Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00944/12.7BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/11/2012
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos
Descritores:RECLAMAÇÃO DA DECISÃO DO ÓRGÃO DE EXECUÇÃO FISCAL; IDONEIDADE DA GARANTIA; FIANÇA.
Sumário:1 - A existência de decisão judicial anterior, proferida nos autos e transitada em julgado, que enquadra a fiança nas formas de garantia válidas a que alude o artigo 199.°, n.° 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, obsta à reapreciação da mesma questão em decisão posterior que tenha por base a mesma garantia;
2 - Constituem pressupostos da idoneidade da fiança a capacidade do fiador para se obrigar e a existência, no seu património, de bens suficientes para garantir a obrigação - artigo 631°, n.° 1, do Código Civil, aplicável por força do artigo 2°, alínea d), da Lei Geral Tributária.
3 - As sociedades gestoras de participações sociais em relação de domínio com as sociedades participadas têm capacidade para prestar garantias pessoais a dívidas destas sociedades - artigo 6.°, n.° 3, segunda parte, do Código das Sociedades Comerciais.
4 - A eventual dificuldade da fiadora em obter a liquidez necessária à boa execução da garantia no prazo de trinta dias a que alude o artigo 200°, n.° 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário não afeta, por si só, a sua idoneidade nem obsta à aceitação da fiança.
Recorrente:Fazenda pública
Recorrido 1:MC, S.A.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. Relatório

1.1. A Fazenda Pública recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a presente reclamação de atos do órgão de execução fiscal, interposta a coberto do disposto nos artigos 276.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário por MC(…), S.A., n.i.f. (…), com sede na (…) Senhora da Hora, que teve por objeto o despacho proferido pelo Substituto Legal do Sr. Diretor de Finanças do Porto, onde foi decidido não aceitar como garantia idónea a fiança constituída por SC(…), S.A., N.I.F. (…), com sede no mesmo lugar, com vista à suspensão do processo de execução fiscal n.º 1805201101010239.

1.2. Rematou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que a seguir se transcrevem:

A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a reclamação de atos do órgão de execução fiscal interposta, nos termos do disposto no art. 276º do CPPT, do despacho proferido em 2012-02-07, pelo Ex.mo Sr. Substituto Legal do Diretor de Finanças do Porto, no âmbito do processo de execução fiscal (PEF) n.º 1821201101008170, que corre termos no serviço de finanças de Matosinhos (…) (OEF) e que indeferiu a prestação de garantia para efeito de suspensão da execução através de fiança, por inidoneidade da mesma, por dívidas de IVA do exercício de 2006, no valor de quantia exequenda de 38.784.370,39 Euros.

B. Ressalvado o devido respeito com o que desta forma foi decidido, não se conforma a Fazenda Pública, sendo outro o seu entendimento, já que considera que a douta sentença sob recurso incorreu em nulidade por omissão de pronúncia, ou quando assim não se entenda, sempre padece de erro de julgamento de facto e erro de julgamento de facto e de direito, como a seguir se argumentará e concluirá.

C. Considera a Fazenda Pública, com o ressalvado respeito por diferente opinião que a douta sentença incorreu em nulidade por omissão de pronúncia em duas vertentes: na aplicação ao caso dos autos de um douto acórdão cuja materialidade subjacente difere da que se encontra aqui em causa e na não ponderação da completa situação económica e financeira da reclamante.

D. No que concerne ao Acórdão, pela transcrição se infere que, ao contrário do sentenciado, não se trata de questão em tudo idêntica à discutida nos presentes autos.

E. Porque parte dos considerandos ali expendidos são ininteligíveis ou irrelevantes para a boa decisão da presente reclamação, mas principalmente porque há verdadeiras incoerências na caracterização e descrição do despacho reclamado, designadamente no que concerne à pormenorizada escalpelização da situação financeira da proposta fiadora, que não foram objecto de pronúncia no âmbito da sentença recorrida.

F. E, do douto acórdão transcrito não resulta a idoneidade da garantia, mas apenas a sua admissibilidade em abstrato como meio de garantir a dívida, sendo que, os factos que o douto acórdão assenta tal conclusão decorrem do conteúdo do despacho atacado em tal Reclamação.

G. Porém, o conteúdo de tal despacho não é, em nada, idêntico ao conteúdo do despacho reclamado nesta Reclamação, pelo que, a douta sentença, ao louvar-se no referido acórdão incorreu em nulidade processual por omissão de pronúncia, porque não sustentou o segmento decisório nos factos relevantes para esta reclamação, remetendo para factos que não se verificam ou sequer adequam aos presentes autos.

H. Acresce que, na segunda vertente referida, a douta sentença privilegiou determinados factos dados como provados e decorrentes da IES, designadamente o valor dos capitais próprios e do activo, mas não se pronunciou sobre muitos outros factos patrimoniais relevantes e também contidos naquele documento, como a valorimetria daquelas grandezas, o passivo, a liquidez ou as obrigações de curto prazo, factos invocados e ponderados no despacho recorrido, que não se mostram devidamente ponderados na decisão tomada.

I. Também por este facto se verifica nulidade por omissão de pronúncia, porque o Meritíssimo Juiz deixou de se pronunciar sobre questões que devia apreciar, dado que, para aquilatar da idoneidade em concreto de determinada garantia pessoal é fundamental conhecer a “saúde financeira” do fiador, facto que nunca poderá ressaltar exclusivamente do valor dos capitais próprios e activo.

J. Atenta a matéria supra descrita, por dever de cautela, sempre se diga que a não se verificarem as invocadas omissões de pronúncia, sempre ocorrerá erro de julgamento sobre a matéria de facto.

K. Considera a Fazenda Pública, subsidiariamente, que a douta sentença incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto e de direito, com os seguintes fundamentos:

L. A suspensão da cobrança da prestação tributária em sede de execução fiscal depende de garantia idónea, que pode consistir em garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio suscetível de assegurar os créditos da Fazenda Pública.

M. O conceito de garantia idónea depende de concreta avaliação pelo órgão de execução com respeito pelos princípios da vinculação à lei, na atividade administrativa tributária, da indisponibilidade dos créditos fiscais e da proibição da concessão de moratórias no seu pagamento, assumindo que a suspensão tem um carácter verdadeiramente excecional, por ser proibida nos casos não previstos da lei (cfr. art. 36º, n.º 3 da LGT).

N. A lei aponta preferencialmente para certos tipos de garantia, atento o seu maior grau de liquidez, autonomia e certeza inerente ao seu recebimento, cuja hierarquização se encontra reflectida na ponderação concretizada no despacho reclamado, em respeito pelo disposto no art. 199º do CPPT.

O. Assim, a AT está vinculada a aceitar a garantia bancária, a caução e o seguro-caução, desde que suficientes, e, a contrario, não existe fundamento legal para sustentar que está obrigada à aceitação de qualquer outra garantia, muito menos as de maior vulnerabilidade, como é o caso da fiança.

P. Em contradição com o doutamente decidido, a enumeração do art. 199º configura um preceito aberto, que é concretizado e regulamentado nos seus n.os 2 e 4, pelo que além das garantias enunciadas no n.º 1, apenas são garantias idóneas as referidas nos n.os 2 e 4.

Q. Sustenta-se tal entendimento, por um lado, na utilização, no n.º 2 da redação desse artigo, da expressão “a garantia idónea referida no número anterior poderá consistir, ainda (…)”, no sentido de que este “ainda” só pode significar, salvo melhor opinião, “para além da garantia bancária, caução e seguro-caução”, sendo ilógico e contraditório entender esta expressão como “para além de todos os meios suscetíveis de assegurar os créditos do exequente”, onde já se incluíram o penhor e a hipoteca que o legislador de seguida repetia, quer, por outro lado, na redação do n.º 4, ao estabelecer que “vale como garantia para efeitos do n.º 1(…)”.

R. Existe o risco de oscilação do património do fiador que responde perante os seus próprios credores, bem como perante os credores do(s) afiançado(s), de onde decorre a possibilidade de o fiador, se recusar ao cumprimento, podendo opor ao credor tanto os meios de defesa que competem ao devedor principal, bem como aqueles que lhe são próprios, e, consequentemente, conclui-se que esta forma de garantia não assegura de forma suficiente e eficaz, os créditos do exequente no prazo de 30 dias, o pagamento após citação previsto no n.º 2 do art. 200º do CPPT.

S. Tal resulta da natureza do instituto jurídico em causa, que consistindo numa garantia geral sobre o património de terceiro (sem qualquer situação de privilégio) confere um grau de debilidade ou fragilidade que justificam a sua não equiparação a uma garantia idónea, atento o facto de a fiança ser prestada no interesse do credor.

T. Acresce que, a idoneidade da garantia reporta-se à sua suscetibilidade para determinar o pagamento da dívida a curto prazo, após citação para o efeito (n.º 2 do art. 200º do CPPT), entendendo-se como pagamento da dívida a entrega do correspondente montante em dinheiro ou equivalente, assim assegurando a boa cobrança dos créditos tributários, e sem incidir diretamente sobre determinado bem, não poderá a fiança lograr conferir efeito suspensivo à execução fiscal – considerada a índole pública e indisponível da obrigação de imposto legalmente liquidado – independentemente do seu valor.

U. Deste modo, do disposto no art. 199º, n.º2 do CPPT, decorre que a AT, expondo a falta de idoneidade da garantia concretamente apreciada, poderá recusá-la, uma vez que o critério pelo qual se há de aferir da idoneidade é o de que, para funcionar como garantia, o meio concretamente oferecido terá de incidir sobre bens ou valores suficientes para assegurar o pagamento da dívida exequenda e respetivo acrescido em tempo útil, o que implicará sempre um ato de avaliação ou apuramento do valor da garantia concretamente oferecida ou, dos bens sobre que esta incida, sempre numa perspetiva de adequação ao montante do crédito do exequente, o que exige a sua exacta quantificação, e de mais fácil realização do crédito (cfr., por igualdade de razões, o art. 219º, n.º1 do CPPT).

V. Ainda que se considerasse a fiança como tipo de garantia válida, o que por cautela de representação se equaciona, concretamente sobre a fiança indeferida na presente execução saliente-se que se trata de uma SGPS cujo ativo é constituído por participações financeiras e créditos sobre empresas participadas, caracterizada pela ausência de estrutura física e humana de suporte, estando-lhe vedado, em termos gerais, adquirir ou manter na sua titularidade imóveis ou alienar ou onerar as participações detidas antes de decorrido um ano sobre a sua aquisição;

W. E, está-lhe também vedado conceder crédito a sociedades por ela dominadas ou em que detenham participações se o crédito concedido exceder o valor da participação espelhada no último balanço aprovado ou não for objeto de contrato de suprimento, pois o legislador entendeu que não se verifica com segurança que essa ordem de atos corresponda tipicamente à atividade legalmente autorizada, à adequada prossecução do objeto social.

X. Sendo que as participações sociais constituem um tipo de ativos altamente volátil, não só devido à sua oscilação em termos de valor de mercado, à dificuldade de exacta e instantânea quantificação do seu valor, mas também devido à possibilidade de liquidação e de transferência de património quase instantâneas.

Y. Ou seja, em regra, as SGPS não apresentam estrutura física ou humana inerente, consistente com meros veículos de capitais de investimento, o que as torna sociedades meramente “virtuais”, isto é, sem substância física e que devem a sua existência à legislação vigente, auferindo apenas rendimentos de natureza passiva (lucros e juros).

Z. E, sendo o fiador se apresenta como um verdadeiro devedor do credor, nunca o património da proposta fiadora foi determinado rigorosamente pela mesma ou pela afiançada reclamante, sem prejuízo do consabido risco financeiro normalmente atribuído à determinação do valor de participações sociais, sejam elas cotadas em bolsa ou não, e da transmissibilidade inerente à atividade da sociedade que as detém, que em abstrato poria sempre em causa a sua idoneidade.

AA. A esta observação não se opõe a invocada notoriedade da fiadora ou do grupo económico em que se insere, pois que tal notoriedade pouco ou nada adianta sobre a real situação financeira desta, nem garante a execução eficaz do seu património em tempo útil.

BB. Ademais, e sintetizando aqui a análise que consta do despacho recorrido e constitui real concretização das razões que conduziram ao afastamento da fiança no caso em análise, patenteando a fragilidade da idoneidade da garantia oferecida, sempre se diga que decorre da análise da IES do ano de 2010 que:

CC. O Fundo de Maneio (Ativo Corrente - Passivo Corrente), calculado numa ótica de liquidez, é negativo de 385.064.464,25 Euros;

i. O Ratio de Liquidez Geral demonstra que os ativos líquidos disponíveis não cobrem sequer 1% das responsabilidades assumidas a curto prazo, quando deveria estar perto dos 100%;

ii. A sociedade que se propõe como garante tem necessidade regular de recorrer a fundos externos para financiar a sua atividade corrente, que obtem recorrendo a outras empresas dentro do mesmo grupo económico, o que pode gerar grandes dificuldades de tesouraria;

iii. O valor das participações sociais reveladas no ativo não corrente (nem todas cotadas em Bolsa de Valores) foi calculado no justo valor à data da demonstração financeira ou ao custo de aquisição deduzido de eventuais perdas por imparidade, ambos os critérios acarretam um carácter subjetivo, atenta a inovação introduzida pelo Sistema de Normalização Contabilística (SNC);

iv. Se houvesse necessidade de proceder, à data do despacho controvertido, à alienação das participações sociais cotadas em bolsa e detidas pela fiadora, ocorreria incerteza quanto ao produto da venda, evidenciando dificuldades em cumprir com o preceituado no n.º 2 do art. 200º do CPPT, face ao valor da garantia oferecida, ora em crise, no montante de 49.218.625,71 Euros e os compromissos já assumidos, à data, pela mesma sociedade, perante a AT, no distrito do Porto, no valor total de 5.633.976,68 Euros, facto não relevado nas suas demonstrações financeiras.

v. No ano de 2010, a sociedade que se propõe como garante apresentou um resultado líquido negativo de 7.646.775,94 Euros, o que constitui um aumento exponencial relativamente ao exercício anterior em que o resultado obtido, também negativo, foi de 588,00 Euros.

CC. Destarte, logra a AT demonstrar em concreto que conjugando as informações constantes da IES do ano de 2010 com o disposto no n.º 2 do art. 200º do CPPT, se infere que a sociedade proposta fiadora terá dificuldade em obter a liquidez necessária à boa execução da garantia, no prazo concedido pela lei.

DD. Todas estas questões se tornam mais relevantes se considerarmos que em causa nos autos se encontra uma estrutura empresarial complexa (grupo económico…), constituído por SGPS sucessivas, em níveis hierárquicos diferentes, em que apenas as sociedades-mãe de cada grupo económico se encontram cotadas em bolsa, que não existe enquanto património único, engloba mais de quinhentas sociedades comerciais, cada uma delas constituindo um património empresarial per si, sendo certo que apenas o património da empresa garante constitui garantia do crédito tributário.

EE. Além do invocado, a reclamante não carreou qualquer elemento adicional de forma a atestar a idoneidade da fiança, nem demonstrou a total insusceptibilidade de obter crédito bancário, nem nada referiu quanto à capacidade futura de a reclamante gerar fluxos de caixa para permitir que a AT concluísse que a mesma não conseguiria suportar o peso dos encargos das garantias a contratar com instituições financeiras.

FF. Não será de olvidar o regime de prova consagrado nos arts. 74º da LGT e 342º do CC, segundo o qual o ónus da prova dos factos constitutivos do direito invocado pela reclamante incumbe à própria, devendo, no requerimento em que oferece a garantia, demonstrar a idoneidade desta, por via da junção da imprescindível prova, cabendo à AT posteriormente avaliar a veracidade do demonstrado, por confronto com os meios ao seu dispor, bem como a sua aptidão ao pretendido.

GG. Entende, pois a Fazenda Pública, com a ressalva do devido respeito, que a douta sentença sob recurso enferma de erro de julgamento sobre a matéria de facto e de direito, porquanto fez errónea interpretação e aplicação do disposto nas normas legais aplicáveis in casu, mais concretamente as que regem a prestação da garantia para efeitos de suspensão do PEF, mais concretamente os arts. 52º da LGT e 169º e 199º do CPPT.

1.3. Não houve contra-alegações.

Neste Tribunal, o Ex.mº Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso e mantida integralmente a sentença recorrida.

Com dispensa dos vistos legais (artigos 36.º, n.º 2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e 707.º, n.º 4, do Código de Processo Civil), cumpre agora apreciar e decidir, visto que nada a tal obsta.

1.4. São as seguintes as questões a decidir, expostas pela ordem da sua alegação e das conclusões no recurso:

¾ Saber se a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia (conclusões “A” a “I”);

¾ Saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar a fiança como tipo de garantia válida (conclusões “J” a “U”);

¾ Saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar como válida e idónea a fiança prestada por uma sociedade gestora de participações sociais (conclusões “V” a “AA”);

¾ Saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar como idónea a fiança prestada pela sociedade gestora de participações sociais que, em concreto, se oferece como fiadora (conclusões “BB” a “GG”).

2. Fundamentação de Facto

2.1. É o seguinte o acervo dos factos que em primeira instância foram dados como provados:

1. Em nome da ora reclamante, foi instaurada a execução fiscal n° 1821201101008170 para cobrança da dívida exequenda de IVA no valor de € 38.784.370,39, cfr. fls.1 a 25 destes autos e que aqui se dão por reproduzidas.

2. Em 31.01.2011 a reclamante requereu ao Exmo. Chefe do Serviço de Finanças de Matosinhos (…), a fixação do montante da garantia a prestar para efeitos de suspensão da execução identificada em 1), nos termos constantes de fls. 29 e 30 destes autos e que aqui se dão por reproduzidas.

3. O montante da garantia a prestar foi calculado nos termos constantes de fls. 31 destes autos e importou em € 49.218.625,71.

4. Em requerimento datado de 18.02.2011, a reclamante apresentou pedido de suspensão de execução juntando uma fiança no valor de € 49.218.625,71 nos termos constantes de fls. 35 e 36 destes autos e que aqui se dão por reproduzidas.

5. O pedido de prestação de garantia requerido nos moldes referidos em 4) foi indeferido nos termos do despacho proferido em 22.02.2011 e constante destes autos a fls. 37 e 38.

6. Contra o indeferimento identificado em 5), a ora reclamante apresentou petição nos termos do art° 276° do CPPT, cfr. fls. 46 a 84 destes autos.

7. A reclamação referida em 6), foi objeto de decisão proferida por este Tribunal em 27.07.2011 e transitada em julgada.

8. Na decisão referida em 7) determinou-se a anulação do ato reclamado.

9. Em 07.02.2012 foi proferido novo despacho sobre o pedido de prestação de garantia nos termos constantes de fls. 290 a 295 destes autos e que aqui se dão por integralmente reproduzidas.

10. O despacho foi no sentido do indeferimento do pedido de prestação de garantia, cfr. fls. 290 destes autos.

11. Deste despacho de indeferimento a reclamante apresentou petição nos termos do art° 276° do CPPT, cfr. fls. 383 a 456 destes autos.

12. O despacho identificado em 9) é em resumo do seguinte teor:

“(…) caso em análise, o sujeito passivo MC, SA, não efectuou prova da idoneidade da garantia oferecida.(...). Sendo a fiança uma garantia que concede ao credor apenas uma garantia geral sobre o património de um terceiro, sem incidir directamente sobre determinado bem, não pode ser aceite como capaz de ter um efeito suspensivo de execução fiscal, pelo tipo de garantia que é, independentemente do seu valor;(...)

O facto do património do fiador responder não apenas perante o credor da relação afiançada mas também perante todos os outros credores do fiador, pode significar que a massa patrimonial do fiador é insuficiente para o cumprimento das suas obrigações; (...). O tipo de sociedade da empresa que se oferece como garante S.MC, SA, por regra, caracteriza-se por falta de estrutura física e humana de suporte, sendo o seu património constituído apenas por participações sociais, o que torna estas empresas susceptíveis de liquidação e de transferência de património quase imediata, retirando idoneidade à garantia que pretende prestar para assegurar o crédito em questão; (...). Analisada a lES do ano de 2010 e os compromissos já assumidos pela sociedade que se oferece como fiadora, verificam-se ainda os seguintes factos susceptíveis de aferir quanto à inidoneidade da garantia oferecida (...). As obrigações de curto prazo, no valor de € 387.473.668,49 excedem em larga escala os activos que apresentam liquidez de igual prazo, de € 229.689,30 (...). Considerados os valores constantes do balanço a 31.12.2010, constata-se que os capitais alheios de curto prazo (inferior a 12 meses) constituídos basicamente por financiamentos obtidos, estão a financiar activos com carácter de permanência — activo não corrente (superior a 12 meses), o que pode gerar grandes dificuldades de tesouraria; (...), o Fundo de Maneio da SMC, SA., é negativo de € 385.064.464,25, o que significa que, face aos activos que a empresa possui à data do balanço (de longo prazo), o risco de não conseguir fazer face às obrigações já assumidas é bastante elevado; (...). Os resultados da empresa que se oferece como fiadora são negativos de € 7.646.775,94; (...). Os critérios de valorimetria das participações detidas pela empresa que se oferece como fiadora estão sujeitos a alguma subjectividade e juízos de valor, derivado ao novo sistema de normalização contabilística (...). Deste modo, o valor do património desta empresa poderá ser substancialmente diferente na presente data ou na data em que existisse necessidade de accionar a garantia; (...). A SMC, SGPS, de harmonia com a informação conhecida (...), já assumiu garantias pessoais noutros processos de execução fiscal, que no Distrito do Porto, totalizam € 5.633.976,68, não reflectidos nas suas demonstrações financeiras, os “passivos contingentes”; (...). Desta forma, pode-se concluir que a SMC (...) terá alguma dificuldade em obter a liquidez necessária à boa execução da garantia no prazo de tempo útil previsto na lei antes de esta presumir que o garante entra em incumprimento, e que se encontra fixado pelo n° do art° 2000 do CPPT em 30 dias.(...)”:

13. Dá-se aqui por reproduzida a declaração anual (lES), apresentada pela MC relativamente ao exercício de 2010 e constante destes autos de fls. 298 a 326.

14. A reclamante é detida a 100% pela empresa SMC, cfr. fls. 478 destes autos e que aqui se dá por reproduzida.

15. A SMC, tem um ativo de € 1.379.889.528,55 e capitais próprios de € 592.352.636,06, cfr. fls. 483 destes autos e que aqui se dá por reproduzida.

16. Dá-se aqui por reproduzida a cópia da sentença proferida nos autos de reclamação 1365/11.4 e constante destes autos de fls. 548 a 562 destes autos.

17. Dá-se aqui por reproduzido o documento n° 8 apresentado pela reclamante juntamente com a petição inicial e que respeita ao despacho proferido pelo Exmo. Diretor de Finanças do Porto no âmbito da suspensão da uma execução fiscal e constante destes autos de fls. 709 a 713.

18. Em 08.03.2012 foi apresentada a petição de reclamação nos termos do art° 276° do CPPT, cfr. fls. 383 a 456 destes autos.

19. Por despacho proferido em 02.04.2012, foi mantido o ato reclamado, cfr. fls. 721 a 724 destes autos e que aqui se dão por reproduzidas.

3. Fundamentação de Direito

3.1. A primeira questão colocada no presente recurso é a de saber se a sentença recorrida padece de omissão de pronúncia.

A Recorrente entende que a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia porque, por um lado, transcreve o teor de um acórdão que não tem aplicação ao caso e, por outro, não considerou ou valorou, na aplicação do direito, factos patrimoniais relevantes para a decisão.

Como ponto prévio, assinale-se que os factos patrimoniais relevantes são, no entendimento da Recorrente, o que se retiram da Informação Empresarial Simplificada (IES) inserta a fls. 298 e seguintes dos autos e que se deu como reproduzida na sentença recorrida (cfr. ponto 13 dos factos provados).

Pelo que a omissão de pronúncia não se pode dever a factos que a M.mª Juiz não tivesse apreciado (dando-os como provados ou não provados), mas ao facto de não os ter relevado devidamente na sua subsunção ao direito aplicável, designadamente na apreciação da questão da idoneidade da garantia.

No que também não se concede, porque no processo lógico-subsuntivo de aplicação dos factos ao direito, o tribunal não tem que enunciar todos os factos cuja ocorrência assumiu no lugar próprio.

De resto, ao selecionar no quadro factual que atrás apreciou os factos que importam à questão de direito ou que nela assumem papel determinante, o juiz não deixa de apreciar a totalidade desses factos, dando relevância e preponderância de uns sobre os demais. Concretamente, quando a M.mª Juiz a quo releva o valor dos capitais próprios e dos ativos que extraiu do teor da Informação Empresarial Simplificada (IES) que deu como reproduzida nos factos provados, extraindo daí que a garantia apresentada é idónea, não está a ignorar os demais elementos constantes daquele documento, mas a concluir que estes elementos chegam para concluir o que concluiu. E se não o faz corretamente, incorre em erro de julgamento, e não em omissão de pronúncia.

Também quando cita indevidamente jurisprudência que não tem aplicação ao caso e não tem nada a oferecer em abono da decisão, o tribunal pode incorrer em erro ou até prejudicar a clareza da sua própria fundamentação, mas não em omissão de pronúncia.

Pelo que a sentença recorrida nunca poderia padecer da nulidade invocada.

3.2. Resta-nos, por isso, o apontando erro de julgamento. Pretende a Recorrente que o tribunal recorrido interpretou de forma errada o artigo 199.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário ao concluir pela idoneidade da garantia.

Importa, porém, colocar esta questão em perspetiva, visto que nos autos já foram proferidas duas decisões judiciais tendo por objeto outras tantas decisões da administração tributária que negaram idoneidade à mesma fiança.

Assim, em 2011.02.22, a administração tributária julgou inidónea a fiança por considerar (basicamente) que a lei apontava para as garantias que oferecessem maior grau de liquidez. Decisão que, porém, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto anulou em 2011.07.27 por entender que a fiança é forma de garantia idónea para efeitos do artigo 199.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Não houve recurso.

Devolvidos os autos e em 2012.02.07, a administração tributária voltou a julgar inidónea a mesma fiança, com os seguintes fundamentos essenciais: [1.º] a fiança, por ser uma garantia geral e colocar a administração tributária em paridade com os restantes credores do fiador, não é idónea; [2.º] o requerente não provou a sua idoneidade; [3.º] a fiadora é uma “S.G.P.S.”, pelo que não tem estrutura física e humana de suporte e a prestação de garantia é contrária ao seu fim estatutário; [4.º] da informação empresarial simplificada (“I.E.S.”) de 2010 resulta que a fiadora terá dificuldade em obter a liquidez necessária à boa execução da garantia no prazo de 30 dias.

A executada voltou-se novamente para o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que, em 2012.07.17, julgou procedente também esta reclamação, agora com dois argumentos essenciais: [1.º] a idoneidade abstrata da fiança tem sido reafirmada pela jurisprudência recente, com a qual concorda; [2.º] a fiadora (que renunciou ao benefício da excussão prévia) declarou, no exercício de 2010, capitais próprios no valor de € 592.352.636,06 e um ativo de € 1.379.889.528,55.

É desta última decisão que a Fazenda Pública recorre com base em erro de julgamento e por quatro razões essenciais, assim esquematizadas: [1.ª] a fiança não é um tipo de garantia válida [2.ª] a fiança prestada por uma “S.G.P.S.” não é uma garantia válida e idónea [3.ª] a Recorrida não atestou a idoneidade da garantia; [4.ª] a “I.E.S.” de 2010 demonstra a inidoneidade da fiadora.

Aqui chegados, verificamos desde já que parte da argumentação desenvolvida na segunda decisão de rejeição da garantia e que se pretende fazer chegar ao presente recurso se aproxima perigosamente de uma rota de colisão com o caso julgado firmado na primeira decisão.

Com efeito, a questão de saber se a fiança é (em abstrato) uma garantia idónea para efeitos do artigo 199.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, já tinha sido apreciada pelo tribunal de primeira instância em sentença transitada em julgado. E quando a administração tributária põe em causa a idoneidade da fiança por ser uma garantia geral e colocar a administração tributária em paridade com os restantes credores do fiador, parece querer estar pôr outra vez em causa a idoneidade (abstrata) da fiança para valer como garantia em execução fiscal.

De recordar que um dos efeitos principais do trânsito em julgado das sentenças é o efeito de preclusão, que impediria, no caso, a administração tributária de renovar o ato anulado com reiteração dos vícios que estiveram na origem da anulação, mas também de praticar, no âmbito do mesmo processo, atos desconformes com o ali decidido. Estando ali em causa um vício de natureza substancial – errada interpretação do artigo 199.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário – e tendo o Tribunal acolhido uma determinada interpretação desse dispositivo, a administração tributária não poderia senão interpretar e aplicar este dispositivo legal com o sentido adotado naquela sentença, na nova apreciação a fazer do pedido de aceitação da fiança neste processo.

O que vale por dizer que qualquer decisão da Direção de Finanças do Porto, proferida no processo e que tivesse por base a conclusão de que a fiança não é (em abstrato e em si mesma) um tipo de garantia válido para os efeitos do artigo 199.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, seria nula – artigo 133.º, n.º 2, alínea h), do Código do Procedimento Administrativo.

Cremos, no entanto, que não é esse o âmbito querido da decisão administrativa que serviu de objeto da decisão recorrida. Embora a argumentação ali desenvolvida contenha referências às características abstratas da fiança, o que se pretendeu, ali, dizer verdadeiramente foi que essas características (e nomeadamente o facto de constituir uma garantia geral sobre o património de um terceiro) obrigam o requerente, na demonstração da idoneidade dessa garantia, a demonstrar que a massa patrimonial do fiador não é insuficiente para o cumprimento do conjunto das suas obrigações.

Ou seja, o que a administração tributária pretendeu ali dizer foi que tem que ser mais exigente na apreciação da idoneidade desta garantia. O ónus de prova respetivo, que recai sobre o requerente, não estará preenchido sem que este forneça informação sobre a massa patrimonial do fiador e sobre as demais obrigações que este contraiu e que possam erodir a capacidade deste para executar a garantia.

E esta é uma questão que já não se confunde com a de saber se o artigo 199.º citado admite a fiança como forma de garantia válida. E, por isso, já não está coberta pelo caso julgado da decisão anterior.

Mas, a ser assim, também não tem razão de ser a (aliás douta) argumentação da ora Recorrente, vertida nas conclusões “J” a “U” do presente recurso, e onde desenvolve novos raciocínios interpretativos sobre aquele dispositivo legal, destinados precisamente a demonstrar que a fiança não é uma forma de garantia válida. O mais que se pode dizer sobre estes subsídios interpretativos é que eles não têm cabimento na impugnação de um ato que não assentou nesses pressupostos fundamentadores e nem poderia (validamente) assentar.

3.3. Pelo que as únicas questões que nos cabe aqui a analisar são, basicamente, as de saber se é válida e idónea uma fiança prestada por uma “S.G.P.S.” e se, em caso afirmativo, se logrou ou não demonstrar que o património desta “S.G.P.S.” garante o pagamento da dívida exequenda e do acrescido.

Na decisão reclamada considerou-se que as sociedades gestoras de participações sociais não poderiam prestar garantias pessoais, por serem contrárias ao seu fim e atento o disposto no artigo 6.º, n.º 3, do Código das Sociedades Comerciais.

No entanto, o próprio dispositivo citado ressalva a existência de justificado interesse próprio da sociedade garante ou existência de uma relação de domínio ou de grupo entre a fiadora e a afiançada. E não só não é de excluir um interesse próprio de uma “S.G.P.S.” em garantir o pagamento de um a dívida da sociedade participada, como forma de intervenção ativa na respetiva gestão, como também resulta dos autos que existe uma incontestável relação de domínio entre a sociedade executada (ora Recorrida) e a indicada fiadora: da própria decisão reclamada se extrai que esta detém 100% na participação no capital social da outra.

A questão poderia colocar-se noutro plano, o de saber se as “S.G.P.G.” podem prestar garantias à luz do seu regime próprio, desenhado no Decreto-Lei n.º 495/88, de 30.12. No entanto, este diploma não contém qualquer ressalva quanto à admissibilidade de prestação de garantias às sociedades participadas. E admite expressamente a concessão de crédito a essas sociedades, sem qualquer limite quando exista uma relação de domínio [cfr. o artigo 5.º, n.º 1, alínea c), deste diploma, na redação que lhe foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 318/94, de 24.12], que envolve (ao contrário da garantia) a disponibilização imediata do seu próprio património. Sendo, por isso, e nesse sentido, mais gravosa do ponto de vista dos direitos dos sócios e dos demais credores.

Pelo que não existe nenhuma razão legal defender que as “S.G.P.S.” não podem prestar garantias às sociedades participadas.

Quanto à outra questão, a de saber se a Recorrida provou a idoneidade da fiadora, juntando a prova necessária, importa adiantar que a decisão da administração tributária não foi a de que não recolheu elementos suficientes para aferir da idoneidade da fiadora, mas a de que os elementos recolhidos – e em particular a informação empresarial simplificada – eram suficientes para concluir que a fiadora não era idónea.

Não é, por isso, um problema de ónus de prova que aqui se coloca, porque não estamos perante uma situação de non liquet que deva reverter contra o onerado. O problema não é o de saber se foram reunidos elementos bastantes para tomar posição sobre a idoneidade da fiadora, mas tão só o de saber se os elementos recolhidos atestam a conclusão a que a administração tributária chegou.

E sobre esta matéria há um dado fundamental a reter desde já: para concluir o que concluiu a administração tributária tomou como pressuposto que o que relevava para a aferição da idoneidade da fiadora era a existência de património líquido bastante para efetuar o pagamento da dívida garantida no prazo de 30 dias a que alude o artigo 200.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Foi por isso que relevou as rubricas do activo/passivo corrente (bens, direitos e obrigações com grau de permanência inferior a 12 meses) e mediu o «rácio de liquidez», tendo concluído pela possibilidade de virem a ocorrer dificuldades de tesouraria. Foi por isso, também, que indagou sobre a celeridade com que poderiam ser liquidadas as participações detidas em sociedades do grupo e enfatizou que a sua «transformação em liquidez não é imediata». Foi por isso, ainda, que desconsiderou outros valores do balanço como o valor dos capitais próprios declarados na mesma informação empresarial (€ 592.352.636,06) ou do total do ativo da empresa (€ 1.379.889.528,55).

Mas se dúvidas restassem desta interpretação, ficariam inevitavelmente removidas pela conclusão fundamental da informação que suportou a recusa da fiança pela administração tributária. Rematou a Sr.ª Funcionária da Divisão de Gestão da Dívida Executiva da Direção Distrital de Finanças dizendo que a fiadora teria «alguma dificuldade em obter a liquidez necessária à boa execução da garantia no prazo de tempo útil previsto na lei antes de esta presumir que o garante entra em incumprimento, e que se encontra fixado pelo n.º 2 do art.º 200.º do CPPT em 30 dias».

Ou seja, a garantia foi recusada porque a informação empresarial da fiadora não garantia a existência de património líquido suficiente para que esta pagasse no prazo da sua citação a que alude o artigo 200.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

E é notório que a sentença recorrida não aderiu a este entendimento, visto que afastou a conclusão da administração tributária atendendo, não aos valores dos ativos líquidos, mas ao valor total dos ativos e dos capitais próprios a que acima fizemos referência.

Ora, entendemos que a administração tributária não tem razão. A idoneidade da fiadora não se afere pelo seu património líquido e muito menos pela capacidade de pagamento no prazo fixado no artigo 200.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Em primeiro lugar, o artigo 200.º, n.º 2, citado não encerra nenhum pressuposto da idoneidade da fiança, mas as consequências da falta de pagamento do fiador (como, de resto, anuncia a sua epígrafe). A citação e o decurso do prazo de pagamento voluntário do fiador não são pressuposto algum de que dependa a aceitação da garantia, mas pressuposto de que depende a execução dessa garantia.

Mal se compreenderia, de resto, que fosse pressuposto da garantia um incidente da sua execução que nem sequer afeta a sua subsistência: a administração tributária continua a beneficiar da extensão de garantia, quer o fiador pague quer não pague no prazo do pagamento voluntário.

Em segundo lugar, e a despeito do que se anuncia no artigo 52.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária, os pressupostos da idoneidade da fiança não se aferem «nos termos das leis tributárias», mas nos termos da legislação subsidiária para que remete o artigo 2.º, alínea d) da mesma Lei. Havendo, por isso, que recorrer ao artigo 633.º do Código Civil, do qual decorre que a idoneidade do fiador depende da sua capacidade para se obrigar e da existência de bens suficientes no seu património. De salientar que a lei não alude à existência de suficiente património líquido, mas à existência de bens suficientes, que abrange todo o seu património, líquido e ilíquido.

Mal se compreenderia, também, que valesse como garantia a penhora de bens do devedor necessários para assegurar o pagamento da dívida, antes da sua liquidação através da venda (artigo 199.º, n.º 4, do Código de Procedimento e de Processo Tributário), mas já não pudesse valer para garantia o património do fiador que, não sendo líquido, fosse suscetível de penhora.

Absurdo ainda maior seria não dispensar o executado da prestação da garantia por ser detentor de património suficiente, ainda que ilíquido (cfr. n.º 4 do artigo 52.º da Lei Geral Tributária), e não admitir a fiança que este apresentasse porque o património suficiente do fiador não é líquido.

De todo o exposto decorre que a idoneidade da fiança não se afere pelo valor do património líquido da sociedade fiadora nem pela sua capacidade de liquidar a dívida no prazo da sua citação, revelada no momento da aceitação.

Resta acrescentar que, tal como se enfatizou na sentença recorrida, o valor dos ativos da fiadora revelados na informação empresarial simplificada que serviu de base à decisão reclamada são muito superiores ao valor da dívida exequenda e do acrescido. Valor esse que é suficientemente expressivo para compensar a eventual incerteza que possa ter sido introduzida pelos critérios de avaliação do Sistema de Normalização Contabilística.

De todo o exposto decorre que a decisão recorrida não merece censura e deve ser confirmada.

4. Conclusões

4.1. A existência de decisão judicial anterior, proferida nos autos e transitada em julgado, que enquadra a fiança nas formas de garantia válidas a que alude o artigo 199.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, obsta à reapreciação da mesma questão em decisão posterior que tenha por base a mesma garantia;

4.2. Constituem pressupostos da idoneidade da fiança a capacidade do fiador para se obrigar e a existência, no seu património, de bens suficientes para garantir a obrigação – artigo 633.º, n.º 1, do Código Civil, aplicável por força do artigo 2.º, alínea d), da Lei Geral Tributária.

4.3. As sociedades gestoras de participações sociais em relação de domínio com as sociedades participadas têm capacidade para prestar garantias pessoais a dívidas destas sociedades – artigo 6.º, n.º 3, segunda parte, do Código das Sociedades Comerciais.

4.4. A eventual dificuldade da fiadora em obter a liquidez necessária
à boa execução da garantia no prazo de trinta dias a que alude o artigo 200.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário não afeta, por si só, a sua idoneidade nem obsta à aceitação da fiança.

5. Decisão

Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao presente recurso.

Custas pelo Recorrente.

Porto, 11 de Outubro de 2012

Ass.: Nuno Bastos

Ass.: Irene Neves

Ass.: Pedro Marques