Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02394/19.5BEBRG-S1
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/28/2022
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:CONTRA-INTERESSADOS. INCORPORAÇÃO DE BIOCOMBUSTÍVEL. COMPENSAÇÃO
Sumário:I) – Segue-se (relativamente à compensação aplicada em função do incumprimento da respectiva meta de incorporação de biocombustível relativa ao 1.º trimestre de 2018) mesmo juízo tirado no Ac. deste TCAN, de 11-02-2022, proc. n.º 1164/16.7BEBRG-S1:
« 1. O acto impugnado, de condenar a autora ao pagamento dos montantes de 102.000 euros e 90.000 euros referentes, respectivamente, aos anos de 2013 e 2014, a título de compensação por alegada não aquisição de títulos de biocombustíveis, por incumprimento da obrigação de incorporação deste tipo de combustíveis, é um acto de natureza sancionatória.
Recorrente:Petróleos de Portugal, Petrogal, S.A.
Recorrido 1:C... & Filho, Limitada
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Condenação à Prática Acto Devido (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não foi emitido parecer
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:
Petróleos de Portugal, Petrogal, S.A. (Rua…) interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF de Braga, em acção intentada por C... & Filho, Limitada (EN-…).
A recorrente verte em conclusões:
A - A Recorrente tem interesse em agir e legitimidade para recorrer, na medida em que foi afastada dos autos pelo despacho recorrido, autos em que tem interesse e direito a estar atenta a sua qualidade de contrainteressada;
B - Não pode comparar-se a posição da Recorrente, enquanto concorrente e incorporador num mercado regulado com poucos operadores, à posição de beneficiário de um subsídio de desemprego face a todos os demais beneficiários do mesmo benefício, pois não existe qualquer identidade de causa ou objeto entre as duas situações.
C - O facto da Autora se eximir ao pagamento das compensações significa, na perspetiva da Recorrente, que se colocou numa posição concorrencial favorecida e colocou a Recorrente numa posição de desvantagem.
D - Não é indiferente para a Recorrente o desfecho do processo em causa na medida em que do mesmo resultará, em primeiro lugar, a determinação de um nível de concorrência aceitável no mercado de combustíveis.
E - A Recorrente atua enquanto operadora económica num mercado regulado e está sujeita aos poderes de regulação reconhecidos legalmente, à data, à DGEG.
F - Tem, por isso, um legítimo interesse no funcionamento deste mercado regulado.
G - A Recorrente tem não só o interesse em evitar que os operadores incumpridores, por não suportarem tais encargos e poderem ajustar a sua oferta comercial ou a sua margem líquida em função de uma menor estrutura de custos, venham a adquirir, por esta via, uma vantagem competitiva ilícita.
H - Por essa razão, não só tem direito a defender a ilicitude da atuação da Autora e, nessa medida, a sustentar a validade do ato impugnado (que, recorde-se, destina-se a introduzir o necessário equilíbrio do mercado),
I - Como da decisão favorável aos interesses da Autora poderá resultar um prejuízo para a Recorrente, decorrente de custos decorrentes das obrigações de incorporação que, nessa medida, não seriam devidos e, consequentemente, reduziram a margem de negócio da sua operação.
J - Acresce que, caso venha a demonstrar-se nestes autos que o ato impugnado é válido e legal e a atuação da Autora foi ilícita, dessa atuação ilícita poderá decorrer um dever de indemnização aos restantes operadores por violação das regras de concorrência.
K - É, por isso, manifesto que a contrainteressada extraí um benefício da manutenção do ato impugnado na ordem jurídica: o restabelecimento de um level-playing field concorrencial, o que tem o impacto direto na sua esfera jurídica de não sofrer mais prejuízos de decorrentes de não conseguir atuar em condições de concorrência comercial nas áreas em que a Autora tem postos de combustíveis.
L - E, pelo contrário, é para si prejudicial a anulação do mesmo: pois reconhecerá a um determinado operador do mercado em que se insere e por isso, concorrente uma vantagem competitiva que se considera ilegítima e ilegal.
M - A legitimidade processual, neste caso passiva, afere-se pela forma como o Autor configurou a sua causa de pedir e respetivo pedido, nos termos dos artigos 9.º, n.º 1, 2ª parte e 10.º, n.º 1, do CPTA e o artigo 30.º, n.º 3, do CPC.
N - Ou seja, a aferição da legitimidade processual passiva dependerá apenas da forma como a Autora configurou a sua pretensão, quer quanto ao objeto, quer quanto aos sujeitos da relação material controvertida, sendo, para este efeito, irrelevante se, a final, se vier a verificar que um daqueles sujeitos nunca teria, à luz do direito material, qualquer interesse substantivo relevante.
O - Foi a Autora que qualificou a ora contrainteressada como tal, pelo que os contrainteressados identificados, incluindo a Recorrente, são partes legítimas no processo.
S - Nessa medida, o despacho recorrido, ao decidir como decidiu, violou o disposto no artigo 10º, n.º 1 e artigo 57º do CPTA.
Sem contra-alegações.
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A Exmª Procuradora-Geral Adjunta, notificada nos termos do art.º 146º, n.º 1, do CPTA, não emitiu parecer.
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Dispensando vistos, vêm os autos a conferência, cumprindo decidir.
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As incidências processuais:
1º) - A autora intentou a acção nos termos da sua p. i. que aqui se têm presentes, onde identificou como contra-interessada, entre outros, a ora recorrente, impugnando a decisão que acompanhou a notificação “(…) para proceder ao pagamento da fatura /recibo n.º 5766/2019, no valor de 104.000,00€ (cento e quatro mil euros) para a liquidação, até à data de 19 de Outubro de 2019 da compensação aplicada em função do incumprimento da respetiva meta de incorporação de biocombustível relativa ao 1.º trimestre de 2018 (…)”, formulando a final como pedidos - cfr. p. i.:
“1- Deve a Douta DECISÃO em crise ser declarada NULA com todas as consequências legais, ou se assim se não entender, ser a mesma revogada e substituída por Decisão de Mérito que concedendo provimento à presente Acção Administrativa,
Ordene a revogação da decisão proferida pela DGEG e isente a Autora, ora impugnante, do pagamento de quaisquer compensações a arbitrar nos termos do artigo 24.º do DL 117/2010 de 25-10, por tal medida não lhe ser aplicável, desde logo face ao seu Estatuto de Destinatário Registado, que a afasta da categoria de Incorporador, mas também porque:
a) a Autora não contribuiu para a falta dos TdB que lhe é imputada, pois cumpriu todos os requisitos associados à importação de combustíveis, nostermos previstos na lei e designadamente no artigo 16.º do DL 117/2010 de 25-10, não devendo assim ser condenada a pagar qualquer compensação por cada título em falta, compensação que nos termos do artigo 24.º n.º 1 impõe que haja incumprimento do disposto nos artigo 11.º n.ºs 1 e 3 e 28.º n.º 1, todos do Dl 117/2010 de 25-10, o que não se verifica.
b) Apresentou mensalmente as declarações de introdução de combustíveis a que estava obrigada, acompanhadas das guias de carga provenientes da CLH S.A. que contém as percentagens de biocombustívies incorporadas naqueles combustíveis, que não foram consideradas pelo ENMC para a emissão pela entidade competente, dos TdB que se mostrassem em falta;
c) A Ré apesar de concluir que a Autora não possuia os TdB necessários, na sua versão, ao cumprimento das obrigações de incorporação, que não podia pelo seu Estatuto realizar de outro modo, nunca ordenou a emissão ou emitiu os TdB necessários a que a Autora pudesse cumprir as metas de incorporação que se pudessem considerar não cumpridas, impedindo-a assim de os adquirir e evitar o pagamento das compensações que a mesma Ré lhe quer cobrar de forma indevida e ilegítima, por ter contribuído com a sua inércia decorrente da falta de decisões tendentes e consequente emissão desses TdB, para a inexistência dos mesmos e consequente impossibilidade de cumprimento por parte da Autora, de outra forma que não a do pagamento das compensações a que a condenou.
2- Mais deve ser Declarada a inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 24.º do DL 117/2010 de 25-10 e art.º 1.º da Portaria 301/2011 de 2-12, por violação do Princípio da Proporcionalidade p. e p. no artigo 18.º n.º 2 da CRP pois os valores previstos para a incorporação excedem em cerca de 500% os valores habitualmente correspondentes ao preço dos TdB disponíveis no mercado para transacção e estes não existem no mercado, colocados pela entidade responsável p00ela sua emissão, em número suficiente para satisfazer a procura que o cumprimento das metas de incorporação exige e consequentemente ser revogada a Douta Decisão em crise, que ao abrigo destes dispositivos, condenou a Autora ao pagamento do valor de 90.000,00€ a título de Compensações pela falta de Títulos de Biocombustíveis (TdB) por referência ao segundo trimestre de 2018, inconstitucionalidade que se reclama ser do conhecimento deste Tribunal ao abrigo do disposto nos artigos 1.º n.º 2 e 4.º n.º 1 do ETAF e 212.º, n.º3 e 280.º da CRP;
3- Mais deve ainda ser declarada a inconstitucionalidade da norma contida no artigo 24. Do DL 117/2010 de 25-10, por violação do disposto no artigo 165.º, alíneas c), d) e i) da Constituição da República Portuguesa, por não ter sido concedida pela Assembleia da República ao Governo a competente autorização legislativa prévia para fixar o montante ali previsto que sob a veste do que designou por “compensação”, esconde um verdadeiro imposto ou penalização, cuja fixação é da competência relativa da Assembleia da República, inconstitucionalidade que se reclama nos termos mencionados no número anterior.”.
2º) - A decisão recorrida tem o seguinte teor – cfr. despacho saneador:
«(…)
Oficiosamente, foi suscitada a exceção de ilegitimidade dos Contrainteressados, conhecendo-se desta exceção, de imediato.
i. Da ilegitimidade dos Contrainteressados
Foi suscitada a questão, do seguinte modo:
Da posição processual dos Contrainteressados
Nos termos do artigo 57º do C.P.T.A., são contrainteressados as pessoas (ou entidades) a quem o provimento do processo impugnatório possa diretamente prejudicar ou que tenham legítimo interesse na manutenção do ato impugnado.
Na presente ação, a Autora pretende, somente, sindicar o ato administrativo que lhe determinou o pagamento de compensações, ao abrigo do Decreto-lei 117/2010.
As entidades que beneficiam desse pagamento, nada têm que ver diretamente com o ato impugnado. Claro está que poderão receber mais, se mais forem as entidades a pagar as referidas compensações, mas do que, aqui, se trata não é do mero pagamento das compensações, mas da legalidade do ato que determina esse pagamento.
E quanto à legalidade do ato, apenas a Autora e a Ré têm interesse em esclarecer a sua legalidade.
O mesmo vale para os alegados operadores económicos que cumpriram a obrigação de incorporação. Muito embora quem cumpra determinada obrigação deseje que os demais obrigados o façam, não têm diretamente qualquer interesse pessoal nesse cumprimento. E de igual modo, o interesse no “regular” funcionamento do mercado também não legitima a intervenção de partes numa ação em que se discute a legalidade de uma concreta atuação administrativa, dirigida a um ente individualizado. Ou seja, o facto de o ato que determinou à Autora, o pagamento das compensações, ser ou não legal, não prejudica, nem confere qualquer interesse, a terceiros, na manutenção desse mesmo ato.
Apreciando e decidindo.
A legitimidade processual passiva é aferida em função da relação jurídica controvertida tal qual ela é configurada pelo autor na petição inicial – artigo 10º, n.º 1 do C.P.T.A..
Atenta a relação material controvertida, delineada pela Autora, a entidade na outra parte da relação material controvertida é a autora do ato impugnado – a Ré, ora, Direção Geral de Energia e Geologia – DGEG, representada pelo Ministério do Ambiente e Ação Climática (artigo 10º, n.º 2 do C.P.T.A. e da alínea d), do nº 3, do artigo 28º da Lei Orgânica do XXII Governo Constitucional – Decreto-Lei n.º 169-B/2019, de 3 de Dezembro).
Isto é o que resulta, ab initio, da pretensão da Autora.
Sucede que a Autora indicou, igualmente, entidades a título de Contrainteressadas, mas não estruturou uma pretensão contra estas.
E, portanto, tal bastaria para que se julgasse a ilegitimidade. Contudo, entende o Tribunal que, face ao modo como a ação foi tramitando, se impõe algum esclarecimento mais.
Neste sentido e repetindo o que se referiu no despacho acima transcrito, a única entidade que deve estar na presente ação é a autora do ato, porquanto, por um lado, só a ela cabe anular ou não anular o ato (que é pretensão da Autora) e, por outro, porque as demais entidades não têm um qualquer interesse na manutenção de tal ato (ou seja, não serão prejudicadas pela eventual anulação do ato).
Quanto ao Fundo Ambiental, se é certo que o mesmo beneficiará do pagamento da compensação que ora se discute, também é certo que este seu benefício não é um benefício pessoal, mas institucional e que assenta na legalidade do procedimento de cobrança que culmina no ato que está, agora, em sindicância. Ou seja, o seu interesse patrimonial só existe na medida em que o ato que determina a existência da obrigação de pagamento é legal, não havendo qualquer razão lógica ou legal em, verificada a ilegalidade do ato (pretensão da Autora), manter-se os efeitos desse ato para que o Fundo receba a quantia em causa. É que, no limite, a proteção que se confere ao Contrainteressado é, julgando o ato ilegal, os efeitos deste ato se mantenham quanto a ele.
Ora, isto ocorre, nomeadamente, em situações de concurso, em que um concorrente é escolhido, o ato produz efeitos quanto a ele e, posteriormente, esse ato vem a ser anulado – pretende-se proteger esta situação, eventualmente, atribuindo efeitos a um ato anulado.
Neste caso, o Fundo não quadra na situação relatada. O Fundo Ambiental apenas poderá ter interesse em receber as verbas que, legalmente, lhe forem devidas (por ato administrativo legal); está numa posição passiva de receber ou não receber, não lhe competindo discutir esse recebimento.
Pelo que se julga como parte ilegítima.
Os demais Contrainteressados (operadores económicos), também, nada têm que ver com o presente processo. Imagine-se, a título de exemplo, que está em causa uma ação relativa a subsídio de desemprego, em que todos os beneficiários do subsídio pretendem estar na ação em que um beneficiário discute esse direito. Além de impraticável (obviamente), tal não cabe no conceito de Contrainteressado. Os operadores económicos, caso discordem do pagamento, devem discuti-lo, por via de uma ação judicial, como a Autora fez, ou aliar-se a ela, se o entenderem fazer; o que não podem é estar no processo para assegurar que a Autora é sujeita ao mesmo regime que eles, de modo a obter um funcionamento concorrencial do mercado de combustíveis, mesmo que esteja em causa um ato ilegal. O Tribunal não afere da pretensão da Autora por esse prisma, nem a decisão a empreender poderá ter efeitos quanto a outros pagadores/devedores, mas somente, se o ato em causa cumpre ou não os ditames legais.
Portanto, em suma, são, igualmente, os demais indicados como Contrainteressados, parte ilegítima, absolvendo-se da instância, tudo nos termos do artigo 89º, n.ºs 1, 2, 4, al. e) do C.P.T.A..
Segue a ação, apenas, contra a Autora e Ré (devendo assinalar-se no SITAF, nos diversos documentos, os que são apresentados por partes absolvidas da instância).
(…)»
*
A apelação:
Efectivamente resulta que “Foi a Autora que qualificou a ora contrainteressada como tal”.
Mas isso não tolhe que ao juiz caiba aferir da regularidade dos pressupostos da instância, mormente quanto à legitimidade das partes, como oficiosamente - e como aqui foi o caso - lhe incumbe.
Mesmo que afira dita legitimidade pela forma como o Autor configurou a sua causa de pedir e respectivo pedido; e, tão simplesmente, se mesmo por tal perspectiva não resultar a nota de interesse em contradizer (legitimidade passiva), então, a despeito da demanda da parte, ela não terá legitimidade.
E o que de essencial se pode dizer quanto ao concretamente decidido nos presentes autos encontra respaldo na pronúncia já vertida no Ac. deste TCAN, de 11-02-2022, proc. n.º 164/16.7BEBRG-S1 (estruturalmente idêntico quanto a partes e causa; compensação relativa aos anos de 2013 e 2014; recurso de revista não admitido):
«(…)
Norma nenhuma exige que seja deduzido qualquer pedido ou “estruturada uma pretensão” dirigida ao contra-interessado para assegurar a legitimidade deste.
Dispõe o artigo 57.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, relativo aos contra-interessados na acção de impugnação:
“Para além da entidade autora do acto impugnado, são obrigatoriamente demandados os contrainteressados a quem o provimento do processo impugnatório possa directamente prejudicar ou que tenham legítimo interesse na manutenção do acto impugnado e que possam ser identificados em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo”.
Esta norma, como em geral as normas que regulam a legitimidade plural, destina-se a assegurar o efeito útil norma da decisão final, neste caso de um processo de impugnação.
Como nos diz Antunes Varela e outros, em Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, páginas 166 -167:
“Além dos casos em que seja directamente imposto por lei ou por negócio jurídico, o litisconsórcio torna-se necessário, sempre que, pela natureza da relação material controvertida, a intervenção de todos os interessados seja essencial para a decisão obter o seu efeito útil normal”.
(…)
Há realmente situações em que, pela própria natureza da relação substantiva sobre a qual recai a acção, a falta de algum ou de alguns interessados impede praticamente a decisão que nela se proferisse de produzir qualquer efeito útil.
(…)
O efeito normal da decisão, quando transitada em julgado, consiste na ordenação definitiva da situação debatida entre as partes.”
Cabe, portanto, verificar se no caso concreto o efeito útil normal da decisão anulatória apenas seria alcançado com a intervenção da Petrogal no processo.
Entendemos que não.
O que está em causa não é uma distribuição de um qualquer benefício ou valor global por vários operadores num mercado, resultando da redução da parcela que caberia a um, o visado pelo acto impugnado, o aumento das parcelas que caberiam aos demais.
Aí sim, a anulação do acto impugnatório teria uma repercussão directa e imediata nos demais operadores: não veriam a sua quota parte aumentada com a anulação do acto impugnado.
Aqui está em causa um acto de natureza sancionatória, a decisão da Entidade Nacional para o Mercado de Combustíveis, E.P.E. de condenar a Autora, a Gasolar, ao pagamento dos montantes de 102.000 euros e 90.000 euros, referentes, respectivamente aos anos de 2013 e 2014, a título de compensação por alegada não aquisição de títulos de biocombustíveis, por incumprimento da obrigação de incorporação deste tipo de combustíveis.
Não se vê como a anulação deste acto sancionatório pode “directamente” prejudicar a Petrogal ou, pelo contrário, que esta tenha “legítimo interesse” na manutenção do acto sancionatório que é dirigido em particular e apenas à Autora.
O que a Petrogal tem é um interesse indirecto ou difuso em manter “um nível de concorrência aceitável no mercado de combustíveis” – conclusão D) do recurso. Ou seja, um interesse indirecto e difuso na manutenção do acto sancionatório.
Como qualquer condutor de veículos automóveis, ou até qualquer peão, tem interesse – que não é directo mas indirecto – em que os condutores que violam as regras estradais sejam punidos porque isso contribui para a segurança de todos nas vias públicas, mas não faz qualquer sentido que um dos milhões de titulares da carta de condução, ou até peões, pudessem intervir num processo de impugnação de uma sanção a um condutor que fosse autuado por excesso de velocidade.
Do que se conclui pela inexistência de uma situação de litisconsórcio necessário passivo, face à própria natureza da relação material controvertida, situada à volta da validade do acto impugnado, um acto sancionatório.
Por outro lado, é indiferente que a Entidade Demanda esteja de acordo com a Recorrente no sentido de a esta caber legitimidade como Contra-interessada.
Porque a legitimidade da Contra-Interessada apenas poderia resultar do disposto no artigo 57º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e não da vontade das partes.
De resto, a prevalecer a tese da Recorrente, sempre se verificaria ilegitimidade passiva por falta de intervenção de outros contra-interessados, identificados na contestação.
Em todo o caso, vale para os demais operadores a mesma análise jurídica. A anulação deste acto sancionatório não pode “directamente” prejudicar qualquer outro operador no mercado de combustíveis nem qualquer outro operador tem qualquer “legítimo interesse” na manutenção do acto sancionatório que é dirigido em particular e apenas à Autora.
Termos em que se impõe manter a decisão recorrida, embora por fundamentos não exactamente coincidentes.
(…)».
*
Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas: pela recorrente.
Porto, 28 de Outubro de 2022.
Luís Migueis Garcia
Conceição Silvestre
Isabel Costa