar a acolher 4 idosos, sem autorização de funcionamento por parte do ISS, IP;
Nessa sequência, a equipa de fiscalização enquadrou a atividade em causa em estrutura residencial para pessoas idosas, e considerou que a mesma não dispunha das necessárias condições para o seu funcionamento, tendo sido proposto o respetivo encerramento administrativo, nos termos do artigo 35.º do DL 64/07, de 14 de março, com as alterações dadas pelo DL 126-A/2021, de 31 de dezembro.
Entretanto, foi notificada da proposta de decisão de encerramento administrativo da estrutura residencial para pessoas idosas, e no exercício do direito de audiência prévia: (i) defendeu que apenas acolhia 3 idosos, os quais se encontravam alojados em excelentes condições de saúde, bem tratados; (ii) que discordava do enquadramento legal efetuado, uma vez que a sua atividade não está abrangida pelo regime estabelecido no DL 64/2007, de 14 de março e Portaria 67/2021, de 21 de março, não necessitando de qualquer licenciamento ou autorização legal; (iv) que a existência de um quarto idoso, no momento da fiscalização, ficou a dever-se a uma situação de carência social imediata, tendo caráter provisório, e que essa situação cessou no dia 27 de abril de 2022, tendo este idoso acabado por sair com a família; (v) que para prova da alegado, indica duas testemunhas.
Acontece que as testemunhas que indicou em sede de audiência prévia não foram ouvidas, o que constitui um impedimento ao exercício do direito de defesa, uma vez que, com essa prova testemunhal, pretendia demonstrar que a situação em causa não se enquadrava no âmbito do DL 64/2007, de 14 de março e Portaria 67/2021, de 21 de março;
A entidade requerida decidiu, por deliberação do Conselho Diretivo da Segurança Social, IP, manter a proposta de decisão de encerramento, explicitando que nada do que invocou em sede de audiência prévia era suscetível de mudar o sentido da decisão final, de 25/08/2022, tendo-lhe sido dado o prazo de 30 dias para cessar a atividade.
Com a não audição das testemunhas em sede de audiência prévia, foi violado o principio do contraditório, concluindo que está verificado o pressuposto do fumus boni iuris.
Quanto ao periculum in mora, alega que a decisão em causa, se não for suspensa, causará à requerente e aos 3 idosos, que se encontram aos seus cuidados, prejuízos não apenas de difícil reparação, mas mesmo de natureza irreparável, preenchendo, por isso, o pressuposto previsto no n.º 3 do artigo 120º do CPTA. A situação em apreço, provoca a diminuição de rendimentos e põe em risco a satisfação de necessidades básicas de outros 3 idosos ou que, de qualquer modo, implica uma drástica diminuição do seu nível de vida.
Os idosos em causa não têm onde ficar, e vendo-se a requerente inibida de prestar os serviços assistenciais aos idosos, estes ficarão isolados nas suas casas e, portanto, com prejuízos para a saúde e esperança de vida dos mesmos e até risco de vida.
No que tange à ponderação de interesses, a suspensão da eficácia da decisão de encerramento administrativo do espaço de acolhimento das 3 idosas não lesa o interesse público, muito pelo contrário, visa repor a legalidade, mas causará sérios prejuízos à saúde das 3 idosas que ali estão acolhidas e às suas famílias.
Ademais, com a decisão de suspensão do encerramento «… também não é afetada a boa imagem da instituição da Requerida». « Pelo contrário, essa imagem resulta antes afetada com a publicitação de atos arbitrários da natureza da deliberação suspendenda»- cfr. artigos 88.º e 89.º do requerimento inicial.

1.2. Citada, a entidade requerida apresentou oposição, alegando, em síntese, que na sequência da receção de denúncias telefónicas foi aberto o processo de averiguações n.º ...89, relativo ao funcionamento de forma irregular de casas de acolhimento de idosos no distrito ..., entre as quais a da requerente.
No dia 22/04/2022 realizou uma ação de fiscalização junto da entidade requerida, com o propósito de visitar as instalações, fazer recolha fotográfica, identificar os utentes e recolher declarações;
A requerente informou que no seu domicílio acolhia naquele momento 4 pessoas idosas e no âmbito da visita verificou-se a existência de 5 camas, tendo-se concluído que a capacidade instalada seria de 5 utentes/residentes, apesar de ter sido explicado que a 5.ª cama se destinava à mãe da proprietária;
Os idosos ali alojados eram: a) BB; CC; DD e DD;
O alojamento de pessoas idosas inclui a alimentação, a prestação de cuidados de higiene, acompanhamento no AVD, limpeza das instalações e tratamento de roupas; os cuidados de saúde são prestados pelo Centro de Saúde ..., tendo todos médicos de família atribuídos; o acompanhamento e a prestação de cuidados de saúde são assegurados pelo companheiro da autora, enfermeiro reformado, EE, em especial na organização semanal da medicação;
Por todos os serviços prestados cada idoso paga € 800 mensais, mas as despesas de fraldas e medicação devem ser asseguradas pela família;
O estabelecimento de apoio social intervencionado funciona sem autorização de funcionamento emitida pelo Instituto da de Segurança Social, I.P.
No segundo quarto duplo estava o idoso BB, e no outro quarto duplo estavam as idosas DD e CC, sendo que o quarto denominado como individual estava ocupado pela idosa DD, mas, na verdade, constitui um arrumo, sem janela para o exterior, apenas tendo um postigo que comunica com hall de entrada, logo sem condições de habitabilidade;
Quanto às condições de segurança, o equipamento não se encontrava provido com detetores de fumo, nem botões de alarme ou central de alerta;
O imóvel no qual funciona o estabelecimento de apoio social apresenta deficientes condições de instalação nos termos da legislação em vigor.
Não se verifica o fumus boni iuris, uma vez que a autora promove uma atividade de apoio social a pessoas idosas, sem dispor de condições para o respetivo licenciamento, tendo sido proposto o encerramento administrativo, ao abrigo do artigo 35.º do DL 64/07, de 14 de março, republicado pelo DL 126-A/2021, de 31 de dezembro.
Não se verifica igualmente o periculum in mora, uma vez que, a mera verificação de um prejuízo não é suficiente, sendo exigível um perigo especial, qualificado, apenas relevando os prejuízos que coloquem em risco a efetividade da sentença a proferir no processo principal;
A requerente limitou-se a alegar danos, sem os demonstrar, já que nem todos os prejuízos poderão contar, nem se percebe quais são os prejuízos de difícil reparação, parecendo que o que a requerente pretende é o seu enriquecimento, sem cumprir as normas aplicáveis.
Quanto á ponderação de interesses, a lesividade do interesse público deve sobrepor-se aos interesses da requerente, sendo que, no caso, o interesse público a proteger prende-se com a defesa da legalidade que está relacionada com a garantia de segurança, mobilidade e saúde dos utentes idosos.
Conclui, pugnando pelo indeferimento da providência requerida.
1.3. A 1.ª Instância proferiu decisão a julgar procedente a providencia cautelar, constando da mesma o seguinte dispositivo:
«Nos termos e com os fundamentos expostos:
Julgo o pedido de adoção de providência cautelar procedente e, em consequência, suspendo a decisão de encerramento administrativo do denominado estabelecimento de apoio social de AA.
Custas a cargo da entidade requerida.
Registe e notifique.».
1.4. Inconformado com a decisão proferida, o Requerido interpôs o presente recurso de apelação, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
«I. O presente recurso interposto da douta Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra julgou procedente a adoção da providência cautelar requerida pela Requente AA e, em consequência, suspendeu a decisão de encerramento administrativo do estabelecimento de apoio social da Requerente AA.
II. O Tribunal a quo considerou que havia: fumus boni iuris (ainda que o Recorrente não descortine qual), periculum in mora, e, ainda, que a ponderação de interesses se verificava a favor da Recorrida, com o qual o Recorrente discorda uma vez que, salvo melhor entendimento, que nenhum desses requisitos estão preenchidos.
III. Para decidir a procedência da providência cautelar, sustenta o Tribunal a quo, na Sentença proferida que: «(...) Porém, é alegado um dano que o Tribunal entende ser suscetível de causar efetivos danos reputacionais, potencialmente de muito difícil reparação, (...) Portanto, o Tribunal reconhece que a ordem de encerramento poderia causar danos na imagem, bom nome e reputação da casa de apoio social da requerente que dificilmente seriam recuperáveis, se a decisão cautelar, mais tarde viesse a decidir ordenar a suspensão de tal decisão de encerramento. Ou seja, os danos reputacionais já se teriam produzido, não se sabendo se seriam recuperáveis e se familiares de outros idosos arriscariam confiar os seus parentes naquela entidade, com a dúvida de saber porque motivo a casa da “AA”, fora encerrada pelo ISS, IP.(...)».
IV. Ao analisar a P.I., no entendimento do Recorrente, e s.m.o., não está foi alegado aparentemente pela Recorrida quaisquer danos morais.
V. Traga-se à colação o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de data de 16-08-2016 do Processo n.º 00101/19.1BEPNF do relator Ricardo de Oliveira Sousa, que pleiteou que: «(...) II- A alegação e prova da existência do periculum in mora incumbe ao requerente da providência cautelar, não podendo a falta de alegação de factos concretos suscetíveis de o demonstrar ser suprida através de convite ao aperfeiçoamento do requerimento inicial, por corresponder ao incumprimento de um ónus que incumbe em exclusivo ao requerente; nem havendo lugar, nesse caso, à determinação de um período de produção de prova, por o mesmo se revelar inútil ou desprovido de objeto. (...)» (sublinhado e negrito nosso). E, demais, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de data de 13-09-2019 do Processo n.º 00235/19.2BEPNF da relatora Helena Canelas, que dispôs que: «(...) IV- Ao requerente de uma providência cautelar incumbe desde logo o ónus de alegação dos factos integradores dos elementos constitutivos do direito à obtenção da tutela cautelar, o que implica que deve ser feita no requerimento inicial do processo cautelar a alegação de factos concretos que, uma vez provados, permitam ao tribunal extrair as conclusões de que a lei faz depender a procedência da pretensão cautelar. V – Da conjugação do ónus, a cargo do requerente de uma providência cautelar, de no seu requerimento inicial especificar os fundamentos do pedido cautelar, alegando os factos integradores da causa de pedir da concreta pretensão cautelar, (...)».
VI. Afigura-se ao Recorrente, que o Tribunal a quo, s.m.e., cometeu um erro de julgamento de facto ao na pág. 3 na parte do Relatório da Sentença ter fixado que a Requerida alegou: «(...) 18) A imagem da instituição da requerida será afetada, pois com a divulgação, publicidade e conhecimento do encerramento, ainda que arbitrário, pelo ISS, IP, tal situação causar-lhe-á danos reputacionais; (...)».
VII. Ora, aquilo que parece ao Recorrente, é que a Recorrida alegou no artigo 88.º e 89.º da P.I. na ponderação de interesses, foi que não é afetada a imagem da «Requerida», aqui Recorrente, aqui ISS. I.P., e, que «Pelo contrário, essa imagem (...)», a imagem da «Requerida», do ISS. I.P., é que «resulta antes afetada com a publicitação de atos arbitrários da natureza da deliberação suspendenda.», ou seja, não será alegadamente bem visto o ISS. I.P. de andar a praticar tais atos de encerramento, que na ótica da Requerente são «arbitrários».
VIII. No que respeita ao requisito do fumus boni iuiris decidiu o Tribunal a quo, o que se transcreve por comodidade de pensamento: «(...) Alega a requerente que a atividade dela não esta sujeita ao regime do DL 64/2007, de 14 de março e da Portaria 67/2021, de 21 de março, por não carecer de qualquer autorização ou licenciamento, já que apenas aloja 3 idosas permanentemente e o quarto idoso apenas se encontrava provisoriamente até à família encontrar local para apoio ao seu familiar (...) a casa da requerente tinha 4 idosas ao seu cuidado e, ainda, 5 camas, (...) AA, a 7 de junho de 2022, responde, em exercício do direito de audiência prévia (facto provado 5.) e nessa sede esclarece que no momento em que estava a exercer aquele direito só tinha sob a sua responsabilidade 3 idosos, portanto, número de utentes que desqualificaria imediatamente o seu estabelecimento como ERPI, colocando-a na posição do exercício de função para o qual não seria necessário licenciamento, portanto, em condições de legalidade (facto provado 5.). (...) Por outro lado, está provado que o idoso que estaria alojado no estabelecimento da requerente e que seria o quarto idoso, colocando em ilegalidade o seu funcionamento como casa de apoio a idosos, faleceu a 16 de julho de 2022 (facto provado 12.), tendo saído da casa da requerente em junho (facto provado 11.). E bastaria ter admitido a prova testemunhal requerida para ter podido evitar o presente processo judicial. Dá-se por provado o fumus boni iuiris (sublinhado e negrito nosso).
IX. Ora, a Recorrida à data da ação inspetiva acolhia no seu estabelecimento 4 idosos, inclusive, com a capacidade instalada no mesmo de 5 camas.
X. O quarto idoso só saiu do equipamento a Junho de 2022 (facto 11 dos factos dados como provados).
XI. Apontam-se os Processos n.ºs 1049/14.1BEAVR e 87/17.7BEVIS, apreciados e decididos no mesmo sentido quer pelas 1.ªs instâncias, quer pelas 2.ªs instâncias (Tribunal Central Administrativo Norte), já transitadas, no sentido de que basta a existência da capacidade instalada para se aplicar o regime legal de ERPI.
XII. Cita-se o Acórdão do TCAN de data de 29-05-2020 do Processos n.º 87/17.7BEVIS, que decidiu: «(...) pelo que a crítica à sentença centra-se na alegação de que nunca cuidou de mais três utentes em simultâneo (destinando-se a 4.ª cama instalada no seu “estabelecimento” a acompanhar os utentes na parte nocturna) não se inserindo assim tal estabelecimento na denominada “Estrutura Residencial para Pessoas Idosas” com a consequência de o mesmo não ser regido pela legislação convocada pela sentença mormente para efeitos de exigência de licenciamento prévio da atividade de resposta social em causa. (...) Termos em que, no essencial, o cerne do dissídio em presença, na perspetiva da Recorrente, prendia-se e prende-se com o facto de considerar não lhe ser aplicável o disposto na Portaria n.º 67/2012, de 21/03, porquanto o seu estabelecimento não consubstancia uma ERPI. (...) A Portaria n.º 67/2012, de 21/03 define as condições de organização, funcionamento e instalação a que devem obedecer as “estruturas residenciais para pessoas idosas”, sendo como tais consideradas as estruturas residenciais que se destinam à habitação de pessoas com 65 ou mais anos, com capacidade de acolhimento não inferior a 4 (artigos 5.º e 6.º), designadamente, a obrigatoriedade de lincenciamento (artigo 2.º), de processo individual de cada residente (artigo 9.º), de direção técnica, quadro de pessoal, regulamento interno (artigos 10.º e seguintes), de exigências a nível de acesso, áreas e avaliações pelas entidades competentes. (...) “este argumento, o do propósito da presença de uma quarta cama, não assume relevância para efeitos da classificação do estabelecimento como sendo uma ERPI uma vez que o legislador adotou especificamente a expressão “capacidade”. (...) Ora, “capacidade” significa aptidão, virtualidade, possibilidade, suscetibilidade.
Assim, bastará que o estabelecimento possa, em termos de facto, acolher um número de utentes não inferior a 4, como é o caso sub judice, para que seja classificado como ERPI e, consequentemente, lhe sejam aplicáveis as disposições constantes da Portaria n.º 67/2021 de 21/03.” (...) Pelo que bem andou a sentença ao julgar improcedente a acção dos autos (...)» (sublinhado e negrito nosso).
XIII. Assim, a pretensão da Requerente, agora Recorrida não pode, nem deve merecer qualquer acolhimento no processo principal considerando que ficou patente que a proposta de encerramento do estabelecimento daquela se devia ao facto de alojar 4 idosos, com 5 camas de capacidade instalada.
XIV. Acresce, que s.m.o., não pode merecer tutela a posição defendida pela Requerente quanto em exercício do direito de audiência prévia ter esclarecido o Requerido, aqui Recorrente, que no momento do exercício do direito à audiência prévia só ter sob a sua responsabilidade 3 idosos, num número de utentes que desqualificaria o seu estabelecimento como ERPI.
XV. Mesmo que tivesse sido diligenciado que a testemunha filha do quarto idoso residente “provisoriamente” no estabelecimento, fosse ouvida, não afastava, a conclusão que a instalação da Requerente que tinha uma capacidade de 5 camas.
XVI. Por tudo o expendido, quanto ao quesito do fumus boni iuiris resultando manifesta a falta de fundamento da pretensão a formular na ação principal, por maioria de razão também a tutela cautelar teria de perecer.
XVII. O Tribunal a quo decretou a providência cautelar por alegadamente estar em causa potenciais danos à imagem, à reputação e ao bom nome da Recorrida, nomeadamente, «é alegado um dano que o Tribunal entende ser suscetível de causar efetivos danos reputacionais, potencialmente de muito difícil reparação, sobretudo por se tratar de um meio muito fechado, pequeno, situado na Vila de ... e para cuja compreensão não é necessária especial prova.
Na verdade, considerando o homem médio, reconhecer-se-á facilmente que numa Vila como ..., o encerramento da casa de apoio a idosos de “AA” seria facilmente divulgado e o facto de tal encerramento se ficar a dever a uma intervenção do ISS, IP facilmente permitiria que se espalhasse e potenciasse a ideia de que tal encerramento poderia ter-se ficado a dever a uma falta de condições ou de higiene, segurança, alimentação, maus tratos gerais, entre um conjunto alargado de outras outras possibilidades que, em regra, quando se encerram estabelecimentos deste tipo são prolatadas na comunicação social. (...)».
XVIII. Com todo o devido respeito, tais conclusões assentam em cenários hipotéticos, simples conjeturas, sem qualquer fundamento objetivo razoavelmente configurável, pelo que não podem preencher o requisito do «periculum in mora».
XIX. Os danos não patrimoniais in casu não são suscetíveis de integrar o requisito do periculum in mora, uma vez que não assumem um grau de intensidade e objetividade que mereçam a tutela do direito, nos termos do n.º 1 do artigo 496.º do Código Civil.
XX. Nem resulta evidente de quaisquer factos do encerramento da ERPI representem e/ou traduzam uma conduta especialmente censurável por parte da Recorrente de tal modo que afete profundamente a imagem, bom nome e reputação da Recorrida.
XXI. Ora, só devem ter-se em conta para a aferição da existência do requisito do “periculum in mora” as lesões graves e dificilmente reparáveis.
XXII. E como a jurisprudência tem entendido, a «previsível gravidade da lesão deve ser aferida tendo em conta a repercussão que determinará na esfera do interessado, abrangendo tanto os prejuízos materiais, como os prejuízos imateriais ou morais, por natureza irreparáveis ou de difícil reparação» (cfr. o Acórdão do T.R.Coimbra, Proc. n.º 306/15.4T8FND.C1).
XXIII. Não há quaisquer danos avultados para a Recorrida da espera do desfecho do processo principal.
XXIV. Assim sendo, conclui-se pela não verificação do requisito do periculum in mora constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 120.º do C.P.T.A., o que importa o não decretamento da providência requerida, e a revogação da decisão do Tribunal a quo.
XXV. Desta feita, estamos perante um interesse público qualificado sem que, todavia, se exija uma grave lesão do interesse público, pois, o que é essencial é que, no caso concreto, a lesão daqueles interesses se traduza e assuma contornos tais que se torne desproporcionado o decretamento da providência deduzida.
XXVI. Ora, no caso em concreto a suspensão do ato é desproporcionada tendo em conta que foi averiguado pelos serviços do Recorrente que a Recorrida albergava quatro utentes, e, ainda mais o seu estabelecimento apresenta a capacidade instalada de 5 camas.
XXVII. Resta aferir os interesses em presença. Ora, por um lado temos o interesse privado da Requerente, que o Tribunal a quo consubstanciou no direito ao seu bom nome, e, por outro lado, há um interesse público a que o ISS. I.P. está obrigado, a zelar pela dignidade dos utentes de ERPI, pela fiscalização de ERPI ilegal, pelas condições a que estão acometidos os utentes.
XXVIII. Impõe-se, por isso, e feita a ponderação dos interesses públicos e privados em presença, que o Tribunal conclua que nada obste a que a que o ato não seja suspenso.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, com o douto suprimento de V. Exa., deverá a decisão recorrida ser revogada, por legal, concedendo provimento ao presente recurso.
Tudo com as devidas e legais consequências, como é de inteira,
Justiça!»
1.5. A apelada contra-alegou, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
«1ª
A autora e Recorrida AA intentou os presentes autos tendo em vista reagir contra a nulidade do ato de encerramento, por violação ostensiva do direito de audiência da interessada.

A decisão final administrativa de encerramento padece de evidente e flagrante nulidade, por atropelo de diligências probatórias requeridas pela requerente e aqui Recorrida.

O próprio Recorrente confirma que omitiu, sem justificar nem sequer fundamentar, a realização da diligência probatória testemunhal apresentada pela defesa.

A negação da produção da prova testemunhal faz incorrer o procedimento em violação do disposto no artigo 121.º – Direito de audiência prévia – do Código de Procedimento Administrativo (CPA).

O cumprimento do dever de audiência prévia tem de ser efetivo para o administrado, facultando-lhe a real e satisfatória pronúncia sobre o projeto de decisão.

E tem de ter uma capacidade conformadora da decisão definitiva, mediante a efetivação de diligências complementares requeridas e consideradas pertinentes pela administração instrutora.

A preterição dessa obrigação de audiência prévia, por parte da administração, sem justificação nem fundamentação, segundo a corrente dominante na jurisprudência, leva à anulação do respetivo ato administrativo (artigo 135º do Código de Procedimento Administrativo, em articulação com o artigo 133º do mesmo código).

O artigo 342º do Código Civil indica-nos que as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos.

Ora, a prova requerida visava a demonstração e o quarto idoso estava ali transitoriamente e só de passagem aos cuidados da requerente.
10ª
E que a requerente não mais prestava qualquer atividade de apoio social.
11ª
Por meio da prova testemunhal pretendida, a requerente visava demonstrar que não praticava, de todo, qualquer atividade subsumível ao abrigo do disposto legal do Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14-03, e da Portaria n.º 67/2021, de 21-03
12ª
O despacho em crise do Conselho Diretivo, omitindo a necessária produção de prova da defesa da requerente, violou assim o princípio do contraditório.
13ª
A omissão da produção de prova testemunhal padece de ilegalidade, por, designadamente, violação do direito fundamental ao acesso à justiça (artigo 220.º n.º 4 da Constituição) e, na ordem legal, os art.ºs121º e 125º do Código de Procedimento Administrativo.
14ª
E a declaração da nulidade processual por via da ilegal omissão da produção da prova testemunhal implica a anulação dos termos subsequentes do processo administrativo em causa.
15ª
Segundo a douta Sentença dá-se por verificado o “periculum in mora” porquanto a decisão administrativa fosse no sentido de suspender a decisão de encerramento, já não seria possível recuperar os 3 idosos que lá estavam aos seus cuidados e face ao dano reputacional do encerramento, desconhece-se se seria possível voltar a recuperar, tendo outras famílias interessadas em ali confiar o alojamento, alimentação, cuidados, higienização dos seus familiares.” (cit.
16ª
E que tanto, ainda mesma sentença: “bastaria ter admitido a prova testemunhal requerida para ter podido evitar o presente processo judicial, e dando assim “por provado o fumus boni iuiris.”
17ª
E, finalmente, que “o interesse público em causa centra-se na proteção dos idosos, na garantia de que são bem cuidados, alimentados, higienizados e em instalações dignas e seguras, higienizadas, com todas as condições de prestação de cuidados de saúde, o que não foi posto em causa na fiscalização realizada...”
18ª
Pelo que, tal como bem se andou em sede de douta Sentença: “dá-se por preenchido na ponderação de interesses a prevalência pelos interesses da requerente, idosos e suas famílias.”
Nestes termos e nos melhores de Direito, que Vossas Exas. doutamente suprirão, impõe-se negar provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo-se integralmente a decisão recorrida.
Justiça.»
1.6. O Ministério Público junto deste TCA Norte, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º1 do CPTA, não se pronunciou sobre o mérito do recurso.
1.7. Prescindindo-se dos vistos legais, mas com prévio envio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
*
II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.
2.1.Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Acresce que por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
2.2. Assentes nas mencionadas premissas, as questões que se encontram submetidas à apreciação deste TCAN resumem-se a saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento em matéria de direito por ter considerado procedente o pedido de suspensão da deliberação que ordenou o encerramento do lar de idosos detido pela Apelada, o que passa por saber, se estão verificados os pressupostos para o seu decretamento, a começar pelo periculum in mora,, que o Tribunal a quo deu como verificado e que a Apelante discorda. Caso se conclua que este pressuposto está preenchido, aferir-se- à da verificação do fumus boni iuris e da ponderação de interesses, de modo a decidir se assiste ou não razão ao Apelante.
**
II. FUNDAMENTAÇÃO.
A.DE FACTO
A 1.ª Instância julgou indiciariamente provados os seguintes factos:
1) A 17 de setembro de 2021 foi feita uma denúncia anónima referente â existência de seis casas de acolhimento de idosos a funcionarem de forma irregular, sem condições para acolher idosos, entre os quais a de AA, em ..., ...;
(facto provado por documento a fls 1 e ss dos autos – paginação eletrónica e prova testemunhal)
2) A 20 de maio de 2022 é redigida informação n.º 70/2022/NFES do ISS, IP, onde consta em especial:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
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(facto provado por documento, a fls 1 e ss dos autos – paginação eletrónica)
3) A 23 de maio de 2022 a Diretora do Núcleo de Fiscalização de Equipamentos Sociais, no exercício de poderes subdelegados, decide:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(facto provado por documento, a fls 1 e ss dos autos – paginação eletrónica)
4) A requerente foi notificada da intenção de encerramento, nos termos seguintes:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(facto provado por documento, a fls 1 e ss dos autos – paginação eletrónica)
5) A 7 de junho de 2022 a requerente, AA, responde em sede de audiência prévia, à proposta de encerramento do ISS, IP, nos termos que seguem:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
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(facto provado por documento, a fls 1 e ss dos autos – paginação eletrónica)
6) O Núcleo de Fiscalização do Centro do ISS, IP não produz, neste tipo de processos, prova testemunhal, por não ter condições materiais e humanas para o fazer;
(facto confessado, por prova testemunhal da inspetora FF)
7) A 25 de agosto de 2022 é subscrito documento timbrado do ISS, IP, subscrito pela Vice-Presidente do Conselho Diretivo do ISS, IP, onde consta, em especial:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(facto provado por documento, a fls 1 e ss dos autos – paginação eletrónica)
8) A 26 de agosto de 2022, GG emite parecer no processo de averiguações ...89, onde consta, em especial:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
9) A 28 de agosto de 2022, o Diretor da Unidade de Fiscalização do Centro, HH, emite parecer, nos seguintes termos:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(facto provado por documento, a fls 1 e ss dos autos – paginação eletrónica)
10) A 30 de agosto de 2022 conta de documento timbrado do ISS, IP, subscrito pelo Diretor da Unidade de Fiscalização do Centro, em especial:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(facto provado por documento, a fls 1 e ss dos autos – paginação eletrónica)
11) BB esteve temporariamente na casa de AA, até os seus familiares encontrarem apoio social para idosos, tendo saído em junho de 2022;
(facto provado por prova testemunhal)
12) BB faleceu a 16 de julho de 2022;
(facto provado por prova testemunhal)
13) Os familiares das 3 idosas que se encontram aos cuidados de AA padecem de limitações que impedem que vivam sozinhas, em especial Alzeimer, diabetes e problemas cardíacos, sendo ali alimentados, higienizados e cuidados no controlo da sua saúde, assumidos pelo companheiro da autora, enfermeiro reformado, estando os seus familiares, que as visitam regularmente, satisfeitos com a resposta;
(facto provado por prova testemunhal)
14) A instalação da casa de AA é em ..., perto das residências dos familiares das 3 idosas que ali estão ao seu cuidado, o que facilita as visitas e o seu acompanhamento familiar;
(facto provado por prova testemunhal)
15) Os familiares das 3 idosas que se encontram aos cuidados de AA não têm condições para encontrar outra solução de apoio social aos seus familiares, tendo todos uma absoluta impossibilidade de deles cuidarem a título pessoal;
(facto provado por prova testemunhal)
2.2. MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA
Inexistem factos não provados com relevância para a decisão.»
3.2. A senhora juiz a quo adiantou a seguinte motivação para justificar o julgamento da matéria de facto:
«A convicção do tribunal quanto aos factos considerados provados resultou do exame dos documentos constantes dos autos e do processo administrativo apenso, os quais se dão por inteiramente reproduzidos, não tendo sido impugnados, conforme referido em cada uma das alíneas do probatório, cuja força probatória é de apreciação livre pelo tribunal.
A prova documental apresentada não foi precedida de qualquer incidente quanto à sua falsidade [não houve impugnação da sua genuinidade, nem da sua autenticidade, nos termos dos artigos 444.º, 446.º do Código de Processo Civil (CPC)], sendo, por isso, de livre apreciação pelo Tribunal, constituindo-se, no caso dos autos, fundamentalmente por documentos particulares.
Para a verificação do periculum in mora e da ponderação dos interesses em causa, o Tribunal admitiu e valorou a prova testemunhal produzida, ouvindo II, JJ, KK, LL, MM, NN e FF.
A testemunha II, companheiro da requerente, apresentou-se tranquilo e explicativo, tendo apresentado um discurso coerente e não contraditório, sem esquecer ter interesse indireto na causa, foi, todavia, valorado. Confessou que na casa da requerente estavam a título permanente 3 idosas e temporariamente um idoso. Confessou ser ele que cuida dos idosos em matéria de prestação de cuidados de saúde, sendo ele que controla a toma da medicação. Interrogado pelo Tribunal sobre quais as patologias de que padecem os utentes da casa da autora, a testemunha, enfermeiro aposentado, soube indicar as principais limitações de saúde de ..., CC e DD. Quanto ao idoso OO, informou o Tribunal que na presente data já não está na casa da autora, tendo até informado que já falecera, declarando que apenas cuidou dele provisoriamente a pedido de familiares, por aqueles não encontrarem solução e carecerem de um pouco mais de tempo.
O Tribunal ouviu ainda JJ, filha do idoso OO, que esteve provisoriamente em casa da autora. Esta testemunha declarou ter levado o seu pai para casa da autora por ter tentado colocar o seu pai noutras instituições, sem sucesso, razão pela qual pediu à autora que o aceitasse apenas por pouco tempo, acabando por lá ficar durante 2 meses, até encontrar solução definitiva, o que veio a suceder na Santa Casa da Misericórdia, em ..., distrito .... Confessou que o seu pai faleceu menos de um mês após ter sido colocado neste lar, em 16 de julho de 2022.
Declarou que sempre o seu pai foi bem tratado na casa da autora, verificando que era bem alimentado, bem higienizado, indo vê-lo todos os fins-de-semana. Recorda-se que a autora tinha 5 camas, uma delas era para a sua mãe quando ela lá passava alguns tempos e a 5.ª cama apenas foi colocada para albergar o seu pai, provisoriamente.
KK foi outra das testemunhas ouvidas pelo Tribunal, sendo auxiliar dos serviços gerais na Santa Casa da Misericórdia de ... e nora da idosa DD, com 79 anos. A sua nora tem Alzeimer e diabetes, e desde que está ali colocada nunca teve qualquer crise de hipoglicémia ou hiperglicemia, assim como tem pouca mobilidade. Reconhece que na casa da autora é bem tratada, bem alimentada e controlada na sua saúde. Esta testemunha declara não ter qualquer condição de cuidar da nora, pois trabalha por turnos e o seu marido e filho da idosa é camionista, passando muito tempo fora de casa. Declara que a sua sogra está ali há 2 anos e visita-a aos Sábados. Declarou que paga € 600 mensais.
O Tribunal ouviu, ainda, LL, motorista, e filho de DD, que declarou estar a semana toda fora de casa pela sua profissão, não tendo qualquer chance de cuidar da sua mãe, por isso a colocou em casa da autora, onde reconhece ser bem tratada. Esclareceu ser também bombeiro voluntário e conhece bem as condições das calhas de acolhimento e por isso está tranquilo com a colocação de sua mãe na casa da autora. Quando levou a sua mãe sabia que eram duas idosas, hoje em dia sabe que estão lá 3 idosos.
MM, professora de profissão, filha da idosa CC, que repetiu, genericamente, o que as antecedentes testemunhas afirmaram.
Ouvidas as inspetoras do ISS, IP, NN e FF, às quais o Tribunal atribuiu credibilidade, tendo respondido sem hesitações ou contradições, ficou dito que foi realizada uma visita inspetiva a 26 de abril de 2022 e que nessa altura foram vistos 4 idosos na casa da autora, ainda que tenha sido logo explicado que um desses idosos era temporário, também não foram fornecidos quaisquer dados sobre o idoso temporário, o Senhor BB. Ambas as testemunhas confirmaram que quando há encerramento de um lar, o ISS, IP recoloca de imediato os idosos em outras instituições com resposta idêntica, nunca ficando as famílias sem onde os colocar.
Foi, por ambas as inspetoras, reconhecido que se em vez de 4 idosos tivessem encontrado apenas 3 idosos, tudo era legal. Também ambas as inspetoras declararam que é habitual fazerem uma última visita, após a audiência prévia, para confirmarem a situação mais atual antes da decisão final, mas no caso isso não foi feito e acabou por ser tomada a decisão de encerramento a confirmar a proposta de decisão.
A testemunha FF confessou que não ouvem testemunhas porque o ISS, IP, aqui entidade requerida, não tem capacidade de o fazer, pelo que apenas é admitida prova documental.
A inquirição das testemunhas permitiu ao Tribunal formular a sua convicção quanto aos factos dados como provados 1. e 10. a 14.»
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III. B. DE DIREITO
O presente recurso vem interposto da decisão da 1.ª Instância que julgou verificados os pressupostos cumulativos previstos no artigo 120.º do CPTA para o decretamento da providência cautelar requerida pela Apelada e, nessa conformidade, suspendeu a eficácia da decisão que determinou o encerramento de um estabelecimento de alojamento coletivo correspondente a uma estrutura residencial para pessoas idosas, não licenciado nem provido com autorização provisória de funcionamento, vulgo, « estabelecimento de apoio social de AA».
A Apelante não se conforma com a decisão proferida, por considerar que não se verifica nenhum dos três pressupostos previstos no artigo 120.º do CPTA necessários ao seu decretamento, impetrando à decisão recorrida erro de julgamento sobre a matéria de direito- ver conclusão II.
Começa por dissentir da decisão recorrida quanto ao julgamento efetuado sobre o periculum in mora.
Assevera que o tribunal a quo deu erroneamente como verificado em sede de periculum in mora um dano reputacional para a Apelada, de muito difícil reparação, decorrente da não suspensão da decisão que determinou o encerramento administrativo do estabelecimento que explora, quando, na verdade, a requerente nem sequer tinha alegado um tal dano. Antes, aquilo que se lhe afigura, tendo presente o que a requerente alegou nos artigos 88.º e 89. do requerimento inicial e em sede de ponderação de interesses, foi que não é afetada a imagem da «Requerida», ou seja, da ora Apelante - ISS. I.P.- , e, que «Pelo contrário, essa imagem (...)», a imagem da «Requerida», do ISS. I.P., é que «resulta antes afetada com a publicitação de atos arbitrários da natureza da deliberação suspendenda.», ou seja, não será alegadamente bem visto o ISS. I.P. se andar a praticar tais atos de encerramento, que na ótica da requerente são «arbitrários»- ver conclusão VII.
Vejamos de lhe assiste razão.
De acordo com a ordem seguida pelo Apelante na enunciação dos erros de julgamento que assaca à decisão recorrida, prima facie, cuidaremos de conhecer do acerto ou desacerto do julgamento efetuado pela 1.ª instância em relação ao pressuposto do periculum in mora, e só caso se conclua pelo preenchimento desse pressuposto, é que partiremos para o conhecimento dos demais erros de julgamento ( quanto ao fumus boni iuris e dependendo do julgamento sobre este, à ponderação de interesses).
Antes, porém, principiamos por enunciar que as providências cautelares são o tipo de medidas que são requeridas e decretadas, tendo em vista acautelar o efeito útil da ação, mediante a composição provisória dos interesses conflituantes, mantendo ou restaurando a situação de facto necessária à eventual realização efetiva do direito e “ visam precisamente impedir que, durante a pendência de qualquer ação declarativa (...), a situação de facto se altere de modo a que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela. Pretende-se deste modo combater o periculum in mora (o prejuízo da demora inevitável do processo) a fim de que a sentença se não torne uma decisão puramente platónica- Cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio da Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, p. 23 e ss. E ainda, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 14/03/2014 (proc. n.º 01334/12.7BEPRT-A.
Parafraseando Alberto dos Reis- Cfr. Boletim do Ministério da Justiça, n.º 3, pp. 42 e 45- dir-se-á que «o traço típico do processo cautelar está, por um lado, na espécie de perigo que ele se propõe conjurar ou na modalidade de dano que pretende evitar e, por outro, no meio de que se serve para conseguir o resultado a que visa.
(…)O perigo especial que o processo cautelar remove é este: periculum in mora, isto é, o perigo resultante da demora a que está sujeito um outro processo (o processo principal) ou, por outras palavras, o perigo derivado do caminho, mais ou menos longo, que o processo principal tem de per­correr até à decisão definitiva, para se dar satisfação à neces­sidade impreterível de justiça, à necessidade de que o julga­mento final ofereça garantias de ponderação e acerto.
(…)Uma vez que o processo cautelar nasce para ser posto ao serviço dum processo principal, a fim de dar ensejo a que este processo siga o seu curso normal sem o risco da decisão final chegar tarde e ser, por isso, ineficaz, vê-se claramente que a função do processo cautelar é nitidamente instrumental; o processo cautelar é um instrumento apto a assegurar o pleno rendimento do processo definitivo ou principal. Não satisfaz, por isso mesmo, o interesse da justiça; não resolve definitivamente o litígio; limita-se a preparar o terreno, a tomar precauções para que o processo principal possa realizar completamente o seu fim».
No contencioso administrativo, decorre do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 120.º do CPTA que o decretamento das providências cautelares, independentemente da sua natureza, está dependente da verificação cumulativa dos seguintes critérios: (i)que haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal (periculum in mora); ii) que seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente (fumus boni iuris); e iii) que da ponderação dos interesses públicos e privados em presença se conclua que os danos resultantes da concessão da providência não se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa ou que, sendo superiores, possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências (juízo de ponderação de interesses destinado a aferir a proporcionalidade e a adequação da providência).
Refira-se que perante o não preenchimento de um dos requisitos necessários ao seu decretamento, veja-se, do periculum in mora, será inútil aferir do preenchimento dos demais requisitos atinentes ao fumus boni iuris e à ponderação dos interesses, necessários para ser decretada a providência cautelar à luz do disposto no artigo 120.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA, por serem de verificação cumulativa.
Quanto ao requisito do periculum in mora, dir-se-á que o mesmo se encontrará preenchido sempre que exista fundado receio de que, quando o processo principal termine e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar resposta adequada ou cabal às situações jurídicas e pretensão objeto de litígio: (i) seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil; (ii) seja porque tal evolução gerou ou conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis.
O fundado receio há- de corresponder a uma prova, por regra a cargo do requerente, de que tais consequências são suficientemente prováveis para que se possa considerar «compreensível ou justificada» a cautela que é solicitada. Nas palavras de Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto F. Cadilha “deve considerar-se que o requisito do periculum in mora se encontra preenchido sempre que os factos concretos alegados pelo requerente permitam perspetivar a criação de uma situação de impossibilidade da restauração natural da sua esfera jurídica, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente”in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4ª edição, Almedina, 2017, pp. 970-972 (anotação 2. ao art.º 120º).
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Na aferição deste requisito e tal como é defendido pelo Prof. J. C. Vieira de Andrade o juiz deve “(...) fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para se concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil por se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por entretanto se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstam à reintegração específica da sua esfera jurídica”. Ou, por outras palavras, como assinala Abrantes Geraldes, o fundado receio a que a lei se refere é o receio (…) apoiado em factos que permitam afirmar, com objetividade e distanciamento, a seriedade e atualidade da ameaça e a necessidade de serem adotadas medidas tendentes a evitar o prejuízo. Não bastam, pois, simples dúvidas, conjeturas ou receios meramente subjetivos ou precipitados assentes numa apreciação ligeira da realidade, embora, de acordo com as circunstâncias, nada obste a que a providência seja decretada quando se esteja ainda face a simples ameaças advindas do requerido, ainda não materializadas, mas que permitam razoavelmente supor a sua evolução para efetivas lesões” -Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, volume III, 3ª edição, Almedina, pág. 103.
Daí que, se quanto ao juízo de probabilidade da existência do direito invocado (fumus boni iuris) se admite que o mesmo possa ser de mera verosimilhança, já quanto aos critérios a atender na apreciação do periculum in mora os mesmos devem obedecer a um maior rigor na apreciação dos factos integradores de tal requisito visto que a qualificação legal do receio como fundado visa restringir as medidas cautelares, evitando a concessão indiscriminada de proteção meramente cautelar com o risco inerente de obtenção de efeitos que só podem ser obtidos com a segurança e ponderação garantidas pelas ações principais - Cfr. Ac. do TCAN, de 14/03/2014, proc. n.º 01334/12.7BEPRT-A.
Significa tal que sob o requerente impende o ónus de tornar credível a sua posição através do encadeamento lógico e verosímil de razões convincentes e objetivas nas quais sustenta a verificação dos requisitos da providência.

O requerente não está desonerado de provar os factos integradores dos referidos pressupostos, para o que deve alegar, de forma concreta, a causa petendi em que fundamenta a sua pretensão cautelar - Cfr. entre outros, Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 14/07/2008 (proc. n.º 0381/08), de 19/11/2008 (proc. n.º 0717/08) e de 22/01/2009 (proc. n.º 06/09); assim como os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 11/02/2011 (proc. n.º 01533/10.6BEBRG), de 08/04/2011 (proc. n.º 01282/10.5BEPRT-A), de 08/06/2012 (proc. n.º 02019/10.4BEPRT-B), de 14/09/2012 (proc. n.º 03712/11.0BEPRT), de 30/11/2012 (proc. n.º 00274/11.1BEMDL-A), de 25/01/2013 (proc. n.º 02253/10.7BEBRG-A), de 25/01/2013 (proc. n.º 01056/12.9BEPRT-A), de 08/02/2013 (proc. n.º 02104/11.5BEBRG), de 17/05/2013 (proc. n.º 01724/12.5BEPRT), de 31/05/2013 (proc. n.º 00019/13.1BEMDL), de 14/03/2014 (proc. n.º 01334/12.7BEPRT-A), de 17/04/2015 (proc. n.º 03175/14.8BEPRT) ,de 31/08/2015 (proc. n.º 00370/15.6BECBR) e de 20.10.2017 (proc. N.º 01565/16.0BEBRG-A).
Assinale-se que da consideração conjunta do regime prescrito nos artigos 112º, n.º 2, alínea a), 114º, n.º 3, alíneas f) e g), 118º e 120º do CPTA não resulta prevista nenhuma presunção
iuris tantum quanto à existência dos aludidos requisitos como mera decorrência da execução dum ato.
Conforme se sumariou em Acórdão deste TCAN Cfr. Ac. do TCAN de 17-04-2015, Proc. 02410/13.4BEPRT;:
«I - A concessão das providências cautelares, no tocante ao requisito do periculum in mora exigido pelo artigo 120º, nº 1, alíneas b) e c), do CPTA, assenta nos factos alegados pelas partes. Uma alegação insuficiente e meramente “conclusiva”, porque desprovida dos factos essenciais que constituem a causa de pedir, não é adequada para a averiguação do preenchimento de tal requisito.
II - Cabe ao requerente alegar factos concretos que permitam ao julgador apreciar e eventualmente concluir pela existência de uma situação de carência económica relevante para preenchimento do requisito do periculum in mora previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 120º do CPTA (…)
III - Se ao tribunal é lícito considerar os factos instrumentais que resultem da instrução da causa, bem como os factos daí resultantes que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e também os factos notórios e aqueles de que tenha conhecimento por virtude do exercício das suas funções, como dispõe o nº 2 do artigo 5º do CPC, já vedado lhe é erigir ele próprio uma causa de pedir, quanto aos factos essenciais, mediante inquirição de testemunhas sobre matéria meramente conclusiva e afirmações de ordem tabelar por referência à facti species da respectiva norma legal: Sairia violado gravemente o princípio da imparcialidade do juiz.»
(…)».

Tal não significa que se exija ao requerente em sede cautelar um esforço titânico de alegação e prova de factos que consubstanciem o fundado receio de que o processo principal, uma vez decidido, se torne inútil para a defesa dos interesses do requerente, mas exige-se-lhe o ónus de alegar (e provar) de forma concreta a causa petendi em que fundamenta a sua pretensão cautelar, tal como decorre do disposto no artigo 114.º, n.º 3, alínea g) do CPTA, artigo 5.º, n.º 1 do Código de Processo Civil e 342.º do Código Civil, ou seja, de especificar, de forma articulada, os fundamentos do pedido, oferecendo prova sumária da respetiva existência e provar os mesmos.
Em suma, a verificação do preenchimento do periculum in mora tem de fazer-se tendo em conta a alegação e a prova de factos, pelo requerente, que permitam ao julgador, com base numa análise conscienciosa, assente num juízo de razoabilidade, antever que as consequências referidas, verificar-se-ão, com um grau de probabilidade suficiente para fundar a procedência da providência cautelar. Alguma doutrina tem vindo a considerar que esta exigência tem sido, na nossa jurisprudência, exagerada.
Partindo destas premissas e volvendo ao caso em analise, constata-se que, coligido o requerimento inicial, efetivamente, a requerente, ora Apelada, não alegou nenhum dano reputacional para si em razão da não suspensão da decisão administrativa que determinou o encerramento do estabelecimento que tinha a funcionar como lar de idosos, antes, e apenas em sede de ponderação de interesses, invocou a verificação de um dano reputacional para a entidade administrativa para o caso de não ser suspensa a referida decisão de encerramento.

Não obstante, estranhamente, foi a seguinte a decisão proferida pela 1.ª Instância:
« (…)
Porém, é alegado um dano que o Tribunal entende ser suscetível de causar efetivos danos reputacionais, potencialmente de muito difícil reparação, sobretudo por se tratar de um meio muito fechado, pequeno, situado na ... e para cuja compreensão não é necessária especial prova.
Na verdade, considerando o homem médio, reconhecer-se-á facilmente que numa Vila como ..., o encerramento da casa de apoio a idosos de “AA” seria facilmente divulgado e o facto de tal encerramento se ficar a dever a uma intervenção do ISS, IP facilmente permitiria que se espalhasse e potenciasse a ideia de que tal encerramento poderia ter-se ficado a dever a uma falta de condições ou de higiene, segurança, alimentação, maus tratos gerais, entre um conjunto alargado de outras outras possibilidades que, em regra, quando se encerram estabelecimentos deste tipo são prolatadas na comunicação social.
Ou seja, o Tribunal não ignora que quando há notícia de encerramento de casas de apoio social a idosos, os fundamentos que, em regra, chegam à comunicação social, se prendem com este tipo de fundamentos, pelo que o risco da notícia de tal encerramento, em ..., lugar da ..., agravada com a imposição da entidade requerente de mandar a requerente afixar um aviso na entrada principal de acesso à casa, durante 30 dias, desse mesmo encerramento (facto provado 6.).
Portanto, o Tribunal reconhece que a ordem de encerramento poderia causar danos na imagem, bom nome e reputação da casa de apoio social da requerente que dificilmente seriam recuperáveis, se a decisão cautelar, mais tarde viesse a decidir ordenar a suspensão de tal decisão de encerramento. Ou seja, os danos reputacionais já se teriam produzido, não se sabendo se seriam recuperáveis e se familiares de outros idosos arriscariam confiar os seus parentes naquela entidade, com a dúvida de saber porque motivo a casa da “AA”, fora encerrada pelo ISS, IP.
Na realidade, o Tribunal não pode ignorar que a casa da requerente é uma casa de apoio social a idosos mínima, e o seu encerramento, sobretudo salientado com a afixação de aviso na entrada principal, num meio tão pequeno como o lugar da ..., em ..., causaria danos de imagem e reputação inegáveis que o Tribunal estima não serem fáceis de recuperar com a decisão da providência cautelar, perdendo, desde logo as 3 idosas que lá estão aos seus cuidados (factos provados 12. e 13.) e que, com o encerramento teriam de ser colocados noutra instituição, dificilmente regressando. Ou seja, a requerente, se a decisão da presenta ação cautelar fosse no sentido de suspender a decisão de encerramento, já não seria possível recuperar os 3 idosos que lá estavam aos seus cuidados e face ao dano reputacional do encerramento, desconhece-se se seria possível voltar a recuperar, tendo outras famílias interessadas em ali confiar o alojamento, alimentação, cuidados, higienização dos seus familiares.
Dá-se por verificado o requisito periculum in mora
Sendo assim, em função de tudo quanto antecede, não oferece dúvida que Tribunal a quo julgou erroneamente como provado um dano reputacional que não foi sequer alegado pela requerente, ora Apelada, incorrendo assim em erro de julgamento, violando inclusivamente o princípio da imparcialidade que deve nortear a atividade do julgador.
Como bem se escreveu em Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, proferido em 13/09/2019, no processo n.º 00235/19.2BEPNF, de que foi da relatora a senhora desembargadora Helena Canelas:
«(..) IV- Ao requerente de uma providência cautelar incumbe desde logo o ónus de alegação dos factos integradores dos elementos constitutivos do direito à obtenção da tutela cautelar, o que implica que deve ser feita no requerimento inicial do processo cautelar a alegação de factos concretos que, uma vez provados, permitam ao tribunal extrair as conclusões de que a lei faz depender a procedência da pretensão cautelar.
V – Da conjugação do ónus, a cargo do requerente de uma providência cautelar, de no seu requerimento inicial especificar os fundamentos do pedido cautelar, alegando os factos integradores da causa de pedir da concreta pretensão cautelar, (...)».
No mesmo sentido, veja-se o Acórdão de 16/08/2016, proferido no processo n.º 00101/19.1BEPNF, de que foi relator o senhor desembargador Ricardo de Oliveira Sousa, o aqui segundo adjunto, citado pela Apelante: «(...) II- A alegação e prova da existência do periculum in mora incumbe ao requerente da providência cautelar, não podendo a falta de alegação de factos concretos suscetíveis de o demonstrar ser suprida através de convite ao aperfeiçoamento do requerimento inicial, por corresponder ao incumprimento de um ónus que incumbe em exclusivo ao requerente; nem havendo lugar, nesse caso, à determinação de um período de produção de prova, por o mesmo se revelar inútil ou desprovido de objeto. (...)».
Termos que se conclui pela não verificação do requisito do periculum in mora constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 120.º do C.P.T.A., o que, de per si, importa o não decretamento da providência requerida, e a revogação da decisão do Tribunal a quo.
Na procedência do invocado erro de julgamento, deixa de ter utilidade a apreciação dos demais erros de julgamento assacados à decisão recorrida, uma vez que, sendo os pressupostos para o decretamento de uma providência cautelar, previstos no artigo 120.º do CPTA, de verificação cumulativa, a falta de um deles determina, só por si, a improcedência da providência cautelar requerida.
O respeito pelo princípio da limitação dos atos, consagrado, no artigo 130.º do CPC, para os atos processuais em geral, que proíbe, enquanto manifestação do princípio da economia processual, a prática de atos no processo (pelo juiz, pela secretaria e pelas partes), que não se revelem úteis para alcançar o seu termo, impede que em situações como a presente, o exercício dos poderes de controlo da 2.ª Instância em relação a erros de julgamento que já não traçam o destino da ação/recurso.
Termos em que se impõe julgar o presente recurso procedente e, em consequência, revogar a decisão recorrida e, em substituição, indeferir a providência cautelar requerida pela Requerente.
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IV-DECISÃO
Nesta conformidade, acordam os Juízes Desembargadores deste Tribunal Central Administrativo do Norte conceder provimento ao recurso interposto e, em consequência, revogam a decisão recorrida, e decidem, em substituição, julgar improcedente a providência cautelar requerida de suspensão de eficácia da deliberação do Conselho Diretivo do Instituto da Segurança Social, IP, proferida em 25/08/2022, que ordenou o encerramento do estabelecimento de alojamento coletivo correspondente a uma estrutura residencial para pessoas idosas, denominado de « estabelecimento de apoio social de AA».
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Custas pela Apelada (art.º 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.
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Porto, 24 de fevereiro de 2023


Helena Ribeiro
Nuno Coutinho
Ricardo de Oliveira e Sousa