Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00130/09.3BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/14/2021
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:IVA; FACTURAS, ÓNUS DA PROVA DA AT
Sumário:I - No caso de facturas falsas, compete à AT fazer a prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação correctiva e, só caso o faça, passa a recair sobre o contribuinte o ónus da prova da existência e dimensão dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito à dedução do imposto.

II - Impõe-se, portanto, à Administração Tributária abalar a presunção de veracidade da declaração do imposto e dos respectivos documentos de suporte, atento o princípio da declaração vigente no nosso direito (artigo 75.º da LGT), só depois passando a competir ao contribuinte o ónus de provar a veracidade do declarado, o que quer dizer que se a Administração Tributária não fizer prova do bem fundado da formação do seu juízo, a questão relativa à legalidade do seu agir terá de ser resolvida contra ela, sem necessidade de ir analisar se a Impugnante logrou ou não provar, em tribunal, a veracidade da declaração.

III - Para que a Administração Tributária, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 19.º do CIVA, obste à dedução do IVA mencionado em facturas existentes na escrita do contribuinte e relativamente às quais considera não se terem efectivamente realizado as operações nelas consubstanciadas, não tem de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros – cfr. artigo 240.º do Código Civil) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:V., LDA
Recorrido 1:Fazenda Pública
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer de que o recorrente deva apresentar novas conclusões.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*
1. RELATÓRIO

1.1. V., Ld.ª, com a identificação constante dos autos, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal administrativo e Fiscal de Aveiro, que julgou improcedente a impugnação deduzida contra as liquidações de adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e Juros compensatórios dos anos de 2004 e 2005, interpôs o presente recurso jurisdicional, formulando as seguintes conclusões:

«A- Na sua decisão, conclui a Exma. Juíz “a quo” estar demonstrada enunciação de indícios fortes e consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada, de que as operações referidas nas facturas cujo IVA foi deduzido são simuladas e que, por isso, são insusceptíveis de suportar a dedução, de harmonia com o disposto nos arts. 19º e 35º do CIVA.
Entendendo não padecerem de qualquer tipo de censura, as liquidações, então, impugnadas.
B- Sustenta para o efeito que, as conclusões extraídas pela Inspecção Tributária não são só indícios bastantes para afirmar a falsidade das facturas emitidas por M., Lda. após Junho e Setembro de 2004, de acordo com a dissolução e liquidação da sociedade e cessação para efeitos tributários, mas a sua impossibilidade de imputação àquela.
C- Ou seja, mesmo que não ocorressem indícios sérios da inexistência de transacções efectuadas entre os dois agentes, nunca tais negócios poderiam ter sido feitos entre a Impugnante e a emitente das facturas pela inexistência jurídica da sociedade à data da emissão das mesmas.
Ora a factualidade descrita pela AT e documentalmente comprovada no relatório de inspecção e nos presentes Autos, relativa ao desaparecimento da sociedade emitente traduz claramente que as facturas não traduzem a realidade que pretendiam titular.
D- E a prova testemunhal produzida seria sempre insuficiente para afastar as conclusões da AT. Sendo certo que a única prova efectuada permite comprovar a existência de actividade comercial entre a Impugnante e a pessoa singular, o que nunca foi questionado pela Administração Tributária, mas os negócios que terá efectuado e permitiram a aquisição de matéria-prima, nunca poderiam ser associados à identificada emitente das facturas.
E- Ora, a verdade, é que não houve qualquer simulação mas reais e verdadeiras transacções de mercadoria com o pagamento do respectivo preço, sendo certo que tais facturas continham os elementos previstos no artigo 36.º do CIVA considerando-se, portanto, passadas em forma legal como estatui o n.º 6 do dito artigo 19.º para efeitos do exercício do direito à dedução.
Com efeito,
F- São, efectivamente, as facturas questionadas, verdadeiros e formais documentos que espelham, igualmente verdadeiras, operações comerciais ... com entrega dos bens e pagamento do preço respectivo.
Isto independentemente do cumprimento das obrigações e regularidade registral ou tributária da entidade emitente.
Na verdade
G- A decisão formula uma errada aplicação das regras do ónus da prova, porquanto era à AT a quem cabia desde logo e antes de tudo, demonstrar que a fatura dizia respeito a uma operação simulada, como decorre do art.19º do CIVA e da presunção da veracidade das declarações dos contribuintes (cfr. Art.75º da LGT).
H- A simulação é a divergência entre a vontade real e a vontade declarada dos sujeitos do negócio jurídico, por acordo entre o declarante e o declaratário e com o intuito de enganar terceiros – artigo 240.º do Código Civil. Para que haja simulação é, pois, necessário que exista um acordo entre os sujeitos os sujeitos reais da operação e o interposto (interposição fictícia).
I- A declaração que a Lei exige para poder exercido o direito á dedução de IVA, presume-se verdadeira nos termos do artigo 75.º da Lei Geral Tributária, quando seja apresentada nos termos regularmente previstos e os dados dela constantes se encontram inscritos na sua contabilidade ou escrita, por sua vez organizadas de acordo com a legislação comercial ou fiscal. E quando alguém tem a seu favor uma presunção legal não tem que provar o facto a que ela conduz – artº 350.º, n.º 1, do Código Civil.
J- Pelo que, quando o direito à dedução tenha por base declaração do sujeito passivo apresentada nos termos da lei, a Administração Tributária que pretenda infirmar a ocorrência do facto em que se suporta essa dedução invocando a simulação de sujeitos, não tem que demonstrar que o acordo simulatório existiu (o que seria muito difícil demonstrar, na generalidade dos casos), mas tem que reunir indicadores objetivos de que tal acordo deveria ter existido.
L- No caso concreto é notório que a Administração Tributária não recolheu indícios que legitimam a sua actuação no sentido de não aceitar a dedução do IVA mencionado nas facturas em causa nos autos, ou seja, não cumpriu com o ónus que sobre si impendia no sentido de fundamentar a liquidações impugnadas, as quais estão, assim, feridas de ilegalidade, impondo-se assim determinar a anulação das liquidações impugnadas.
Ressalta, assim, nos termos alegados, a ilegalidade do acto tributário praticado, devendo ser anulado, por procedência do presente recurso.»

1.2. A Recorrida (Fazenda Pública), notificada da apresentação do presente recurso, não apresentou contra-alegações.

1.3. Neste tribunal o Digno magistrado do Ministério Público emitiu o parecer constante de fls. 430 e 431.

1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cfr. art. 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.

Questões a decidir:

As questões sob recurso e que importam decidir, suscitadas e delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, são as seguintes:

Ø Saber se o tribunal recorrido errou no julgamento ao concluir que AT enunciou indícios fortes e consistentes de que a factura dizia respeito a uma operação simulada.

Ø Saber se a sentença recorrida errou no julgamento ao considerar que Administração Tributária cumpriu com o ónus da prova, pois era sobre ela que impendia a demonstração de que a factura dizia respeito a uma operação simulada – art.°s 19º do CIVA e 75º da LGT.

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto
2.2. Matéria de facto dada como provada e não provada na 1ª instância e respectiva fundamentação:

«Com relevância para a decisão da causa, considero provados os seguintes factos, com base nos documentos juntos aos autos e constantes do processo administrativo (PA), que se dão para todos os efeitos por integralmente reproduzidos, e no depoimento da testemunha inquirida:
A) Pelas Ordens de Serviço nºs OI200801747 e OI200801748200700503 de 25/08/2008 foi determinada a realização de uma inspecção à aqui Impugnante V., Lda., de âmbito parcial em sede de IVA e abrangendo os exercícios de 2004 e 2005 na sequência de procedimento inspectivo à sociedade M., Lda. em que foi constatada a existência de facturas emitidas em data posterior à dissolução e liquidação daquela (fls. 8 e 50 a 51 do PA);
B) A Impugnante iniciou actividade em 11/05/1998 encontrando-se enquadrada em sede de IRC no regime geral de tributação e em sede de IVA no ano de 2004 no regime trimestral passando para o regime mensal em 01/01/2005 (fls. 9 do PA);
C) A Administração Fiscal liquidou o IVA relativo aos exercícios de 2004 e 2005, não aceitando a dedução de imposto relativo a duas facturas emitidas por M., Lda., em 17/12/2004 e 23/03/2005 nos montantes de € 4 725,00 e € 3 798,10 respectivamente (fls. 4 e 6 a 7 do PA);
D) fundamentando a não-aceitação de dedução de IVA das aludidas facturas, no facto da emitente das mesmas se encontra dissolvida e liquidada por escritura pública desde 21/06/2004 e cessada para efeitos de IRC e IVA desde 16/09/2004 (fls. 9 e 10 e Anexos 4 e 5 ao relatório de Inspecção a fls. 33 a 37 do PA);
E) De acordo com a seguinte fundamentação:
“III DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA COLECTÁVEL
III.1 EM SEDE de IVA
III.1.1. Facturas emitidas por M. Lda.
No exercício de 2004 e 2005, a sociedade V., contabilizou duas facturas do fornecedor M. Lda., conforme discriminamos de seguida: (Anexo 1)
Factura Data Fornecedor NIF Valor Líquido IVA Total
68 17-12-2004 M. Lda. 506.223.736 22.500,00€ 4.275,00€ 26.775,00 €
77 23-03-2005 M. Lda. 506.223.736 19.990,00€ 3.798,10€ 23.788,10€
O SP procedeu à dedução do IVA suportado pelas aquisições acima referidas, nos termos da al. a) do n.º 1 do art.º 19º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), conforme extractos da Conta do Plano Oficial de Contabilidade #2432 e #2435. (Anexo 2)
Aquando do preenchimento das Declarações Periódicas do IVA, a que se refere o art.º 40º do CIVA, o sujeito passivo fez incluir no campo 22 da respectiva declaração, os valores do IVA suportado pelas aquisições acima referidas. (Anexo 3)
III.1.2. Situação de Facto
No dia 21 de Junho de 2004, por escritura pública, o sócio único, senhor M., dissolveu e liquidou a M. Lda., por, segundo aquele, a sociedade ter deixado de exercer a sua actividade. (Anexo 4)
Neste acto, o Sr. M. declara:
- ser o único sócio da sociedade;
- que a sociedade deixou de exercer a actividade;
- que tendo resolvido dissolver a sociedade, pela presente escritura, a dissolve e liquida para todos os efeitos legais, não havendo lugar à partilha por ter declarado não haver qualquer activo ou passivo;
- que as contas foram aprovadas e encerradas nesta data.
Em 15 de Setembro de 2004, procedeu à cessação da actividade, para efeitos de IVA e de IRC.
Tal acto foi registado na Conservatória do Registo Comercial de (...) pela apresentação n.º 16, do dia 16 de Setembro de 2004, tendo, assim a sociedade cessado a sua existência enquanto pessoa colectiva. (Anexo 5)
III.1.3. Situação de Direito
A factura emitida em nome da sociedade M. Lda., para a sociedade V., tem data posterior à sua dissolução e liquidação.
Os procedimentos efectuados pelo sócio e gerente da empresa perante as entidades públicas acima referenciadas (Notário e Conservador do Registo Comercial) comprovam que este pretendia a extinção jurídica da sociedade.
Nos termos do disposto no oficio-circulado nº 020063, de 2002.03.05, emitido pela Direcção de • Serviços do IRC, a cessação de actividade para efeitos de IRC deverá reportar-se à data do registo do encerramento da liquidação, por ser esse o momento em que se considera extinta a sociedade.
Por sua vez, o n.º 2 do artigo 160.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), refere:
A sociedade considera-se extinta, mesmo entre os sócios e sem prejuízo do disposto nos artigos 162.º a 164.º pelo registo do encerramento da liquidação.”
Face a essas diligências, entende a Lei que a empresa se encontra extinta, não podendo realizar operações activas ou passivas.
Ora, se a sociedade, à data da emissão das facturas, se encontra extinta, não tem personalidade jurídica susceptível de lhe conferir obrigações perante o Estado, pelo que quaisquer contratos celebrados entre o gerente e outras entidades, após a extinção da empresa, não poderão ser consideradas na esfera desta.
O n.º 1 do art.º 19º do CIVA refere que:
Para efeitos do apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzirão, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram:
a) O imposto devido ou pago pela aquisição de bens ou serviços a outros sujeitos passivo
Ora, no caso em apreço, estamos na presença de uma sociedade extinta, logo não estamos na presença de um sujeito passivo, tal como é definido no art.º 2º do CIVA. Deste modo, o IVA mencionado na factura timbrada em nome de M. Lda., suportado pela V., não confere direito à dedução, considerando-se, portanto, que tais deduções são indevidas.
Também o n.º 3 do mesmo art.º 19º refere que:
Não poderá deduzir-se imposto que resulte de operação simulada (...)
No caso em apreço, o sócio e gerente da empresa extinta declarou perante o Notário não haver lugar à partilha por não haver qualquer activo ou passivo. Havendo-os eles teriam de ser partilhados pelo sócio, de modo a poder ser efectuada a liquidação da empresa, o que significaria que os elementos activos, por exemplo, as existências teriam de ser afectas ao único sócio. Uma vez extinta a sociedade, a mesma não pode juridicamente, efectuar novas aquisições de bens. Em 15 de Setembro de 2004 procedeu à cessação da actividade para efeitos de IVA e IRC, logo, à data da emissão da factura já não existia para efeitos de jurídicos e fiscais, não tendo bens para alienar à sociedade V., pelo que não poderá ter sido a sociedade M. Lda. a vender as matérias-primas à V..
Assim, houve simulação da operação no que diz respeito à identidade do fornecedor dos bens.
Portanto, também pelo referido no n.º 3 do art.º 19º do CIVA concluímos pela ilegalidade da dedução de IVA, cujo documento de suporte é a factura timbrada em nome da empresa M. Silva Rocha” (fls. 9 a 11 do PA);
F. Notificada a Impugnante em 21/10/2008 do Projecto de Correcções do relatório de Inspecção para o exercício do direito de Audição Prévia, a mesma não exerceu tal direito (fls. 12 e 47 a 47 do PA);
G) Por despacho de 05/11/2008 foi ordenada a correcção das liquidações (fls. 4 do PA);
H) Por ofício datado de 07/11/2008 remetido por via postal com aviso de recepção assinado em 08/11/2011 foi a Impugnante notificada do teor do Relatório Final de Inspecção determinante das correcções aritméticas que suportariam as liquidações Impugnadas, com menção expressa de que de tal notificação não caberia reclamação ou impugnação (fls. 1 a 3 do PA);
I) As liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios foram emitidas em 13/12/2008, com data limite de pagamento em 28/02/2009 pelos montantes de € 4 275,00 (IVA 0412T), € 636,68 (IVA JC 0412T), € 3 798,10 (IVA0503) e € 530,69 (ICA JC 0503), tudo no montante global de € 9240,47 (fls. 94 a 97 dos Autos);
J) E enviadas à Impugnante por correio registado em 17/12/2008 (fls. 90 a 93 do PA);
K) A Impugnante apresentou em 20/05/2009 a presente Impugnação judicial (Registo SITAF nºs 003741510 e 003741511);
L) Nos anos de 2004 e 2005 C. trabalhou para a empresa de transportes C., Lda., tendo efectuado transportes de matérias-primas do pavilhão de M. sito à Feira dos Dez em (...) para a aqui Impugnante V. (depoimento da testemunha).
M) Não podendo precisar que tenha efectuado os transportes de matérias-primas titulados pelas facturas identificadas em C) (depoimento da testemunha).
Nada mais se provando com relevância para a decisão a proferir, designadamente que as transacções tituladas pelas facturas emitidas por M., Lda., tenham efectivamente ocorrido.
Fundando-se a convicção do tribunal nos documentos constantes do processo administrativo, bem como no depoimento da testemunha inquirida.
Realçando-se no depoimento da mesma que sem prejuízo de ocorrerem transacções entre o operador M. e a aqui impugnante o mesmo nada esclareceu relativamente a qual das sociedades por aquele gerida nem que tenha efectuado os transportes das matérias-primas correspondentes às facturas desconsideradas.»

2.2. De direito

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro julgou improcedente a impugnação judicial apresentada pela recorrente relativamente às liquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) dos exercícios de 2004 e 2005, correspondente a imposto deduzido indevidamente nos termos do n.º 3 do artigo 19.º do Código do IVA – imposto deduzido com base em facturas a que não correspondem operações reais.

A administração tributária (AT) concluiu que o imposto mencionado nas facturas emitidas por M., Ld.ª foi indevidamente deduzido pela impugnante nos termos do n.º 3 do artigo 19º do Código do IVA, por a elas não corresponderem transacções reais, o que deu origem às liquidações impugnadas.

A recorrente em sede de petição alegou a caducidade da liquidação de IVA de 2004 e a inexistência de qualquer simulação, assente na ocorrência de verdadeiras e reais transacções entre a impugnante e a entidade das facturas M., Ld.ª com o pagamento do respectivo preço conforme cópia dos cheques que junta, sendo alheia ao cumprimento das obrigações e regularidade registral ou tributária da entidade emitente.

A sentença sob recurso conheceu da invocada caducidade do direito à liquidação do ano de 2004, da falta de fundamentação e da desconsideração do IVA liquidado nas facturas, decidindo pela improcedência de todos com a fundamentação constante da mesma.

O presente recurso circunscreve-se exclusivamente a desconsideração do IVA liquidado nas facturas, mais concretamente na afirmação de que Administração Tributária (AT) fez a prova que lhe competia na demonstração da falsidade das facturas desconsideradas para efeitos de dedutibilidade do IVA nelas mencionado.

Vejamos,
Do Direito à dedução do IVA

O direito à dedução faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado, exercendo-se imediatamente em relação à totalidade do IVA que incidiu sobre as operações a montante [Vide, entre outros, Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), de 22 de Dezembro de 2010, Dankowski, C-438/09, n.ºs 22 e 23].

Nesta acepção do princípio da neutralidade, o regime instituído pela Directiva Imposto sobre o Valor Acrescentado (DIVA) permite aos sujeitos passivos deduzir o IVA que tenha onerado as aquisições de bens e serviços destinados à atividade tributada. Cumpre ainda salientar que o TJUE se refere ao princípio da neutralidade do IVA ainda numa outra acepção, de acordo com a qual o sistema do IVA não deve interferir com as decisões económicas, nem com a formação dos preços ao longo do circuito económico.

Em suma, o mecanismo do direito à dedução permite ao sujeito passivo expurgar do seu encargo o IVA suportado a montante retirando o efeito cumulativo e a tributação em cascata que caracterizavam sistemas anteriores de tributação do consumo.

Assim, o direito à dedução assenta no designado método da dedução do imposto, método do crédito de imposto, método subtrativo indireto ou ainda método das faturas.

O Código do IVA, na esteira do previsto na DIVA, determina, como regra geral, a dedutibilidade do imposto devido ou pago pelo sujeito passivo nas aquisições de bens e serviços feitas a outros sujeitos passivos.

No que ora nos importa, cumpre uma chamada de atenção para a Jurisprudência emanada pelo TJUE, nomeadamente, entre outros, nos acórdãos de 21 de Fevereiro de 2006, Halifax C-255/02, n.ºs 68 e 71; de 27 de Outubro de 2011, Tanoarch, C-504/10, n.ºs 50; de 21 de Junho de 2012, Mahagében e Dávid, C-80/11 e C-142/11, n.º 41; e de 6 de Dezembro de 2012, Bonik, C-285/11, n.ºs 35 e 36, nos quais se vem reiterando que a luta contra a fraude, a evasão fiscal e os eventuais abusos constitui um objetivo reconhecido e incentivado pela DIVA, não podendo os sujeitos passivos, fraudulenta ou abusivamente, aproveitar-se das normas do direito da União.

Incumbe, pois, às autoridades nacionais e aos tribunais dos Estados membros recusar o direito à dedução, se se demonstrar, face a elementos objectivos, que esse direito é invocado fraudulenta ou abusivamente [Cfr. acórdãos de 6 de Junho de 2006 Kittel e Recolta Recycling, C-439/04 e 440/04 n.º 55, e acórdãos já referenciados Mahagében e Dávid, n.º 42; Bonik, n.º 37].

Em suma, pode recusar-se o direito à dedução que tenha sido exercido de forma fraudulenta ou quando o sujeito passivo sabia ou devia saber que participava numa fraude ao IVA (ainda que a operação em causa preencha os critérios objetivos em que se baseiam os conceitos de transmissões de bens efetuadas por um sujeito passivo agindo enquanto tal).

Neste particular, cumpre ter em atenção, a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) constante dos acórdãos de 12 de Janeiro de 2006, Optigen C-354/03, C-355/03 e C-484/03, n.ºs 52 e 55, e dos , já mencionados, Kittel e Recolta Recycling, n.ºs 45, 46 e 60, Mahagében e David, n.º 47, e Bonik, n.º 41, em que se afirma não ser compatível com o regime do direito à dedução, a recusa desse direito a um sujeito passivo que não sabia nem podia saber que a operação em causa fazia parte de uma fraude cometida pelo fornecedor ou que outra operação incluída na cadeia de fornecimento, anterior ou posterior à realizada pelo referido sujeito passivo, estava viciada por fraude ao IVA.


As disposições previstas no artigo 19.º n.ºs 3 e 4, do Código do IVA visam precisamente consagrar o impedimento do direito à dedução que resulte de operações fraudulentas. Imbuído do princípio de que só confere direito à dedução o IVA que tenha onerado aquisições de bens e serviços destinados ao exercício da atividade tributada realizada pelo sujeito passivo, por um lado, e consequentemente, por outro lado, não confere necessariamente direito à dedução imposto que não se reporte a efetivas transmissões de bens ou prestações de serviços, pelo que o n.º 3 do artigo 19.º do Código do IVA determina que “não poderá deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente”. Este preceito legal, em face da sua formulação, aplica-se quer em situações de simulação absoluta em que constituem paradigma, no âmbito do IVA, as designadas “facturas falsas”, quer em situações de simulação relativa (quando existe a vontade de dissimular um outro negócio), que pode ser subjetiva, quando o negócio dissimulado é realizado com um sujeito passivo diferente do emitente da factura (que não subjaz da situação dos autos).

Esta premissa de que o direito à dedução pressupõe que o IVA tenha onerado efetivas prestações de serviços ou transmissões de bens é amplamente reconhecida pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores ao afirmar-se que “O direito de dedução do IVA pago a montante apenas poderá existir, segundo a própria natureza das coisas, relativamente a imposto efectivamente suportado em operações económicas efectivamente acontecidas. De contrário, estaríamos perante um simples arquétipo intelectual ou virtual e não perante um tributo que visa atingir de forma geral o consumo real de bens e serviços nos diversos estádios do circuito económico. A inadmissibilidade da dedução do imposto relativo a operação simulada ou em que seja simulado o preço, afirmada positivamente no n.º 3 do art.º 19º do CIVA, corresponde, deste modo, a uma conclusão forçosa ou decorrente da própria natureza do imposto, cuja explicitação formal apenas se justifica por questões de clareza” [acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), proc. n.º 026635, de 17.04.2002 citado, bem como os recentes acórdãos do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA, vide entre outros de 16.03.2016, acórdão 587/15; de 16.11.2016, recurso 600/15; acórdão de 17 .02.2016, recurso n.º 591/15 e acórdão de 30.09.2020, recurso 518/17.6BALSB].

Do ónus da prova

Ora, in casu estamos perante uma situação em que a AT qualifica de simulação quanto aos intervenientes e de facturas falsas, recorrendo ao mecanismo previsto no n.º 3 do artigo 19.º do Código do IVA, sobre tal matéria pronunciou-se o acórdão de 11 de Abril de 2014, proferido no âmbito do processo 142/08.4BEBRG, deste Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), e com o qual concordando não se vê motivo para divergir, pelo que aqui se transcreve, nessa parte:

“Neste particular, é sabido que, como tem sido jurisprudência uniforme deste Tribunal Central Administrativo Norte, quando a administração tributária desconsidera as facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da Lei Geral Tributária, competindo à administração tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade.
Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção - cfr. entre outros, Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 24-01-2008, processo n.º 01834/04 Viseu, de 24-01-2008, processo n.º 2887/04 Viseu, de 27-01-2011, processo n.º 455/05.7BEPNF e de 18-03-2011, processo n.º 456/05BEPNF.
De notar que a administração tributária não precisa de demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência daquele juízo (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27-10-2004, processo n.º 810/04), invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade - artigo 75.º da Lei Geral Tributária.
Neste domínio, em princípio, se os indícios denunciam que com forte probabilidade os emitentes das facturas não tinham capacidade empresarial para vender a mercadoria mencionada nas facturas, tanto bastaria para se criar um juízo sério de que aquelas transacções não existiram, ou seja, que aqueles emitentes não venderam à recorrente aqueles materiais, logo, a recorrente não os comprou, traduzindo assim a factura uma simulação de transacção entre o emitente e o utilizador da factura.
E assim dir-se-ia que bastaria à administração tributária, para cumprir o seu ónus, carrear factos relativos aos emitentes das facturas indiciadores da sua incapacidade para transaccionarem as mercadorias. E ficaria desonerada de averiguar qualquer facto na esfera do utilizador das facturas indiciador da sua participação ou conhecimento ou dever de conhecer da falsificação. Poderia limitar-se, como aconteceu no caso dos autos, a constatar na contabilidade do sujeito passivo a existência de facturas daqueles emitentes para, sem mais, considerar indevidamente deduzido o IVA, passando a competir ao sujeito passivo o ónus de demonstrar a veracidade das transacções.
Em suma, a ser assim entendido, a administração tributária, conhecedora que determinado sujeito passivo se dedicava à emissão de facturas falsas, poderia sem mais, desconsiderar os custos de qualquer outro sujeito passivo inspeccionado que tivesse contabilizado facturas daquele emitente.
Assim sendo, os indicadores de facto de que o emitente da fatura não tem capacidade para prestar o serviço não bastam, por si só, para obstar à dedutibilidade do imposto mencionado nessa fatura, se não houver razões para pôr em causa a realização desse serviço por terceiro.
Pode, à partida, parecer estranho que o legislador se tenha abstraído da relação subjacente titulada na fatura que, para ser subjetivamente verdadeira, teria que existir entre aqueles dois sujeitos (o emitente da fatura e o utilizador da fatura). Mas há uma razão para tal: é que o legislador também abstrai da relação subjacente para exigir o imposto do emitente.
Com efeito, e nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea c), do mesmo código, o imposto também pode ser exigido ao emitente da fatura que ali o mencione indevidamente. Cada fatura onde seja mencionando imposto constitui um «cheque sobre o Tesouro» (cit. José Guilherme Xavier de Basto, in «A Tributação do Consumo e a sua Coordenação Internacional», Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 164, Centro de Estudos Fiscais 1991, pág. 140). E isto acontece precisamente porque o destinatário da fatura também não deixa, por esse facto, de ter o direito a utilizá-la, no exercício do seu direito à dedução.
Assim, não sendo a existência da relação subjacente entre aqueles dois sujeitos um requisito de dedutibilidade do imposto, esta só pode ser afastada por uma norma de exclusão.
O Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado contém várias normas que excluem especialmente o direito à dedução, mas só nos interessa analisar aqui uma delas: o n.º 3 do seu artigo 19.º. Porque foi com base nessa norma que a administração tributária procedeu às correções impugnadas.
E segundo esta norma, não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura ou documento equivalente.
No entanto, o Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado também não nos diz o que se deve entender por operação simulada para os efeitos desse Código, pelo que terá que ser interpretada com o sentido que o termo tem no direito civil - artigo 11.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária.
Ora, a simulação é a divergência entre a vontade real e a vontade declarada dos sujeitos do negócio jurídico, por acordo entre o declarante e o declaratário e com o intuito de enganar terceiros – artigo 240.º do Código Civil. Pode ser absoluta (quando não existe vontade de realizar negócio nenhum) ou relativa (quando existe a vontade de dissimular um outro negócio). E, neste último caso, pode ser subjetiva (quando o negócio dissimulado é realizado com outro sujeito) ou objetiva (quando o negócio dissimulado tem natureza ou conteúdo diverso, como sucede com a simulação de valor).
Analisemos mais detalhadamente a simulação subjetiva (que é a que para o caso releva). Para que haja simulação é necessário que exista um acordo entre os sujeitos os sujeitos reais da operação e o interposto (interposição fictícia). Se o acordo existe apenas entre o interposto e um dos sujeitos reais da operação, atuando aquele em nome próprio, mas no interesse e por conta desse sujeito (interposição real), não se nos apresenta uma simulação, mas antes um mandato sem representação (cfr. artigos 1180.º e seguintes do Código Civil – neste sentido, Carlos Alberto da Mota Pinto, in Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª edição atualizada, pág. 476).
A comissão mercantil, regulada nos artigos 266.º e seguintes do Código Comercial, é uma modalidade de mandato sem representação, com a particularidade de ter por objeto, não a prática de atos jurídicos, mas a prática de atos do comércio. Também neste caso existe uma interposição real e lícita de sujeitos (e que se contrapõe, por isso, a interposição fictícia ou simulada - Pires de Lima e Antunes Varela, in «Código Civil Anotado», volume II, pág. 747). Ou seja, o negócio é realmente celebrado entre o mandatário ou comissário e o destinatário dos serviços. Mas aquele fica com a obrigação de transferir para o mandante a titularidade dos direitos que tenha adquirido em execução do mandato.
Assinale-se que o Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado acolheu expressamente a figura jurídica da comissão mercantil, como decorre dos seus artigos 3.º, n.º 3, alínea c) (no caso de interposição na transferência de bens) e 4.º, n.º 4 (no caso da prestação de serviços). O que significa que, também para os efeitos deste imposto, a prestação de serviços por conta de outrem não é uma interposição fictícia ou simulada.
Assim sendo, a interposição de um sujeito entre o emitente da fatura e o seu utilizador só será uma operação simulada para efeitos do disposto no artigo 19.º, n.º 3, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado e, por conseguinte, só excluirá o direito à dedução se existir acordo entre eles com o intuito de enganar terceiros, nomeadamente o fisco.
Pelo que a existência de acordo entre o verdadeiro prestador do serviço e o seu utilizador, no sentido de simular a celebração do negócio entre um deles apenas e terceiro com o intuito de enganar terceiros (e o fisco em particular) é elemento essencial da simulação subjetiva.
Passemos a outra questão, que é a de saber se compete à administração tributária provar o acordo simulatório. É o problema da repartição do ónus probatório entre a administração tributária e o sujeito passivo na aferição da legalidade do exercício à dedução.
Sobre esta matéria, dispõe com interesse o artigo 74.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária que o ónus de prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Assim, e tomando como modelo o procedimento de liquidação da iniciativa da administração tributária, esta terá o ónus de demonstrar a ocorrência dos factos de que deriva o direito à liquidação (os factos-pressupostos da existência, qualificação e quantificação do facto tributário). E o sujeito passivo terá o ónus de demonstrar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito.
Todavia, o acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 2003-05-07 (Processo n.º 01026/02, disponível a redação integral in www.dgsi.pt, seguindo o entendimento do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2002-04-17, processo n.º 026635, também ali disponível), firmou jurisprudência no sentido de que recai sobre o contribuinte a prova da existência dos factos tributários que alegou como pressuposto do direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado.
A razão de ser deste entendimento é a seguinte: ao contrário do que sucede em regra, em que a administração tributária afirma a ocorrência do facto de que deriva o direito à tributação, neste caso é o sujeito passivo que afirma o facto tributário de que deriva o direito à dedução e a administração tributária que põe em causa a sua ocorrência.
Deve salientar-se, porém, que esta regra do ónus probatório só opera verdadeiramente depois de a administração tributária ter reunido e invocado indícios fundados de que o facto tributário não ocorreu (no caso, que não ocorreu entre os sujeitos mencionados na fatura. Ou seja (para utilizar as palavras do mesmo aresto), depois da administração tributária ter emitido «um juízo administrativo de adequação entre os factos e as valorações em que a administração diz, formalmente, suportar a sua decisão e o resultado desse juízo no sentido de se lhe afigurar ter sido declarado uma dedução superior à devida e com a prova perante o tribunal da pertinência desse juízo ou seja, com a prova, perante o tribunal, da existência dos elementos que tornam possível ter como adequada a consideração por si feita de que o contribuinte declarou uma dedução superior à permitida pela lei». (sublinhado nosso)
O que, de resto, resultava já do artigo 82.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (na redação então em vigor) segundo o qual a ratificação das declarações do sujeito passivo ocorreria quando a administração tributária fundadamente considerasse que nelas figurara um imposto superior ou uma dedução superior aos devidos.
E que nem poderia ser de outra forma, porque o exercício do direito à dedução tem por base a declaração a que então aludia o artigo 28.º, n.º 1, alínea c), do mesmo Código. Declaração essa que, nos termos do artigo 75.º da Lei Geral Tributária, se presume verdadeira quando seja apresentada nos termos previstos na lei e os dados dela constantes se encontram inscritos na sua contabilidade ou escrita, por sua vez organizadas de acordo com a legislação comercial ou fiscal. E quando alguém tem a seu favor uma presunção legal não tem que provar o facto a que ela conduz – artigo n.º 350.º, n.º 1, do Código Civil.
Pelo que, quando o direito à dedução tenha por base declaração do sujeito passivo apresentada nos termos da lei, a administração tributária que pretenda infirmar a ocorrência do facto em que se suporta essa dedução invocando a simulação de sujeitos, não tem que demonstrar que o acordo simulatório existiu (o que seria muito difícil demonstrar, na generalidade dos casos), mas tem que reunir indicadores objetivos de que tal acordo deveria ter existido. …”.
A partir daqui, e considerando a situação particular em apreciação nos autos, tem de entender-se que para haver simulação seria necessário que a administração fiscal tivesse reunido elementos que relacionassem a utilizadora das facturas com o esquema de fraude, ou seja, que tivesse reunido indícios de que a utilizadora das facturas participou ou que sabia ou devia saber que a emitente das facturas não era o verdadeiro fornecedor da mercadoria em apreço, na medida em que pode acontecer que a utilizadora de facturas falsas não saiba nem tenha possibilidades de saber da falsidade. (sublinhado nosso)
Com efeito, basta que um operador, obtendo as necessárias quantidades de mercadorias, munindo-se de um livro de facturas e abrindo uma conta bancária em nome do titular da factura, se desloque às instalações de um outro revendedor, ofereça as mercadorias, acorde um preço e desconte o cheque usado como meio de pagamento.
A aceitar-se que o ónus da Fazenda Pública se basta com a recolha de indícios de falsidade relativamente aos emitentes das facturas levaria a que os utilizadores das facturas falsas, que não sabem que são falsas, não pudessem deduzir custos que efectivamente suportaram, sem que tivessem participado em qualquer esquema fraudulento.
Dir-se-á que, sempre tais utilizadores inocentes poderiam fazer prova da veracidade das transacções - na aplicação do quadro probatório acima fixado: à administração tributária cabe o ónus de demonstrar indícios da falsidade; cumprido tal ónus passa a caber ao contribuinte o ónus da prova da veracidade das transacções.
Mas facilmente se percebe que tal prova, nestas circunstâncias, de fraude a montante, que desconhece, será impossível para o utilizador das facturas provar o que quer que seja para além do que resulta da sua contabilidade, e que, não se deve esquecer, goza de presunção de veracidade. Se houve fraude e o utilizador das facturas desconhece não pode provar que as mercadorias foram adquiridas aos emitentes das facturas, porque não foram; nem pode provar que os adquiriu a outrem, porque para este utilizador de facturas a mercadoria foi comprada ao emitente, desconhecendo o real vendedor.
O que pode fazer o utilizador das facturas nestas circunstâncias é tão-só esclarecer como é que as negociações se desenvolveram e com quem se desenvolveram. (sublinhado nosso)
(…)
Deste modo, havendo indícios de que a emitente das facturas não forneceu a mercadoria mencionada nas facturas, impunha-se que a administração fiscal indagasse da participação da ora Recorrida no esquema simulatório.
Ora, a administração tributária não diz que a recorrente sabia ou devia saber que estava a comprar a pessoa diferente da que figura na factura e o utilizador da factura não está obrigado a saber a situação empresarial ou fiscal do emitente da factura que lhe entrega a mercadoria.
Aceitar-se que um utilizador de facturas veja os custos desconsiderados sem que de alguma forma a administração tributária o ligue ao esquema fraudulento, seria violador do princípio da justiça. E poria em causa a confiança nas relações comerciais.
Este entendimento vai de encontro ao do Tribunal de Justiça que no Acórdão de 31 de Janeiro de 2013, processo C-642/11 - que tratava de uma questão de dedutibilidade de IVA, reportando-se aos casos em que as irregularidades se verificam na esfera dos emitentes, pronunciou-se assim:
«47 Assim, cabe às autoridades e aos tribunais nacionais recusar o direito a dedução, se se demonstrar, face a elementos objectivos, que esse direito é invocado fraudulenta ou abusivamente (v., neste sentido, acórdão de 6 de Julho de 2006, Kittel e Recolta Recycling, C-439/04 e C-440/04, Colet., p.I-6161; e acórdãos, já referidos, Mahagében e David, n.º 42, e Bonik, n.º 37).
48 Contudo, também segundo jurisprudência bem assente, não é compatível com o regime do direito a dedução prevista pela Diretiva 2006/112 sancionar, com a recusa desse direito, um sujeito passivo que não sabia nem podia saber que a operação em causa fazia parte de uma fraude cometida pelo fornecedor ou que outra operação incluída na cadeia de fornecimento, anterior ou posterior à realizada pelo referido sujeito passivo, estava viciada por fraude ao IVA (v., especialmente, acórdão de 12 de Janeiro de 2006, Optigen e o., C-354/03, C-355/03 e C-484/03, Colet., p. I-483, n.ºs 52 e 55; e acórdãos, já referidos, Kittel e Recolta Recycling, n.ºs 45, 46, e 60, Mahagében e Dávid, n.º 47, e Bonik, n.º 41).
49 Além disso, o Tribunal de Justiça declarou, nos n.ºs 61 a 65 do acórdão Mahagében e David, já referido, que a Administração Fiscal não pode exigir de maneira geral que o sujeito passivo que pretenda exercer o direito a dedução do IVA, por um lado, verifique que o emitente da fatura referente aos bens e aos serviços em função dos quais o exercício deste direito é pedido dispõe da qualidade de sujeito passivo, possui os bens em causa e está em condições de os entregar e cumpre as suas obrigações de declaração e de pagamento do IVA, a fim de se certificar de que não há irregularidades ou fraude ao nível dos operadores a montante, ou, por outro, possua documentos a este respeito.
50 Daqui decorre que o tribunal nacional que deva decidir se, num determinado caso, existe operação tributável, tendo a Administração Fiscal alegado no processo que a existência de irregularidades cometidas pelo emitente da fatura ou por um dos seus fornecedores, como omissões contabilísticas, deve zelar por a apreciação da prova não conduza a esvaziar de sentido a jurisprudência recordada no n.º 48 do presente acórdão, obrigando de forma indireta o destinatário da fatura a proceder a verificações junto do seu contratante que, em principio, não lhe incumbem.»
E a final declarou:
«(…)
2- Os princípios da neutralidade fiscal, da proporcionalidade e da confiança legitima devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que seja o direito a dedução do imposto sobre o valor acrescentado pago a montante seja recusado ao destinatário de uma factura, por inexistência de uma operação tributável efectiva, quando, no aviso retificativo de tributação enviado ao emitente da fatura, o imposto sobre o valor acrescentado declarado pelo emitente não tiver sido corrigido. Contudo, se, por causa de fraudes ou irregularidades cometidas pelo emitente ou a montante da operação invocada como base do direito a dedução, se considerar que essa operação não foi efectivamente realizada, deve provar-se, perante elementos objectivos e sem exigir ao destinatário da fatura verificações que lhe não incumbem, que o mesmo destinatário sabia ou tinha obrigação de saber que a operação estava implicada numa fraude ao imposto sobre o valor acrescentado, o que cabe ao tribunal de reenvio verificar.» (sublinhado nosso)
(…)
No caso, repete-se, estando demonstrado que a ora Recorrida adquiriu a mercadoria em causa, teria a administração tributária que recolher indícios bastantes de que a recorrida sabia ou devia saber que quem lhe estava a vender não era a pessoa que figurava nas facturas.
E não tendo tal acontecido, concluímos que a administração tributária não recolheu indícios que legitimam a sua actuação no sentido de não aceitar a dedução do IVA mencionado nas facturas em causa nos autos, ou seja, não cumpriu com o ónus que sobre si impendia no sentido de fundamentar as liquidações impugnadas, as quais estão, assim, feridas de ilegalidade, impondo-se assim acompanhar a decisão recorrida quando determinou a anulação das liquidações impugnadas.”. (fim de citação)

Retomando o caso dos autos

Segundo a AT encontramo-nos perante uma simulação relativa aos intervenientes na operação, ou seja, o sujeito passivo emitente da fatura não corresponde ao sujeito passivo fornecedor da mercadoria ou prestador dos serviços em causa, por foça da dissolução da Sociedade emitente em momento anterior às datas constantes das facturas, e a Requerente, por seu turno, não poderia ignorar esse facto, pois que o mesmo foi alvo de registo do encerramento da liquidação por acto público sujeito a publicação na respectiva conservatória.

Segundo este raciocínio, que aqui reportamos constante do relatório de Inspecção Tributária (RIT) as facturas emitidas pelas empresas M., Ld.ª à Recorrente não titulam transações comerciais reais para efeitos de permitir a dedutibilidade do IVA incorrido pela Recorrente nas respetivas aquisições, tratando-se assim de operações simuladas, nos termos do número 3 do artigo 19.º do Código do IVA.

Cumpre aqui retomar a fundamentação constante do RIT, subjacente às liquidações impugnadas, constantes da matéria de facto dada como provada sob alínea E), que atenta a sua singeleza aqui se produzem na integra:
III.1.2. Situação de Facto
No dia 21 de Junho de 2004, por escritura pública, o sócio único, senhor M., dissolveu e liquidou a M. Lda., por, segundo aquele, a sociedade ter deixado de exercer a sua actividade. (Anexo 4)
Neste acto, o Sr. M. declara:
- ser o único sócio da sociedade;
- que a sociedade deixou de exercer a actividade;
- que tendo resolvido dissolver a sociedade, pela presente escritura, a dissolve e liquida para todos os efeitos legais, não havendo lugar à partilha por ter declarado não haver qualquer activo ou passivo;
- que as contas foram aprovadas e encerradas nesta data.
Em 15 de Setembro de 2004, procedeu à cessação da actividade, para efeitos de IVA e de IRC.
Tal acto foi registado na Conservatória do Registo Comercial de (...) pela apresentação n.º 16, do dia 16 de Setembro de 2004, tendo, assim a sociedade cessado a sua existência enquanto pessoa colectiva. (Anexo 5)
III.1.3. Situação de Direito
A factura emitida em nome da sociedade M. Lda., para a sociedade V., tem data posterior à sua dissolução e liquidação.
Os procedimentos efectuados pelo sócio e gerente da empresa perante as entidades públicas acima referenciadas (Notário e Conservador do Registo Comercial) comprovam que este pretendia a extinção jurídica da sociedade.
Nos termos do disposto no oficio-circulado nº 020063, de 2002.03.05, emitido pela Direcção de • Serviços do IRC, a cessação de actividade para efeitos de IRC deverá reportar-se à data do registo do encerramento da liquidação, por ser esse o momento em que se considera extinta a sociedade.
Por sua vez, o n.º 2 do artigo 160.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), refere:
“A sociedade considera-se extinta, mesmo entre os sócios e sem prejuízo do disposto nos artigos 162.º a 164.º pelo registo do encerramento da liquidação.”
Face a essas diligências, entende a Lei que a empresa se encontra extinta, não podendo realizar operações activas ou passivas.
Ora, se a sociedade, à data da emissão das facturas, se encontra extinta, não tem personalidade jurídica susceptível de lhe conferir obrigações perante o Estado, pelo que quaisquer contratos celebrados entre o gerente e outras entidades, após a extinção da empresa, não poderão ser consideradas na esfera desta.
O n.º 1 do art.º 19º do CIVA refere que:
“Para efeitos do apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzirão, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram:
a) O imposto devido ou pago pela aquisição de bens ou serviços a outros sujeitos passivo”
Ora, no caso em apreço, estamos na presença de uma sociedade extinta, logo não estamos na presença de um sujeito passivo, tal como é definido no art.º 2º do CIVA. Deste modo, o IVA mencionado na factura timbrada em nome de M. Lda., suportado pela V., não confere direito à dedução, considerando-se, portanto, que tais deduções são indevidas.
Também o n.º 3 do mesmo art.º 19º refere que:
“Não poderá deduzir-se imposto que resulte de operação simulada (...) “
No caso em apreço, o sócio e gerente da empresa extinta declarou perante o Notário não haver lugar à partilha por não haver qualquer activo ou passivo. Havendo-os eles teriam de ser partilhados pelo sócio, de modo a poder ser efectuada a liquidação da empresa, o que significaria que os elementos activos, por exemplo, as existências teriam de ser afectas ao único sócio. Uma vez extinta a sociedade, a mesma não pode juridicamente, efectuar novas aquisições de bens. Em 15 de Setembro de 2004 procedeu à cessação da actividade para efeitos de IVA e IRC, logo, à data da emissão da factura já não existia para efeitos de jurídicos e fiscais, não tendo bens para alienar à sociedade V., pelo que não poderá ter sido a sociedade M. Lda. a vender as matérias-primas à V..
Assim, houve simulação da operação no que diz respeito à identidade do fornecedor dos bens.
Portanto, também pelo referido no n.º 3 do art.º 19º do CIVA concluímos pela ilegalidade da dedução de IVA, cujo documento de suporte é a factura timbrada em nome da empresa M. Silva Rocha” (fls. 9 a 11 do PA);”

Repristinando-se a jurisprudência deste TCAN e do STA que supra citamos, quando a AT desconsidera facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova previstas no artigo 74.º da LGT, competindo a esta fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, que existem indícios sérios de que a operação constante das facturas não correspondem à realidade, passando então a incidir sobre o sujeito passivo do imposto o ónus probatório da veracidade da transação.

Vejamos, então, não perdendo de vista o enquadramento jurídico gizado relativamente ao ónus da prova e considerando os factos apurados em sede inspetiva, com vista a dar resposta ao objecto do presente recurso, saber se resulta dos factos considerados provados que a AT fez prova da verificação de indícios que lhe permitiam concluir que as facturas relativamente às quais o IVA nelas inserido foi desconsiderado não tiveram subjacentes quaisquer operações económicas realizadas entre a M., Ld.ª e a ora Recorrente.

Sendo que em 1ª linha, apenas importa a invocação e aferir dos indícios apontados pela AT, supramencionados, legitimadores da sua actuação de liquidação.

Por conseguinte, em face da factualidade dada como provada em momento algum a AT vem negar expressamente que a ora Recorrente tenha adquirido as matérias primas inerentes às duas facturas em causa, ou demonstrado com base em indícios objectivos, que a Recorrente sabia ou devia saber que quem constava na qualidade de emitente das facturas não já não existia para efeitos jurídicos e fiscais por força da sua dissolução, antes invocando tão só e considerandos indícios subjectivos decorrentes da publicidade inerente aos actos registrais (registo na Conservatória do Registo Comercial de (...) em 16.09.2004 – cessação da actividade e liquidação da sociedade e respectiva publicitação), redundante de simulação da operação no que diz respeito à identidade do fornecedor dos bens.

De facto, a esmagadora maioria da prova carreada para o processo administrativo tributário refere-se aos factos praticados pela emitente das facturas concludentes da sua dissolução extinção enquanto sociedade, mas em momento algum ligando estes actos à Recorrente, ainda que indiretamente desmaterializando por exemplo as operações tituladas pelas duas facturas, prova ou concretiza em que termos é que esta teria de saber que as operações eram simuladas no que diz respeito à identidade do fornecedor.

Em suma, a conclusão que a AT retirou dos indícios constantes do RIT quanto à emitente das facturas em causa nos autos não lhe permite, sem mais, extrair a conclusão de que as operações em que a Recorrente esteve envolvida eram simuladas, ou que esta tinha condições de saber que a identidade do fornecedor era simulada e como tal fazia parte de um eventual esquema fraudulento e que, nesse pressuposto, os fornecimentos que lhe foram efetuados não conferem direito à dedução do correspondente IVA.

Acresce que as conclusões alcançadas na sentença recorrida que as facturas desconsideradas traduziram efectivamente transacções entre a Recorrente e M. (único sócio da extinta M., Ld.ª) não releva, apenas podia ser considerado no passo seguinte a ser considerado que se mostravam preenchidos os pressupostos para actuação da AT.

Porquanto, entende este Tribunal de recurso, que os elementos supra aludidos ponderados à luz da experiência, fundamentados no âmbito de um quadro de grande probabilidade, AT não logrou demonstrar haver indícios suficientes de facturação falsa que legitimasse a correcção das liquidações de IVA e juros compensatórios impugnadas.

Nesta conformidade, impõe-se conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação judicial procedente.

2.3. Conclusões

I. No caso de facturas falsas, compete à AT fazer a prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação correctiva e, só caso o faça, passa a recair sobre o contribuinte o ónus da prova da existência e dimensão dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito à dedução do imposto.

II. Impõe-se, portanto, à Administração Tributária abalar a presunção de veracidade da declaração do imposto e dos respectivos documentos de suporte, atento o princípio da declaração vigente no nosso direito (artigo 75.º da LGT), só depois passando a competir ao contribuinte o ónus de provar a veracidade do declarado, o que quer dizer que se a Administração Tributária não fizer prova do bem fundado da formação do seu juízo, a questão relativa à legalidade do seu agir terá de ser resolvida contra ela, sem necessidade de ir analisar se a Impugnante logrou ou não provar, em tribunal, a veracidade da declaração.

III. Para que a Administração Tributária, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 19.º do CIVA, obste à dedução do IVA mencionado em facturas existentes na escrita do contribuinte e relativamente às quais considera não se terem efectivamente realizado as operações nelas consubstanciadas, não tem de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros – cfr. artigo 240.º do Código Civil) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende.

3. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, em consequência, julgar a impugnação procedente.
*
Custas a cargo da Fazenda Pública, em ambas as instâncias, pois nelas sai vencida (cfr. artigo 527.º, n.º 1 e 2, do CPC), as que não abrangem a taxa de justiça devida nestes autos, uma vez que não apresentou contra-alegações.
*
Porto, 14 de Outubro de 2021

Irene Isabel Neves
Ana Paula Santos
Margarida Reis