Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02270/19.1BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/18/2020
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Rosário Pais
Descritores:RAC; SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO FISCAL; PRESTAÇÃO DE GARANTIA; AVALIAÇÃO DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL; DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA;
ANULAÇÃO TOTAL OU PARCIAL
Sumário:I - Os recursos têm efeito meramente devolutivo, salvo se for prestada garantia ou se o efeito devolutivo afetar o efeito útil dos recursos. Significa isto que o recurso interposto da sentença que determinou o arresto não tem efeito suspensivo da decisão, nada obstando, por isso, a que esta produza todos os seus efeitos, designadamente a conversão do arresto em penhora.

II – Se o Despacho reclamado contém outros fundamentos suscetíveis de sustentar a decisão de indeferimento do pedido de prestação de garantia, não pode ser anulado o ato reclamado sem apreciação dos restantes fundamentos de indeferimento, por força do princípio utile per inutile non vitiatur.

III – Nos termos do artigo 52.º, n.º 4 da LGT, na atual redação, introduzida pela Lei n.º 42/2016, de 28/12, a AT pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou de manifesta falta de meios económicos revelada por insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que, em qualquer dos casos, não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado.

IV - O benefício da isenção fica, assim, dependente de dois pressupostos, a provar pelo Requerente, em alternativa: (i) existência de prejuízo irreparável decorrente da prestação da garantia ou (ii) falta de bens económicos para a prestar.

V - Demonstrado um dos pressupostos enunciados, a AT pode deferir o pedido “desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado.”

VI - A apreciação da legalidade do ato de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia só pode fazer-se tendo em conta os elementos de facto e de direito que condicionaram a respetiva prolação.

VII - Os indícios de faturação falsa e de pagamento de despesas de terceiros à sociedade, com a consequente diminuição do seu lucro tributável, não revelam, ainda que indiciariamente, uma intenção, uma conformação ou um assentimento de forma dolosa de se desfazer do seu património, mas apenas atos volitivos de pagar menos imposto. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:G., Lda.
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. A Representante da Fazenda Pública vem recorrer da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga em 11.02.2020, pela qual foi julgada procedente a reclamação deduzida, nos termos do artigo 276.º do CPPT, contra o Despacho proferido pela Senhora Diretora da Direção de Finanças de (...), datado de 10/09/2019, que indeferiu os pedidos de suspensão dos processos de execução fiscal, em virtude da insuficiência da garantia prestada, e de dispensa de prestação de garantia quanto ao remanescente, pelo facto de não estarem preenchidos os respetivos pressupostos.

1.2. A Recorrente Fazenda Pública terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões:
“A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a reclamação de atos do órgão de execução fiscal interposta, nos termos do disposto no art.º 276º do CPPT, do despacho proferido em 10.09.2019, pela Senhora Diretora da Direção de Finanças de (...), pelo qual, foi indeferido o pedido de suspensão dos processos de execução fiscal, em virtude da insuficiência da garantia prestada, bem como foi indeferido o pedido de dispensa de prestação de garantia respeitante ao remanescente por não estarem preenchidos os respetivos pressupostos, no âmbito dos processos de execução fiscal n.ºs 3476201901063952 e aps., 3476201901099884, 3476201901099914, e 3476201601099876.
B. Considerou a douta sentença que decidida que está a procedência do vício de violação de lei, pelo facto de o ato reclamado violar o disposto no n.º 3 do art.º 214.º do CPPT fica, em face do exposto, prejudicado o conhecimento dos restantes vícios por força do preceituado no art.º 608.º, n.º 2 do CPC, devendo, sem mais considerandos, conceder-se provimento à presente reclamação, anulando-se o ato ora sindicado.
C. Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, porquanto considera existir erro de julgamento quanto à matéria de facto e de direito, nos termos dos artºs 615º e 662º do CPC e 125º CPPT.
D. A douta sentença considerou como assente a factualidade elencada no ponto III. 1.1) Pontos 1) a 15) do probatório.
E. Porém, de molde a subsumir a situação real respigada dos autos à boa decisão da causa, o Probatório deverá ser corrigido de acordo com a verdade factual, ao abrigo do disposto no art.º 662º do CPC, contemplando os seguintes factos:
i. 16) O valor da divida exequenda nos processos executivos com os nºos 3476201901063952 e aps., e 3476201901064452 e aps., instaurados para cobrança coerciva de dividas de IVA dos períodos de 2014, 2015 e 2016, totalizava à data da apresentação do pedido o valor de €1.169.925,83, cf. doc. 2 junto com a petição inicial;
ii. 17) No âmbito do processo de arresto não foi a Fazenda Pública autorizada a proceder aos atos ou diligências necessárias à concretização daquela providência, designadamente á conversão do arresto em penhora;
iii. 18) O aqui Reclamante pede no recurso de arresto a anulação do mesmo;
iv. 19) O recurso de arresto não foi objeto de admissão, e, por conseguinte, ainda não houve pronúncia quanto aos efeitos a atribuir àquele recurso.
F. Neste contexto, a douta sentença padece de erro de julgamento de facto que determinou a errada aplicação do direito, entendendo a FP que, não se verificando nenhuma imposição para que a AT proceda a atos de concretização do arresto, mormente, conversão da penhora nos termos prescritos no nº 3 do artº. 214º do CPPT, nesta fase, em que a decisão de arresto não se tornou definitiva, na ausência de determinação por parte do Tribunal para que a AT aja nessa conformidade, não tendo sido admitido e atribuído o efeito do recurso de arresto, quer porque tais atos poderiam comprometer o efeito útil do recurso e acarretar prejuízos para a AT, designadamente com os registos da penhora e eventual cancelamento, quer porque as pretensões da Reclamante são contraditórias e inadmissíveis, configurando, assim, a locução venire contra factum proprium, não devendo, por isso ser atendível o pedido de conversão.
Sem prescindir, ainda, que assim não se entenda, o que não se concebe,
G. Acresce que, a douta sentença, não teve em conta que o facto de a AT não ter convertido o arresto em penhora, em nada altera o sentido do indeferimento do pedido de prestação de garantia com vista à suspensão da execução, e muito menos altera os pressupostos de indeferimento no tocante ao pedido de dispensa da garantia quanto ao remanescente porquanto o elemento determinante no pedido de prestação de garantia não era o bem arrestado mas o estabelecimento comercial oferecido como garantia, atento os valores em causa, uma vez que àquele bem arrestado foi atribuído o valor de €121.993,32, enquanto que, ao estabelecimento comercial foi atribuído pelo Reclamante o valor de €1.653.814,38, tendo resultado numa avaliação negativa de €60.371,45 pela AT, e por conseguinte, ainda que o bem arrestado fosse convertido em penhora para que o mesmo pudesse servir de garantia, sempre haveria de se concluir que as garantias prestadas pela Reclamante para efeitos de suspensão da execução não seriam suficientes nem idóneas para cobrir a dívida exequenda referente àqueles PEF´s no valor de €1.169.925,83, impondo-se, por isso, que fosse analisada a questão da avaliação do estabelecimento comercial.
H. Acresce que, a avaliação da garantia efectuada pela AT obedeceu aos normativos legais, não merecendo qualquer censura, determinando o art.º 199.º -A do CPPT que se aplique os art.º 13.º a 17.º do CIS, e, sendo o garante uma sociedade, o valor do seu património corresponde ao valor da totalidade dos títulos representativos do seu capital, determinado nos termos do art.º 15.º do CIS, corrigido nos termos do n.º 4 do art.º 199.º - A do CPPT, afastando-se a aplicabilidade do n.º 1 do art.º 16.º do CIS, ao caso em concreto, uma vez que a reclamante/requerida é se encontra obrigada a possuir contabilidade organizada, nem tampouco se aplica a avaliação indireta por a Reclamante não ser uma pessoa singular.
I. A avaliação do estabelecimento comercial em conformidade com os normativos descritos, com as correções relativas aos contingentes, e tendo por referência a IES do ano 2018, com as ressalvas que constam da avaliação constante no despacho reclamado, resultou num valor atribuído negativo de €60.371,45, e, por conseguinte, reitera-se que para efeitos de suspensão da execução, nunca seria suficiente e idónea a garantia prestada pela Reclamante.
Sem prescindir,
J. Reforça-se que, tal como refere a douta sentença que o Reclamante apresentou dois pedidos: um relativo à suspensão das execuções fiscais relativas aos PEF½s referentes às dividas de IVA, oferendo dois imóveis para prestação de penhora sobre imóvel com o artigo matricial 997.º - fração B, afeto a uso comercial, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de (...), concelho de (...), com valor patrimonial tributário de € 121.993,32, objeto de arresto no âmbito do processo cautelar a correr termos neste Tribunal sob o n.º 2583/18.0BEBRG, instaurado pela AT contra a aqui reclamante e a penhora do estabelecimento comercial, no valor de € 1.653.814,38; e o outro pedido referente aos PEF´s de dívidas de IRC, a dispensa de prestação de garantia quanto ao remanescente.
K. Deste modo, afigura-se-nos que a douta sentença, violou o princípio do aproveitamento dos actos administrativos ou tributários, o qual em conformidade o acórdão do STA de 12 de Abril de 2012, proferido no rec. nº 896/11, se refere que aquele principio não tem expressão legal própria no nosso Direito, mas tem sido acolhido pela doutrina e pela jurisprudência, por razões de economia jurídica (...) Trata-se, pois, de reconhecer ao tribunal o poder de não anular um acto inválido quando for seguro que a decisão administrativa não podia ser outra, uma vez que em execução do efeito repristinatório da sentença não existe “alternativa juridicamente válida” que não seja a de renovar o acto inválido, embora sem o vício que determinou a anulação.
L. Com efeito a questão de saber se o alegado vicio que padece um dos pedidos afeta o outro pedido ou se esse outro pedido pode ser aproveitado, reconduz-se, no caso, à questão da cindibilidade dos actos tributários e da possibilidade da sua anulação parcial, não sendo impeditivo da anulação parcial do acto a necessidade de um ulterior acertamento por parte da AT, de modo a conformar a parte remanescente do acto com os termos da decisão judicial anulatória, como o impõe no caso a consideração do valor do bem arrestado para efeitos de prestação de garantia que mantendo-se a ilegalidade, não obsta que se mantenha o outro ato referente à dispensa da prestação da garantia quanto ao remanescente, que se mostra autonomizado, tanto no pedido, quanto na sua apreciação vertido no despacho reclamado, bem como nos seus efeitos, que sempre haveria remanescente em todas as hipóteses equacionáveis.
M. Ora, no caso sub judice os atos estão perfeitamente identificados, sendo naturalmente divisíveis, sendo-o também juridicamente, por a lei prever a possibilidade de anulação parcial dos mesmos à semelhança dos atos de liquidação (art.º 100º da LGT e, anteriormente, o artº. 145º do CPT) - cf. entre outros, os acórdãos proferidos em 9/07/1997, no processo n.º 5874; em 22/09/1999, no processo n.º 24101; em 16/05/2001, no processo n.º 25532; em 26/03/2003, no processo n.º 1973/02; em 27/09/2005, no processo n.º 287/05; em 12/01/2011, no processo n.º 583/10 e especial o recente Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário 10/04/2013, proferido no processo 298/12.
N. Aliás, naquele último aresto do Pleno da Secção de Contencioso Tributário defende-se que «se o juiz reconhecer que o acto tributário está inquinado de ilegalidade que só em parte o invalida, deve anulá-lo apenas nessa parte, deixando-o subsistir no segmento em que nenhuma ilegalidade o fira».
O. Com efeito, o indeferimento no tocante ao pedido da dispensa de garantia por não se verificarem os pressupostos constantes do nº. 4 do artº. 52º da LGT sempre se manteria intacto.
P. Conclui-se da investigação levada a cabo pela AT, que foram apresentados factos que permitem retirar a ilação de depauperamento do património da Reclamante ao longo dos anos, intencional e assumido, de forma dolosa, pelo que se mostram reunidos os pressupostos do nº 4 do art.º 52º da LGT, e consequentemente no tocante a este pedido o despacho reclamado manter-se-ia inalterável.
Q. Face ao acima exposto, e contrariamente ao sentenciado, considera a Fazenda Pública que, no caso presente, não ocorreu violação do disposto no nº.3 do artº. 214º do CPPT,
R. e ainda que se aceite aquele vicio, sempre haveria a violação do principio do aproveitamento dos atos, por se entender que o sentido decisório seria o mesmo atento o valor atribuído ao estabelecimento comercial, que se impunha que se analisasse, e ainda que assim senão entendesse, sempre ocorreria a anulação parcial do pedido de suspensão da prestação da garantia, uma vez que se manteria inalterado o outro pedido de dispensa da prestação de garantia quanto ao remanescente,
S. pelo que deverá o douto tribunal ad quem determinar a improcedência total da reclamação, ou caso assim não entenda, improcedência parcial da mesma.
T. Mais se requer que, atento o valor da causa se revela superior a € 275.000,00 e que a presente causa não se demonstra de especial complexidade; Face à conduta processual das partes no litígio, a Fazenda Pública requer, na decisão a proferir nos presentes autos, que seja dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida, nos termos do preceituado no n.º 7 do art. 6º do Regulamento das Custas Processuais (RCP).
Termos em que,
deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, com as devidas consequências legais.

1.3. O Recorrido G., Lda. formulou as respetivas contra-alegações, terminando com as seguintes conclusões:
a) As questões decidendae
i. A primeira questão decidenda é saber se a AT tinha a obrigação legal, nos termos do n.º 3 do artigo 214º do CPPT, de converter o arresto efetuado antes da instauração do processo de execução fiscal em penhora, se o pagamento não tiver sido efetuado;
ii. A segunda questão decidenda é saber se o facto de o Tribunal ter decidido pela procedência do vício de violação de Lei, relativamente ao n.º 3 do artigo 214º do CPPT, de que padecia o ato reclamado, prejudicava o conhecimento dos restantes vícios imputados à decisão aqui reclamada;
b) O vício de violação de Lei - artigo 214º, n.º 3 do CPPT
iii. Quer força do disposto no n.º 3 do artigo 214º do CPPT, quer por força do subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito que determina que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem-se situar numa justa medida, impedindo a adotação de medidas restritivas desproporcionais ou excessivas em relação aos fins obtidos, o arresto efetuado antes da instauração do processo de execução será convertido em penhora se o pagamento não tiver sido efetuado;
iv. Admitir-se que a AT possa preventivamente arrestar os bens da executada, antes da instauração do processo de execução fiscal, e negar que os bens arrestados possam ser penhorados e aceites como garantia, está-se a coartar os direitos da Reclamante, na medida em que impede que este se defenda em juízo com a suspensão das execuções fiscais;
v. As medidas restritivas impostas pela AT vão muito para além do necessário para garantir os fins a que se destinam, pois, como o Tribunal a quo assinalou, os créditos tributários ficam, igualmente, garantidos com a penhora dos bens arrestados;
vi. A conversão do arresto em penhora opera por força da Lei, nos termos do n.º 3 do artigo 214º do CPPT;
vii. E, portanto, a Fazenda Pública não precisava de autorização pelo Tribunal que decretou o arresto;
viii. Deste modo, podemos concluir que a sentença do Tribunal a quo dever-se-á manter e o Tribunal ad quem deverá negar provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública.
ix. Sem prescindir,
c) O conhecimento dos restantes vícios imputados pela Recorrida à decisão aqui em apreço
x. A Fazenda Pública defende que o ato reclamado deve ser parcialmente anulado relativamente ao vício que lhe for reconhecido na sentença e manter-se na parte que não for afetada por aquele vício;
xi. E a (alegada) parte não invalidante do ato reclamado diz respeito à questão sobre o valor do estabelecimento comercial e à questão da verificação dos pressupostos da dispensa da prestação da garantia (artigo 52º, n.º 4 da LGT);
xii. Ora, o Tribunal a quo não se pronunciou sobre o mérito da decisão aqui em apreço quanto a essas questões,
xiii. E ao Tribunal ad quem incumbe apenas pronunciar-se sobre as questões decididas pelo Tribunal a quo ou as questões que sejam do conhecimento oficioso;
xiv. Deste modo, podemos concluir que a sentença do Tribunal 1 dever-se-á manter e o Tribunal ad quem deverá negar provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública.
xv. Sem prescindir,
d) A dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça
xvi. Caso se entenda, o que não se aceita e sem prescindir, que no caso da reclamação do ato do órgão de execução fiscal não é aplicável a Tabela 11 A, mas a Tabela 1 A, a Recorrida vem requerer que o Tribunal ad quem dispense do pagamento do remanescente da taxa de justiça, porquanto se encontram preenchidos todos os requisitos para a sua dispensa previsto no n.º 7 do artigo 6º do RCP;
xvii. Se assim não se entender,
xviii. Deve o Tribunal ad quem declarar a inconstitucionalidade, por violação do direito de acesso aos Tribunais consagrado no artigo 20º da CRP, conjugado com o princípio da proporcionalidade decorrente do artigo 2º e do n.º 2 do artigo 18º, ambos da CRP, das normas contidas nos artigos 6º e 11º, ambos do RCP, conjugados com a Tabela anexa ao RCP, quando interpretadas no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da ação sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao Tribunal reduzir o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em consideração, designadamente, o caráter manifestamente desproporcional do montante exigido;
xix. Se assim não se entender,
xx. Deve o Tribunal ad quem dispensar o pagamento de uma fração ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, nos termos do n.º 7 do artigo 6º do RCP e segundo o princípio da proporcionalidade e o princípio da igualdade.
Pedido:
Nestes termos e nos mais de Direito que Vs. Exas. doutamente não deixarão de suprir, deve o recurso interposto pela Fazenda Pública ser indeferido e mantida a decisão do Tribunal a quo e, consequentemente, a reclamação judicial em apreço deve ser julgada totalmente procedente, com todas as consequências legais, bem como deve ser dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça. Pois só assim se fará inteira e sã
JUSTIÇA!

1.4. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer, com o seguinte teor:
“A Fazenda Pública vem interpor recurso da sentença da Mina Juiz do TAF de Braga que no âmbito de reclamação de acto do órgão da execução fiscal, nos termos do artigo 276.º e segs. do CPPT, a julgou procedente.
G., Lda., executada nos processos de execução fiscal com os n.º s 3476201901063952 e apensos, referentes a dívidas de IVA dos períodos de 2014, 2015 e 2016, e n.ºs 3476201901099884, 3476201901099914, e 3476201901099876, referentes a dívidas de IRC dos períodos de 2014, 2015 e 2016, a correr termos no Serviço de Finanças (...) 2, veio reclamar do despacho proferido pela Senhora Directora da Direcção de Finanças de (...), datado de 10/09/2019, que lhe indeferiu o pedido de suspensão dos referidos processos em virtude da insuficiência da garantia prestada, e igualmente, lhe indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia quanto ao remanescente devido a não estarem preenchidos os respectivos pressupostos.
Invoca estarem verificados os requisitos legais para a despensa de prestação de garantia, prevista no artigo 52.º n.º4 da LGT, nomeadamente, o imóvel arrestado no âmbito do processo cautelar que corre termos no TAF de Braga sob o n.º 2583/18.0BEBRG e que ofereceu a título de garantia, arresto esse que foi decretado antes da instauração das execuções fiscais aqui em causa e deveria converter-se oficiosamente em penhora por a alegada dívida exequenda não ter sido paga, pelo que, a AT, ao não ter efetuado oficiosamente tal conversão, na sequência do pedido de prestação de garantia, violou o disposto no art.º 214.º, n.º 3 do CPPT.
*
É jurisprudência pacífica que o âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas pelos recorrentes das respectivas alegações.
G., Lda. contra-alegou.
*
Alega a Fazenda Pública, em resumo, que a sentença enferma de erro de julgamento, designadamente, ao considerar procedente o vício de violação de lei, por o acto reclamado violar o disposto no artigo 214.º n. º3 do CPPT.
Igualmente refere que deveria ter sido dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artigo 6.º n. º7 do RCP.
Cremos que não lhe assiste razão, quanto ao vício de violação de lei.
Dispõe a referida norma legal:
3 - O arresto efetuado nos termos do número anterior ou antes da instauração do processo de execução será convertido em penhora se o pagamento não tiver sido efetuado.
Face ao que resulta do probatório e conforme se menciona na sentença a fls.30, o arresto do bem imóvel foi decretado antes da instauração dos processos de execução fiscal em causa nestes autos, pelo que, a AT deveria ter dado cumprimento ao artigo 214.º n.º3 do CPPT.
Não tendo efectuado tal, a AT terá de praticar novo acto expurgado desse vício, tendo presente que o Tribunal não se pronunciou sobre os demais vícios que a reclamante assacou à decisão da Directora da Direcção de Finanças de (...) e que compete ao órgão da execução fiscal a decisão do pedido de prestação de garantia ou da dispensa dessa prestação, visando a suspensão da execução.
Em nosso entender, o recurso não merece provimento.
*
Citando, entre outros, o Ac. do STA de 10/9/2014, no processo 0600/14, in www.dgsi.pt:
I - O remanescente da taxa de justiça tem de ponderar o valor da acção e o princípio de que a exigência do seu pagamento tem de considerar que o seu custo deve ser proporcional ao serviço prestado.
II - Na dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça deve o juiz ter em consideração o valor da acção ponderando a complexidade da causa e sua especificidade e ainda o comportamento processual das partes nos termos do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais.
Atento o exposto, assiste razão à recorrente neste particular”

Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 657.º, n.º 4, do CPC, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma dos erros de julgamento de facto e de direito que lhe vêm imputados, designadamente, por considerar que o Despacho reclamado violou o n.º 3 do artigo 214. º do CPPT e ter procedido à anulação total deste, quando nada impedia a respetiva manutenção na parte relativa ao indeferimento do pedido de isenção da prestação de garantia quanto ao remanescente.
Mais cumprirá apreciar o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, requerido por ambas as partes.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
1.1) FACTOS PROVADOS
Consideram-se provados, com relevância para a decisão da causa, os seguintes factos que infra se indicam:
1) Em 13/05/2019 foram instaurados contra a Reclamante os processos de execução fiscal com os n.ºs 3476201901063952 e apensos, referentes a dívidas de IVA dos períodos de 2014, 2015 e 2016, a correr termos no Serviço de Finanças (...) 2 (facto não controvertido, cfr. fls. 446 e 447 do suporte físico dos autos).
2) Em 28/06/2019 foram instaurados contra a Reclamante os processos de execução fiscal com n.ºs 3476201901099884, 3476201901099914, e 3476201901099876, referentes a dívidas de IRC dos períodos de 2014, 2015 e 2016, a correr termos no Serviço de Finanças (...) 2 (facto não controvertido, cfr. fls. 446 e 447 do suporte físico dos autos).
3) Os processos executivos identificados nos pontos antecedentes tiveram na sua origem liquidações adicionais de IVA e IRC, dos anos de 2014, 2015 e 2016, emitidas na sequência de um procedimento inspetivo instaurado contra a Reclamante (facto não controvertido).
4) O valor total da garantia a prestar nos processos de execução fiscal identificados em 1) e 2) cifra-se em € 2.901.923,94 (facto não controvertido).
5) Através de requerimento datado de 11/06/2019 a Reclamante apresentou junto do Serviço de Finanças (...) 2 pedido de suspensão dos processos de execução fiscal com os n.ºs 3476201901063952 e apensos, e 3476201901064452 e apensos, instaurados para cobrança coerciva de dívidas de IVA dos períodos de 2014, 2015 e 2016, tendo, para o efeito, indicado a título de garantia, o bem imóvel arrestado no âmbito do processo cautelar de arresto a correr termos neste Tribunal sob o n.º 2583/18.0BEBRG, no valor de € 121.993,32 e, em complemento a penhora do estabelecimento comercial, no valor de € 1.653.814,38, tendo, ainda, informado que deduziu impugnação judicial das liquidações de IVA em causa, processo que se encontra a correr os seus termos neste Tribunal sob o n.º 818/19.0BEBRG (facto não controvertido, cfr. documento 2 junto com a petição inicial).
6) Através de requerimento datado de 11/06/2019 a Reclamante apresentou junto do Serviço de Finanças (...) 2 pedido de suspensão dos processos de execução fiscal com os n.ºs 3476201901099884, 3476201901099914, e 3476201901099876, instaurados para cobrança coerciva de dívidas de IRC dos períodos de 2014, 2015 e 2016, tendo indicado a título de garantia, o valor remanescente da penhora do estabelecimento comercial, no valor de € 605.881,87, mais requerendo a dispensa de prestação de garantia, tendo, ainda, manifestado intenção de deduzir impugnação judicial das respetivas liquidações (facto não controvertido, cfr. documento 3 junto com a petição inicial).
7) Em 29/07/2019 a Reclamante apresentou impugnação judicial das liquidações de IRC que estão na origem dos processos de execução fiscal identificados no ponto antecedente, e que se encontra a correr termos neste Tribunal sob o n.º 1396/19.6BEBRG (facto não controvertido).
8) Sobre os pedidos de suspensão identificados em 5) e 6) recaiu informação elaborada, em 08/09/2019, por inspetora tributária da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de (...), da qual, com relevância, decorre o seguinte (cfr. documento 1 junto com a petição inicial):
(Imagens no original da sentença)
9) Sobre a informação que antecede recaiu despacho de concordância proferido pela Senhora Diretora de Finanças de Braga, em 10/09/2019 (cfr. documento 1 junto com a petição inicial).
10) Através do ofício n.º 2646, datado de 17/09/2019, do Serviço de Finanças (...) 2, foi remetido para a Reclamante, por via postal registada com aviso de receção, o despacho identificado no ponto antecedente (cfr. documento 1 junto com a petição inicial).
11) Em 30/01/2019 foi proferida sentença no processo cautelar de arresto a correr termos neste Tribunal sob o n.º 2583/18.0BEBRG, instaurado pela AT contra a aqui reclamante, retificada por despacho de 06/02/2019, no âmbito da qual foi decretado o arresto dos seguintes bens (cfr. documentos 3 e 4 juntos com a petição inicial, facto não controvertido):
(Imagens no original da sentença)
12) Através do ofício n.º 689, datado de 25/02/2019, do Serviço de Finanças (...) 2, foi remetido à Reclamante, por via postal registada com aviso de receção, a decisão judicial identificada no ponto antecedente, e para, querendo, recorrer ou deduzir oposição (cfr. documento 4 junto com a petição inicial, facto não controvertido).
13) Em 11/03/2019 a Reclamante deduziu recurso da decisão judicial que decretou a providência cautelar de arresto identificada em 11) (cfr. documento 5 junto com a petição inicial).
14) Em 11/03/2019 a Reclamante arguiu a nulidade da citação da decisão judicial que decretou a providência cautelar de arresto identificada em 11) (cfr. documento 6 junto com a petição inicial).
15) A presente reclamação deu entrada, por via postal registada, no Serviço de Finanças (...) 2, em 27/09/2019 (cfr. fls. 1 e ss. do suporte eletrónico dos autos).
1.2) FACTOS NÃO PROVADOS
Não existem factos não provados com relevância para a decisão da causa.
Motivação
O Tribunal formou a sua convicção relativamente a cada um dos factos dados como provados tendo por base a análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, os quais não foram objeto de impugnação, bem como no posicionamento das partes assumido nos respetivos articulados, conforme discriminado nos vários pontos da fundamentação de facto.”

3.2. DE DIREITO
3.2.1. A Recorrente começa por requerer a ampliação da matéria de facto provada, por forma a que da mesma constem os factos discriminados na conclusão E. das alegações de recurso.
Contudo, em face do que já consta no ponto 4) dos factos provados [O valor total da garantia a prestar nos processos de execução fiscal identificados em 1) e 2) cifra-se em € 2.901.923,94], é inútil o aditamento proposto para o ponto 16 (O valor da divida exequenda nos processos executivos com os nºos 3476201901063952 e aps., e 3476201901064452 e aps., instaurados para cobrança coerciva de dividas de IVA dos períodos de 2014, 2015 e 2016, totalizava à data da apresentação do pedido o valor de €1.169.925,83, cf. doc. 2 junto com a petição inicial;).
No que respeita à redação proposta para o ponto 17), a Recorrente não identifica o meio probatório de onde decorre tal facto e, quanto à pretendida redação do ponto 18), a mesma não reveste interesse, por ser conatural à interposição do recurso da decisão que decretou o arresto a pretensão de que o mesmo não seja determinado.
Finalmente, no que respeita ao ponto 19), também não reveste o mesmo qualquer interesse, como demonstraremos infra.

3.2.2. Isto posto, analisemos, agora, os erros de julgamento de direito imputados à sentença recorrida, não sem antes atentar ao que nela foi vertido:
“(…), resulta da factualidade provada no caso vertente que a Reclamante apresentou junto do Serviço de Finanças (...) 2 pedido de suspensão dos processos de execução fiscal com os n.ºs 3476201901063952 e apensos, e 3476201901064452 e apensos, instaurados para cobrança coerciva de dívidas de IVA dos períodos de 2014, 2015 e 2016, tendo, para o efeito, indicado a título de garantia, o bem imóvel arrestado no âmbito do processo cautelar de arresto a correr termos neste Tribunal sob o n.º 2583/18.0BEBRG, no valor de € 121.993,32, e penhora do seu estabelecimento comercial, no valor de € 1.653.814,38, mais tendo informado que deduziu impugnação judicial das liquidações de IVA em causa, processo que se encontra a correr termos neste Tribunal sob o n.º 818/19.0BEBRG.
Acresce que, tal como resulta do mesmo acervo probatório, tal pedido foi indeferido por despacho de 10/09/2019, proferido pela Sra. Diretora da Direção de Finanças de (...).
Não se conformando com a referida decisão, sustenta a Reclamante, em primeira linha, que, tendo o arresto do imóvel, oferecido a título de garantia, sido decretado antes da instauração das execuções fiscais, no âmbito do processo cautelar que corre termos neste Tribunal sob o n.º 2583/18.0BEBRG, tal arresto deverá converter-se oficiosamente em penhora, uma vez que, a alegada dívida exequenda não foi paga, pelo que, ao não ter efetuado oficiosamente tal conversão na sequência do pedido de prestação de garantia, o ato reclamado violou o disposto no art.º 214.º, n.º 3 do CPPT.
Mais defende a Reclamante que, concluindo-se que o ato reclamado violou o disposto no art.º 214.º, n.º 3 do CPPT, tal conclusão, por si só, é suficiente para inquinar a validade do ato reclamado.
Vejamos se lhe assiste razão.
De acordo com o preceituado nos artigos 51.º e 101.º, alínea e) da LGT, e 135.º, n.º 1, alínea a), e 136.º do CPPT, é admitida em processo judicial tributário o decretamento de providência cautelar de arresto a favor da Administração Tributária.
Tal providência traduz-se na apreensão judicial de bens fundada no receio do credor perder a garantia patrimonial do seu crédito (cfr. artigo 391.º, n.º 2, do CPC).
O arresto consubstancia, assim, um meio cautelar conservatório da garantia patrimonial do credor, destinado a garantir a cobrança dos créditos tributários que o credor reputa em perigo com base em indícios assentes em comportamentos dolosos ou negligentes do devedor, mormente, decorrentes da dissipação ou sonegação do património (cfr. artigo 619.º, n.º 1, do Código Civil, e artigo 396.º, n.º 1, do CPC).
Neste contexto, dispõe o art.º 214.º do CPPT o seguinte:
“1 - Havendo justo receio de insolvência ou de ocultação ou alienação de bens, pode o representante da Fazenda Pública junto do competente tribunal tributário requerer arresto em bens suficientes para garantir a dívida exequenda e o acrescido, com aplicação do disposto pelo presente Código para o arresto no processo judicial tributário.
2 - As circunstâncias referidas no número anterior presumem-se no caso de dívidas por impostos que o executado tenha retido ou repercutido a terceiros e não entregue nos prazos legais.
3 - O arresto efetuado nos termos do número anterior ou antes da instauração do processo de execução será convertido em penhora se o pagamento não tiver sido efetuado.
4 - Para efeitos de arresto ou penhora dos bens do contribuinte, pode ser requerida às instituições bancárias informação acerca do número das suas contas e respetivos saldos”.
O arresto pode ser requerido nos termos do artigo 136.º n.º 1 CPPT, com vista a garantir o pagamento de dívidas fiscais em fase anterior à execução, como na pendência do processo executivo, nos termos do disposto no artigo 214.º do CPPT.
Também o artigo 31.º do RCPITA elege as providências cautelares de arresto ou arrolamento, como as providências cautelares de natureza judicial que podem ser requeridas no âmbito do procedimento inspetivo, de modo a acautelar o justo receio de frustração dos créditos fiscais, de extravio ou deterioração de documentos conexos com obrigações tributárias.
Estipulando o n.º 2 do referido preceito legal que a propositura das referidas providências cautelares tem por base informação, a qual deverá conter os seguintes elementos:
“a) A descrição dos factos demonstrativos do tributo ou da sua provável existência;
b) A fundamentação do fundado receio de diminuição das garantias de cobrança do tributo;
c) A relação de bens suficientes para garantir a cobrança da dívida e acrescido, com a indicação do valor, localização e identificação de registo predial ou outras menções que permitam concretizar a descrição”.
Por outro lado, o arresto caduca por:
i) Razões de mérito (no processo de liquidação do tributo para cuja garantia é destinado, apurar-se até ao fim do ano posterior àquele em que se efetuou não haver lugar a qualquer ato tributário, extinção da dívida acautelada por pagamento, excesso de arresto sobre o montante suficiente para garantir o tributo, juros compensatórios liquidados e o acrescido relativo aos 6 meses posteriores (cf. artigo 137º, nº 1, primeira parte e 3, CPPT));
ii) Como de desnecessidade (se, a todo o tempo, for prestada garantia nos termos previstos no CPPT; cfr. artigo 137.º, nº 1, segunda parte, CPPT);
iii) Como de omissão procedimental (tendo sido decretado na pendência de procedimento de inspeção tributária, a entidade inspecionada não for notificada do relatório de inspeção no prazo de 90 dias a contar da data do seu decretamento, a menos que, findo este período, ainda não tenha terminado o prazo legal para a conclusão daquele procedimento de inspeção, com as eventuais prorrogações legais, caso em que o arresto fica sem efeito no termo deste último prazo legal).
A contrario, o arresto manter-se-á para ser convertido em penhora, nos termos do n.º 3 do artigo 214º CPPT.
Na verdade, tal como resulta expressamente do n.º 3 do artigo 214º CPPT o arresto efetuado antes da instauração do processo de execução será convertido em penhora se o pagamento não tiver sido efetuado, assim se constatando que, “o arresto é um meio de conservação da garantia patrimonial previsto na lei civil com um estreito vínculo funcional com a penhora”, como declara o acórdão do TCAS, de 10/07/2015, proc. 08820/15, publicado em www.dgsi.pt.
Tal significa que, a Fazenda Pública pode obter a antecipação dos efeitos da penhora por meio do arresto, daí que se qualifique o arresto como uma providência antecipatória da penhora.
Sobre este particular refere JORGE LOPES DE SOUSA (cfr. “Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado”, Volume III, 6.ª Edição, 2011, pág. 576), o seguinte: “A realização de arresto, naturalmente, apenas se justificará quando não puder ser efetuada penhora.
Por isso, a sua realização só se justificará, em regra, na fase preliminar do processo de execução fiscal no período que vai desde a instauração até ao termo de prazo de oposição, nos casos em que não deva efetuar-se a penhora logo no momento em que se procura efetuar a citação (previstos no art.º 194.º, n.º 3, do CPPT).
Com efeito, quando não é efetuada no momento da citação do executado, a penhora só pode ser efetuada após o prazo da oposição, como resulta do disposto no art.º 215.º, e pode suceder que no decurso desse prazo surja uma situação em que seja necessário acautelar os direitos da Fazenda Pública.
(...)
Se for requerido arresto em momento em que pode ser efetuada a penhora, o pedido deverá ser indeferido, por falta do pressuposto processual interesse em agir.
Com efeito, tendo a Fazenda Pública a possibilidade de efetuar a penhora por si própria, no processo de execução fiscal, não se pode considerar justificado recurso a tribunal para decretar o arresto que não produz efeitos, que não possam ser alcançados com a penhora.
Sendo o processo de arresto da competência do juiz e correndo termos no tribunal tributário, não pode correr por apenso à execução fiscal com que estiver ou vier a estar conexionado.
Assim, adaptando ao processo de execução fiscal o regime que se prevê no art.º 383.º, n.º 2, do CPC, o processo de arresto, depois de concluído, deve ser remetido ao órgão da execução fiscal onde correr o processo de execução, a fim de ser apensado”.
Mais acrescenta o citado autor que, “Se o pagamento não for efetuado, após a instauração do processo de execução fiscal para cobrança coerciva da quantia em dívida, chegado o momento em que deve ser efetuada a penhora, o arresto será oficiosamente convertido em penhora, por despacho do órgão da execução fiscal (n .4 3 deste art.º 214.4).
Concomitantemente, se se tratar de bem sujeito a registo (4), deverá ser ordenado o respetivo averbamento [art.º 101 .4, n.4 2, alínea a), do Código do Registo Predial].
De harmonia com o preceituado no art.º 822.º, n.4 2, do CC, os efeitos da penhora, resultante da conversão de arresto, são retroativos, produzindo-se desde a data do registo do arresto, se se tratar de bem sujeito a registo, ou da data em que foi efetuado o arresto, se se tratar de bem não registável”.
Ora, no caso em apreço resulta da factualidade provada que, em 13/05/2019 foram instaurados contra a Reclamante os processos de execução fiscal com os n.ºs 3476201901063952 e apensos, referentes a dívidas de IVA dos períodos de 2014, 2015 e 2016 e, em 28/06/2019 foram instaurados contra a Reclamante os processos de execução fiscal com n.ºs 3476201901099884, 3476201901099914, e 3476201901099876, referentes a dívidas de IRC dos períodos de 2014, 2015 e 2016, a correr termos no Serviço de Finanças (...) 2 (cfr. ponto 1) dos factos provados).
Mais resulta do elenco dos factos provados que, em 30/01/2019 foi proferida sentença no processo cautelar de arresto a correr termos neste Tribunal sob o n.º 2583/18.0BEBRG, instaurado pela AT contra a aqui Reclamante, retificada por despacho de 06/02/2019, no âmbito da qual foi decretado, de entre outros bens, o arresto do imóvel com o artigo matricial 997.º - fração B, afeto a uso comercial, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de (...), concelho de (...), com valor patrimonial tributário de € 121.993,32 (cfr. ponto 8) dos factos provados).
E que, através do ofício n.º 689, datado de 25/02/2019, do Serviço de Finanças (...) 2, foi remetido à Reclamante, por via postal registada com aviso de receção, a decisão judicial de decretamento da providência cautelar de arresto (cfr. ponto 9) dos factos provados).
Ou seja, verifica-se que o arresto do bem imóvel foi decretado antes da instauração dos processos de execução fiscal aqui em causa.
Ora, tal como preceitua o art.º 214.º, n.º 3 do CPPT, o arresto efetuado antes da instauração do processo de execução será convertido em penhora se o pagamento não tiver sido efetuado.
Com efeito, forçoso será concluir que assiste razão nesta parte à Reclamante, na medida em que, nada obsta, e a lei impõe, que tal arresto seja convertido em penhora, ficando de igual modo garantidos os créditos fiscais.
Note-se que, se os bens arrestados à Reclamante, como foram no âmbito do art.º 31.º do RCPITA, quando estava a decorrer inspeção tributária, ou seja, numa fase anterior à instauração das execuções fiscais, não poderem ser prestados e aceites como garantia já no âmbito daquelas execuções fiscais, com vista à suspensão das mesmas, tal significa, em tese, coartar a Reclamante de apresentar garantia e obter a referida suspensão, pois se, em abstrato, forem arrestados todos os bens da Reclamante, esta fica impedida, em absoluto, de apresentar garantia.
Com efeito, deveria a AT, por força da lei, após o pedido de prestação de garantia formulado pela Reclamante, no âmbito do qual incluía a penhora sobre o bem imóvel arrestado, ter convertido tal arresto em penhora, pelo que, ao não o fazer violou o disposto no n.º 3 do art.º 214.º do CPPT, sendo certo que, os créditos tributários ficariam, na mesma exata medida, acautelados, não resultando, por isso, qualquer prejuízo para a Autoridade Tributária.
Assim sendo, decidida que está a procedência do vício de violação de lei, pelo facto de o ato reclamado violar o disposto no n.º 3 do art.º 214.º do CPPT fica, em face do exposto, prejudicado o conhecimento dos restantes vícios por força do preceituado no art.º 608.º, n.º 2 do CPC, devendo, sem mais considerandos, conceder-se provimento à presente reclamação, anulando-se o ato ora sindicado.”
Sendo certo que, como consta dos pontos 11, 12, 13 e 14 dos factos provados, em 30/01/2019 foi proferida sentença no processo cautelar de arresto a correr termos sob o n.º 2583/18.0BEBRG, instaurado pela AT contra a aqui reclamante, retificada por despacho de 06/02/2019, no âmbito da qual foi decretado o arresto de diversos bens, a Recorrida foi notificada daquela decisão através de ofício datado de 25/02/2019 e, em 11.03.2019, interpôs recurso contra tal decisão e arguiu a nulidade da citação para aquele processo, é apodítico que a decisão de decretamento do arresto não transitou em julgado, importando determinar se tal recurso impede a AT de converter o arresto em penhora.
Por força do n.º 2 do artigo 286.º do CPPT, os recursos têm efeito meramente devolutivo, salvo se for prestada garantia ou se o efeito devolutivo afetar o efeito útil dos recursos. Significa isto que o recurso interposto da sentença que determinou o arresto não tem efeito suspensivo da decisão, nada obstando, por isso, a que esta produza todos os seus efeitos, designadamente, a conversão do arresto em penhora, verificado o circunstancialismo previsto no n.º 3 do artigo 214.º do CPPT.
Inexistindo obstáculo à dita conversão, é acertada a decisão da 1.ª instância na parte em que considera que a AT violou aquele artigo 214.º, n.º 3 do CPPT.
Todavia, isto não implica necessariamente a anulação total ou parcial do Despacho reclamado, porquanto, por um lado, o mesmo contém outros fundamentos suscetíveis de sustentar a decisão de indeferimento do pedido de suspensão da execução fiscal e de prestação de garantia o que, por aplicação do princípio utile per inutile non vitiatur, logo impede a automática anulação do ato reclamado, sem apreciação dos restantes fundamentos de indeferimento.
Ademais e por outro lado, o Despacho reclamado encerra uma outra decisão – a de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia, na parte remanescente - que não depende, de todo em todo, da conversão do arresto em penhora. Ou seja, é um outro segmento decisório, autónomo quanto aos seus fundamentos, que configura uma segunda decisão ainda que incorporada no mesmo Despacho.
Cumpre, pois, analisar os demais fundamentos da reclamação que, como vimos, não resultam prejudicados, o que faremos em substituição do Tribunal a quo, sem necessidade de cumprimento do disposto no artigo 665.º, n.º 3, do CPC, uma vez que tais questões foram abordadas nas alegações de recurso e a Recorrida teve oportunidade de sobre as mesmas se pronunciar.
Em primeiro lugar, o Tribunal a quo não apreciou a questão atinente à ilegalidade decorrente da não aplicação da doutrina que dimana do Ofício-circulado n.º 60010, de 22/10/99, que, na perspetiva da Reclamante/Recorrida, se impunha à AT pois o facto de não se verificarem todos os requisitos enunciados no ponto 4 do Despacho n.º 14/98-XIII, de 6 de maio, não significa que a inadmissibilidade da penhora do estabelecimento.
Sucede que, apesar de sugerir que não estavam verificados todos os requisitos previstos no tal Despacho n.º 14/98-XIII, o OEF não considerou ser impossível a penhora do estabelecimento oferecido em garantia, se assim fosse, não teria sequer procedido à sua avaliação. Não procede, por isso, o alegado nos artigos 30 a 36 da p.i..
Em segundo lugar, atendendo ao valor dos bens arrestados, é patente que, mesmo convertido o arresto em penhora, esta não serviria para garantir a dúvida exequenda e acrescido, o que constitui condição sine qua non da atribuição de efeito suspensivo à execução fiscal, por força dos artigos 52.º, n.º 2, da LGT e 199.º do CPPT. Por essa razão a Recorrida também ofereceu à penhora o seu estabelecimento, contudo este foi avaliado por um valor negativo, muitíssimo inferior ao valor atribuído pela executada e que esta reputa de ilegalmente determinado pois, segundo sustenta, de acordo com o n.º 1, do artigo 18.º do CIS «O valor dos estabelecimentos comerciais, industriais ou agrícolas obrigados a possuir contabilidade organizada e das sociedades comerciais que não sejam por acções, sempre que se verifique uma das situações previstas no artigo 88.º da LGT, é determinado pela aplicação dos factores previstos no n.º 2 do artigo 16.º do presente Código, aplicáveis a um rendimento presumido para esse efeito, se ainda o não tiver sido para efeitos da tributação sobre o rendimento, com base nos elementos previstos no artigo 90.º da mesma lei.». Como esclarece nos artigos 42.º e seguintes da p.i., quando ofereceu a penhora do estabelecimento em 2019, a ora Recorrida teve em consideração os rendimentos dos últimos períodos: 2018, 2017 e 2016 e, como neste último houve correções através de métodos indiretos, teve em consideração o rendimento presumido que resultou dessas correções. Entende, por isso, que a determinação do valor do estabelecimento comercial deve ser efetuada por aplicação das disposições dos artigos 16.º e 18.º do CIS, através das quais apurou o montante de € 1.653.814,38.
Tal não foi, porém, o caminho percorrido pela AT. Na Informação que sustenta o Despacho reclamado, refere-se que «(…), não estando em causa para o presente ano, o apuramento de um rendimento presumido, nos termos do art.º 88.º da LGT, ao qual se apliquem os fatores de correção do n.º 2 do art.º 16º do CIS, nos termos do art.º 18.º, não poderão ser considerados os cálculos apresentados pela executada na avaliação da garantia». Considerando, assim, que «(…) a avaliação direta, faz-se por recurso ao art.º 15.º do CIS, que determina que o "valor das quotas ou partes em sociedades que não sejam por ações e o dos estabelecimentos comerciais, industriais ou agrícolas com contabilidade organizada determina-se pelo último balanço 11. ou pelo valor atribuído em partilha ou liquidação dessas sociedades";» e, nessa medida, «Dos rendimentos apresentados pela executada para efeitos do cálculo do valor do estabelecimento, apenas serão de considerar os valores declarados na IES do ano 2018;». Entendeu ainda a AT que «O n.º 4 do art.º 199.º -A do CPPT determina que ao valor apurado pela aplicação do artº 15.º do CIS, se deverão deduzir:
a) Garantias concedidas e outras obrigações extrapatrimoniais assumidas;
b) Partes de capital do executado que sejam detidas, direta ou indiretamente, pelo garante;
c) Passivos contingentes;
d) Quaisquer créditos do garante sobre o executado;».
Com base nestes pressupostos, concluiu-se na dita Informação que «A avaliação teórica da sociedade de acordo com os normativos descritos 12 e tendo por referência a IES do ano 2018, com as ressalvas que constam da avaliação, resultou num valor atribuído negativo de 60.371,45 € 13.».
Isto posto, cumpre primeiramente determinar qual a norma do CIS aplicável à avaliação do património para efeitos de determinação da idoneidade da garantia oferecida, não se suscitando dúvidas em como ela deve ser encontrada no restrito universo definido pelo artigo 199.º-A, n.º 1, do CPPT, ou seja, entre os artigos 13.º e 17.º do Código do Imposto do Selo. No entanto, o n.º 2 daquele artigo do CPPT restringe ainda mais o campo normativo aplicável ao expressar que «Sendo o garante uma sociedade, o valor do seu património corresponde ao valor da totalidade dos títulos representativos do seu capital social determinado nos termos do artigo 15.º do Código do Imposto do Selo».
Temos, então, que o artigo 199.º-A do CPPT apenas prevê a avaliação direta do património oferecido como garantia, na medida em que não inclui do universo aplicável à avaliação a norma do artigo 18.º do CIS, e determina que, quando o garante seja uma sociedade, a avaliação do património é efetuada nos termos do artigo 15.º do CIS.
A atuação da AT respeitou o assim determinado pelo que não ocorre qualquer vício do ato reclamado, nesta parte, improcedendo o alegado nos artigos 37 a 45 da p.i..
Para além disso, a AT considerou, e bem, as deduções impostas pelo n.º 4 do artigo 199.º-A do CPPT, designadamente a referente a “Passivos Contingentes”, expressamente prevista na sua alínea b), mas com a qual a Reclamante, ora Recorrida, discorda porque «(…) para efeitos da contabilidade da Reclamante, a dívida exequenda aqui em causa não foi reconhecida como passivo contingente e, assim, não é provável que esse dito exfluxo de recursos incorporando benefícios económicos seja exigido para liquidar a obrigação ou, pelo menos, que a quantia da obrigação em causa não possa ser mensurada com suficiente fiabilidade», sendo que os § 26 e 27 do NCRF 21 determinam que uma sociedade não deve reconhecer um passivo contingente.
Mas, também aqui, não pode ser reconhecida razão à Recorrida na medida em que as deduções determinadas pelo n.º 4 do artigo 199.º-A do CPPT são imperativas e não dependem de reconhecimento contabilístico. Improcede, pois, o alegado nos artigos 47 a 53 da p.i.
No que respeita ao pedido de dispensa de garantia, sustentou a Reclamante/Recorrida que ficou demonstrada a manifesta falta de meios económicos, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis, não lhe sendo exigível que efetuasse tentativas para obter garantias bancárias, assim se preenchendo o primeiro requisito da dispensa de prestação de garantia.
Depois e no que respeita ao segundo requisito - inexistência de indícios de que a inexistência ou insuficiência de bens se deveu à sua atuação - refere a Reclamante que a decisão em causa se limita a remeter para os alegados factos que foram descritos no relatório de inspeção tributária e que serviram para a ação de arresto, os quais foram pontualmente contestados quer nas impugnações judiciais apresentadas contra as subsequentes liquidações de IVA e IRC, quer no recurso da decisão judicial de arresto. Acrescenta que os indícios descritos pela AT vão no sentido de a Reclamante, alegada e principalmente, ter deduzido gastos suportados em faturas falsas ou sem suporte documental, mas não está demonstrado qualquer indício de dissipação ou ocultação de património, com o propósito de não vir a pagar a dívida – aliás, a sua alegada conduta até é no sentido de pagar menos impostos e, portanto, de ficar com mais dinheiro / património e não o dissipar ou ocultar; não é crível que os factos alegadamente, ocorridos em 2014, 2015 e 2016, tenham tido o propósito de frustrar a cobrança dos créditos em 2019.
Apelando à jurisprudência que dimana do acórdão deste TCAN, de 9.05.2019, proc. 3109/18.0BEPRT, defende que «[a] AT tinha de demonstrar que houve um depauperamento intencional, doloso da sua situação patrimonial com o propósito de diminuir a garantia e frustrar a cobrança do crédito tributário através, por exemplo, da análise da situação patrimonial da Reclamante ao longo dos anos e verificar se houve ou não uma dissipação ou ocultação do seu património.» e conclui que a AT não fez a prova legalmente exigida de que a insuficiência ou inexistência de meios económicos para garantir a dívida se deveu a atuação dolosa da Reclamante.
Vejamos, então, o que, sobre o pedido de dispensa de prestação de garantia na parte remanescente, foi considerado pela AT, ou seja, quais os fundamentos em que esta assentou a decisão de indeferir tal pedido.
Na Informação subjacente ao Despacho reclamado, foi vertido o seguinte:
«27. Para além da manifesta falta de meios económicos, não poderão existir fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu à atuação dolosa do executado;
28. Este conceito de responsabilidade assente na culpa do agente, seja fundada em dolo ou negligência censurável, leva-nos a afastar a culpa quando não existam fortes indícios de que o executado teve uma participação culposa na insuficiência patrimonial,
29. Será que não a houve, no presente caso? Haverá elementos objetivos, credíveis e consistentes que traduzam uma probabilidade elevada de que o executado pretendeu de forma deliberada dissipar ou diminuir o seu património? ;
30. Esses elementos foram, no nosso entender, perfeitamente escalonados e descritos no relatório de inspeção que deu origem às correções e, consequentemente, aos impostos agora em cobrança coerciva;
31 No procedimento inspetivo realizado foi recolhido um vasto acervo probatório que evidencia de forma forte, séria e segura, que a executada, através da sua gerente C., praticou um conjunto de operações em que omitiu por completo à AT rendimentos e operações tributáveis aos quais se somam condutas ilícitas com intuito de obtenção de fundos comunitários;
32. As suspeitas em relação ao comportamento da sociedade surgiram aquando da realização de procedimentos inspetivos junto de outras entidades, onde se detetaram fortes indícios de utilização de faturas falsas, nomeadamente, com o intuito de possibilitar a obtenção de financiamento comunitário;
33.

Conforme vem referido na informação da inspeção tributária, são vários os comportamentos praticados, tais como a sobrefaturação a clientes, a utilização de faturas que não encontram adesão à realidade e ainda utilização de faturas de empresas de fachada;
34. Obteve-se ainda a informação, que ficou a constar em auto de declarações, que a pessoa responsável pela elaboração deste esquema seria C.. sócia e gerente da 'G.';
35. Ora de acordo com os serviços inspetivos o entendimento é de que as faturas utilizadas para efeitos de consideração de custos e que não têm adesão à realidade serviriam apenas para compensar a sobrefaturação necessária para obtenção de financiamentos comunitários;
36. Refere ainda a inspeção tributária que este tipo de comportamento de sobrefaturação é recorrente no universo de empresas geridas por C.;
37. Outros comportamentos indiciam o registo de encargos, na contabilidade, sem qualquer suporte documental, nomeadamente na rubrica Outros gastos e perdas, registos estes que serviram apenas para equilibrar a insuficiência de registos, visto que estão lançados a débito por contrapartida da conta bancos, sendo que da análise aos extratos bancários se verifica não haver saída de qualquer montante correspondente;
38. Num caso em concreto, temos por exemplo a situação relativa à emissão de faturas por parte da empresa 'S. LIMITED' à 'G.':
a) As faturas em apreço, no montante total de 795.000,00 €, correspondem aos exercícios de 2015 e 2016.
b) A primeira dúvida prendeu-se desde logo com a data de registo das faturas na contabilidade, pois pela análise efetuada foi possível concluir que há uma grande diferença temporal entre a emissão e o registo: as faturas de 2015 foram todas registadas em 2016-03-16 e as faturas de 2016 foram todas registadas em 2017-02-22;
c) Este desfasamento de datas já permite indiciar tratarem-se de faturas falsas visto que os registos contabilísticos deveriam ter ocorrido na data de lançamento dos documentos contabilizados nos períodos respetivos;
d) Ao abrigo do previsto no Regulamento (EU) 904/2010 foi solicitada informação sobre a firma e as respetivas prestações de serviços;
Ora
e) Da solicitação foi obtida a informação de que a 'S. LIMITED' não era uma empresa registada no Reino Unido para efeitos de IVA;
e) Foi ainda confirmado que a sociedade foi dissolvida e que a sociedade teria ligações a Gibraltar, num endereço que serviria apenas para correspondência o qual era partilhado por mais 93 empresas;
f) Quanto aos pagamentos das alegadas prestações de serviço e da análise à contabilidade da executada, concluiu-se que os valores em questão teriam sido pagos através dos bancos C. e S.;
g) No entanto dessa mesma análise verifica-se que os pagamentos não correspondem aos valores aventados, havendo uma discrepância quer quanto aos valores quer quanto à data de pagamentos sendo que novamente vemos os pagamentos de cada ano registados no mesmo dia;
39. Existem ainda um conjunto de operações que relevam para que se alcance de forma mais completa a irregular conduta seguida na atuação da sociedade, a saber, o facto de existirem gastos suportados que não estariam relacionados com a obtenção de rendimentos da 'G.', pois são gastos destinados a uso próprio dos sócios ou do seu pessoal, em finalidades alheias à empresa, nomeadamente: encargos suportados com viaturas ligeiras de passageiros, encargos com bebidas e despesas de receção inclusive com pessoas estranhas à empresa, despesas relativas a imóveis e o seu equipamento, despesas em supermercados, gastos em vestuário, calçado, joias, etc.,
40. E ainda que as despesas não tenham sido contabilizadas, concluiu-se que terá sido a sociedade a pagar estas despesas;
41. Note-se igualmente que constam dos elementos do procedimento inspetivo declarações da gerente C. em que a mesma refere que as despesas referidas foram suportadas pela empresa por decisão da gerência;
42. Assim, desde já se verifica que não houve negação de que efetivamente as despesas não relacionadas com a atividade foram suportadas pela empresa e, estes gastos na esfera pessoal dos sócios, por opção confessada da gerência, teve o efeito de depauperar o património da sociedade num montante elevado;
43. Um último exemplo desta conduta, será o do prédio em (...), concelho de (...), adquirido pela 'G.' e no qual foram realizadas obras e outras beneficências de valor extremamente elevado, e que faz hoje parte do património da gerente;
44. Na ação inspetiva concluiu-se pelo total descrédito dos valores contabilizados, quer em sede de gastos, quer em sede de rendimentos, e, petas razões melhor descritas no referido relatório de inspeção, e devidamente notificadas à executada, além das correções técnicas, e na impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável, foi decidido a sua determinação com recurso a métodos indiretos, nos termos da al. b) do n. º 1 do art.º 87.º e al. a) do art.º 88º ambos da LGT, por remissão do art.º 57.º do Código do IRC;
45. Pela conjugação do art.º 6.º (princípio da verdade material), do art.º 7.º (princípio da proporcionalidade), ambos do RCPITA e da já al. i) do art.º 90.º da LGT, considerou-se que a desconsideração das faturas, reputadas como falsas, teriam reflexo direto na erosão dos ganhos considerados pela executada no apuramento do seu lucro tributável, nos períodos de 2014, 2015 e 2016. Dito de outra forma, desconsideram-se gastos no total de 722.222,35 e, 643.965,95 e 687.757 ,21 ,00 €, respetivamente nos anos de 2014, 2015 e 2015, e ganhos no mesmo montante, nos mesmos períodos.
Ora, aqui chegados, parece inegável que a atuação da sociedade e da sua gerência, se traduz num constante e sucessivo recurso a artifícios com intuito de defraudar o Estado a vários níveis, não só com o efeito de reduzir os montantes de impostos a entregar, como ainda de possibilitar a atribuição de subsídios comunitários sem cumprimento dos requisitos para tal, e a utilização de meios da sociedade para fins alheios ao do seu objeto social.
(…)».
Como se depreende desta fundamentação, de facto, a AT relevou, para apreciação do segundo requisito da dispensa de prestação de garantia, quer os indícios de faturação falsa e respetiva motivação, quer as despesas incorridas em benefício de terceiros à sociedade.
Ora, como bem se ponderou no acórdão desta Secção de 9/05/2019, proferido no processo 3109/18.0BEPRT:
«Na actual redacção, introduzida pela Lei n.º 42/2016, de 28/12, estabelece o artigo 52.º, n.º 4 da LGT que “a administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do interessado.”
Recordamos que na anterior redacção do preceito (decorrente da Lei n.º 62-B/2012, de 31/12), o texto deste n.º 4 era o seguinte:
«4 - A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado.»
Todavia, estando em apreciação decisão de indeferimento de pedido de dispensa de garantia formulado em 12/06/2018 [cfr. alínea f) do probatório], teremos em conta a redacção do artigo 52.º, n.º 4 introduzida pela Lei n.º 42/2016, de 28/12.
Deste preceito normativo resulta que a competência para conhecer do pedido de dispensa de prestação de garantia é da Administração Tributária. O tribunal não pode praticar actos que são da competência da Administração Tributária, como resulta do disposto no n.º 4 do artigo 52.º da LGT.
Não pode, por isso, o tribunal conhecer do pedido de dispensa de prestação da garantia, pelo que apenas lhe compete apreciar a legalidade da decisão, neste âmbito, proferida pela Administração Tributária. Compete-lhe apenas aferir da legalidade/ilegalidade das decisões proferidas pela administração, verificando da ofensa / não ofensa dos princípios jurídicos que condicionam toda a actividade administrativa, e, anular / não anular o acto reclamado, sem qualquer possibilidade legal de, em substituição da Administração Tributária, definir se a Recorrida fica ou não dispensada de prestar garantia – cfr. Acórdão do STA, de 15/10/2014, proferido no âmbito do processo n.º 0918/14.
A apreciação da legalidade do acto de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia só pode fazer-se tendo em conta os elementos de facto e de direito que condicionaram a respectiva prolação.
A mencionada norma estabelece, como na sentença recorrida se escreveu, que a par de dois requisitos de verificação alternativa — (i) o caso de a prestação de garantia causar prejuízo irreparável ou (ii) a verificação de manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, existe um outro critério, de verificação cumulativa com os anteriores, com vista ao deferimento do pedido de isenção de garantia - (iii) a inexistência de fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do interessado.
A controvérsia situa-se, apenas, no facto de o Recorrente entender que existem fortes indícios de que a eventual insuficiência patrimonial se deveu a actuação dolosa da reclamante, não sendo objecto do recurso a verificação ou não da manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, dado constar da decisão de indeferimento a sua verificação.
Na sequência do que já afirmámos, a aferição destes requisitos não pode alhear-se dos elementos de facto e de direito considerados no acto de indeferimento em apreço e, por isso, necessariamente, partiremos da fundamentação do acto para a nossa análise.
(…)
Assim, o tribunal recorrido considerou que a AT não apontou fortes indícios de que a insuficiência resultou de comportamento doloso da Recorrida, para justificar o indeferimento da dispensa de garantia.
O Recorrente diverge deste julgamento por entender que a actuação da Recorrida se verificou a título de dolo, com base nos factos descritos no Relatório de Inspecção Tributária referidos, e que a norma ínsita na última parte do artigo 52.º, n.º 4 da LGT se basta com meros indícios, ou seja, desde que estes sejam fortes, não é necessário que já estejam comprovados os factos vertidos no Relatório Inspectivo.
A Recorrida afirma que a AT, através da remissão para os factos alegadamente apurados em sede de inspecção tributária, não demonstrou que a sua conduta foi no sentido de, com intenção dolosa, diminuir a garantia e frustrar a cobrança do crédito tributário, pois não provou que a Recorrida ao realizar pagamentos para entidades residentes em territórios submetidos a um regime fiscal claramente mais favorável tenha realizado transferências para o exterior sob o seu controlo e, assim, que tenha dissipado e ocultado bens com aquele propósito.
Contudo, antes de analisarmos a situação em concreto, atentemos no conceito de indícios e também no conceito de responsabilidade baseada em actos dolosos.
A recolha dos (fortes) indícios não é equivalente à prova da existência dos factos indiciados, nem configura uma acusação criminal. Não é de factos provados, mas sim de indícios que fala a lei. E estes são os factos a partir dos “quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” – cfr. Alberto Xavier, “Conceito e Natureza do Acto Tributário”, pág. 154; também neste sentido, entre outros, o Acórdão do TCAN, de 26/04/2012, proferido no âmbito do processo n.º 00964/06.0 BEPRT.
Portanto, não é imperioso que a Administração Tributária efectue uma prova directa de que na origem da insuficiência patrimonial está um comportamento doloso da Recorrida, pois que, como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indirecta, o que significa que à AT basta evidenciar a consistência de determinados factos que indiciem, traduzindo uma probabilidade elevada, que a Recorrida teve em vista colocar-se numa situação de insuficiência de bens.
Ora, indícios são definidos por João de Castro Mendes como aqueles factos que “permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” - citado por José Luís Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, 2ª edição, pág. 311, sendo que nesta tarefa, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios.
No que concerne à responsabilidade da Recorrida pela insuficiência de bens, afigura-se-nos pertinente o enquadramento efectuado pelo Acórdão deste TCAN, de 18/10/2013, proferido no âmbito do processo n.º 00101/13.5BEVIS:
“(…) Aqui chegados, importa fazer, desde já, uma constatação: a de que estamos perante três interpretações totalmente diversas do requisito constante da parte final do n.º 4 do artigo 52.º da Lei Geral Tributária.
Temos, de um lado, a interpretação seguida pelo órgão de execução fiscal, segundo a qual a irresponsabilidade pela insuficiência ou inexistência de bens só ocorre quando decorra de causas a que é completamente alheio e que não possa controlar. Aponta-se aqui para um conceito de responsabilidade que prescinde da culpa do agente e se centra exclusivamente na natureza do facto que dá origem à situação de insuficiência de bens. A responsabilidade existe se essa insuficiência deriva de um facto voluntário (qualquer que seja o juízo de censura que se deva assacar ao agente) e não existe se essa insuficiência deriva de facto involuntário (como tal entendido o facto fortuito, aquele que não pode ser controlado ou dominado pela vontade do agente).
Temos, no outro extremo, a interpretação seguida pela Recorrente, segundo a qual a irresponsabilidade pela insuficiência ou inexistência de bens ocorre quando demonstre que a diminuição de bens não resultou de uma atuação que visasse a diminuição das garantias dos seus credores (cfr. conclusão “HH”). Aponta-se aqui para um conceito de responsabilidade assente no dolo específico do agente, segundo a qual a responsabilidade só existe se essa insuficiência deriva de factos praticados com o intuito de obstar à prestação da própria garantia.
Temos finalmente, a meio termo entre as duas, a interpretação que julgamos ter sido seguida na parte final da douta sentença recorrida, segundo a qual a irresponsabilidade pela insuficiência ou inexistência de bens ocorre quando se demonstre que o requerente da dispensa da prestação da garantia «não teve uma participação culposa na insuficiência patrimonial em que se encontra» (primeiro parágrafo da pág. 34 da douta sentença). Aponta-se aqui para um conceito de responsabilidade assente na culpa do agente, seja ela fundada no dolo, ou na negligência censurável (omitindo a diligência que lhe era exigível na salvaguarda dos interesses do credor).
A posição seguida pela administração tributária aponta para um conceito de responsabilidade que não tem tradução no nosso ordenamento jurídico tributário nem no ordenamento jurídico civil. Ninguém é responsável perante outrem ou deixa de o ser apenas porque o facto que determinou a situação que a lei pretendeu evitar decorreu de ação voluntária ou involuntária do sujeito. E as situações em que a responsabilidade existe independentemente da culpa têm natureza excecional, como decorre do n.º 2 do artigo 483.º do Código Civil, a que aqui recorremos para o correto enquadramento do termo «responsabilidade», na falta de conceito privativo do direito tributário que aqui sirva e atento o disposto no artigo 11.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária.
A indisponibilidade do crédito tributário a que alude o artigo 30.º, n.º 2, da mesma Lei e a proibição de moratórias no pagamento das obrigações tributárias, consagrada no n.º 3 do seu artigo 36.º, também não justificam, por si só, uma tal interpretação, seja porque ao dispensar a garantia não se está a dispensar o pagamento do crédito a garantir, seja porque a moratória é concedida nos casos expressamente previstos na lei, entre os quais se inclui, sem esforço, o previsto no artigo 170.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
A posição segundo a qual a responsabilidade pela insuficiência de bens não existe se se demonstrar que essa insuficiência não deriva de factos praticados com o intuito de obstar à prestação da própria garantia também não tem respaldo na letra da lei. E pondera-se que tornaria este requisito redundante, porque o instituto do abuso de direito chegaria para resolver a situação em desfavor do requerente. Mal se compreenderia, também, que este pudesse obstar ao andamento da execução apenas porque os atos de dissipação de bens não foram praticados com o intuito de defraudar o Estado e mesmo nas situações em que sabia que tal prejuízo iria ou poderia ocorrer. Porque os sujeitos tributários estão adstritos a deveres de boa prática que vão muito para além de comportamentos tipicamente fraudulentos, como decorre do artigo 32.º daquela Lei.
A questão que fica, por isso, é a de saber se à prova de que a insuficiência de bens, para este efeito, não basta a demonstração de que não existiu essa responsabilidade a título de dolo (seja ele específico, direto, necessário ou eventual) e é também necessário demonstrar que não existiu essa responsabilidade a título de negligência.
A esta questão respondemos que essa responsabilidade deve ser dolosa, no sentido de que tal responsabilidade existe quando ocorram situações de diminuição da garantia patrimonial provocadas pelo executado ou por este consentidas, bem sabendo que iriam diminuir as garantias dos credores e conformando-se com esse resultado. Vejamos porquê:
A dispensa de garantia resulta – a nosso ver – da necessidade de conferir igual tratamento a quem tem bens e quem os não tem, assegurando que tem acesso à suspensão da execução, nas mesmas circunstâncias, não apenas o devedor que possa prestar a garantia, mas também o que não possua meios económicos para o fazer. Prevalece o interesse do executado na conservação da sua situação patrimonial (na pendência do processo em que seja discutida a legalidade da dívida tributária) sobre o interesse do credor na medida em que seja necessário a assegurar essa igualdade de tratamento.
E é seguro que não se justifica a preocupação em conferir tratamento igual ao devedor que tem bens e ao que não os tem, quando tenha sido este a dar origem a tal desigualdade, gerando para si mesmo uma situação económica que o coloca em situação de tal necessidade, bem sabendo que iria enfrentar essa necessidade ou até mesmo por causa dela, com o objetivo de frustrar os interesses do credor.
Mas já não se nos afigura proporcionado que se onere da mesma forma quem, por desconhecimento, impreparação ou inabilidade se deixa cair em igual situação de necessidade, a menos que sobre ele recaia um especial dever de cuidado na gestão desse património.
Esse dever existe no caso dos gestores, ou administradores de sociedades. Que, nos termos do disposto no artigo 64.º do Código das Sociedades Comerciais, devem observar deveres de cuidado, conduzindo a sociedade com a diligência de um gestor criterioso e ordenado. A assunção das tarefas correspondentes implica disponibilidade, competência técnica e o conhecimento da actividade da sociedade adequados às suas funções. Pelo que não será, em princípio, de excluir a culpa do agente se agiu com impreparação ou desinteresse, ou tomou decisões ruinosas, se for possível, com razoável segurança, concluir que tal comportamento nunca seria possível num gestor criterioso e ordenado. Porque não deve assumir funções de tamanha responsabilidade quem não está tecnicamente preparado para apreender o alcance das decisões que será chamado a tomar ou quem não está realmente interessado no destino da sociedade.
Mas não existe para a generalidade das pessoas, sobre quem não recaem idênticos deveres. Sejam eles legais, estatutários ou contratuais.
Pelo que a única questão que fica é a de saber se o requisito da parte final do n.º 4 do artigo 52.º deve ser mais exigente quando o requerente da dispensa da prestação da garantia esteja especialmente adstrito a estes deveres.
Mas também aqui a resposta terá que ser negativa. Porque não existe nada na lei que sustente esse tratamento diferenciado dos executados. Não há nada que nos permita concluir que tenha sido intenção do legislador subordinar a concessão de garantia de determinadas pessoas a um regime mais exigente. E também não é possível recorrer a outras normas da Lei Geral Tributária que disponham sobre tal responsabilidade (para integrar esse tratamento diferenciado), porque estamos perante normas que afetam as garantias processuais graciosas e contenciosas dos contribuintes e, nessa medida, subordinadas ao princípio da reserva de lei, não sendo sobre elas admitida a integração analógica – artigo 11.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária.
De todo o exposto decorre que a prova – para os efeitos da parte final do n.º 4 do artigo 52.º da Lei Geral Tributária – de que a insuficiência de bens não é da responsabilidade da sociedade executada (ou de quem a geriu) se basta com a demonstração de que essa insuficiência de bens não foi provocada pelo executado ou por ele consentida de forma dolosa, não sendo também necessária a demonstração de que essa insuficiência de bens não resultou da gestão negligente da sua atividade. (…)”
(…)
In casu, a Fazenda Pública afirma ter reunido indícios de simulação de valor, tendo a Recorrida o intuito de empolar os gastos no exercício de 2011, gerando a consequência de obtenção de um lucro tributável inferior ao real. Quando muito, tais factos índice espelham a intenção, o objectivo, de pagar menos imposto sobre o rendimento no exercício de 2011.
Na verdade, a AT, em sede de inspecção tributária, tentou demonstrar factos no sentido de que a Recorrida, alegadamente, deduziu gastos fiscais que não poderia deduzir (artigo 23.º do Código do IRC) e que realizou pagamentos a entidades residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal mais favorável, sujeitos a tributação autónoma (artigo 88.º, n.º 8 da LGT). Contudo, a AT não demonstrou que a Recorrida, com esses pagamentos, estava alegadamente a transferir para o exterior fundos com o propósito de não vir a pagar o imposto resultante da sua conduta. Estes pagamentos são um mecanismo preferencial para o sujeito passivo pagar menos imposto e não para diminuir a sua situação financeira ou capacidade patrimonial. Aliás, num silogismo lógico, se pagou menos imposto, ficará com mais património.
Efectivamente, não é minimamente crível que os factos alegadamente verificados em 2011, que a AT tenta imputar à Recorrida, tenham tido o propósito de vir frustrar a cobrança do crédito tributário em 2018. Portanto, a importância de os factos terem ocorrido “num período temporal distinto”, como se refere na sentença recorrida, não se prende com a impossibilidade de valorar ocorrências que não sejam contemporâneas do pedido de dispensa de prestação de garantia, mas antes na dificuldade acrescida que se verifica em estabelecer um nexo de causalidade entre ocorrências em 2011 e um momento coevo. São irrefutáveis as dificuldades no estabelecimento de ligações intencionais com dilações de mais de sete anos.
Deste modo, podemos concluir que a AT, através da remissão para os factos alegadamente apurados em sede de inspecção tributária, não demonstrou que a conduta da Recorrida foi no sentido de, com intenção dolosa, diminuir a garantia e frustrar a cobrança do crédito tributário, pois não demonstrou, ainda que através de factos indiciários, que a Recorrida ao realizar os pagamentos para entidades residentes em territórios submetidos a um regime fiscal claramente mais favorável tenha realizado transferências para o exterior sob o seu controlo e, assim, que tenha dissipado e ocultado bens com aquele propósito. Além do mais, apesar da discussão da legalidade da actuação da AT que ainda está pendente, se demonstrar a razão da AT quando efectuou correcções ao exercício de 2011 e tributou autonomamente, então, parece que o problema se coloca a montante (ao nível dos pressupostos alternativos), ou seja, a falta de bens económicos para prestar a garantia em 2018 será real e efectiva?
De todo o modo, exigir-se-ia, no mínimo, a prova de que a Recorrida e os seus responsáveis representaram, como possível, conformando-se com tal configuração, que, na sequência da alegada simulação de preço e das eventuais transferências de capital para “paraísos fiscais”, a Autoridade Tributária procederia a uma inspecção e efectuaria correcções à matéria tributável e tributações autónomas de uma dimensão tal que, face aos activos remanescentes da Recorrida, se verificaria a impossibilidade de proceder ao pagamento da dívida exequenda e acrescidos.
Ou seja, teriam que existir indícios de que, quando foram realizados os negócios, com as inerentes despesas, a Recorrida tivesse representado, como possível, conformando-se com tal, que a Autoridade Tributária, no âmbito de uma inspecção concluída, em 27/03/2018, data da elaboração do relatório inspectivo, efectuaria correcções em sede de IRC, bem como apuraria imposto resultante de tributação autónoma, de uma dimensão tal que, face aos activos remanescentes da Recorrida, se verificaria a impossibilidade de proceder ao pagamento da dívida exequenda e acrescidos. (…).
Ora, não só não existe qualquer indício de manifestação do elemento volitivo nesse sentido, que a distância do ano de 2011 claramente dificulta, como, cfr. alínea B) da decisão da matéria de facto, a Recorrida contestou judicialmente as correcções e liquidações efectuadas pela Autoridade Tributária, com fundamento na falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade, conforme teor da petição de oposição constante dos autos; acrescendo que a Recorrida havia deduzido reclamação graciosa da liquidação adicional de IRC de 2011 e, entretanto, já consta dos autos também a respectiva impugnação judicial, na medida em que entende que tais correcções, que estão na origem da dívida em cobrança coerciva nos autos, são ilegais.
(…)».
Similarmente à situação relatada neste aresto, também no caso vertente a AT pretende aproveitar os indícios apurados relativamente aos exercícios de 2014, 2015 e 2016, temporalmente já muito distantes e que não evidenciam o intuito coevo de diminuir o património social, nem consubstanciam «indícios de que, quando foram realizados os negócios, com as inerentes despesas, a Recorrida tivesse representado, como possível, conformando-se com tal, que a Autoridade Tributária, (…), efectuaria correcções (…) de uma dimensão tal que, face aos activos remanescentes da Recorrida, se verificaria a impossibilidade de proceder ao pagamento da dívida exequenda e acrescidos».
Pelo exposto, a reclamação deverá proceder parcialmente, com a consequente anulação parcial do ato reclamado, quanto ao indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia na parte remanescente, uma vez que a fundamentação constante do mesmo não espelha o requisito cumulativo previsto na última parte do artigo 52.º, n.º 4 da LGT.

3.2.3. Preceitua o artigo 6.º, n.º 7 do RCP que nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.
A dispensa do remanescente da taxa de justiça prevista neste preceito legal depende, portanto, da verificação de dois requisitos cumulativos: a simplicidade da questão tratada e a conduta das partes facilitadora e simplificadora do trabalho desenvolvido pelo tribunal.
No caso, entendemos que se justifica a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida pelo recurso à luz do disposto no n.º 7 do artigo 6.º do RCP, uma vez que as questões a decidir no recurso não se afiguraram particularmente complexas, a conduta processual das partes não é merecedora de qualquer censura ou reparo e o concreto valor das custas a suportar pela parte vencida se afiguraria (não havendo dispensa do pagamento do remanescente) algo desproporcionado relativamente ao concreto serviço público prestado.

4. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, conhecendo em substituição, julgar a reclamação parcialmente procedente, mantendo o Despacho reclamado quanto ao indeferimento dos pedidos de suspensão das execuções fiscais e de prestação de garantia através da penhora do estabelecimento comercial da Recorrida, anulando o mesmo na parte em que indeferiu a dispensa de prestação de garantia na parte remanescente.

Custas a cargo da Recorrida, nesta instância, dispensando-se ambas as partes do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Em 1.ª instância, as custas ficam a cargo de ambas as partes, na proporção de 50% para cada uma.

Porto, 18 de junho de 2020

Maria do Rosário Pais
António Patkoczy
Ana Patrocínio