Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00639/04.5BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/20/2011
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Álvaro Dantas
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL;
PRESSUPOSTOS DA REVERSÃO;
GERÊNCIA EFECTIVA;
ÓNUS DA PROVA.
Sumário:1. A determinação da responsabilidade subsidiária por dívidas tributárias afere-se à luz do regime legal em vigor à data em que as dívidas foram geradas.
2. Para se afirmar a responsabilidade subsidiária do alegado gerente da executada originária exige-se a demonstração de que aquele exerceu tal gerência de modo efectivo ou de facto.
3. É sobre quem pretende efectivar a responsabilidade subsidiária dos gerentes através da reversão da execução que recai o ónus de alegar e provar os factos integradores do efectivo exercício da gerência.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:M...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. Relatório
M…, NIF … … …, residente na R…, Porto (Recorrente), dizendo-se inconformado com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro na parte que julgou improcedente a oposição à execução fiscal com o nº 3417-02/101614.8 e apensos que corre termos no serviço de Finanças de Aveiro 2 e que foi originariamente instaurada contra a sociedade comercial Auto-V…, Lda., dela veio interpor o presente recurso.
A rematar as alegações do recurso, o Recorrente formulou as seguintes conclusões:
I. Atento tudo o alegado, o exercício da gerência de facto é conditio sine qua non para a responsabilidade subsidiária do Recorrente e é à Fazenda Pública que compete alegar e provar factos que demonstrem sem sombra de dúvidas o exercício da gerência de facto, gerência que deve ser efectiva, real, pelo que a simples assinatura de um cheque, de que apenas foi apresentada uma cópia da frente desse cheque, não pode levar à presunção judicial de que o recorrente exerceu a gerência de facto nos anos de 1997 e 1998.
II. Por sua vez, quer os recibos de vencimento quer a declaração emitida pela executada originária, referem expressamente que o recorrente exercia as funções de vendedor ou era funcionário, pelo que a conclusão do Tribunal a quo devia ter sido inversa — que o recorrente não tinha exercido a gerência de facto.
III. Por sua vez ainda, a acta da assembleia geral da Auto — V… deliberou participar numa sociedade a constituir, não existindo qualquer prova de que essa deliberação teve execução e mesmo que o tenha sido nunca poderia levar à presunção de que o recorrente era gerente de facto da Auto — V…, porque seria gerente doutra empresa em que aquela iria participar.
O aqui recorrente e revertido é parte ilegítima neste processo, pois que não ficou demonstrado que tinha exercido a gerência de facto, com natureza efectiva, real, a Fazenda Pública a quem tal prova competia não o fez e inclusive como contra prova, o recorrente provou que nunca foi gerente de facto mas sim vendedor da executada, como resulta de toda a prova documental e testemunhal produzida.
IV. Por sua vez, só demonstrada a gerência de facto é que recaía sobre o oponente o ónus de provar que a diminuição do património da executada não foi da sua responsabilidade.
V. Sem prescindir, a recorrida também não fez prova de que desencadeou todas as diligências para excutir o património da executada originária, para, em termos legais fundamentar a reversão contra o oponente.
VI. O Tribunal a quo não tinha matéria factual para presumir a gerência de facto do recorrente, pelo contrário a valoração da prova impunha decisão diversa, até porque todas as testemunhas apresentadas pelo recorrente confirmaram que era apenas vendedor da Auto — V….
VII. Assim mostram-se violados os artigos, 204, nº 1, al. b) do CPPT (ilegitimidade), 23, nº 1 e 24, nº 1, al. b) da LGT (responsabilidade subsidiária) e 13 do CPT (ónus da prova) e artigo 78 do CSC.
VIII. Termos em que a decisão recorrida deve ser revogada, com o consequente provimento do presente recurso e o recorrente ser considerado parte ilegítima, uma vez que a matéria de facto provada devia ter sido valorada a favor do recorrente, tendo o Tribunal da 1ª Instância feito um errada valoração e interpretação da matéria de facto e de direito.
Houve contra-alegações por parte do Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro o qual, em síntese, pugnou no sentido da improcedência do recurso e da manutenção da sentença recorrida.
Neste Tribunal, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no qual concluiu no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Colhidos os vistos legais cumpre agora decidir já que a tal nada obsta.
As questões a decidir:
As questões que importa apreciar, suscitadas e delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, nos termos dos artigos 660º, nº 2, 664º, 684º, nº s 3 e 4 e 690º, nº 1 todos do Código de Processo Civil (CPC) “ex vi” art. 2º alínea e) do CPPT, são as de saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento:
(i) ao considerar que aquele exerceu a gerência de facto da sociedade comercial que é executada originária e
(ii) ao considerar que se prova a culpa do Recorrente na insuficiência do património da executada originária.
2. Fundamentação
2.1. De facto
2.1.1. Matéria de facto dada como provada na 1ª instância
É a seguinte a matéria de facto dada como provada na 1ª instância e que aqui se reproduz ipsis verbis:
1. A sociedade comercial Auto V…, Lda., iniciou a sua actividade em 1994;
2. No contrato de sociedade foram designados sócios C…, José M…, João J… e António M….
3. Pelo mesmo contrato ficou a gerência a cargo de todos os sócios então nomeados gerentes;
4. Em Assembleia-geral extraordinária da firma Auto V…, deliberou participar com uma quota no valor de 250.000$00, que representam 50% de uma sociedade a constituir “M… Automóveis e Acessórios, Lda.”, com sede social em Águeda;
5. Constituída esta sociedade, o oponente passou a desempenhar aí funções de gerência;
6. A 28.05.1997 o então sócio-gerente, José M…, cedeu a sua quota na sociedade ao Oponente, Miguel …;
7. Nesse acto renunciou ao exercício da gerência da mesma;
8. Até esse momento, Miguel … trabalhava na Auto V…, desempenhando as funções de vendedor, cargo que manteve;
9. Durante o período em teve a qualidade de sócio, trabalhava na Auto V…, onde se encontrava com regularidade;
10. Entre as duas empresas, Auto V… e Miguel M…, Comércio de Automóveis e Acessórios Lda., fazia-se troca de veículos que eram vendidos por uma ou por outra consoante a procura verificada;
11. O Oponente preencheu o cheque n°520 374 62 34, assinou-o e apôs-lhe o carimbo da Auto V…, datou-o (19.06.1998) e atribuiu-lhe o valor de 229.383$00;
12. Contra a devedora originária correm diversos Processos de Execução Fiscal relativos às seguintes dívidas: dois por dividas de IVA de 1997 nos valores de €41.865,64 e €33.330,47; oito por dividas de IVA de 1998 nos valores de €19.424, 23, 79.041, 87 e 15.212,56, €5.346,25, €831,69, €6.965,17, €16.641,02 e €4.283,31; por dívidas de IRS do ano de 1998 no valor de €4.196,40; por dividas de IRC dos anos de 1997 a 1999 nos valores de €2.454,67; €2.556,25 e €64.444,53, respectivamente, bem como dos juros compensatórios a eles relativos;
13. A 19 de Fevereiro de 2003 apurou-se a inexistência de bens penhoráveis nas instalações da executada, Auto V… — Automóveis e Acessórios Lda., que pudessem responder pelas dividas especificadas em 12.;
14. O Oponente, na qualidade de devedor subsidiário, foi notificado para exercer o direito de audição, demonstrando não ter exercido a gerência de facto durante o período ao qual correspondem as dívidas em causa;
15. A 10 de Julho de 2003 foi preferido despacho de reversão, pelo chefe adjunto do Serviço de Finanças, por Delegação de Competência, conta o aqui oponente.
2.1.2. Ampliação oficiosa da matéria de facto provada
Ao abrigo do disposto na norma do artigo 712º, nº 1, alínea a) do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 281ºdo CPPT, aditaremos a seguinte matéria de facto provada com base no documento que encontra a fls. 52 dos presentes autos:
16. Em 10 de Julho de 2003, no âmbito das execuções fiscais referidas ponto 12 do probatório, o ajunto do chefe do Serviço de Finanças de Aveiro 2, por delegação de competência, proferiu despacho com o seguinte teor: “Em face das diligências que antecede verifica-se: - A falta de bens penhoráveis à executada Auto V…, Lda. (…): - Que foi dado cumprimento ao nº 4 do art. 23º da LGT. Deste modo, encontrando-se as condições impostas no nº 2 do art. 23º da Lei Geral Tributária (LGT) e no nº 2 do art. 153º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), para o chamamento à execução do(s) responsável(eis) subsidiário(s) nos termos do artigo 24º da LGT e dos arts. nº 9, 153, nº 2 e 159 do CPPT e após análise das reacções às notificações do direito de audição e aos elementos oficiais juntos aos autos, reverto a presente execução fiscal na importância de 318.617,08 euros, contra o(s) responsável(eis) subsidiário(s) da executada ao tempo da ocorrência do facto gerador da dívida (…) o montante de 310.500,22 euros contra Nuno M…, (…) relativo ao período a partir de Maio de 1997 (…)”.
2.2. De direito
A primeira questão que vem colocada pelo Recorrente e que importa decidir é a de saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao considerar que aquele exerceu a gerência de facto da sociedade comercial que é executada originária (conclusões I a IV das alegações de recurso).
Na sentença recorrida, a propósito da questão do exercício da gerência da sociedade comercial que é executada originária por parte do Oponente, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro considerou que, não obstante não deter a qualidade jurídica de gerente da dita sociedade, o Oponente exercia, de facto, as funções de gerente. Para assim concluir, explanou a seguinte argumentação:
“Na apreciação deste exercício de gerência há que atender a factos que demonstrem de forma cabal, designadamente a presença assídua do oponente nas instalações da Auto V…, o seu desempenho das funções que lhe estavam atribuídas, no caso vendedor de automóveis, a troca de veículos que acontecia entre a Auto V… e a Miguel M…, firma onde este assumia claramente a função de gerente, foi identificado pela testemunha E… como tendo sido sua funcionária quando trabalhou naquela empresa; preencheu, datou, assinou, pelo menos um cheque que obrigava a sociedade Auto V…. Todos estes factores, considerados no seu conjunto, configuram, sem margem para dúvidas, o exercício de funções de gerência de facto deste sócio. Ainda que não esteja demonstrado se este cheque veio a ser pago ou não, tal não é relevante para efeito da demonstração de que este praticava actos em nome e em representação da sociedade, podendo o Oponente alegar que este nunca veio a ser pago, seja qual for a razão pela qual tal aconteceu, o certo é que este o emitiu, apôs-lhe o carimbo da sociedade e entregou-o a alguém, a título de pagamento, sendo que essa pessoa o aceitou, reconhecendo-se assim, exteriormente, que este era aceite como representante daquela sociedade; além do que demonstra que este era conhecedor das contas bancárias existentes, bem como dos seus saldos e ainda dos pagamentos a realizar. Estava assiduamente nas instalações da empresa podendo assegurar-se de todos os acontecimentos relativos ao seu funcionamento, tomava a seu cuidado o stand providenciando pela sua eficiência, apresentava os veículos que eram procurados pelos clientes estimulando as permutas entre as duas sociedades, tal como ficou demonstrado. Este sócio, ainda que não gerente de direito, estava dentro de toda a realidade da sociedade praticando actos em seu nome e que a vinculavam, assim exercendo funções de gerente”.
O Recorrente, no essencial, insurge-se contra esta conclusão por entender que não ficou demonstrado que tenha exercido a gerência de facto ou efectiva da sociedade comercial que é executada originária.
Vejamos.
As execuções fiscais contra as quais se dirigiu a oposição na parte julgada improcedente pela sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que agora é objecto de recurso têm em vista a cobrança coerciva de dívidas emergentes de liquidações de IVA e de IRS respeitantes aos anos de 1997 e 1998.
Por outro lado, o ora Recorrente foi chamado às ditas execuções fiscais através do mecanismo da reversão e com vista à efectivação da sua responsabilidade subsidiária pelo pagamento daquelas dívidas.
Como se sabe, a determinação da responsabilidade subsidiária afere-se à luz do regime legal em vigor à data em que as dívidas foram geradas - cf. entre muitos outros, acórdão STA 15 Nov. 95, Processo 19454; acórdão STA 13 Dez. 95, Processo 19799; acórdão STA 20 Dez. 95, Processo16202 e acórdão STA 28 Fev. 96, Processo 20151.
Estando em causa dívidas relativas a impostos cujos factos constitutivos se verificaram antes de 1 de Janeiro de 1999 (data da entrada em vigor da Lei Geral Tributária) a definição do regime da responsabilidade subsidiária encontrava-se, no essencial, na norma do artigo 13º do Código de Processo Tributário (CPT). Aí se estabelecia: “Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração nas empresas e sociedades de responsabilidade limitada são subsidiariamente responsáveis em relação àquelas e solidariamente entre si por todas as contribuições e impostos relativos ao período do exercício do seu cargo, salvo se provarem que não foi por culpa sua que o património da empresa ou sociedade de responsabilidade limitada se tornou insuficiente para a satisfação dos créditos fiscais”.
Resulta inequivocamente da norma legal acabada de transcrever que, para se concluir pela existência de responsabilidade subsidiária pelas dívidas tributárias por parte gerentes não bastará demonstrar a mera titularidade do cargo, a gerência nominal ou de direito. Exige-se a demonstração de que os mesmos a exerceram efectivamente ou de facto. Aliás, nem sequer se exige a gerência nominal ou de direito (aquele preceito legal é, a este propósito, muito claro: “pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração”) – nestes termos, entre muitos outros, acórdão TCA Norte 2 Jul. 2009, recurso nº 81/03.TFPRT.22 e acórdão TCA Norte 14 Jan. 2010, Recurso nº 82/03.TFPRT.22.
Neste pressuposto, é para nós claro que o ónus de alegar e provar os factos integradores do efectivo exercício da gerência ou, dito de outra forma, da gerência de facto recai sobre quem pretende efectivar a responsabilidade subsidiária dos gerentes através da reversão da execução fiscal.
Com efeito, a gerência de facto da empresa constitui facto constitutivo do direito do exequente e este não beneficia de qualquer presunção legal ou de outra natureza que inverta o aludido ónus – cf. artigos 74º nº 1 da LGT e 342º e 344º do Código Civil. É de rejeitar, nomeadamente, o vislumbre da consagração de uma presunção legal de gerência na norma do artigo 11º do Código do Registo Comercial, a qual tem o seu efeito limitado à situação jurídica e não abrange a situação fáctica que lhe subjaz no que diz respeito ao efectivo exercício dos poderes correspondentes à detenção da posição jurídica de gerente.
Como foi assinalado no acórdão STA (Pleno da Secção do Contencioso Tributário) 28 Fev. 2007 (Recurso 1132/06, disponível para consulta no sítio www.dgsi.pt), a prova da gerência de direito não permite presumir, nem legal nem judicialmente, a gerência de facto, impondo-se ao exequente fazer a respectiva alegação e subsequente prova.
Exarou-se naquela acórdão: “provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe (à Fazenda Pública) provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização.
Este efectivo exercício pode o juiz inferi-lo do conjunto da prova, usando as regras da experiência, fazendo juízos de probabilidade, etc. Mas não pode retirá-lo, mecanicamente, do facto de o revertido ter sido designado gerente, na falta de presunção legal”. E mais se acrescentou: se a Fazenda Pública produzir prova sobre a gerência e o revertido lograr provar factos que suscitem dúvida sobre o facto, este deve dar-se por não provado. Mas a regra não se aplica se a Fazenda não produzir qualquer prova”.
Assim sendo, o que importa apurar é se os factos dados como provados na sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro permitem afirmar o exercício da gerência de facto por parte do Recorrente, sendo certo, importa salientar, que não está provado que respectiva gerência nominal ou de direito da executada originária.
Importa salientar, desde logo, que a chamada gerência de facto de uma sociedade comercial consistirá no efectivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade. Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros – já nestes termos, Rúben Anjos de Carvalho - Francisco Rodrigues Pardal, Código de Processo das Contribuições e Impostos, Anotado e Comentado, 2ª Edição, Coimbra, 1969, pág. 139.
A sentença recorrida fundou a sua conclusão no sentido de que o ora Recorrente, não obstante não ser gerente nominal da executada originária era seu gerente de facto, nos seguintes factos que deu como provados:
- No dia 28 de Maio de 1997, um dos então sócios-gerentes da sociedade executada originária, José M…, cedeu a sua quota nessa sociedade ao Oponente e, nesse acto, renunciou ao exercício da gerência daquela;
- O Oponente, até àquela data trabalhava na executada originária, desempenhando as funções de vendedor, cargo que manteve;
- Durante o período em que foi sócio da executada originária, o Oponente trabalhava na executada originária, onde se encontrava com regularidade;
- O oponente desempenhou funções de gerência da sociedade comercial “Miguel M… Automóveis e Acessórios, Lda.” e entre e a sociedade executada originária fazia-se troca de veículos que eram vendidos por uma ou por outra consoante a procura verificada;
- O Oponente preencheu o cheque como nº 5203746234, assinou-o e apôs-lhe o carimbo da executada originária, datou-o (19.06.1998) e atribuiu-lhe o valor de 229.383$00.
Serão estes factos suficientes para suportar aquela conclusão do Tribunal recorrido e segundo a qual, recordemos, o oponente exerceu a gerência de facto da sociedade comercial Auto V…, Lda. (executada originária)?
A resposta a essa questão não pode deixar de ser negativa.
Na verdade, aqueles factos que ficaram provados permitem concluir que o Recorrente, a partir de 28 de Maio de 1997 passou a ser sócio daquela sociedade e continuou a nela trabalhar tal como vinha fazendo até àquela data ou seja, como vendedor. Não vemos, no entanto, como é que, de tais factos, se pode extrair a conclusão de que, pelo simples facto de ter passado a ser sócio, o Oponente assumiu funções implicantes do exercício da gerência da sociedade. Pelo contrário. O que se prova é, antes, que aquilo que o Oponente fazia antes do dia 28 de Maio de 1997 continuou a fazer depois dessa data, sem que se demonstre qualquer alteração qualitativa.
Por outro lado, o facto de o Oponente se encontrar com regularidade na Auto V…, Lda. não permite concluir, objectivamente, o que quer que seja em relação ao exercício, pela sua parte, da gerência daquela, uma vez que, tal presença, é compatível tanto com o desempenho da gerência como com o de uma actividade laboral, sendo que se provou que o oponente trabalhava naquela sociedade como vendedor.
As relações contratuais existentes entre a executada originária e a sociedade comercial “Miguel M…, Lda.” da qual o Oponente era gerente, também não permitem fundar qualquer juízo conclusivo no sentido de que este último praticou factos ou exerceu qualquer actividade que consubstancie o efectivo exercício da gerência daquela.
Resta, portanto, o facto que também ficou provado atinente ao preenchimento e assinatura de um cheque titulando um montante de 229.383$00 por parte do Oponente. No entanto, também este facto está longe de ser suficiente para que se possa afirmar o efectivo exercício da gerência por parte do Oponente. Com efeito, embora se aceite que o exercício da gerência não implica uma actividade continuada e abrangente de todos os aspectos da vida de uma sociedade comercial não vemos como seja possível, com base num único cheque datado Agosto de 1998 e que titula um montante que pouco ultrapassa os mil euros, extrair que a pessoa que emitiu esse cheque e que, importa relembrar, não é gerente de direito, exerceu a efectiva gerência da sociedade durante os anos de 1997 e de 1998.
De um acto isolado praticado pelo Oponente, em que, aparentemente, terá agido em representação da executada originária num momento concreto do ano de 1998 não é viável, à luz das regras de experiência comum, extrair a conclusão de que o mesmo exerceu, de facto, a gerência da dita sociedade e muito menos durante os anos de 1997 e de 1998 que são aqueles a que se reportam as dívidas exequendas.
Do que antecede resulta ter falhado a prova de que o Recorrente exercia de facto a gerência da executada originária praticando os actos próprios e típicos inerentes a esse exercício nos anos aqui em causa e, como tal, não poderá ter lugar a respectiva responsabilização a título subsidiário pelo pagamento das dívidas exequendas.
Pelo que vimos de dizer se conclui que o Recorrente é parte ilegítima na execução fiscal e que, por isso, mal andou o Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro na parte em que julgou improcedente a oposição à execução fiscal que aquele deduziu, assim se justificando que o presente recurso deva proceder.
3. Decisão
Assim, pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em:
a) Conceder provimento ao recurso;
b) Revogar a sentença recorrida;
c) Julgar a oposição integralmente procedente e, em consequência, extinta, quanto ao Recorrente, a execução fiscal.
Custas, apenas na 1ª instância, pela Fazenda Pública.
Porto, 20 de Dezembro de 2011
Ass. Álvaro Dantas
Ass. Anabela Russo
Ass. Catarina Almeida e Sousa